quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18170: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (53): três balas de kalash para uma missão suicida: o trágico fim do ex-soldado 'comando', Cissé Candé, em abril de 1978


Guiné > Região de Bafatá > Fajonquito > Junho de 1972 > CCAÇ 3549 / BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74> Equipa dos Condutores e Faxinas: da esquerda para a direita: José Maria, Vasconcelos, Carvalho e Fernando Mandinga. Na primeira fila: Jorge Suleimane, Barbosa (Mamassaido), Braima Banassé e o Francisco (Cherno-Dabo).

Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Cherno Baldé, foto atual. Gentileza
da sua página no Facebook.
I. Mensagem do nosso amigo e grã-tabanqueiro Cherno Baldé, com data de ontem:

Caros amigos Luis e Carlos Vinhal,

Antes de tudo, espero que tenham entrado com o pé direito neste ano novo, com votos de saúde e felicidades junto dos seus entes queridos. Também aproveito o ensejo para desejar, a todos os meus amigos reais e/ou virtuais do Blogue da Tabanca grande, votos de festas felizes e prosperidade no ano novo que agora inicia.

Juntamente envio um texto para vossa apreciação e posterior publicação, caso assim o decidam.

Eu passei as festas de Natal na minha aldeia de Fajonquito e a passagem do ano em Bissau com a família.


Um grande abraço de estímulo e de encorajamento para mais um ano de luta e de trabalho para uma vida melhor.

Cherno A. Balde



Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > 1970  > Grupo da 1.ª CCmds Africanos, em formação. Vê-se na segunda fila, sentado, o cap 'cmd' graduado João Bacar Jaló. Não temos nenhuma foto do Cissé Candé, natural de Fajonquito,  que pertencia à 2.ª CCmds Africanos, tal como o nosso saudoso Amadu Djaló.

Foto: © Virgínio Briote / Amadu Djaló (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagen: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


II. Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (53): 

Três balas para uma missão suicida (*)

por Cherno Baldé

Fajonquito, Abril de 1978

Os dias sucediam-se normalmente nessa época seca. As mulheres continuavam a levantar-se cedo para pilar o milho que seria utilizado para matar a fome das crianças que passavam os dias em casa durante o dia e no período da noite quando os homens voltassem dos trabalhos da preparação dos terrenos no campo para a época das chuvas que se aproximava e das pastagens longínquas situadas para lá das bolanhas de Berecolóm e Sunkudjumá.

A vida na aldeia decorria calmamente, entrecortada aqui e ali por questões mundanas, de querelas por mulheres e roubos de gado num contexto em que, cada vez mais, a autoridade de Estado deixava de se fazer sentir nas zonas mais periféricas do pais.

A contrastar com o sentimento de alguma insegurança e de incerteza politica, eram os festejos ligados à independência recente do país com danças frenéticas, acompanhadas de tambores e cânticos das mulheres nos seus trajes multicolores, embora o entusiasmo fosse cada vez menor, assim como a adesão das multidões. “Bhê-Tchebhiríma-ey!” (estamos fartos desta gente) diziam em surdina os mais ousados. Manifestações de apoio seguidos de reuniões intermináveis, todos os dias, era demais para os pobres camponeses que não podiam desperdiçar seu precioso tempo em futilidades.

Para o jovem Cissé (1), todavia, a preocupação era outra. Desmobilizado dos Comandos Africanos, tinha regressado à aldeia havia pouco tempo e, sem problemas de maior, tentava reintegrar-se na vida e nos trabalhos da aldeia na companhia do seu grupo de idade e dos irmãos mais novos, esperando poder mostrar aos mais velhos da aldeia que a vida militar não mudara em nada a sua aptidão e afinco no trabalho que aprendera desde os primórdios da sua juventude.

Ao mesmo tempo, as informações que circulavam não o deixavam sossegado. Os rumores davam o tenente Djamanca, o Carlos Bubacar Djau (2), o Sedjali Embaló (3) e outros, antigos oficiais e colegas do Batalhão dos Comandos, como presos algures em lugar incerto, talvez mortos, e havia que encontrar uma solução o mais rápido possível.

Uma noite decidiu falar com a mulher sobre o assunto. Deviam emigrar para o Senegal, afastar-se por algum tempo, deixar a poeira assentar. Que não, respondera a mulher, emigrar agora e deixar a família com um bebé nos braços, não podia ser, que esperassem ainda um pouco, talvez depois da próxima campanha agrícola.

Os olhos de Cissé emudeceram de lágrimas contidas, pois a mulher não compreendia o desespero da situação e ele sabia que não podia mostrar sinais de fraqueza. Precisamente, ele planeava passar as chuvas já no outro lado da fronteira. Nos dias que se seguiram falou com os seus pais, em especial com o tio paterno sobre o assunto, pedindo-lhes que intercedessem para convencer a mulher no maior sigilo possível, pois o assunto não podia ser do conhecimento público.

Entre outras coisas, chamou-lhes atenção sobre a presença assídua do homem da segurança do Estado que aos olhos de todos não passava de um idiota qualquer, animador da vida social na aldeia em promiscuidade constante com as mulheres, mas que, na realidade, trabalhava para a sua perda. Era ele que controlava a situação na aldeia e arredores, transmitindo as informações ao mais alto nível do Partido e da região. Passava todos os dias nas moranças como se viesse simplesmente cumprimentar os homens grandes, mas o objectivo era outro e Cissé sabia-o, sentindo-se vigiado por olhos e forças invisíveis cujo cerco se apertava de dia para dia.

Sentindo-se incompreendido e encurralado, não podendo aguentar mais, o jovem ex-comando começou a ser violento nas suas atitudes e numa tarde quente do mês de Abril [de 1978], por da cá aquela palha, passou mesmo a vias de facto com a mulher, tendo-a agredido e provocado alguns ferimentos na cabeça. Chegados ao posto sanitário para tratamento e, pela sua gravidade, o caso foi levado junto das autoridades que lhe deram ordem de prisão, sendo encarcerado dentro da residência do responsável pela segurança. Na solidão do cárcere, concluiu que aquilo que ele temia há muito, tinha finalmente chegado e agora estava nas malhas dos agentes da segurança, donde nunca poderia sair.

Por volta das 20 horas, já a noite se tinha abatido sobre a aldeia e, no desespero da causa, forçou a
janela do pequeno quarto que lhe servia de cela, saiu para a varanda da casa e reentrou, pelas traseiras, no quarto do homem da segurança e, como previa, estava ali a Aka (HK-47)  [foto à direita], pendurada na parede da casa. Inspeccionou e viu que a arma continha somente três balas. Abanou a cabeça de tristeza. O que poderia fazer com três balas num momento tão decisivo!?... Teria pensado. Saiu, contornando a área e dirigindo-se ao posto sanitário situado na zona central da aldeia, onde, nesse preciso momento e com a ajuda de um candeeiro petromax, estavam a suturar os ferimentos que ele tinha causado à sua esposa durante a briga da tarde. 

Apontou a arma para o circulo iluminado, não se sabendo bem se para matar a esposa desobediente, se o responsável da segurança que o tinha preso ou alguém do grupo dos curiosos que, entretanto, se tinham amontoado. O tiro da Kalash ecoou no ar e o candeeiro foi projectado pelos ares, aterrando-se a uma dezena de metros de distância. Entre gritos e gemidos de aflição, a multidão dispersou-se na noite escura, espalhando a noticia de um ataque a aldeia…, de mortos e de feridos…

Tudo leva a pensar que o Cissé ficou convencido ter cometido um acto tão irreversível quanto imperdoável e que poderia determinar o seu destino final, destino esse que, durante muito tempo na sua vida de soldado comando e em inúmeras ocasiões, durante as arriscadas missões em que participara, teria pensado, sem conseguir descortinar as suas reais formas. Quantas vezes perguntara a si mesmo quando e como seria a sua morte. Por bala ou por acidente? A única certeza que tinha era que não seria por doença.

Saiu da sua trincheira improvisada, contornou de novo a aldeia, seguindo por um trilho de cabras que atravessava a barreira dos arames farpados, entre o bairro mandinga de Morcunda e as ruínas do antigo quartel, embrenhando-se na escuridão dos arbustos à volta da pista de aviação, onde teria passado parte da noite, mergulhado na convulsão dos seus pensamentos confusos e de lembranças antigas da sua curta mas agitada carreira militar que agora subiam à tona.

Enquanto os guerrilheiros vindos em reforço andavam à sua procura no mato adjacente, durante a madrugada, qual animal ferido, ele teria voltado, sorrateiramente, junto a sua casa e, não tendo encontrado a esposa, ficara emboscado nas suas traseiras à espera dos primeiros raios do sol para finalizar a sua operação.

De manhã cedo, estavam os pais (o pai propriamente dito e seu tio, irmão do pai), sentados no “bentem” dos homens grandes, no centro da morança, a falar sobre os acontecimentos do dia anterior e, certamente, a reflectir sobre as possíveis consequências e medidas de precaução a tomar já que o problema se transformara, perigosamente, num caso de segurança de Estado com toda a região militar Leste em prevenção e de alerta máxima e, eis que surge, de repente, o vulto longilíneo de Cissé à porta da sua cubata, a poucos metros, com uma arma nas mãos e que os intimida nos seguintes termos:
- Olhem para o sol, seus velhacos, porque esta é a vossa última oportunidade em vida!!!

Todas as opiniões convergem no sentido de que ele dirigia estas palavras especialmente ao seu tio, com o qual nunca se dera bem, e que, na sua opinião, tinha contribuído negativamente para as difíceis relações com a sua mulher. Caçador profissional experiente, foi o primeiro a reagir, atirando-se ao chão num instinto de defesa. O mais velho, não sabendo ou não podendo reagir a tempo, ainda ficou petrificado e incapaz de reagir até sentir o assobio do projéctil perto das suas orelhas, para a seguir, também, imitar o irmão mais novo e estender o seu corpo esquelético e comprido no chão vermelho de poeira da sua morança como se estivesse morto, pensando na ousadia e atrevimento daquele garoto que ele criara com todo o amor de pai, antes de crescer e se transformar naquela máquina de Guerra insensível que os brancos apelidavam de Comandos africanos.

O Cissé tinha feito bem as contas, e pensando ter morto a esposa e os pais e, na certeza de que agora só lhe restava uma única bala, virou a Aka e meteu-a dentro da sua boca, premindo o gatilho. Era o fim…

Era o fim de um homem, de um jovem que tinha escolhido ser militar, um soldado da elite, que tinha participado e saído ileso nos assaltos as barracas de Oio e Morés em 1971; da invasão de Conakry em 71; que tinha visto com os seus olhos o cenário dantesco de morte e destruição na bolanha de Cufeu, em Maio de 73, durante o cerco a Guidage; da missão suicida e fratricida de Kumbamory em Junho do mesmo ano, dos raides e emboscadas sofridas naquele regresso lento e doloroso até à fronteira… E que tinha concluído que a vida sem honra e sem a dignidade, por que sempre lutara, não valia a pena ser vivida.

Foi assim o fim de um Comando africano, filho da aldeia de Fajonquito no Regulado de Sancorla, que no momento decisivo da sua vida, sentindo-se encurralado pelas estranhas circunstâncias da vida e incompreendido pela própria família, não querendo ser humilhado pelos Comissários do PAIGC pelos quais não nutria nenhuma simpatia e cuja legitimidade não reconhecia, só tinha três balas para cumprir a sua derradeira e última missão. Estava assim escrito que morreria de uma bala do inimigo, atirada pelas suas próprias mãos. Que a sua alma possa repousar em paz.

Nesse mesmo dia, quando chegaram os guerrilheiros, o Comandante da segurança, olhando para o corpo inerte de Cissé e o rio já escurecido de sangue que esvaíra da sua garganta esventrada, disse seca e asperamente aos homens e mulheres ali presentes:

- Este corpo que estão a ver é o de um cão nojento dos colonialistas que nos poupou o trabalho do seu fuzilamento.

Agora pergunta-se: Quantas vidas, quantos jovens ex-soldados, Comandos e não só, enganados e abandonados a sua sorte após a independência, terão sido obrigados a viver dramas semelhantes ou, dito por outras palavras, quantos terão sido imolados no altar dos quiméricos acordos e tácitos entendimentos entre o exército Português e os guerrilheiros do PAIGC, durante o processo da descolonização?

Feito em Fajonquito, aos 25 dias de Dezembro de 2017.

Com os testemunhos de Suleimane Pendo Baldé (o Camões); e de Mamadu Saido Candé (o Barbosa); com a autorização de publicação de Sambaro Candé (o João Henriques), irmão mais novo de Cissé Candé; tradução e texto de Cherno Abdulai Baldé (o Chico de Fajonquito).
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Notas do autor:

(1) Cissé ou Sissé Candé (as duas formas são utilizadas tanto para grafar nomes ou apelidos; no caso dos Mandingas é um apelido e para os Fulas de Gabu é um nome próprio mas de origem Mandinga). Desconheço como era escrito o nome do ex-comando que, pelas informações recolhidas, pertencia a 2.ª  Companhia dos Comandos Africanos.

(2) Carlos Bubacar Jau era natural de Fajonquito, foi alferes cmd da 2.ª Companhia e teria sido ele a patrocinar a entrada do Cissé nos Comandos.

(3) José Manuel Sedjali Embaló, natural de Fajonquito, era 2.º Sargento e pertencia à 1.ª  Companhia de Comandos.

Informação complementar  do editor:

Elementos recolhidos  a partir da pesquisa do cor inf ref Manuel Bernardo:

Abdulai Queta Jamanca: tenente“Cmd”, Cmdt CCaç 21 > Fuzilado em março de 1975, em Bambadinca. Incoprado em 12-1-1956, nasceu em 5/1/1937, em Farim; pertenceu originalmente à 1.ª CCmds Africanos. Era de descendência nobre ("príncipe fula").

Carlos Bubacar Jau: Alferes “Cmd” 2.ª CCmds Africanos; fuzilado no Cumeré; incorporado em 7-11-1971; nasceu em 13-3-1946, no concelho de Bafatá.

Sijali Embaló; furriel “Cmd” 1.ª CCmds Africanos. Fuzilado em 1974 no Cumeré: foi incorporado em  24/10/1966; nasceu em  7/5/1946, em Bafatá (concelho).
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 3 de janeiro de  2017 >  Guiné 61/74 - P16913: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (52): à semelhança da França (em relação aos seus "tirailleurs sénégalais"), quando é que Portugal reconhece aos seus antigos soldados guineenses a nacionalidade portuguesa?

Vd. primeiro poste da série > 19 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão

Guiné 61/74 - P18169: Memória dos lugares (368): A Guiné-Bissau vista por Michel Renaudeau (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
É de salientar que estas imagens terão sido captadas aí à volta de 1977, dá para perceber que o património arquitetónico deixado pela potência colonial ainda não foi desvirtuado, as ruas estão limpas, os jardins tratados.
Este álbum terá sido encomendado para mostrar as potencialidades turísticas, o exotismo, a diversidade étnica, as potencialidades agrícolas. Tem um resumo propagandístico da história do PAIGC e da luta de libertação. Vasco Cabral, o poderoso comissário da Economia, fala de plantações de cana-de-açúcar para 60 mil toneladas. René Dumont ficou alarmado quando ouviu estes números e fez as contas, teria um preço incomportável.
É um tempo de sonhos, de fantasias e de uma ingenuidade que custou muito caro.

Um abraço do
Mário


A Guiné-Bissau vista por Michel Renaudeau

Beja Santos

Este fotógrafo francês terá recebido a encomenda do Banco da Guiné-Bissau para preparar duas obras de prestígio, para consumo externo, estamos numa fase da governação de Luís Cabral em que era reconhecida a necessidade de captar investimentos, indispensáveis quer como contrapartidas para projetos que tinham doadores, quer para outros em que não se perfilavam oportunidades. Há um livro, exatamente este, para mostrar as potencialidades do país mostrando lugares, pessoas, a agricultura, o turismo, nunca esquecendo a natureza luxuriante. O outro livro, de que se falara noutra oportunidade, é exclusivamente destinado a mostrar o que o país precisa, num quadro em que há economia planificada mas onde também se põem janelas de oportunidade para a exploração agrícola e para as pequenas indústrias.


Tenho visto lindas fotografias de Cacheu mas considero esta inultrapassável: o ângulo, a ligação do pano de muralha à água e o que dela brota, a esterilidade do interior e a floresta ao longe. É um ângulo que evita a mostra vergonhosa das estátuas arrancadas dos seus pedestais. Felizmente que se começa a repensar que o país não pode iludir a sua memória e que aqueles vultos escolhidos pelo regime colonial, goste-se ou não, são pertença da história da Guiné-Bissau, falam português e guineense, e para todo o sempre.



Primeiro o artesão, porque a panaria cabo-verdiana-guineense é de uma enorme beleza, os Manjacos dão cartas nestes panos coloridos ou a preto e branco, de uma rara harmonia, de uma intensa sensibilidade. E a seguir temos o griot, o tocador de korá, trouxe seguramente longos, prolongados recitativos com que irá homenagear quem lhe encomendou a festa. Olhei demoradamente esta fotografia, penso que este griot veio a Bambadinca, talvez em 1970. Nota-se que está bem-disposto, lança um olhar faceto ao fotógrafo como se dissesse: tira mais fotografia!



Temos agora a nostalgia de Bolama. Quando visitei a cidade, em 1991, já o Hotel do Turismo parecia um escombro e no entanto havia aqueles sinais da Arte Nova já a anunciar um certo geometrismo que preparará a Arte Deco. Sabemos que as cidades se arruínam e desaparecem, sabemos hoje que Bolama é um fantasma do que foi, creio que ainda lhe resta uma das joias da coroa, a Tipografia Bolamense, a Imprensa Nacional da região, aqueles carateres são uma obra-prima, oxalá os saibam preservar. Mesmo desfocada, a segunda imagem dá para perceber como era chegar a Bolama, hoje está tudo diferente com o assoreamento. Gostava muito de lá voltar.



Fora o Palácio do Governador, até 1941, com a presença militar em Bolama ainda houve obras de manutenção. Creio que jamais estas voltaram a acontecer. Quando por aqui andou Michel Renaudeau, o palácio convertera-se na habitação oficial do presidente do comité da região.

A segunda fotografia ainda hoje me faz estremecer, é a entrada do Bissau Velho, a casa de ocre vermelho ainda consegue olhar para o cais do Pidjiquiti, por uma nesga, e depois entrava-se numa zona de intenso comércio, onde era possível encontrar coisas extraordinárias que não havia em Portugal. Nenhum combatente que desembarcou naquele cais e que esperou alguns dias antes de ser remetido para uma alfurja da guerra deixou de por aqui andar, há aqui qualquer coisa de vila do interior, tipo Penalva do Castelo, que define o caráter português de uma pequena povoação adaptada aos trópicos, em baixos os sobrados, por cima a casa e depois a varanda. Um Bissau Velho que devia ser tratado com respeito, quando o Governador Carlos Pereira mandou derrubar, no virar para o século XX as muralhas que cercavam Amura, foi por aqui que Bissau se expandiu, aqui cresceu a azáfama dos negócios, perto do porto por onde saíam as mercadorias e entravam os mercadores. Folheando o álbum, ocorre outra leitura, tudo estava limpo, aqueles lugares pertenciam a todos, não era para abandalhar. Infelizmente, o abandono está marcado pelo desleixo e aquela terrível indiferença de viver pacificamente com o lixo e o miasma.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18154: Memória dos lugares (367): "Guiné-Bissau e Cabo Verde", fotografia de Ulisses Rolim - Para lá do Tcheche, amor pelas gentes de Lugadjole (Mário Beja Santos)

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18168: Manuscrito(s) (Luís Graça) (136): testamento vital















Portugal > Vila Nova de Gaia > Canidelo > Praia de Salgueiros > Restaurante Mar à Vista > Av. Beira Mar, 1143 > 21 de dezembro de 2017 > Entre as 17h45 e as 17h53 > Adorador do sol, me confesso. O último pôr do sol que fotografei o ano passado...  Por sorte ía um navio a passar ao largo, possivelmente saído do porto de Leixões, quando o sol já  se punha na linha do horizonte... 

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. O passadiço marítimo Gaia-Espinho é um dos encantos do sítio (Madalena) aonde eu vou passar o Natal, o Ano Novo e a Páscoa... Confesso que não sei qual é a sequência das praias, a contar da Foz do Douro... Só conheço duas ou três: Lavadores. Salgueiros, Madalena, Valadares... Mas para mim é tudo praia da Madalena... que ficou tristemente famosa por, em 1988, vai agora fazer 30 anos, um gigantesco navio porta-carros, japonês, lá ter encalhado  (e naufragado) com um carregamento de 5400 Toyotas!... Foi um dos maiores desastres ecológicos na nossa costa!...Durante anos deixei de lá pôr os pés, desgostoso... 

Mas hoje nunca perco a oportunidade de lá voltar e ir fotografar o pôr-do-sol, especialmente no fim do ano... além de dar uma passeata e dois dedos de conversa com os/as amigos/as... Este ano sairam-me estas fotos que mereciam uma legenda poética, que fica por fazer... Enfim, fui rebuscar os meus escritos do verão passado. Achei que este ("Testamemto vital") era apropriado... LG

Testamento vital

por Luís Graça

Confesso que sou um adorador do sol,
venero o sol como um deus,
devo a vida ao sol.
Perturbam-me os eclipses, totais ou parciais, do sol.
Extasio-me com o pôr-do-sol, e não tanto com o nascer.
Sei que o sol é um dado adquirido,

conto com ele todas as manhãs, ao acordar,
mesmo em dias de céu nublado,
mas um dia, daqui a alguns milhões de anos,
o sol apagar-se-á. 
Ou implodirá.

Pensava-o imortal:
quando descobri, aos catorze ou quinze anos,
que um dia o sol iria morrer,
tornei-me ateu (ou, talvez melhor, agnóstico,

ou talvez nem isso: 
tive muito simplesmente a minha primeira crise existencial).

Nunca liguei ao sol na Guiné,

na minha segunda crise existencial.
Ou melhor: odiei-o, com um ódio de morte.
Não tinha o mar, no interior, no mato,
para me deslumbrar com o pôr-do-sol.
Além disso, detestava o sol porque havia guerra,
e penosas operações que nos levavam 

à insolação, à desidratação
e, "in limine", à morte.

Odiei o sol da Guiné,
razão por que sempre preferi a noite.
Dormia de dia, sempre que podia.
E, quando eu morrer, 

se eu ainda puder decidir
(, isto é, escolher onde e quando...),
pois então eu peço para morrer 

ao pôr-do-sol, 
frente ao mar da minha infância...

Não, ainda não escrevi o meu testamento vital,
mas espero ainda ir a tempo de o fazer

e de lá pôr essa cláusula:

“Minha querida Chita,
não posso morrer na tua/nossa Quinta de Candoz,
onde o sol se põe às cinco da tarde,
emparedado pelas montanhas...

"Como um dia te escrevi,
em 8 de setembro de 2008,
na Praia da Peralta:

"(...) Posso gostar das tuas montanhas
e das tuas albufeiras
e das tuas florestas de castanheiros e carvalhos,
da gente rude e franca do teu norte,
mas preciso de regressar ao meu sul,
de vez em quando,
para respirar como as baleias" (...)

Praia da Areia Branca, 
Lourinhã, 22 de agosto de 2017.

In: Cancioneiro de Candoz (1999-2017), 3ª ed. revista e aumentada, 2017, pp. 43-44.
______________

Nota do editor

Último poste da série > 1 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18162: Manuscrito(s) (Luís Graça) (135): Bons augúrios para 2018!

Guiné 61/74 - P18167: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XVIII: 24-26 de outubro de 2016, Sidney, Austrália


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Austrália > Sidney

Fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Parte XVIII (Segundo volume, pp. 27-32)





1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

Sinopse (*):

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016;
(ii) três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);
(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017). No dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano. Navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;


(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;


(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016:

(vii) visita à Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016)


Sidney, Austrália


We got into Port Jackson( Sidney) early in the afternoon and had the satisfaction of finding
the finest harbour in the world.

Capitão Arthur Philip, em 1788


Três dias em Sidney mas poderiam e deveriam ter sido três meses. Estou num dos mais prodigiosos conglomerados urbanos do globo.

O navio chega a horas improváveis, 11,45 de uma noite de Primavera australiana, límpida e fria. Faz quilómetros e quilómetros por dentro da sinuosa baía, aproxima-se da Opera House, da Harbour Bridge e vai acostar exactamente entre este dois ex-libris de Sidney [Fotos nºs 1 e 2].

A Ópera está iluminada por um azul tenro, meio intenso, meio suave que sobressai entre ténues vapores da noite. A ponte, concluída em 1932, com quatro pilares e o arco duplo de meia volta, mostrase em tons de cinza clara e os pilares num amarelo forte. Subo ao 11º andar do Costa e faço as que serão as minhas melhores fotografias da estadia em Sidney, slides onde o real do lugar e o envolvente fantasmagórico nocturno se interpenetram.

De manhã, começo o reconhecimento da cidade no alto de um autocarro de dois pisos, Hop On, Hop Off. Subir pela Elisabeth Street até ao Hyde Park cá do sítio, avançar para King’s Road, leio que cheia de vida nocturna -- cem mil histórias, infindáveis etecetras do passado relacionados com drogas e sexo --, dar uma vista de olhos pelos cais onde estacionam as novas naus da marinha australiana, subir outra vez em direcção à Estação Central, passar ao lado da Chinatown, descer para Darling Harbour e seguir para The Rocks, completando o itinerário. Em vez de sair, continuo viagem no autocarro para uma segunda volta pelo burgo. Os mesmos lugares, agora com a noção correcta de onde descer e subir.

Saio em Darling Harbour, frente ao Museu Marítimo. Tenho diante dos olhos uma réplica da nau Endeavour [Foto nº 3], comandada pelo capitão James Cook (1728-1779), o homem que, com este barco, aportou à Nova Zelândia e às terras austrais e é tradicionalmente considerado como o descobridor da costa sudeste da  Austrália. No entanto, este vasto continente já teria sido conhecido pelos portugueses, logo no início do século XVI, quando Cristóvão de Mendonça e os seus homens navegaram desde Java até ao norte da Austrália, com chegada em 1522.

A seguir ao Museu Marítimo, a ponte Pyrmont, reservada a peões, atravessa a pequena baía e por aí encaminho os meus passos. Tudo apetecível, colorido, edifícios recentes debruçados sobre as águas, apartamentos de luxo, o museu das figuras de cera da Madame Toussaud, um aquário, outro pequeno museu da Vida Selvagem, e cafés, restaurantes, lojas caras. Até há um gigantesco casino, The Star, também hotel, com apartamentos e mais espaços comerciais. Quanto dinheiro circula todos os dias por esta Sidney?

Avanço por Market Street e subo para o centro da cidade. A Sidney Tower [Foto nº 4], com os outros arranha-céus em redor, ascende elegante aos 268 metros. Em baixo, os edifícios vitorianos de finais do século XIX, com fachadas trabalhadas e os halls de entrada decorados com madeiras e estuques, à moda antiga. Adiante, shoppings e malls do melhor por onde entrei em já tantos anos de vida, lojas de luxo, Dior, Louis Vuitton, Chanel, Versace, etc., e as mais plebeias Zara e H&M. Depois a Town Hall, a câmara municipal, de 1889, com 57 metros de altura, na época o  edifício mais alto da Austrália. 

Desço para Pittstreet e após voltas e mais voltas pelo centro de Sidney, de ter comprado umas calças em saldo, de excelente qualidade – mas made in China, como descobriria na etiqueta, mais tarde --, foram mais de dois quilómetros a pé até ao Costa, ancorado junto a The Rocks, o primeiro porto de Sidney junto ao qual a cidade nasceu e cresceu. No caminho, encontro uma cervejaria apinhada de gente onde se comemora a Oktober Fest com uma pequena banda de jovens alemães – provavelmente nascidos na Austrália --, tocando concertina, trompa e trompete, música da Baviera para alegrar gente da terra e turistas. Há dezenas de chineses debicando salsichas e outros petiscos germânicos, encharcando-se em canecas de litro, esvaziando a cerveja ao ritmo da música, imaginando-se em plena Munique. Para não destoar em tão singular paisagem humana, e porque também tenho sede, sento-me e peço meia caneca de cerveja alemã, seguramente made in Sidney.

Regresso derreado ao navio.

A manhã do segundo dia começa com visita à Ópera de Sidney.

Espantoso edifício com espantosa história. Pensado nos anos cinquenta do século passado, o desenho acabou por ser da autoria do arquitecto dinamarquês Jorn Utzon. Iniciada a construção em 1959, foram tantas as dificuldades e os custos, sempre a disparar, que o homem da Dinamarca, em 1966, deixou subrepticiamente o acompanhamento da obra e abandonou a Austrália. A Opera House teve honras de ser inaugurada em 1973 pela rainha Isabel II, de Inglaterra.

Tem duas grandes salas de concertos e quatro espaços mais pequenos onde acontecem 2.500 eventos culturais por ano. No Concert Hall, a sala maior, temos agora, em Outubro e Novembro 2016, a integral das nove sinfonias de Beethoven e no outro auditório é a My Fair Lady que enche o palco, sob a direcção de uma grande senhora chamada Julie Andrews, a Maria da “Música no Coração.”

Os edifícios, Património Mundial pela Unesco desde 2007, são soberbos. Uma série de estruturas em forma de velas brancas, ou talvez conchas, levantadas para o céu encaixam na base da construção, num todo harmonioso e único. Se soprar o vento, parece que a ópera pode levantar voo, rumo ao infinito. Mas há pessoas convencidas de que os telhados fantásticos não são velas de navio, nem conchas mas pedaços recortados de bolas de rugby, ou gomos de melão. Gente divertida e maldizente de Sidney descobriu que afinal as coberturas da Ópera correspondem a carapaças de tartarugas, com os simpáticos animais, ao alto, encaixados uns nos outros numa desenfreada orgia sexual. Também pode ser.

Por dentro, os auditórios deixam a boca, os olhos, os entendimentos escancarados de espanto. O Concert Hall está todo forrado a madeiras nobres com diferentes tons de creme e castanho a imperar. Os 2.700 lugares têm estofos de veludo vermelho-escuros. Portentosa harmonia com o todo circundante. O palco, rigorosamente afundado no centro da sala, já abaixo das águas exteriores da baía, promete cem mil maravilhas.

A Ópera de Sidney, criada pela genialidade dos homens, inserida nas margens majestosas de uma cidade única, reverenciará os deuses do céu. Os mesmos deuses que, em dia de descanso, se entretiveram, há cem mil séculos, a abrir uma enseada a quinze quilómetros de distância, e a lá colocar Bondi Beach, a mais famosa de todas as praias da Austrália.



Foto nº 5

De tarde, artilhado com fato de banho, protector solar e o meu chapéu todo o terreno, com alguns dólares no bolso, aí estou em Bondi Beach para uma tarde de intimidades pessoais com a areia e as ondas [Foto nº 5]. Estamos no fim da Primavera, com um calorzinho de 23 graus, a água do mar ainda fria mas não tão gelada como nos nossos verões atlânticos de Espinho, Nazaré ou Cascais.

Deu para uns saborosos mergulhos entre a rapaziada que surfava entusiasmada as pequenas ondas. Bondi Beach tem cerca de dois quilómetros de extensão distendidos por uma baía quase fechada, em forma de meia lua. Belo lugar e bonitas as pessoas na praia. À distância até deu para observar baleias, ao vivo e a cores. Caminhei até ao fim do lado esquerdo de Bondi Beach, subi a uma plataforma rochosa chamada Ben Buckler e, do miradouro, a menos de um quilómetro de distância, três baleias, aí de dois em dois minutos, subiam à superfície das águas para respirar, lançavam ondas de vapor e espuma no ar e voltavam a mergulhar.Tubarões é que não vi e, para meu sossego, dizem-me que os dos mares de Sidney são vegetarianos.

Regressei à cidade de autocarro, pelo alto, circundando as baías de Rose Bay e Double Bay, entre milhares de vivendas ajardinadas sossegadamente distribuídas pelo sobe e desce de ruas e avenidas, por espaços alindados que oscilam até o mar. Tanta gente rica com moradas e habitações de excelência na cidade de Sidney!



Foto nº 6



Foto nº 7

Fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Ao terceiro dia, foi tempo de partir ao encontro das Montanhas Azuis, cento e dez quilómetros a noroeste de Sidney [Foto nº 6]. Boa auto-estrada sem portagens –- o que creio acontece em toda a Austrália --, e paragem a meio do caminho, após 45 minutos de viagem para visitar uma espécie de mini-zoo apenas com animais originários da terra austral.


Logo à entrada, uma solícita empregada do parque deposita uma cobra simpática e inofensiva nas mãos da Haiyuan. O réptil sobe-lhe pelos braços e enfia a cabeça no saco que a minha mulher leva suspenso no ombro direito e onde rescende um apetitoso pacote de bolachas. A Haiyuan quase desmaia de susto mas, num ápice, a tratadora dos répteis resolve a questão, pegando na cobra, aconchegando-a em si. ]Foto à esquerda]

Depois da emoção, foi andar pelo meio dos cangurus, emus, koalas dorminhocos, aves esquisitas, até pinguins anões. A propósito, dizem-me que os ingleses, quando chegaram à Austrália, deram de caras com milhares de cangurus à solta por toda a parte e perguntaram, aos primeiros aborígenes que encontraram, qual era o nome de tão estranho animal, que jamais olhos britânicos haviam lobrigado. Os aborígenes, que logicamente não falavam inglês, responderam “kangooroo, kangooroo” o que significa num dos muitos dialectos dos autóctones desta terra “não percebemos, não percebemos nada!” Logo os ingleses, devidamente esclarecidos, passaram a chamar “cangurus” aos estranhos masurpiais.

As Montanhas Azuis, Património Mundial pela Unesco desde 2000, têm apenas 1.100 metros no cume mais elevado, mas a grandiosidade, a cor dos montes e vales que se estendem por um milhão de hectares, ao longo de cem quilómetros, surpreende, extasia, ilumina o viajante. O azulado que cobre os horizontes tem origem na bruma provocada por centenas de milhões de gotículas de óleo libertadas pela respiração das folhas dos eucaliptos gigantes agrupados em enormes florestas que sobem e descem as montanhas. [Foto nº 7]

Leura e Katoomba, duas pequenas vilas encaixadas no trepar da estrada, são poiso de artistas, poetas, amantes da natureza radicados por estes montes, longe da azáfama das grandes cidades, para aqui enxaguar os pulmões, e a alma, de ar puro. Quase todas as casas têm jardins em volta com flores exóticas, agora em tempo de Primavera.

Avanço para o Echo Point, uma plataforma em pedra debruçada sobre o aparentemente infindável vale de Jamison, coberto de bruma rigorosamente azul. Vista de estarrecer! Ao lado, três rochas quebradas pela erosão dos séculos são conhecidas como as Três Irmãs. Uma escadaria com 861 grandes degraus conduz ao fundo do vale. Não desço. Subo para um teleférico que cruza um desfiladeiro a quase trezentos metros do solo. Do outro lado, tomo outro teleférico que desce mais 545 metros até às profundezas do vale. Uma caminhada de quase dois quilómetros no sopé da montanha, que inclui passagem por uma mina de carvão de pedra há muito desactivada, leva-me à mais original estação de comboio que vi em toda a minha vida. Os rails sobem com uma inclinação de 52 graus. Estou na via férrea mais empinada do mundo. A subida é vertiginosa, um chiar e chocalhar constante das pequenas carruagens, numa espécie de mergulho mas ao contrário, em vez de descer, subo a pique por dentro de um túnel rasgado na rocha, saio entre vegetação luxuriante ao lado de uma cascata como que suspensa no ar. Os passageiros debruçados, encavalitados nos assentos do mini-comboio, acabaram de viajar, com todo o rigor, com o coração ao pé da boca.

À saída, lá em cima, da minha parte, nenhuma tensão. Apenas outra vez o sossego, o olhar perdido na névoa das fantásticas Montanhas Azuis.

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Guiné 61/74 - P18166: Álbum fotográfico de António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 e da CCAÇ 17 (2): Bula, Binar e Pete

ÁLBUM FOTOGRÁFICO DE ANTÓNIO ACÍLIO AZEVEDO, EX-CAP MIL, CMDT DA 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 E DA CCAÇ 17, BULA E BINAR, 1973/74

Foto 11 - Porta de armas do aquartelamento da 1.ª CCAV 8320/72, sediada na localidade de Pete, que comandei durante alguns meses e onde apareço com um jovem habitante das tabancas da povoação

Foto 12 - Interior da parada desse mesmo quartel, vendo-se, um pouco afastada de mim, o pedestal, onde se encontrava o mastro para hastear a bandeira nacional portuguesa, vendo-se ainda ao fundo a saída do quartel

Foto 13 - Eu, à civil, no interior do quartel, acompanhado do soldado Agostinho, junto a um monumento erigido em honra de militares da companhia e de outras anteriores, que ali faleceram. Paz às suas almas

Foto 14 - Na parada do aquartelamento de Pete e em hora de almoço, apareço acompanhado do sargento e de dois furriéis da companhia, em mesa colocada à sombra de uma mangueira

Foto 15 - Acompanhado por 13 elementos da 1.ª CCAV 8320/72, em pose fotográfica na localidade Ponta Augusto Barros, nas proximidades do Rio Mansoa, onde estava colocado um pelotão de milícias, dependente da companhia de Pete

Foto 16 - Um Unimog 404 a arder na picada próxima da Ponta Augusto Barros, mas em data diferente da foto anterior e que havia sido atingido por um RPG, inimigo. Creio que tivemos um ferido ligeiro
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Nota do editor

Poste anterior de 29 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18024: Álbum fotográfico de António Acílio Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 e da CCAÇ 17 (1): Bula, Binar e Pete

Guiné 61/74 - P18165: Parabéns a você (1367): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18161: Parabéns a você (1366): Margarida Peixoto, Amiga Grã-Tabanqueira

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18164: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 18: Os substitutos dos 'Capicuas' [CART 2772]


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > A estante do quarto (, de 3 x 2 m,) dos "Mórmones de Fulacunda":  o Dino, o Omar, o Meira e o Lee.
  

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva:





Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside hoje em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook. É membro nº 756 da nossa Tabanca Grande .

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972,no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) Faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda".


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 18: Os substitutos  


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve,  das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


18º Capítulo > OS SUBSTITUTOS


Apesar das muitas festas em honra dos soldados que iam deixar Fulacunda [, da CART 2772,], a população nativa andava triste. Os velhos iam partir.

Durante dois longos anos, os “Capicuas” tinham angariado imenso prestígio entre a população, evitando muitas vezes que corresse perigo e socorrendo, tanto com alimentação como medicamentos deles próprios algumas enfermidades que a apoquentasse. Agora que os “Capicuas” partiam, notava-se algum receio. Seria que nós, os novos, estaríamos à altura dos que fomos substituir?

Posso garantir que nos comportámos dignamente. Sendo nós os últimos militares naquela região, antes da independência da Guiné, garanto, e posso provar, que os soldados da 3ª Companhia, do Batalhão 6520 que cumpriram a sua missão entre 72/74 do século XX foram, dentro do que lhes foi humanamente possível, excedíveis no cumprimento da sua missão. Em todos os aspectos. Salvaguardando, naturalmente, e de forma patriótica, o nome de Portugal. Esse que actualmente nos repudia e desconsidera.

Falo nisto porque, inclusive na altura, escrevi que até os cães e os gatos deixaram de brincar, depois que aqueles heróis partiram.

Partiram uns, ficaram outros não menos heróicos.

A carta que escrevi em 27 de Agosto tem oito páginas, mas resumidamente digo o que eu e mais três colegas recebemos, na véspera da partida dos velhinhos, no seu regresso a casa.

Tenho lá tudo mencionado, nas folhas já amarelecidas pelo tempo.

Primeiro esclareço que os quatro fomos parar a esse local porque foi antes ocupado pelos soldados que substituímos. Um dos quatro foi, e continua a ser, um dos meus maiores amigos. Tem nome: José Leal.

Recebemos um quarto com quatro camas, estante, ventoinha e candeeiro eléctrico. Quase porta com porta, um sólido abrigo antibomba, que também servia de cozinha. Nele existia uma máquina a petróleo, um tacho, uma panela, duas cafeteiras, uma frigideira, cinco pratos e quatro copos, diversas latas e garrafas. Enfim, tudo de que necessitássemos para cozinhar, desde que conseguíssemos os ingredientes.

Os aposentos palacianos tinham as seguintes áreas: O quarto - três metros por dois; o abrigo - quatro por dois. Nunca percebi porque não dormíamos nos abrigos, como todos os meus colegas. Estes, os abrigos eram subterrâneos para a população e em cimento armado para os militares. As paredes e teto teriam cerca de um metro de grossura. Estavam colocados em pontos estratégicos ao redor da “Vila”. Pista 1. Pista do Meio. Pista 2. Buba. Brutus. Lagartos. Torre.

Cada um tinha um espaço muito reduzido. No seu interior, doze camas amontoadas. A maioria dos que lá viviam eram os soldados atiradores. Os especialistas, tal como hoje, tinham um pouquinho mais de conforto. O certo é que estávamos protegidos. Eu acreditava mesmo nisso.

O nosso “palácio” não tinha nome; baptizámo-lo com o sonante nome “Refúgio dos Mórmones”.

Os quatro "Mórmones de Fulacunda"  rapidamente, e através do Programa das Forças Armadas [PFA] da Emissora Regional da Guiné, seriam conhecidos por toda a província. Éramos o Omar, o Dino, o Meira e o Lee.

Os velhotes partiram no dia seguinte.
– Boa viagem, “Capicuas”.
– Obrigada,  3ª Companhia. Encontramo-nos na Metrópole daqui a dois anos.

(Continua) (**)

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Notas do editor:


(**) Fora da série foram já publicados dois capítulos (25º e 34º)  relativos à quadra natalícia de 1972:


22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18122: O meu Natal no mato (43): as mensagens natalícias de 1972, gravadas pela RTP a 23 de outubro... E se a gente morresse, entretanto ?...Como não tinha pai nem vivia com a minha mãe ou com os meus irmãos, tive de dizer “querida avó” e mais umas balelas obrigatórias... (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

Guiné 61/74 - P18163: Notas de leitura (1028): “Dinâmica da arte Bijagó, Guiné-Bissau – contribuição para uma antropologia da arte das sociedades africanas”, por Danielle Gallois Duquette, editado pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, 1983 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Não é novidade para ninguém que as peças de arte dos Bijagós e dos Nalus são procuradas por museus e colecionadores particulares de todos os cantos do mundo, conferem a esta arte um elevadíssimo grau de imaginação, um sentido estético apuradíssimo e uma criatividade transbordante nas figuras antropomórficas.
A autora esteve presente no arquipélago durante vários períodos da década de 1960, gerou confiança de chefes, religiosos, artistas e procurou entender a dinâmica socio-religiosa de um povo cioso da sua autonomia e da sua vida social horizontal. O artista Bijagó (não esquecer que toda esta investigação decorreu nos anos 1960) está no centro das tensões dinâmicas, tem que cumprir à luz da exigências de quem encomenda dentro do arquipélago e é confrontado com uma procura extremada: a dos colecionadores que buscam peças muito apuradas e um mercado de consumo alargado que se satisfaz com o bom, bonito e barato.

Um abraço do
Mário


Dinâmica da arte Bijagó

Beja Santos

O livro “Dinâmica da arte Bijagó, Guiné-Bissau – contribuição para uma antropologia da arte das sociedades africanas”, por Danielle Gallois Duquette, editado pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, 1983, é o resultado de um trabalho de pesquisa iniciado em 1972, que se prolongou por toda a década e a elaboração do documento final foi a etapa seguinte.

A autora adquiriu os seus diplomas universitários no desenho de arte e confessa a paixão que lhe despertou toda a produção plástica Bijagó, particularmente a estatuária. Trabalho aturado, de convivência com as populações Bijagós que em certas matérias foram extremamente reservadas, há segredos que não podem ser revelados. A autora orgulha-se de ter conseguido um dossiê fotográfico contendo 300 obras observadas no terreno ou nos museus ocidentais. A par da arte Nalu, a arte Bijagó é disputada pelos mais conceituados museus etnológicos em todo o mundo. Explicando a sua investigação diz-nos que o seu trabalho de campo passou por analisar os mecanismos socio-religiosos, é um trabalho que faz apelo ao facto estético total, isto é os objetos fabricados, a indagação da cultura material, o estudo das indumentárias efémeras, o conhecimento da mímica, da dança, dos cantos, da música e da palavra. Considera-se seguidora de Claude Levi-Strauss para explicar que o estudo das máscaras induz o conhecimento dos mitos, pode-se, por comparação, concluir quanto às migrações geográficas.

Prévio ao trabalho de campo foi a elaboração de um questionário em que se procurou aprofundar o conhecimento da estatuária, ornamentos de cerimónia, organizou-se um álbum de trabalho antigos realizados no arquipélago. Como fazem os antropólogos e os etnólogos, a autora muniu-se de ferramentas de escultura que depois trocou com os artistas que lhe permitiram fotografar as suas obras durante o processo de evaporação e aceitaram responder às questões que ela lhes ia pondo.


Seguindo a estrutura da obra, temos um primeiro capítulo onde se dissecam as estruturas sociais dos Bijagós, a organização espacial e arquitetónica dos seus aldeamentos e a configuração dos objetos usuais; no segundo capítulo, procura dar-se a ideia da partilha dos poderes através do estudo dos santuários, pinturas parietais e emblemas usados pelas famílias reais; os terceiro e quarto capítulos tratam dos ritos iniciáticos masculinos e femininos que são fundamentados sobre o estudo da arte do corpo e do aparato cerimonial; o quinto capítulo mostra os aspetos essências da escultura Bijagó, no capítulo seguinte procura-se distinguir o significado da morfologia e no último capítulo compara-se a produção plástica atual com a produção tradicional.

Dissertando sobre a origem dos Bijagós, o que é dado como seguro é a sua origem nilótica, tal como os Balantas são uma sociedade horizontal em que a chefia é repartida pelo Conselho dos Anciãos (a Grandeza), os reis e os sacerdotes. São fundamentalmente animistas. Desde a independência, e com êxito relativo, o PAIGC tem procurado disciplinar o tempo do fanado, proibiu que se batesse nos jovens durante a iniciação do fanado e estipulou que os períodos de iniciação devem decorrer durante as férias escolares; procurou igualmente proibir que os mortos pudessem vir a ser enterrados nas habitações.

A habitação Bijagó, como a Balanta é construída numa elevação de terra com cerca de 30 cm e dotada de um galeria circular exterior. A autora comenta a organização interna do espaço e mostra como os espíritos da família são alvo de um tratamento especial. O utilitarismo estético é muitíssimo apurado e a autora socorre de um exemplo comezinho como são as fechaduras com tratamento decorativo. Passando para os símbolos do poder, é detalhado a simbologia do altar do santuário e a importância da disposição dos participantes nas cerimónias religiosas.


Os Bijagós continuam a prezar a sua autonomia e a imagem que deles vem do passado não é lisonjeira, tirando a bravura, os vários autores que sobre eles escreveram revelam a sua barbaridade, falando de sacrifícios em que os seres humanos eram enterrados com reis, o historiador António Carreira descreveu as reações do Governador Correia e Lança, em 1889, contra a tirania dos reis que sacrificavam crianças, metendo-as nos túmulos com os cadáveres dos dignatários que acompanhavam o falecido no outro mundo. Detalhando a organização, a autora fala sobre o Conselho dos Anciãos como um dos vetores do poder social, apresenta as principais figuras do poder religioso e do poder iniciático, com sacerdotisas, padres e mestres do fanado. Como as de mais sociedade africanas, os Bijagós prezam as classes de idade, dividem a vida do nascimento à morte, o ancião é encarado como o espalho da sabedoria. Entrando nos aspetos etnológicos e antropológicos, são referidas as apresentações dos amuletos corporais, é dito que na sociedade dos Bijagós não há circuncisão nem mutilação genital mas existe a iniciação nos segredos da vida sexual e até no conhecimento dos métodos abortivos.

Centrada agora na arte, a autora descreve os materiais escultóricos e as figuras onde primam os irãs antropomórficos. A escultura tem três direções: motivação religiosa, utilitária e iniciática. Povo hospitaleiro, os Bijagós marcam distâncias, sempre consideraram os continentais como estrangeiros. A independência suscitou ao artista Bijagó novas questões: há missões religiosas que apoiam o fomento do artesanato vendido nalguns locais das ilhas e nalgumas lojas de Bissau. Há compradores que disputam as peças elaboradas utilizadas sobretudo nas danças e rituais, há uma escultura de caráter comercial que vulgariza a arte dos bancos e dos deuses, e no final do seu trabalho a autora interroga-se até que ponto o turismo e a necessidade de sobreviver vendendo obras mais baratas e vulgares não está a afetar a genuinidade artística Bijagó. Importa saber se a arte Bijagó mereceu outros estudos complementares a este, depois da década de 1980.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18153: Notas de leitura (1027): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (15) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18162: Manuscrito(s) (Luís Graça) (135): Bons augúrios para 2018!


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 30 de dezembro de 2017


Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O soneto da pitonisa: bons augúrios para 2018


Eis-nos chegados ao fim de mais um ano:
o tempo voa, agora é só memória,
morreu o fulano, nasceu o beltrano,
que nos importa quem  fica p'ra história ?!

Os amigos que já não estão entre nós,
lembrá-los só nos traz  melancolia...
Velhos e novos, netos e avós,
vamos mas é todos para a folia!

Que excitação, as dozes badaladas,
não no sino mas na televisão,
abre-se o champanhe e bebe-se às golfadas.

Deslumbra-nos o fogo de artifício,
e a pitonisa tem uma feliz visão:
o novo ano é de bom auspício!

Luís Graça

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Guiné 61/74 - P18161: Parabéns a você (1366): Margarida Peixoto, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18155: Parabéns a você (1365): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira