quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16639: Notas de leitura (895): "Guiné: crónicas de guerra e amor", de Paulo Salgado: texto da apresentação do livro, pelo poeta e jornalista Rogério Rodrigues


Lisboa > Associação 25 de Abril > 20 de outubro de 2016 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: crónicas de guerra e amor", da autoria do Paulo Cordeiro Salgado (Lema d'Origem Editora, Carviçais, Torre de Moncorvo, 2016, 230 pp; coleção Palavra). Apresentação foi feita pelo poeta e jornalista Rogério Rodrigues, aqui na foto.

 

Lisboa > Associação 25 de Abril > 20 de outubro de 2016 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: crónicas de guerra e amor", da autoria do Paulo Cordeiro Salgado (Lema d'Origem Editora, Carviçais, Torre de Moncorvo, 2016, 230 pp; coleção Palavra) > O autor autografando um dos exemplares do seu livro: à esquerda, os nossos grã-tabanqueiros. Hélder Sousa, Luís Graça e Alice Carneiro.

Fotos: © Conceição Salgado  (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Livro de Paulo Salgado
Capa do livro


por Rogério Rodrigues, 
poeta e jornalista


[Rogério Rodrigues nasceu em Peredo dos Castelhanos, concelho de Torre de Moncorvo; foi professor do Ensino Secundário;  trabalhou como jornalista no Diário de Lisboa, no Jornal, na revista Sábado, no Público, Visão: foi co fundador do Semanário O Ribatejo e fundou e dirigiu o semanário Grand'Amadora;  trabalhou em televisão; é  autor de diversos livros (poesia, ficção, reportagem), bem como séries televisivas).  [Fonte: Dicionário dos mais ilustres Transmontanos e Alto Durienses, coordenado por Barroso da Fonte, Vol. 3: 2003, 765 pp. Guimarães: Editora Cidade Berço, 2003]



Declaração de interesses: eu e o Paulo Salgado, autor destas Crónicas de Guerra e Amor somos amigos há mais de 50 anos. Pelo que, para mim, é um privilégio apresentar este livro. Ambos fomos marcados, embora de formas diferentes, pelo estigma da guerra.

O Paulo traz o corpo cheio de cicatrizes como milhares de jovens que passaram pelos caminhos duros das três colónias.

Alguns deles acharam que tinham de expor as suas cicatrizes, de explicar as suas feridas e sofrimento para memória futura. Como testemunho.

Talvez os primeiros textos em prosa que relatam o absurdo de gerações sacrificadas no altar de mito da existência de um Império, sejam A Lebre e Os Mastins de Álvaro Guerra, um dos poucos, senão o único, civil que teve contacto e conhecimento antecipado do 25 de Abril.

Proibido seria a o livro de poesia a cartas de José Bação Leal, morto em combate,  e o célebre Cancioneiro do Niassa, poemas e canções críticas dos soldados de comissão em Moçambique.

O Canto e as Armas de Manuel Alegre é o grande manifesto poético contra a guerra. O meu compadre Fernando Assis Pacheco escreve a novela Walt, a história dos dias que precedem o embarque para a guerra. Teve como primeiro título, não utilizado, “Uns gajos parados à beira do Rio”. Socorrer-se-ia com frequência de nomes e geografia da guerra do Vietnam, só mais tarde convertidos para uma realidade colonial, em português. O Cau Kien: um resumo, transforma-se depois do 25 de Abril em Katalabanza, Kilolo e Volta.

António Lobo Antunes começa a sua saga obsessiva de encontrar razões para o absurdo da guerra com Os Cus de Judas e a Memória de Elefante.

Tanto Lobo Antunes como Assis Pacheco, ainda que em comissões diferentes, fizeram parte de companhias do sartriano capitão Melo Antunes.

Livro fundamental, também porque escrito por um militar de carreira, o Nó Cego de Carlos Vale Ferraz, pseudónimo do coronel Matos Gomes, é o sinal de que algo, fosse uma febre militar, uma megalomania de velhos generais ou uma obstinação de políticos e ditadores em hora de despedida, se estava a passar no interior do Exército, sobretudo entre capitães.

Surgem e vão surgindo ainda testemunhos vibrantes sobre o que foi a guerra nas colónias, desde a Autópsia de um Mar em Ruinas de João de Melo até à Costa dos Murmúrio de Lídia Jorge.

Matos Gomes e Aniceto Afonso sistematizam as contradições, factos e conflitos da guerra com documentação vária, escrita e fotográfica, mais os trabalhos de Joaquim Vieira e a série televisiva fundamental da Joaquim Furtado, as crónicas, publicadas postumamente, de Salgueiro Maia, em comissões da Guiné e Moçambique e o livro de Vasco Lourenço, também respeitante à Guiné, No Regresso Vinham todos.

Dessacralizaram o que durante muito tempo foi tema tabu e algo que tivéssemos que esconder. Nesta libertação do passado, sem que tenhamos vergonha de participar em algo de que discordámos, levou Paulo Salgado a escrever estas crónicas em sua memória, em lembrança dos seus soldados, na esperança de sobreviver suportada pelas cartas de amor, mas também na sedução da Guiné a que regressaria já como cooperante 20 anos depois, a Olossato (a Maconde de Paulo Salgado) onde não foi feliz, mas que o seduziu. Foi redescobrir os cheiros e a paisagem que lhe tatuaram o corpo e o espírito; o Poilão, a árvore centenária onde se reuniram os homens bons da tribo, os militares em descanso, como se fossem druidas transpostos para Guiné, absortos e convertidos ao animismo, num panteísmo tropical, sendo a árvore a sua referência de Deus.

Da guerra, Paulo Salgado desafia-nos com a leitura da condição humana dos seus soldados que o ruído das armas não silencia.

Chegado a Olossato, 20 anos depois, reencontra o Seidi que estivera ao serviço do Exército português e que hoje tem de sofrer as consequências do novo poder.

Recorda Bakar, milícia na tropa portuguesa, usado na despistagem de minas. Tantas despistou que ficou sem uma perna num rebentamento, num tempo em que recebera a promessa de que nada lhe aconteceria se regressasse ao PAIGC. Tinha que optar entre as agruras da guerrilha ou a comida para a família que a tropa portuguesa lhe garantia. Que opção Bakar tomaria?

Os soldados do pelotão, os camaradas alferes da companhia, são o objecto da sua escrita, essencial e substantiva, não necessitando da adjectivação para classificar as pessoas e os acontecimentos. Licenciado em Direito é mais o gestor de emoções que mestre da retórica.

Não esquece os seus. Nem as emboscadas, provavelmente a primeira, em que relata, e passo a citar, “dentro da bolsa, caído ao lado da espingarda, um passarinho morto. Para dar sorte. Naquele carreiro de morte, em Bissancage”. Fim de citação.

As suas crónicas têm a tensão de contos curtos. Só que aqui é a realidade que vence a ficção. Controla a palavra, administra de forma sábia a emoção até ao remate final, quase sempre surpreendente.

As figuras dos soldados conhecemo-las sobretudo aqueles que, como eu e o Paulo Salgado, têm vivências rurais. É a história do alentejano de alcunha o Toucinho, guardador de porcos que se quer vingar do Bezerra, filho do patrão que abusou da sua mãe. É a balanta Rosa por quem o alferes Pereira está perdido de desejo, enquanto se interroga, porquê a guerra?

Mas Rosa prefere o soldado de sentinela, com o qual faz amor fora do arame farpado do quartel. O alferes vê o enlace. E, passo a citar: “A bajuda Rosa acabava de o convencer que ele era um sonhador impenitente”. Fim de citação.

No amor não há hierarquias.

Kadi, capturada, consegue fugir. É enfermeira do Partido, com o marido guerrilheiro na Guiné -Conacri.

Mas Olossato é também um espaço concentracionário em que o álcool e a tensão erótica intensos são usados e abusados para amenizar o medo e a solidão.

Como registo de quem não morre com balas, mas morre pelo esquecimento, a história, angústia de um alferes cuja mulher há muito que lhe não escreve. Suicidou-se.

O soldado Moita é casado. Os aerogramas deixaram de chegar. E passo a citar:” pegou na G3 e meteu-se no mato. Nunca mais foi visto”. Uma repetição suavizada de um episódio da História Trágico- Marítima.

Julião, soldado, antes de a Guiné o ter sufocado, vivia com a mãe viúva, que o pai morrera entre Espanha e a França no drama ou epopeia do salto de um povo à procura de melhor vida.

Julião era um homem simples e generoso mas que os camaradas não levavam a sério. Julião é apanhado por uma granada. Fragmentos penetram nas costas. Está a morrer e diz as últimas palavras ao seu camarada Costeira: “Escreve à minha mãe e diz-lhe que estarei junto dela muito em breve”.

Nestas crónicas não há heróis nem anti-heróis, muito menos convicções de que a guerra é o caminho certo para a paz. O caminho certo para a paz é, e será sempre, a liberdade.

Com as longas noites de espera que nem o álcool e o jogo amenizam, na sua incapacidade de saída, ouvindo Ray Charles e José Feliciano, ou lendo O Vermelho e o Negro de Stendhal, há tempo para reflectir, transmitir ou debater ideologia, seja num jornal de caserna, se assim podemos dizer, O Tabanca, seja num texto escrito a tinta vermelha que surgiu no quartel e que é uma espécie de magna carta da recusa do status quo da condição do militar na Guiné e da colonização. Relata o papel ao rubro:

“Aqui onde permanecemos por obrigação, onde nos defendemos para continuarmos vivos; aqui, na terra das febres, onde o chão está por lavrar, o mato por desbravar, as muitas tabancas por reconstruir; aqui onde a camaradagem é arrimo da sobrevivência; aqui, onde cada palavra e cada gesto são medidos e apreciados até ao ínfimo pormenor; aqui—meu alferes—os homens sentem-se ‘filhos da puta’ ".

O texto terá o dedo do cabo Meireles, altamente politizado, como muitos jovens do PCP, que era contra a deserção, mas que aconselhava os seus filiados que em teatro de guerra tentassem politizar os camaradas. Quando o cabo Meireles acabou a sua comissão em Olossato e se prepara para regressar a Lisboa, uma rapariga oferece-lhe um colar, porque tinha sido sempre muito digno para com ela.

Vinte nos depois, o autor das Crónicas regressa a Olossato, com a mulher, num Fiat Uno. É cooperante na área da saúde, ele que é gestor hospitalar e tem levado e sua solidariedade e conhecimento de ofício à Guiné e a Angola.

Vai encontrar um branco caçador que ficou na Guiné depois de cumprida a comissão. Quando ficou ainda havia guerra. Além de caçador é também parteiro. Fala as línguas indígenas.

Vai encontrar um guerrilheiro que se tornou médico e que verte lágrimas perante uma criança que não consegue curar. E, com frequência, por falta de meios.

No meio da guerra ainda há finais felizes, como o do jovem alentejano que se insurge contra a escravatura e é largado sozinho nas matas da Guiné. Feito prisioneiro, é a preta Kali que o alimenta. Casam. Enriquece. E nunca mais voltou ao Crato.

Este regresso de Paulo Salgado à Guiné, mais do que um gesto de solidariedade, é o reconhecimento de uma identidade, a guineense. Estudou com profundidade a história daquele país, da sua descoberta e povoamento, desde a escravatura até à cristianização, na procura de especiarias sob a capa da demanda do Prestes João.

Durante séculos as várias etnias da Guiné combateram o opressor, fosse ele português, espanhol ou francês.

Para terminar, que a conversa já vai longa, para exemplo extremo do amor à liberdade, Paulo Salgado recorda o facto histórico da pilhagem de Antão Gonçalves aos povos da Guiné e vizinhança. Embarca para Lisboa com escravos guineenses que, no alto mar, se suicidam-se lançando-se às águas. Escolhem a liberdade à escravatura, mesmo que ela passe pela morte.

Rogério Rodrigues

Lisboa (Associação 25 de Abril), 20 Outubro 2016.


2. Informação do editor António Lopes, 
com data de 24 do corrente:

Caro Luís,

Hoje telefonou-me o Paulo dizendo que necessitavas das condições de venda pelo correio. As condições são simples:

O custo é de 15 €. Os portes são por nossa conta. O pagamento por transferência bancária.
Contacto: editora@lemadorigem.pt

Abraço,


Lema d'Origem - Editora, Ldª
NIPC: 509 059 473
E/ editora@lemadorigem.pt
URL/ http://lemadorigem.pt
Facebook: https://www.facebook.com/LemadOrigem
________________

Nota do editor:

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16638: Os nossos capelães (6): Libório [Jacinto Cunha] Tavares, o meu Capelini, capelão dos "Gatos Negros", açoriano de São Miguel, vive hoje, reformado, em Brampton, AM Toronto, província de Ontario, Canadá (José Martins, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)


Guiné > Região de Gabu (Nova Lamego) > Canjadude > CCAÇ 5, "Gatos Pretos" > 1969 > O alf mil capelão Libório Tavares, açoriano, dizendo missa, num altar improvisado. Ajudante,  o José Martins, fur mil trms, CCAÇ 5 (Canjadude, 1968/70) (*).

Libório Jacinto Cunha Tavares, açoriano,nascido em 1933,  foi capelão no CTIG,  de 17/1/1968 a 10/12/1969,, portanto já com 35/36 anos (**).

Foto (e legenda):  © José Martins (2006). Todos os direitos reservados [Ediçaõ e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário de José Marcelino Martins , de 19/9/2014, ao poste  P13616 (*)

Se os capelães caíam em emboscadas e sofriam ataques aos aquartelamentos, não sei.

Só conheci um capelão, apesar de haver de 2 batalhões durante a minha estadia.

Conheci o Padre Libório [Tavares], tipo bacano,  e que "safou" muito alferes que se não apresentava ao render da guarda. Também não era necessário. O Libório tomava o lugar do faltoso, e depois "passava a pasta".

Esta cena via-a e soube que era normal, em comentários com a malta do Batalhão [, sediado em Nova Lamego].

[Deve tratar-se do  BCAÇ 2835: mobilizado pelo RI 15, partiu para a Guiné em 17/1/1968 e regressou a 4/12/1969; esteve em Bissau e Nova Lamego; comandantes: ten cor inf Esteves Correia, maj inf Cristiano Henrique da Silveira e Lorena, e ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos. Foi rendido pelo BCAÇ 2893 (1969/71) ]
Quando o vi ir numa coluna, ia desarmado. Disse-lhe que era bom levar a "canhota", porque ficava igual aos outros, apesar de já ter uma idade jeitosa [, 35/36 anos]. Respondeu-me que foi para a guerra para salvar homens, e não para usar armas.

Uns tempos depois, já o vi a usar pistola, baseado no facto de que Deus o protegia, mas que ele, Padre, devia colaborar.

Em 11 de julho de 1969, a CCAÇ 5 estava em operação a 4 grupos de combate. No aquartelamento [, em Canjadude,]  ficou a Formação, 1 Grupo de Combate da CCAV 2482 , "Os Boinas Negars" (recebido em reforço temporário) e p Pelotão de Milícias  nº 129.

O Padre Libório [Tavares] encontrava-se de visita ao aquartelamento, tendo chegado no dia anterior com o pelotão de cavalaria.

O Padre Libório não deu um tiro, mas organizou, com as mulheres dos soldados [guineenses da CCAÇ 5] que fugiram para dentro do quartel, um grupo para encher os carregadores que os soldados iam atirando para junto deles, para serem carregados.

Incentivou toda a malta ao combate, mas não me consta que tenha chamado, ao IN, "Santos" ou "Anjinhos". O que chamou foi de grau muito mais vernáculo [, ou não fosse ele de Rabo de Peixe].

Sei que, quando regressou aos Açores, já a sua mãe e uma irmã com quem vivia, tinham falecido. Foi para junto duma comunidade portuguesa na América (***).

Onde quer que esteja e se ler esta mensagem, vai um grande abraço para o meu amigo Capelini, como eu o tratava, do furriel das transmissões de Canjadude,  José Marcelino Martins. (****)


2. Comentário do editor:

Nascido em 1933, na ilha de São Miguel, em Rabo de Peixe, Libório Tavares frequentou o seminário diocesano da Terceira,  foi ordenado padre em 1958, esteve em várias paróquias da sua ilha natal, incluindo Rabo de Peixe, foi capelão  militar no TO da Guiné (de 17/1/1968 a 10/12/1969), vive em Brampton, cidade suburbana da área metropolitana de Toronto, província de Ontario, Canadá,

Com a bonita idade dos octogenários, está naturalmente reformado. Foi pároco da igreja católica de Santa Maria, em Brampton,  durante 26 anos,  lugar que é hoje ocupado pelo seu sobrinho e afilhado, o padre Libório Amaral.

O padre Libório Tavares é muito conhecido da comunidade portuguesa e açoriana de Toronto,  é foi considerado um dos principais animadores da tradição da multissecular festa do Senhor Santo Cristo (LG).

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - P746: Procissão em Canjadude ou devoção mariana em tempo de guerra (José Martins)

(**) 17 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13616: Os nossos capelães (4): O bispo de Madarsuma, capelão-mor das Forças Armadas, em Gandembel, no natal de 1968 (Idálio Reis, ex-alf mil, CCAÇ 2317, Gandembel / Balana, 1968/69)

 (***) Vd. Liborio Tavares | Alphaleo Solutions Inc | ZoomInfo.com  [Mississauga, Ontario, Canada]

Encontrámos duas referências ao reverendo Libório Tavares, reformado [, "retired",] que fez  parte da equipa sacerdotal ligada á igreja católica de St. Mary, Brampton, Ontario,   arquidiocese de Toronto, Canadá:

St Mary's Church
Roman Catholic Church Brampton

66A Main St. South, Brampton, ON L6W 2C6


Call us: 905-451-2300
Email us: info@stmarysbrampton.com
https://stmarysbr.archtoronto.org/

(...) Parish  Staff:  Frei Liborio Amaral > Pastor:

Fr [Father] Liborio was born in 1963 at San Miguel, Azores, Portugal (...). In the winter of 1969 he immigrated to Canada with his parents and two sisters. (...) He is very happy to be pastor of his home parish – his parents are now his parishioners and live near by. An added blessing is the presence of his Uncle and Godfather, Fr. Liborio Tavares, who lives at St. Mary’s senior's residence next door.​ (...)

 (...) Fr. Liborio Jacinto Cunha Tavares (Retired Priest):  Fr.  [Father] Liborio Tavares was born in 1933 at San Miguel, Azores, Portugal (i.e. San Miguel is the largest of 9 islands in the mid-Atlantic ocean).


On June 15th, 1958, Fr. Liborio Tavares was ordained to the Priesthood in the island of Terceira, Azores (the diocesan seminary was located in this island). He celebrated his first mass of thanksgiving in the midst of his family and friends on June 29th, 1958 in the parish of Senhor do Bom Jesus, Rabo de Peixe. He was assigned to a number of parishes on the island of San Miguel and also ministered as a military chaplaincy. (...)

Podemos também, vê-lo aqui, num vídeo do You Tube, publicado recentemente por TubaMan73  > Banda do Senhor Santo Cristo 2000

"Concert at Festa do Senhor Santo Cristo at St. Mary's Church in Toronto in 2000. Our guest maestro was Fr. Liborio Tavares".


[José Ferreira de Pinho, nº 8 da lista dos capelães militares: agosto de 1963 / outubro de 1965]

5 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13576: Os nossos capelães (2): Convivi com o ten mil Gama, de alcunha, "pardal espantado"... Muitas vezes era incompreendido, até indesejado por alguns, pois tinha coragem para denunciar os abusos, quando os presenciava (Domingos Gonçalves, ex-allf mil, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

[Serafim Monteiro Alves Gama, salesiano, nº  15 da lista: janeiro de 19064/março de 1969]
[Seria o José Ferreira de Pinho, nº 8 da lista dos capelães militares: agosto de 1963 / outubro de 1965]

Guiné 63/74 - P16637: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (8): Abibe Tal tinha um coração grande, o dos sentimentos e dos afectos



1. Mais uma memória, enviada em 17 de Outubro de 2016, pelo nosso camarada Adão Pinho da Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68).


MEMÓRIAS DE UM MÉDICO EM CAMPANHA

8 - Abibe Tal


O Abibe era muito feio. Negro como um tição. A única coisa que no seu corpo branqueava eram os dentes, inseridos à distância da boca. Mas tinha um coração grande, muito maior que a feiura. Não o coração de carne que lhe batia no peito, mas o irmão gémeo, o coração dos sentimentos e dos afectos.

O Abibe pertencia à milícia e era nosso empregado, ajudando na cozinha e na limpeza. Fez-se por sua livre vontade meu impedido, afeiçoado e amigo. Limpava o quarto, fazia a cama, conseguia arranjar uns mangos e umas bananas e tratava de tudo o que eu lhe pedia.

A densidade de incidentes bélicos no pequeno território da Guiné era muito maior do que nas outras colónias. A terrível fama da sua guerra alastrou como fogo. Ser destacado para a Guiné constituía uma condenação ao apodrecimento e ao risco de regressar encaixotado. Os aquartelamentos eram rodeados de arame farpado e troncos de palmeira, com abrigos subterrâneos, frequentemente flagelados. Eu próprio ajudei a cavar trincheiras, ligando os nossos quartos às casernas e a uma enfermaria subterrânea, onde guardava soros e medicamentos de urgência, indispensáveis em situações de ataque. Em tais condições de vida, era grande o valor de um companheiro e amigo como o Abibe Tal.

Mas não era só a guerra o mal que se temia. As doenças constituíam outro flagelo que a ninguém poupava. Nem ao médico. Por isso adoeci com paludismo. Mais do que uma vez. Para quem não sabe, contrair o paludismo ou malária é uma coisa terrível. A doença mais espalhada no mundo, uma das mais frequentes nos trópicos, e terrivelmente penosa nos acessos agudos. Mais de 250 milhões de pessoas afectadas em todo o planeta. De características clínicas particularmente graves nas regiões tropicais. O surto febril é indescritível. Arrepio súbito e violento, grandes picos de febre, mal-estar do outro mundo, astenia intensa, machadadas na cabeça, palpitações, contracções, sufocação, sede de toda a água, fenómenos sensoriais indefiníveis, corpo derretido em suores por dentro e por fora. O tremor generalizado mais parece uma terramoto com epicentro no peito. O vómito não mede distâncias.

Neste estado o Abibe me encontrou.
- Ché dotô, tu tá memo lixado, mim ter que dar mezinha, mim ter que ser dotô de dotô!
- Meu caro Abibe, preciso que me descubras sem falta uma galinha, custe o que custar, não consigo comer nada, e uma canja sabia de mais.
- Mim fala no Seco, dotô manga de favor a Seco, dotô sempre trata filho de ele, mulher de ele, dotô sempre dá mezinha todo família, ele tem que arranja galinha.

Pouco tempo depois o Abibe entra no quarto com a cara do avesso. Os dentes pareciam mais salientes e uns laivos de espuma apontavam os cantos da boca. Os olhos faiscavam de raiva.
- Dotô, aquele fideputa diz ca tem galinha, manga de ingrato, mim sabe que ele tem galinha, ele escunde galinha mas eu mato ele.
- Deixa lá Abibe, tudo se há-de arranjar.

A noite caíra, mansa e quente, noite da Guiné. O meu corpo sossegara, trégua das sezões e da acção dos remédios. Novas réplicas do terramoto seriam de esperar, mas o que contava era o momento. Estava eu ruminando a fraqueza, quando entra o Abibe, sorridente, com todos os dentes de fora, segurando entre as mãos um prato de canja fumegante.
- Dotô aqui tem canja, toma ela.
- Onde encontraste a galinha?
- Munto fácil, dotô, mim espera noite, Seco vai na reza, mim faz emboscada e fana dois galinha, pa hoje, manhã e outro dia.

O Abibe era solteiro e mais tarde ou mais cedo haveria de casar. Por isso precisava de quinhentos pesos e duas vacas, o preço da noiva. Eu disse que lhe daria tantos quinhentos pesos quantas as mulheres que ele comprasse, mas vacas é que não tinha.
Quando me vim embora o Abibe continuava solteiro. Choramos os dois num abraço eterno de despedida onde cabia o mundo. Sei que ele faria feliz quem dele se achegasse.

Escreveu-me muitos anos depois, dizendo que tinha duas mulheres e oito filhos. Soube há pouco tempo que estava quase cego.

Se fosse mais perto levava-lhe um prato de canja.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16485: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (7): Guiné - Irkutsk

Guiné 63/74 - P16636: Os nossos capelães (5): Relação, até à sua independência, dos Capelães Militares que prestaram serviço no Comando Territorial Independente da Guiné desde 1961 até 1974 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,
Foi no decurso da leitura da incontornável obra "História das Missões Católicas da Guiné", por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982 que encontrei entre as páginas 709 e 712 esta relação que convirá fazer parte da documentação do blogue.
Aparecem nomes de padres que escreveram as suas memórias, caso de Abel Gonçalves e Mário de Oliveira, felizmente vivos, e mencionados no nosso blogue. e Arsénio Puim, que conheci em Bambadinca.
Bom seria que todos eles deixassem memórias sobre o que viram e experimentaram. O padre Pinto Rema observa que muitas vezes estes capelães substituíram os missionários e a inversa também foi verdadeira, refere concretamente Bolama, Bambadinca, Catió, Cacheu, Bissorã, Teixeira Pinto, Mansoa e Bigene. Também na falta ou ausência de capelães militares os missionários desempenhavam as funções religiosas essenciais de capelães nas unidades.
Uma história por fazer.

Um abraço do
Mário



Com a devida vénia a "História das Missões Católicas da Guiné", por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, 1982
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13616: Os nossos capelães (4): O bispo de Madarsuma, capelão-mor das Forças Armadas, em Gandembel, no natal de 1968 (Idálio Reis, ex-alf mil, CCAÇ 2317, Gandembel / Balana, 1968/69)

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16635: Memória dos lugares (349): Canquelifá 2016 vista pelos ex-Alferes Milicianos da CCAV 2748 Paiva Nunes e Bernardino (Francisco Palma)


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Palma (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), com data de 17 de Outubro de 2016:

A 2 de Fevereiro 2016, os ex Alferes Milicianos Paiva Nunes e Bernardino, da CCAV 2748, ali colocada entre 1970 e 1972, deslocaram-se em visita a CANQUELIFÁ e vieram com o coração partido ao verem a quase total degradação das instalações que ali havíamos deixado. Passaram-me várias fotos que a seguir anexo e se possível solicito sejam dadas a conhecer através do nosso blogue.

Francisco Palma





















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Nota do editor

Último poste da série de 20 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16622: Memória dos lugares (348): Olossato, com o Moura Marques, o Grão de Bico, a São... 35 anos depois (Paulo Salgado, ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; autor do livro "Guiné: crónicas de guerra e de amor", 2016)

Guiné 63/74 - P16634: Agenda cultural (503): DocLisboa 2016 - 14º Festival Internacional de Cinema (20-30/10/2016): retrospetiva do cinema documental cubano: passou hoje, dia 24, às 15h30, na Cinemateca, o filme "Madina Boé", do realizador José Massip (1926-2014), filmado presumivelmente na região do Boé e na base de Boké (Guiné-Conacri)









Fotogramas do filme "Madina Boe" (Cuba, 1968, 38'), do realizador José Massip (1926-2014), obtidas a partir da função "print screening" do teclado do PC e da visualização de um resumo, em vídeo (28' 22'') ,   disponibilizado no You Tube, na conta "José Massip Isalgué". 

O documentário foi carregado no You Tube no dia da morte do cineasta (ocorrida  em Havana, em 9/2/2014=. O documentário chama-se "Amílcar Cabral" (e pode ser aqui visualizado): é narrado em espanhol, tem subtítulos em espanhol, mas também pequenos diálogos em crioulo e em português (por ex., com o médico dr. Mário Pádua, angolano branco, oficial do exército português, de que desertou, tendo saído de Angola para se juntar mais tarde ao PAIGC). ~

Há sequências de cenas que vão da preparação militar a saídas paar atacar posições portuguesas, da caça às refeições, das jogatanas de futebol ao quotidiano do hospital de Boké (ou será o hospital de Ziguinchor, no Senegal, onde o Mário Pádua esteve originalmente colocado ?), enfim, até a uma visita de Amílcar Cabral às "tropas em parada"...

Enfim, Cuba não mandou, para o PAIGC, apenas instrutores, conselheiros militares e médicos, mandou também cineastas com o talento de um José Massip. Até nisso Amílcar Cabral foi hábil, soube pôr o cinema e os cineastas de vários países ao seu lado, contrariamente aos políticos e generais portugueses do Estado Novo... O cinema português não tem, que eu saiba,  um único filme com a assinatura de um cineasta de prestígo sobre a guerra na Guiné (1961/74)...




Madina Boé

José Massip
1968 / CUBA / 38’

24 OUT / 15.30, CINEMATECA – SALA M. F. RIBEIRO

Sinopse: "Filmado nas áreas libertadas da Guiné-Bissau, durante a sua guerra de libertação de Portugal, o filme segue o Exército Popular para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, documentando a educação política dos combatentes, as técnicas de guerrilha e o treino físico." (Fonte: DocLisboa' 16; o programa em pdf está disponívelo aqui)


Outros três filmes cubanos que passaram nesta sessão:

Hombres del Cañaveral 
Pastor Vega 1965 • CUBA • 10’ 

Um dia na vida de trabalhadores voluntários das cidades na colheita da cana-de-açúcar. Reflexo do debate ideológico em torno das qualidades morais do trabalho numa sociedade revolucionária, mas sem traço da propaganda do panfleto político. 

Guantánamo 
José Massip 1967 • CUBA • 63’ 

A história desta localidade, submetida durante mais de 50 anos à influência da base naval estado-unidense de Caimanera, e a sua transformação após o triunfo revolucionário.    

Gente en la Playa 
Néstor Almendros 1960 • CUBA • 12’

 Almendros quis filmar o dia seguinte à nacionalização das praias privadas, em Cuba. O que aconteceu foi a invasão desses sítios pelo povo, ávido de conhecer os locais onde os sócios de clubes recreativos se divertiam.

Retrospectiva Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba

"Com a mudança radical da realidade cubana, nos anos 1960, e por oposição política e estética ao cinema de Hollywood, nasce um novo cinema em que o documentário tem um papel primordial. Esta retrospectiva, com curadoria de Michael Chanan, feita em parceria com o Museo Reina Sofia e em colaboração com a Cinemateca de Cuba, traz-nos o trabalho desta nova vaga de documentaristas cubanos – que tem em Santiago Álvarez e Julio García Espinosa as suas figuras centrais –, perspectivando-o com as obras de cineastas estrangeiros que mantiveram relações com Cuba, na década de 1960 – destaques para Agnès Varda, Chris Marker e Joris Ivens."


José Massip (1926-2014)


RTVE.es / AGENCIAS > Muere el director José Massip, impulsor del nuevo cine cubano
09.02.2014

(...) Impulsor del cine cubano

José Massip fue uno de los fundadores del Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográficos (Icaic), y uno de los impulsores del denominado "nuevo cine cubano" desde los primeros años de la década de los años sesenta del siglo pasado. En el año 2012 recibió el Premio Nacional de Cine, como reconocimiento a su trayectoria de más de 50 años en el sector.

Massip, nacido en La Habana el 28 de junio de 1928, contaba con una sólida formación intelectual que no solo reflejó en su obra cinematográfica sino también como poeta, investigador y profesor. Se graduó de la carrera de Filosofía y Letras por la Universidad de La Habana y más tarde en Sociología por la Universidad de Harvard, en Estados Unidos.

Fue uno de los fundadores de la sociedad cultural "Nuestro Tiempo", que reunió a numerosos intelectuales, escritores, músicos y artistas de la plástica que se oponían a la política del régimen de Fulgencio Batista, derrocado al triunfar la revolución cubana el 1 de enero de 1959. Massip consideró a "Nuestro Tiempo" como el antecedente más importante del Icaic porque opinó que esa sociedad "significó un espacio cardinal en la historia de la cultura cubana".

Documentalista y corresponsal


En 1955 se integró a un grupo de jóvenes realizadores que filmó el documental "El Mégano", una denuncia de las precarias condiciones de vida y trabajo que tenían los carboneros de la Ciénaga de Zapata de la isla, que está considerado como el antecedente más importante del cine cubano de la Revolución.

Massip también fue corresponsal de guerra en África y su experiencia durante las guerras de liberación de Guinea Bissau y de Angola las llevó al cine a través de varios documentales como Angola: victoria de la esperanza que dirigió en 1976, y además escribió el libro Los días del Kankouran.

Como investigador ofreció conferencias y escribió artículos y ensayos sobre la historia de Cuba, entre ellos, colaboró con el historiador Emilio Roig de Leuschenrig en el libro de éste Ideología de Antonio Maceo.

Guiné 63/74 - P16633: (De)caras (50): O 'embarazo' das esposas... O campeão de luta fula, Arfan Jau, do 4º pelotão, respondendo à moda do Porto à senhora do capitão, intrigada com a carecada que ele havia apanhado: 'Senhora, Arfan Jau cá tem cabelo, manga de fodido'... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > O Valdemar Queiroz (12) ao lado do alf mil Pina Cabral (13) e o 4º.Pelotão...  Restantes furriéis: Pinto (5) e Macias (9). (*)

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não se sabe quem foi o fotógrafo mas a máquina fotográfica era do ex-alf mil Pina Cabral, Sabe-se que a foto foi tirada em junho de 1970, na Guiné, no Quartel de Baixo, em Nova Lamego, na parada e em cima duma GMC que tinha sido atingida por uma mina anti-carro. Sabemos que uns vieram com o seu melhor fardamento, os dois primeiros  da primeira fila da frente esquerda;  sabemos que outros, os últimos da direita, da fila da frente, festejaram o evento como que uns ‘putos’ lá na sua escola. Ssabemos que o ex-alf mil Pina Cabral (13), à frente e ao centro, comandante do Pelotão, muito bem fardado, impõe respeito a toda a gente. E também sabemos que não festejávamos coisíssima nenhuma.

Foi como se nos juntássemos todos para uma foto de fim de tarde num dia especial, mas que não se consegue adivinhar por qual foi o motivo. É uma grande e enigmática fotografia:

(i) quem saberá qual a razão do Lobo Seidi, o primeiro, em baixo, do lado esquerdo á frente (1), ser o único de cabeça baixa ?

(ii)  quem saberá qual a razão o Caró Seidi, o terceiro, do lado esquerdo á frente (2), estar a mostrar uma caixa de fósforos ?

(iii) quem saberá qual a razão o Adulo Jaló (3) e o ex-1º. cabo Altino (4) e até o ex-fur mil Pinto (5), na segunda posição, em cima, lado direito, estarem a olhar para o infinito ?

(iv) quem saberá qual a razão do ex-1º cabo Silva (6), a seguir , com a mão esquerda na cadela ‘Judi’ (7) ser o mais ‘pensativo’ de todos ?

(v)  e até a pose de guarda-costas do Arfan Jau (8) em cima à direita atrás do ex-fur mil Macias (9) ?

(vi)  quem saberá qual a razão de não haver grandes ‘expressões’ de alegria, excetuando o caso, da pose excepcional, o hino entre os povos, o português no seu melhor de confraternizar com toda a gente, que é a pose do ex-1º cabo Rocha (10) no lado direito, em baixo, com o braço sobre o ombro do Aliu Djaló (11), num quase abraço, numa comunhão entre os povos, mas desta vez, infelizmente, na guerra, mas contentes, como que se os dois tivessem acabado de ver um jogo vitorioso do Benfica?

Julgo não haver muitas poses como esta, julgo mesmo que será a única. Esta é uma grande (e enigmática) foyografia em que cada observador pode fazer ou conjecturar muitos comentários, provavelmente perguntar se o Alseine, Saliu, Camará, Mutaro, Bácar, Arfan (8), Macias (9), Bonco, Tamaiana, Silva (6), a ‘Judy’ (7), Adulo, Altino, Jarga, Pinto (8), Lobo (1), Tagundé, Boi, Pina Cabral (13), Queiroz (12), Mamadu, Ussumane, Fode, Aliu (11) e Rocha estarão vivos. Não sabemos. O Macias, Silva, Altino, Pinto, Pina Cabral, Queiroz, Rocha e até o Boi Colubali estão vivos, os outros, agora com idades de mais de sessenta anos e até mais de setenta, não sabemos. 

A única coisa que sabemos é que esta fotografia existe e retrata vinte e nove jovens que estiveram na guerra da Guiné.



Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Canquelifá > CART 2479 / CART 11 (1969/70) Canquelifá > 1970 > Festas do fim do Ramadão > Lutas fulas, de corpo a corpo... Repare-se no risco, dividindo os dois campos...

Foto: © Valdemar Queiroz (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


2. Mensagem do Valdemar Queiroz  [, ex-fur mil, CART 2479 /
CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]


Data: 22 de outubro de 2016 às 00:11
Assunto: Ainda sobre esposas da metrópole na Guiné. (**)


Viva, Luís Graça.

O Arfan Jau, soldado do meu 4º. Pelotão, da CArt 11, era um lutador profissional, ou quase, dado que tinha 18 anos e fazia vida, para ganhar algum dinheiro, com as lutas 'à fula' (género greco-romana) em dias de festa.

Era, ainda com pouca idade, um grande campeão. Mas o Arfan Jau também era nosso soldado. E que grande soldado, em valentia, porte físico e humildade.

Ele era da secção do ex-fur mil Macias e logo entendeu que o furriel precisava dum guarda-costas. Para onde ia o Macias lá estava o Arfan Jau (vide foto do 4º Pelotão em Nova Lamego e lá está o Arfan ao lado do Macias).

O ex-allf mil Pina Cabral, cmdt do nosso Pelotão, achou que o Arfan Jau estava adquirir um estatuto especial e a tornar-se muito refilão e, para levar uma carecada por grande 'reguila', faltou pouco e assim foi. E lá o valente lutador Arfan Jau levou uma carecada disciplinar.

Coitado já não podia lutar, parece que era o cabelo que lhe dava força [, tal como Sansão da Dalila].

Um dia, o Arfan Jau ainda com uma grande carecada e com
o quico debaixo do braço, entrou, na hora do almoço, na messe de oficiais e sargentos a perguntar pelo furriel Macias . Logo à entrada era a mesa do Capitão e dos Alferes e também da esposa do nosso cap mil Analido Aniceto Pinto  (***) [, foto á direita]
que já estava a viver com ele em Nova Lamego.
– Então,  Jau? O que é que te aconteceu? – perguntou a senhora quando o viu careca.

Respondeu o Arfan Jau, com toda a humildade e com palavras em português que tinha aprendido com soldados do Porto;
Senhora, Arfan Jau cá tem cabelo,  manga de fodido.

Que maravilha!!!!

Já não me lembro se houve um silêncio embaraçoso ou umas gargalhadas estridentes.

A esposa do Capitão ainda por lá ficou uns meses, depois por já estar em estado avançado de gravidez foi evacuada. (****)

Um abraço
Valdemar Queiroz
_________________

Notas do editor:

(*) 29 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13666: Fotos à procura de... uma legenda (35): 4º pelotão, CART 11, junho de 1970, Nova Lamego... Uma grande e enigmática foto (Valdemar Queiroz)

(**) Vd. poste de 21 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16623: Inquérito 'on line' (77): Num total de 117 respostas, 62% diz que, nos sítios onde esteve, no mato, nunca houve familiares de militares, metropolitanos ou guinenses... Comentários dos camaradas Jorge Cabral, Vasco Pires, Jorge Canhão, Rogério Cardoso, Carlos Mendes Pauleta, Eduardo Estrela, José Colaço, J. Diniz Sousa Faro e Manuel Amaro

(***) Vd. poste de 21 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12752: In Memoriam (181): Analido Aniceto Pinto morreu ontem, em Lisboa. Foi cap mil da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte)

(****) Último poste da série > 23 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16629: (De)caras (48): Apresentação, na A25A, em Lisboa, em 20/10/2016, do livro do Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e amor"... Vídeo com direito a poema, escrito em Bissau, em 1997

Guiné 63/74 - P16632: Notas de leitura (894): “Guerra e Paz, Portugal/Angola, 1961-1974”, pelo Brigadeiro-General Willem van der Waals; Casa das Letras, 2015 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de um estudo muito bem documentado, a galeria dos protagonistas é servida com rigor e objetividade, o contexto da guerra angolana toma sempre em conta as outras frentes, no final da obra o autor diz que aquela guerra estava inextricavelmente ligada a conflitos não resolvidos nos outros territórios africanos. Fala-se da Guiné onde se sabia não seria possível para qualquer um dos lados uma vitória retumbante e a seu propósito escreve o autor: “A Guiné seria o teste crítico de resistência e de força de vontade das Forças Armadas e a razão principal para o colapso do governo em 1974”.
Outro autor por ele citado dirá mesmo que Caetano não podia ter aqui a sua batalha de Dien Bien Phu e prosseguir como se nada tivesse acontecido.

Um abraço do
Mário


Guerra e paz, Portugal/Angola, 1961-1974

Beja Santos

Não se trata propriamente de um olhar de um historiador estrangeiro, o Brigadeiro-General Willem van der Waals autor de “Guerra e Paz, Portugal/Angola, 1961-1974”, Casa das Letras, 2015, foi vice-cônsul da África do Sul em Luanda, entre Abril de 1970 e Dezembro de 1973. Conheceu na perfeição a UNITA e este seu livro tem por base a sua tese de doutoramento numa universidade sul-africana. Com o 25 de Abril de 1974, o autor, colocado na Namíbia, contactou a UNITA. Foi depois colocado no quartel-general sul-africano em Pretória, o dossiê Angola não mais o largou. E como ele bem diz, para se compreender totalmente a guerra civil Angolana, o envolvimento de África do Sul e a Angola de hoje é necessário compreender todos os acontecimentos luso-angolanos, sobretudo a partir de 1961.

O estudo de van der Waals aparece bem compartimentado, baseia-se numa tese de doutoramento, é multidisciplinar e tem ambições de enquadrar os múltiplos protagonistas desenvolvidos. Começa por nos dar o ambiente físico e humano e enquadramento histórico de Angola, a emergência do nacionalismo a partir da era de Salazar e o despontar de forças como o MPLA e a UPA. Recorda que o Acto Colonial previa uma maior dignificação do indígena e o fim do trabalho forçado, mas que nada se passou assim, como observa: “Um fazendeiro que requeria trabalhadores solicitava-os às autoridades governamentais, após o que se abordavam os líderes negros para preencherem a quota com gente das suas comunidades. Se não o faziam, a questão passava para a polícia, que realizava batidas arbitrárias arrebanhando homens até preencher a quota. Tais práticas laborais revoltantes tornaram-se no foco da atenção não só em Portugal mas também a nível internacional. Em 1947, o Capitão Henrique Calvão, na qualidade de Inspector-Chefe da Administração Colonial apresentou um relatório numa reunião secreta da Assembleia Nacional, alegando que a economia angolana explorava mão-de-obra negra barata comparando o trabalho do contratado ao da escravatura. Avisou o governo de que haveria uma catástrofe iminente caso as condições de trabalho não fossem rapidamente melhoradas”.

Temos seguidamente o ano crítico de 1961, correspondente ao início das sublevações, segue-se a luta revolucionária limitada entre os anos de 1962 a 1966 e a guerra prolongada entre os anos de 1967 a 1974. Não havendo qualquer surpresa na documentação apresentada, louva-se o autor pela capacidade de síntese na apresentação dos protagonistas e dos demais movimentos de libertação em colónias portuguesas. O mesmo se dirá da boa capacidade esquemática apresentada para os factos da luta revolucionária, inicialmente centrada na região Norte e posteriormente na frente do Leste. Fica-se com o entendimento dos altos e baixos na representação das três forças anticoloniais, as suas filosofias e até os seus aliados. Há muito que se sabe que o MPLA, no início de 1974, vivia precariamente e com destino aleatório. Em 18 de Abril de 1974, o comandante de esquadrão Manuel Muti rendeu-se às autoridades portuguesas, dando informações dentro das fileiras do MPLA, ficou-se a saber que havia duas fações distintas encabeçadas por Agostinho Neto e Daniel Chipenda. A figura-chave que leva à neutralização temporária da sublevação de Luana é Costa Gomes. Enquanto Comandante-Chefe de Angola, reformou a estrutura do comando e do controlo e assumiu o real comando das operações, africanizou as forças da ordem e colocou o General Bettencourt Rodrigues como Comandante da Zona Leste onde, em 1971, lançou uma ofensiva bem-sucedida. Van der Waals esmiúça com detalhe a evolução da FNLA/GRAE/ELNA, da UNITA e procura interpretar as razões do êxito temporário das forças portuguesas frente ao inimigo. E escreve: “Encarada isoladamente, a guerra em Angola redunda num excelente exemplo de luta contrarrevolucionária relativamente bem-sucedida. Em 1974, os movimentos de resistência que desafiavam a autoridade de Portugal em Angola encontravam-se exaustos e divididos. Do mesmo modo, o cansaço da guerra impregnara já a mentalidade portuguesa, muito em concreto no seio das Forças Armadas. Este sintoma, resultado de 13 anos de guerra, mostrava-se menos palpável em Angola mas viria, não obstante a determinar o seu destino. A guerra de Portugal e Angola, quando chegou ao fim, estava inextricavelmente ligada a conflitos não resolvidos nos outros territórios africanos e a tendências subterrâneas existentes na própria Metrópole”.

De leitura obrigatória para compreender a mais sangrenta sublevação contra o colonialismo na história de África a Sul do Sara.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16624: Notas de leitura (893): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16631: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): A maldição de Cancolim e a CCAÇ 3489 que teve dois casos (o capitão e um alferes) de "abandono" (no período de férias) e um de "deserção" para as fileiras do IN, o sold at inf José António Almeida Rodrigues (1950-2016)


Guiné > Bissau > Cumeré > 1/1/1972 > Passagem de ano > "À frente o alferes que nos abandonou e,  primeiro da última fila [, do lado esquerdo, de pé],  o capitão que também se foi" (sic)...

Legenda complementar [RB]: Em primeiro plano temos o Ferreira, e de baixo para cima da esquerda para a direita, estão o Gaspar, Baptista, Correia, Grosso, Jacinto, Oliveira, Piedade e o Sá;  mais acima estão o Rodrigo Oliveira e o Silva, por cima estão o Guarda, ao lado com a garrafa e o outro a seguir me recordo dos nomes, Conde, Romana, depois temos o Figueiredo, Andrade, o outro Silva e o Bidarra.

Foto (e legenda): © Rui Baptista (2009) Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




1. Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): A maldição de Cancolim e a CCAÇ 3489 que teve dois casos (o capitão e um alferes) de "abandono" das nossas fileiras (no período de férias) e um de "deserção" para as fileiras do IN. 

Há uma maldição de Cancolim ? Há uma maldição do Saltinho / Quirafo ? Há uma maldição do Xime / Ponta do Inglês ? Há uma maldição de Bajocunda / Copá ? .... De Canquefilá ?  De Buruntuma ? De Cheche / Madina do Boé ?...

Há uma maldição do Leste, com a escalada da guerra no chão fula (atuais regiões de Bafatá e de Gabu), que se acentua a partir de 1969, e de que muitos de nós fomos observadores, testemunhas, atores, vítimas…

Por exemplo, João Amado, natural de Carvide, concelho de Leiria, sold aux cozinheiro, nº 03858869, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, morto em 2/3/1972, no ataque a Cancolim. (Está sepultado em Vieira de Leiria, concelho de Marinha Grande.). Ou Rui Baptista, ex-fur mil da mesma subnidade, felizmente vivo, residente em Póvoa de Santo Adrião, nosso grã-tabanqueiro (desde 9/12/2009) , que pertencia ao 2º pelotão,  "Os Vingadores (e que ficou sem comandante, o alf mil  Rosa Santos, transferido "para as tropas africanas"). Ou o Zé António Rodrigues, recentemente falecido, que foi "prisioneiro de guerra", mas antes foi acusado de "deserção"...

Mp nosso blogue, temos cerca de três dezenas e meia de referências a Cancolim e menos de metade à  CCAÇ 3489 (Cancolim, 1971/74).

Mobilizada pelo RI 2, a CCAÇ 3489 partiu para a Guiné em 18/12/1971 no T/T Angra de Heroísmo e regressou em 28/3/1974 no T/T Niassa, tendo chegado a Lisboa em 4 de abril desse ano, a escassas 3 semanas do 25 de abril de 1974.

A CCAÇ 3489 esteve em Cancolim. Comandantes: cap mil Manuel António da Silva Guarda; e cap mil inf José Francisco Rosa. Pertencia ao BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74), comandado pelo ten cor inf José de Castro e Lemos. Faziam ainda parte deste batalhão, a CCAÇ 3490 (Saltinho; comandante: cap mil inf Dário Manuel de Jesus Lourenço) e CCAÇ 3491 (Dulombi, Galomaro, cap mil art Fernando de Jesus Pires).

O Rui Baptista é membro da nossa Tabanca Grande , desde 3/12/2009. Recorde-se como ele se nos apresentou:

(…) “Nesse espaço de tempo que permaneci na Guiné (27 meses e alguns dias), sempre em Cancolim (há que retirar o tempo do IAO no Cumeré, duas viagens de férias a Lisboa e dois internamentos no Hospital Militar em Bissau), aconteceram coisas que jamais poderei esquecer” (…)

A "maldição de Cancolim" (o termo é nosso) percebe-se agora melhor, quando o Rui diz:

“A CCaç 3489 não teve muita sorte durante a comissão, principalmente nos primeiros meses. Logo no início em Cancolim em três quintas-feiras seguidas tivemos 4 mortos e 21 feridos”:

(i) Um morto e um ferido numa mina na picada entre Cancolim e o destacamento de Sangue Cabomba; 

(ii) 16 feridos ligeiros num despiste de uma viatura a caminho de Bafatá;

(iiii) e mais 3 mortos e 4 feridos na primeira flagelação do IN ao aquartelamento , em 2/3/1972.

E conta um detalhe biográfico do seu verdadeiro baptismo de fogo:

“Neste primeiro ataque tive a sorte de um ex-furriel dos velhinhos me ter empurrado para dentro da porta da secretaria;  ele, com esse gesto, acabou por ser ferido numa vista por um estilhaço de uma granada de morteiro 82 e eu escapei ileso”…

Não menos grave, ou talvez ainda muito pior para o moral da tropa, foi o que se seguiu:

(...) "Tivemos o abandono do capitão  e de um alferes, e a partida forçada para as tropas africanas do alferes Rosa Santos do meu pelotão”...

Repare-se que o Rui nunca fala em “deserção” (por pudor, por tabu, por respeito, por desconforto ?…) mas em “abandono” (sic)… Presume-se que os dois oficiais, milicianos, tenham "desertado" (é o termo técnica e juridicamente apropriado) durante as férias na metrópole, com menos de meio ano de comissão, portanto no verão de 1972…

A maldição continuou:

“Como o IN não nos dava tréguas, e com o pouco material de guerra que tínhamos para nos defender (na altura apenas um morteiro 81), com o assalto pelo IN ao nosso destacamento e a captura de 2 homens nossos, a fuga de um soldado para o IN, juntamente com as notícias de mortos no Saltinho [em Quirafo, em 14 de Abril de 1972,] e emboscadas no Dulombi, o desânimo instalou-se nas nossas tropas”.

"A fuga de um soldado para o IN" ?  A confirmar-se seria uma terceira "deserção", o que é muito para uma companhia só, depois de um capitão e de um alferes...

E prossegue o nosso camarada Rui:

“Com a substituição do capitão e dos alferes, acabamos por não ter um comando à altura de nos elevar o moral, passámos por um período do quase salve-se quem puder. Valeu-nos o reforço de um pelotão do Dulombi e a visita de alguns Páras [, do BCP 12,] para as coisas acalmarem em Cancolim”.

Mas a maldição não acaba aqui…

“O resto da comissão, principalmente os últimos 7 ou 8 meses de 1973, foi bem mais calmo. O último ataque a Cancolim foi em 20 de janeiro de 1974, nesse dia o IN veio de manhã quase junto ao arame, apesar de muitos de nós andarem a jogar futebol, conseguimos fazer com que batessem em retirada deixando um morto no terreno.

Antes disso, ainda houve duas visitas (forçadas) do Rui ao HM 241, em Bissau, a última das quais por ferimentos graves na sequência de rebentamento de mina A/C que tinha, ao que parece,  "código postal errado" (*)

No meio de tanta desgraça, desânimo e desnorte, ainda rapaziada de Cancolim conseguiu dar provas  de resiliência ao stresse físico e psicológico (exemplificada em brincadeiras, jogos,  atividades lúdicas, etc.),  capacidade essa  que todos nós,  combatentes no TO da Guiné, tivémos que saber desenvolver para sobreviver...

2. Quanto ao "abandono" ou "deserção" das fileiras, por parte de 3 militares da companhia...


A deserção, tal como o suicídio, pode ser contagiante, sobretudo quando o nosso chefe ou líder dá o exemplo... Há famílias "suicidárias", como pode haver unidades militares com tendências para a deserção, em todas as épocas, em todos os exércitos...

Isso aconteceu, infelizmente, em alguns casos (seguramente raros) no TO da Guiné, durante a "nossa guerra" (1961/74). Um deles pode ter sido o da CCAÇ 3489...

O pobre José António Almeida Rodrigues (1950-2016), ex-sold inf,  foi para a cova, ainda recentemente,  e a terra foi-lhe, certamente, mais pesada do que a outros camaradas , pela terrível "suspeição de deserção" que carregou toda a vida...

Dos outros dois antigos militares não falamos, presumindo nós que estão vivos  e que têm direito à reserva de intimidade (o ex-capitão sabemos que sim, que está vivo): só eles sabem por que razão "abandonaram" os seus homens, no verão de 1972... e só eles podem, em consciência, dar ainda, em público, mesmo que tardiamente, uma justificação para uma decisão que não terá sido tomada de ânimo leve. (Julgamos que, no final das férias de 1972, e a partir do momento em que ficaram sob a alçada da justiça militar, pelo "crime de deserção", terão saído do país, não sabemos se de maneira concertada, ou cada um por seu lado, e por sua conta e risco, nem para onde, nem como...).

Até há pouco, quando o caso do Zé António Rodrigues veio à baila no nosso blogue, justamente por ocasião da sua morte, estava ainda muito arreigada na memória do pessoal da CCAÇ 3489 a imagem (estereotipada e injusta) do Rodrigues como "desertor" e, pior ainda, "traidor".

O Rodrigues tinha um "comportamento antisssocial", era agressivo, imprevisível, indisciplinado, "bicho do mato", dizia-se... Ninguém tinha mão nele... A verdade é que o pelotão dele ficou sem alferes, logo cedo, quando este "não regressou de férias", na metrópole, tal como o capitão!...

O Rodrigues dava-se ao luxo de sair a seu bel prazer, para ir caçar, sozinho, ou com os caçadores da tabanca...

Enfim, Cancolim parecia andar sem rei nem roque...

O camarada Rui Silva, ex-furriel e nosso grã-tabanqueiro, disse-nos, ao telefone, que a maior parte da malta estava convencida que ele, Rodrigues,  se tinha "passado para o inimigo". Durante as 24 horas do seu desaparecimento, andaram atrás do seu rasto até ao rio Corubal. Encontraram munições (de G3), abandonadas, e que seriam presumivelmente dele... Logo a seguir o destacamento de Sangue Cabomba foi atacado (tal como Cancolim)...

Há quem "visse" o Rodrigues no meio dos "turras", a orientar o ataque a Sangue Cabomba!!!...

Crucificaram o Zé Rodrigues em vida!... A malta nunca lhe perdoaria  a alegada "traição"!... E nunca fizeram questão de o procurar nem ele procurou os seus antigos camaradas, na metrópole!... Em Bissau, quando esteve preso por "suspeita de deserção" (sic), o 2º comandante do batalhão terá falado com ele...Ele sempre se terá defendido dizendo que tinha sido feito prisioneiro pelo PAIGC (e tratado como tal)...

O António Batista, grã-tabanqueiro, da CCAÇ 3490, que infelizmente já também não está aqui entre nós, tendo morrido no mesmo dia do Zé António (!), deixou-os um testemunho em vídeo, e disse-nos, por mais de uma vez, que o Rodrigues levava porrada dos carcereiros...

Nunca teve nenhum "tratamento VIP" como desertor... E aliciou o Batista para fugir com ele, em março de 1974...

Recorde-se que ambos foram companheiros de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé (entre 1972 e 1974) ... O António  da Silva Batista esteve preso desde abril de 1972 até ao fim da guerra.  O Zé Rodrigues, aprisionado em julho de 1972,  acabou por fugir dos seus captores, em março de 1974, e ensaiar uma heróica fuga, andando  9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... 

Fizemos questão de reparar esta injustiça,  no nosso blogue, embora tardiamente... O Zé António nunca teve oportunidade de se defender em vida!... E só conheceu a miséria, a infelicidade, a doença e a solidão. Está morto e enterrado!... Mas, apesar dessa vida de  miséria,  ele também conheceu em fim de vida a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem...  Entrou para a nossa Tabanca Grande, a título póstumo, por proposta do Zé Manuel Lopes, seu vizinho da Régua. (**)

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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 17 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1606: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (13): Jorge Cabral

(...) Há quarenta anos nós,  jovens,  optámos. Informados ou desinformados,  fomos e lá estivemos. Partilhámos medos, sofrimentos, tristezas, alegrias.

Hoje resta-nos a memória desses tempos. E é essa memória corporizada na Tertúlia, que nos une.

A Tertúlia é, e deve continuar a ser, um Fórum de Camaradas, que em pé de igualdade, informam, relatam e recordam.

Quantos desertaram na Guiné? Porquê? Que fizeram depois? Deram informações?
Colaboraram com o Inimigo? Desconheço, mas não lhes atiro pedras. Não me peçam, porém, para os enaltecer, glorificar ou incensar. (...)

domingo, 23 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16630: Blogpoesia (476): "Do verde ao amarelo..."; "Na sombra eu teço..." e "Rio da esperança", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. O nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) vai-nos enviando ao longo da semana belíssimos poemas da sua autoria, dos quais publicamos estes, ao acaso, com prazer:


Do verde ao amarelo...

Caminho longo.
Um processo espesso.
Silencioso e sombrio.
Emergindo da terra.
Raízes profundas.
No intercâmbio dos elementos.

A seiva pura sobe nos caules.
Com vida.
Um rio fluente.
Cadeia de laços.
Tecendo fazenda.
Viva estrutura.

Crescem os ramos.
Se cobrem de verde.
As folhas.
As flores e os frutos.

Bate-lhes o sol.
Tudo aquecendo.
Medrando.
No tamanho exacto.

Passa-lhe o tempo.
Toldando-lhe a cor.
Um milagre de química
Se deu.
O verde morreu.
O amarelo surgiu...

ouvindo Claydermann

Berlim, 19 de Outubro de 2016
10h7m

JLMG

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Na sombra eu teço…

Sejam suaves, coloridas estas linhas
Que, na sombra, eu teço.
Vêm do linho corado ao sol
E da lã da serra que a terra dá.

O rio as rega, o sol as banha.
Os azuis do céu.
O matiz das urzes.
Minha pena as urze.
Meu tear sombrio.

Linha a linha eu teço
Desta seara d’oiro
Que me aloira a alma.

É tão breve a vida,
Tão rico o bragal.
Ó riqueza louca,
Para eu expor ao sol…

Ouvindo concerto de Schumann por Khatia Buniatiswilli ao piano

Berlim, 21 de Outubro de 2016
9h22m

JLMG

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Rio da esperança

Maviosa fluência de serenidade
Vai naquele rio largo.
A ele acudo nas minhas horas
Mais agitadas que a vida traz.

Nele me banho e lavo todas as asperezas
Que me feriram no corpo e alma.
Se dissipam as névoas negras
Que me toldam a paz.

Reverdece a esperança
E renasce a alegria…

Berlim, 23 de Outubro de 2016
9h3m

JLMG
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16605: Blogpoesia (475): "Pelo céu cinzento..."; "Flor perfumada..." e "Poisei meus pés em África...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16629: (De)caras (49): Apresentação, na A25A, em Lisboa, em 20/10/2016, do livro do Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e amor"... Vídeo com direito a poema, escrito em Bissau, em 1997




Vídeo 2' 51'' (alojado em You Tube > Luís Graça)


Lisboa > Associação 25 de Abril > 20 de outubro de 2016 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: crónicas de guerra e amor", da autoria do Paulo Cordeiro Salgado (Lema d'Origem Editora, Carviçais, Moncorvo, 2016, 230 pp; coleção Palavra).  

Foi feita uma edição de 500 exemplares, com o apoio da Câmara Municipal de Moncorvo. A capa, muito bonita, baseia-se numa imagem do "pano pente" ou "pano de pente". Na contracapa, com uma bela foto do célebre poilão de Maqué, da autoria de Maria da Conceição Santos Salgado (2006), lê-se: "A presente obra é o resultado de experiências vividas pelo autor no período da guierra colonial e duarnte a sua permanência, como cooperante, na Guiné-Bissau".

A apresentação da obra e do autor esteve a cargo do poeta e jornalista transmontano Rogério Rodrigues, amigo de infância do Paulo Salgado, e  de que fizemos também uma gravação em vídeo. O livro foi vendido, no local,  a preço de lançamento (13 €). O livro pode ser adquirido através de pedido para o mail da editora: editora@lemadorigem.pt

O nosso camarada Paulo Salgado, nascido em Torre de Moncorvo, em 1946,  foi alf mil cav, op esp, CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), sendo seu comandante o então cap cav Mário Tomé, hoje cor cav ref.  Foi professor primário, licenciou-se em direito, é mestre em administração de unidades de saúde, fez formação pós-graduada em administração hospitalar, trabalhou em diversos hospitais do Serviço Nacional de Saúde  e foi cooperante em países lusófonos, como a Guiné-Bissau (1990/92 e 1997-2006)  e Angola (nos últimos sete anos). É administrador hospitalar reformado,  vive em Vila Nova de Gaia, tem dois filhos e um neto, é membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora (2005).

Na sua intervenção, a seguir à do editor, António Lopes, e do apresentador, Rogério Rodrigues, o autor fez uma série de agradecimentos e, no final, leu um poema da sua autoria, datado de Bissau, 1997, à época em que esteve á frente do Hospital Nacional Simão Mendes. Aqui se reproduz um excerto da sua intervenção e, por escrito, o seu poema (que teve a gentileza de nos enviar por email hoje mesmo).



POEMA SIMPLES

por Paulo Salgado



Amigos,
gostava de escrever
um poema
que cantasse
a voz do batuque,
o choro do korá,
o eco do bombolom.

Um poema
que tratasse
do trinado das guitarras,
do rufar do adufe,
do gemer de uma viola.

Amigos,
gostava de escrever
um poema
que conseguisse remexer
as profundezas da solidariedade
e da fraternidade.

Um poema
que alcançasse
a planície alentejana,
os vales estreitos transmontanos
e as inundadas bolanhas
e frondosas florestas.

Um poema
que nos cobrisse 

de paz,
de lágrimas de contentamento,
de esperança no presente
e de crença no futuro.

Um poema,
amigos,
para uma música simples.
numa melodia capaz
de embalar os homens
que um dia se encontraram…



Escrito em Bissau no ano de 1997

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Nota do editor: