quinta-feira, 21 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16322: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VII: a cultura da "responsabilidade social"...


Fonte: Companhia de Diamantes de Angola : breve notícia sobre a sua actividade em Angola (Diamang). Lisboa : Companhia de Diamantes de Angola  (Diamang), 1963.


1. Mensagem do José Manuel Matos Dinis:

Foto à esquerda:

José Manuel Matos Diniz, 

(i)  ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679,Bajocunda, 1970/71;

(ii) nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo  da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales;

(iii) depois do seu regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo da Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972;

(iv) vai viver e trabalhar na Lunda, na melhor empresa angolana na época, a famosa Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo;

(v) aqui casou (por procuração), aqui nasceu o seu primeiro filho:

(vi) desafiado por nós justamente a falar da sua experiência angolana em meia dúzia de crónicas memorialísticas,  aceitou galhardamente o desafio e já foi além, do prometido (*).


Data: 12 de julho de 2016 às 22:11

Assunto: As minhas memórias do tempo da Diamang, Lunda, Angola - parte VII

Caros amigos Luís e Carlos,

Aqui vai a parte VII das memórias, agora com uma divulgação sobre métodos aplicados naqueles azimutes, que já revelavam alguma modernidade de gestão. Infelizmente, até o pessoal mais qualificado podia não intuir o alcance de algumas orientações, mas que existiam... lá isso existiam, e tinham como preocupação o primado do ser humano.

Enquanto não me mandarem parar, e tiver alguma coisa para contar, levam comigo.

Abraços fraternos
JD


2. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VII: uma cultura de "responsabilidade social"

Quando um empregado chegava à Lunda, recebia tapetes, tecidos para cortinados, lençóis... e uma grossa pasta-arquivo com inúmeras ordens de serviço, onde, em princípio, poderiam ser encontradas as diferentes orientações do ponto de vista técnico e social. Também recebi, mas não li mais do que uma dúzia, pelo que muitas das matérias ali tratadas nem tive conhecimento delas, e algumas, em leituras posteriores, constatei que teriam muito interesse para a melhoria da condição de vida dos trabalhadores e familiares.

Esta culpa de que me retrato, tem a ver com a enormidade da pasta, e com a escassez de tempo para além do horário normal de trabalho, mas, principalmente, porque a Companhia não se interessou pela criação de programas de aferição, difusão, melhoria e tratamento das matérias ali expostas.

A dar conta desse género de preocupação social, leia-se com alguma delícia uma passagem:
Com os trabalhos da Companhia «a tenebrosa Lunda abriu-se como flor exótica, e os benefícios da civilização e da cultura entraram nela como bênção do céu. À riqueza diamantífera que ela oferecia, riqueza do adorno e de coisas sumptuárias, como de indústria e ciência, respondia a Diamang com riqueza de princípios de desbravamento, de elevação humana... Por muito estranho que possa parecer aos detractores (e das obras insignificantes não os há) ou aos ignorante (e de todas as obras os há), a Companhia deixa, praticamente, tudo o que tira na própria Província».

De algumas coisas  tão evidentes e de tanta grandeza e importância, a par de outras de mero sentido lúdico, já dei parcial conta e significado da vitalidade para a região e para a província, mas não posso subscrever a parte relativa ao investimento local, bem como aos empréstimos financeiros ao Estado, na medida em que não tenho elementos de consulta sobre valores de produção e vendas, nem dos valores relativos a encomendas, investimentos, importações e outras despesas.

É do conhecimento geral que a Companhia beneficiava de sérias isenções sobre importações, mas também é verdade que fazia empréstimos ao Estado mediante juros simbólicos e insignificantes. Este extracto tem apenas uma intenção, a de mostrar como sob a forma de relatórios, também pode ser possível fazer expandir mensagens de carácter social com vista à inclusão das classes, que todos sabemos, não acontece com a velocidade de um clique. Ali havia aquela preocupação, e aos diferentes quadros é que poderia imputar-se a responsabilidade sobre o desleixo de delas não tomarem conhecimento nem fazê-las aplicar.

«Nunca impôs superioridades raciais, mas bateu-se e bate-se pela fraternidade humana e pela igualdade perante a lei, embora partindo da 'igualdade de méritos', como é próprio das sociedades progressivas».

Não foi, seguramente, sempre assim, mas é consolador que houvesse preocupações dessa índole.

«Estabeleceu, assim, nas tais terras tenebrosas, o nervo criador e trepidante da 'civilização adequada', que se estendeu desde a 'humanização do clima' até à 'humanização do silvícola', desde a plantação da mandioca e da citrina até à protecção às grávidas e à infância».

Em 4 de Dezembro de 1920 celebrou-se um contrato com o Alto-Comissário que fixava uma grande região de "claims", e em contrapartida, a Diamang obrigava-se:

a) a intensificar os trabalhos de pesquisa e exploração de diamantes nas áreas concedidas, de forma a aproveitar, o mais possível, as concessões;

b) a dar à Província, em acções inteiramente liberadas, 5% de todo o capital já emitido ou que o viesse a ser;

c) a entregar à Província, anualmente, 40% dos lucros líquidos;

d) e, ainda, a emprestar à dita Província 400.000 libras, em duas prestações iguais...

"Presentemente, nos termos dos contratos celebrados em... e 10 de Fevereiro de 1955... tem a Província direito a 50% dos lucros da Companhia, o que representa para as finanças de Angola uma participação verdadeiramente notável».

O distrito da Lunda, como, aliás, grande parte do território angolano até aos anos sessenta, representava uma fase embrionária de desenvolvimento social, fortemente influenciado pelas tradições tribais, na medida em que a presença dos brancos que levaram os primeiros métodos e instrumentos de trabalho e organização, circunscrevia-se às regiões urbanas e arredores. Deve ter-se em conta o imenso território da província, e a escassez de população, apresentando baixíssimo índice de habitante por quilómetro quadrado.

A Diamang carecia de grande número de pessoal indiferenciado, que a Lunda não podia proporcionar, pelo que também recorreu ao regime dos contratados, trabalhadores que eram deslocados desde grandes distâncias. O processo não se pode classificar de dignificante, pelo contrário, pois havia angariadores que ofereciam prendas a certos sobas, que designavam as pessoas a transferir. Só uma minoria se fazia acompanhar das famílias, pois a grande maioria eram jovens robustos e solteiros, que, geralmente, acabavam por cruzar laços de sangue com mulheres locais.

Inicialmente viviam em casas de construção tradicional, e as aldeias não dispunham de quaisquer infra-estruturas. Com o decorrer dos tempos e a prosperidade da Companhia, que também se reflectia nos salários de milhares de trabalhadores, o que aumentava a massa de capital circulante, houve nítida evolução, quer do modelo das casas da população que não beneficiava de habitação fornecida, quer nas infra-estruturas das aldeias, que incluíam latrinas, pontos de água, e por vezes banhos públicos e tanques de lavagem.

"Em matéria de trabalho houve o reconhecimento de que as populações africanas, pela sua debilidade económica e correspondente pouco desenvolvida divisão do trabalho, não estavam em condições de eficazmente, defender os seus direitos e interesses dentro de um sistema caracterizado pelo salário. Por isso, o Estado, cumprindo o assumido dever de protecção, criou em benefício delas o regime do indigenato, de características que o especializaram em face de outras formas de intervenção estadual, também usadas em favor das classes economicamente débeis. Estes regimes caracterizavam-se por uma regulamentação protectora, particularmente apertada e paternalista».

Aqui estamos em presença de um discurso com base no pensamento oficial que foi tão severamente criticado pelos opositores ao regime. Peço, por isso, a vossa diligência para o criticarem com liberdade e fundamento, não esquecendo a particularidade da época (1963), e os regimes congéneres nas países anglófonos e francófonos dali vizinhos.

O processo de evolução social estava em marcha acentuada. Segundo a Companhia, «não se trata de fornecer ao trabalhador alimento suficiente e racional, habitação higiénica e confortável, salário justo e equacionado com as possibilidades das empresas e as necessidades familiares do trabalhador, mas, e muito principalmente, de acompanhar de perto a evolução psicológica correspondente à alteração do sistema tradicional de vida, inevitável quando o salário vem substituir os recursos angariados segundo as formas próprias das economias de subsistência». 

Por essa altura também foi dada atenção às condições do trabalho feminino, embora só um reduzido número de mulheres trabalhasse para a Companhia.

A Diamang teve ainda a preocupação de em África estabelecer a progressiva valorização e ligação das raças brancas e de cor. Melhorar as condições de vida dos nativos, zelar pelo seu bem-estar, elevando-os na escala dos valores sociais e económicos (com o contributo da escola e da igreja), eram objectivos que estavam na base de toda a organização. Para isso houve que considerar os trabalhadores africanos segundo os conceitos de:
a) grau de educação social;
b) grau de evolução profissional;
c) modalidade contratual.

A primeira qualificação revela a ponderação sobre o trabalhador desde o mínimo da evolução, até à situação de cidadania adquirida e em que o seu regime é equiparado ao do trabalhador europeu.

(Continua)


3. Comentário do editor:

Zé:  Qual a fonte? A referência bibliográfica? As fotos não são tuas... No nosso blogue, temos que pôr estas coisas, como manda a lei...

Ouras coisa: dizem que o acionista belga da Diamang  é que influenciava as decisões e a cultura da empresa: caso da criação do Museu, por exemplo... A colonização e a "pacificação" do Congo, transformada em "couto privado" do Leopoldo II, da Bélgica, são das páginas mais negras da história do colonialismo em África... Acho que fomos uns "meninos de coro" ao lado deste gajo, hoje acusado de genocídio... O que sabes dos "belgas"?

Um abraço.
Luís



Congo ex-Belga > c. 1920 > "Troféus de caça"...  Uma visão europocêntrica (imperial, pedradora, paternalista,,,) de África. Fotos de Victor Jacobs (digitalizadas e editadas por LG.). 

Fonte: Louis Franck - Le Congo Belge, Tome I. Bruxelles: La Renaissance du Livre. 1928. p. 152, [Exemplar, raro, gentilmente disponibilizado pelo meu amigo e vizinho de Alfragide, eng. agrº Francisco Freitas, nascido no antigo Congo Belga, hoje República Democrática do Congo.  O autor, Louis Franck (1868-1937) foi um político, belga, de origem flamenga, jurista, escritor, antigo ministro de estado e antigo ministro das colónias; interessou-se por questões como a colonização belga no Congo, o atvismo flamengo, etc.;  fundou a École coloniale supérieure,em  Anvers, em 1920, mais tarde, em 1923, Université coloniale de Belgique].


4. Resposta do José Manuel Matos Dinis, com data de 13 do corrente:

Olá, Luís, tens razão.

A fonte é uma publicação da Diamang, datada de 1963, sob o título Companhia de Diamantes de Angola: Breve notícia sobre a sua actividade em Angola. Não faz referência a restrições sobre publicações. É uma edição própria. 

No meu tempo não havia belgas, apesar de uma participação no capital que a Forminiére detinha. Mas foram os belgas que intuíram da existência de diamantes em Angola, tendo em conta a proximidade geográfica das jazidas, e a continuidade das condições morfológicas e geológicas do território. 

Também foram eles a dar impulso à prospecção e a entenderem-se com o Governo para o inicio das explorações. Isso está na Net. 

Meninos de coro? Claro que sim, apesar de termos tido exemplares dados à exploração do preto considerado subproduto da humanidade. Norton de Matos, que pretendeu dignificar o tratamento dado aos nativos, foi corrido depois de o Parlamento o ter desancado com o argumento de bon-vivant, mas só fazia um trabalho encomendado, que incomodaria o Norton. A A.N. desconsiderou-o tanto, que o senhor foi demitido por duas vezes, e durante esse período o regime foi de difícil explicação, entre o liberal e o esclavagista.

O curioso, é que foi o desencadear da guerra, que permitiu um fluxo importante de colonos, mais apetrechados, que ajudaram à mais brilhante expansão sócio-económica da iniciativa dos portugueses.  Se o Brasil foi em tempos o orgulho de país irmão, não sei se Angola quereria romper os laços, mas seria, certamente, uma sociedade moderna e exemplar, porque todo o crescimento era equilibrado e reflexo dos níveis de progresso atingidos.

Um abraço,
JD


5. Resposta de LG, no mesmo dia:

Obrigado, Zé, confirmo, encontrei a referência na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos:

Companhia de diamantes de Angola : breve notícia sobre a sua actividade em Angola (Diamang). Lisboa : Companhia de Diamantes de Angola(Diamang), 1963.

É suficiente.

Ab.
LG
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de julho de  2016 > Guiné 63/74 - P16265: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VI: singela homenagem ao etnólogo e antigo diretor do Museu do Dundo, João Vicente Martins (n. 1917)

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16321: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (51): Os portugueses tiveram tendência para menosprezar o PAIGC, antes e depois da guerra... Recordando uma cilada dos "homens do mato" aos homens grandes de Sancorlã/Cambaju, ao tempo da CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Regulado de Sancorlã > Cambaju > A família reunida em Cambaju, ano de 1965/66 > Em cima: Mãe (Cadi Candé), pai (Aliu Tamba Baldé) e Aua (prima irmã). Em baixo: Tulai (minha irmã), Eu (de boina verde), Carlos (hoje médico) e Aissatu (irmã da Aua). Esta foto foi tirada por um soldado português amigo da família. (*)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > 1991 > Festa de Ramadão  > El-Hadj Aliu Baldé (Tamba), o pai do Cherno > Em 1937 fez parte do grupo de jovens que saiu de Canhamina para Contuboel para receber e homenagear os combatentes de Sancorlã que participaram na última guerra de Canhabaque (Ilhas Bijagós)... 

[Em rigor, foi uma expedição punitiva, contra os bijagós que se recusavm a pagar o "imposto de palhota", também conhecida por "quarta e última campanha de Canhabaque", decorrendo de 10 de novembro de 1935 a 20 de fevereiro de 1936... O pai do Cherno faleceu  em Bissau em setembro de 1999, porvavelmente com 80 anos.  Recorde-se aqui que El Hadj  é um título honorífico reservado ao crente muçulmano que, em vida, consegue ter a felidadade de fazer, com sucesso, pelo menos uma  peregrinação anual,  Hajj,  a Meca (LG)



Guiné-Bissau > Bissau > Maio de 1977 > Eu e a minha mãe (*) [Em 2011 ainda viva, embora já cega... O Chern fala dela com uma imensa ternura... Teria 80 anos de idade: disse ao filho que, por volta de 1936/37, quando o pai voltou de Canhabaque, a última batalha da "campanha de pacificação",  ela teria aproximadamente 9/10 anos de idade. (LG)]


Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P16317 (**):


Caros amigos JDinis e MLLomba,

Aproveito esta abertura para apresentar um exemplo típico de acontecimentos que foram reais, mas que, na altura devida, não mereceram a atenção devida dos portugueses e foi assim:

Em meados de 1964/5, salvo erro, como nos contaram (***), os elementos da guerrilha que actuavam na zona Norte (eixo Cuntima-Sitato-Cambaju), confrontados com a forte resistência do regulado de Sancorlã,  apoiado por um pelotão de metropolitanos de uma companhia sediada em Bafatá (penso que a companhia do Alcídio Marinho, CCAC 412,  Bafatá, 1963/65), contactaram os grandes de Cambaju e solicitaram um encontro para conversações "entre irmãos", longe dos olhares dos brancos.  Na realidade era uma cilada.

No dia combinado, os grandes de Sancorlã desconfiados, no lugar dos homens grandes e dos régulos, resolveram enviar os filhos mais velhos para negociar, divididos em dois grupos. O primeiro grupo ia preparado para as conversações, mas na retaguarda ia um segundo grupo discretamente armado para o que desse e viesse.

Antes de chegar ao local combinado,  o primeiro grupo caiu numa emboscada dos homens do mato que sem pré-aviso abriram fogo, matando duas pessoas e ferindo outras. Nao fosse a pronta intervenção dos homens da retaguarda, provavelmente, seriam todos chacinados.

Todavia, os portugueses não tiraram as devidas ilações deste acontecimento macabro, na primeira fase da guerra,  talvez porque os mortos eram civis armados e nativos guineenses ou por outras razões que nunca saberemos,  e não se tomaram as medidas que se impunham para que não viesse a repetir-se.

E, pasmem-se, esta mesma estratégia seria utilizada alguns anos mais tarde (1970) no chão manjaco, no que ficou conhecido como a tragédia dos 3 Majores, talvez o crime que mais abalou os portugueses e a sua cúpula dirigente na Guerra da Guiné e a retaliação não se faria esperar com a invasão de Conakri, em Novembro do mesmo ano.

Para terminar, acho que, muitas vezes houve tendência de menosprezar o PAIGC e as suas forças, antes e depois da Guerra, quando, na minha opinião, devia de ser tudo ao contrário.

Um abraço amigo,

Cherno AB

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Notas do editor:



(***) 31 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15556: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (50): Na minha língua materna, o fula, não existe a expressão "Feliz Natal"... Mas felizmente que a Guiné-Bissau é um país de tolerância religiosa, em que as duas religiões monoteístas, Islamismo e Cristianismo, coexistem bem com o animismo

Guiné 63/74 - P16320: Os nossos seres, saberes e lazeres (164): Ai, se Bocage soubesse ou visse… (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Por vezes visitamos um local com uma finalidade pré-determinada e o destino encarrega-se de nos dar as voltas, encontramos outras finalidades. A ideia era percorrer e registar o Convento de Jesus, rever a galeria de pintura quinhentista, conhecer a casa de Bocage e ver a exposição dos desenhos que lhe dedicou Júlio Pomar. Pois aconteceram outras coisas, o viajante foi atraído pelas entranhas do casco histórico e deslumbrou-se. E disse para consigo: isto é um rodopio de surpresas, os camaradas da Guiné têm que visitar demoradamente Setúbal, há muito mais coisas que o choco frito e as praias deslumbrantes.

Um abraço do
Mário


Ai, se Bocage soubesse ou visse… (1)

Beja Santos

Visita-se Setúbal por muitíssimas razões: para ir às praias, que são bem aprazíveis; tomar um barco e ir até Tróia, nem que seja só para visitar o extraordinário património relacionado com o Império Romano, daqui partia muita salmoura para muitíssimos recantos; para visitar o Convento de Jesus, uma jóia única, ali bem perto se ratificou o Tratado de Tordesilhas, quando os povos ibéricos se julgavam capazes de repartir os novos mundos descobertos e a descobrir; ou visitar uma exposição, já que Setúbal tem uma vida cultural própria que extravasa a Serra da Arrábida, uma gastronomia de peixe sem concorrência, ir ver golfinhos ao Rio Sado ou aves à Mourisca. Pois o pretexto para passear era ir ver Bocage, desenhos de Júlio Pomar, em último dia de exposição, 6 de Fevereiro, já com foliões carnavalescos na rua, e por ali deambular. Vamos aos factos.


Parece mentira mas é verdade, este fontanário, seguramente património municipal, está adossado a um prédio de estranhas dimensões, pior casamento é inimaginável. Pois acontece, o mostrengo parece que veio para ficar. Eu protesto, é indigno de ver tal coisa no casco histórico de Setúbal que um dia será uma das jóias rutilantes do nosso património construído.


Dir-me-ão que estas requalificações não têm nada de especial. Mas não é bem assim, é preciso ver e contrastar, perceber que do arruinado se faz o vistoso e com caráter. Estas intervenções precisam de ser aplaudidas e mostradas, é um dos modos de fazer sair da sombra os edifícios maltratados, gerando orgulho em ver Setúbal reluzente, ainda mais aprazível.


Quem vem pela Avenida Luísa Todi fatalmente que será atraído por estas formosas bicas em praça ampla, é um monumento pujante, atraente, dá gosto andar à volta e perceber que Setúbal tem o Sado, tem uma Sé e Bispo, uma lindíssima casa da cultura e praças anchas, pontos de partida e de chegada, aqui me demorei e pensei nos tempos em que destas bicas gente se dessedentava e comprazia com tanta estética da pedra.




O Mercado do Livramento é um lugar inevitável, teve excelentes obras, tornou-se um espaço sem rival. Veja-se o cuidado com que se restauraram estes azulejos, vêm de um tempo em que os mercados se associavam às alegrias azulejares, bíblias de atividades económicas e do que havia de melhorar a visitar, o mercado de Santarém é um outro bom exemplo, e há as estações do caminho-de-ferro e os azulejos que se derramam por tanta cidade portuguesa. Ainda bem que estes ícones são os referentes numa economia de outrora que elevou Setúbal a um patamar de grandezas.



Imagine-se o que é andar por ali empolgado com os odores de tanto peixe há pouco vindo do mar, encontrar o que resta da cabeça de um espadarte e logo na banca a seguir dar com o Paulo Raposo, uma estima que caminha para meio século, andámos por Mafra e Amadora, embarcámos para a Guiné em Julho de 1968, cada um penou em diferentes buracos do mato, no regresso recompusemos as vidas, ele ali estava a abastecer-se de espadarte para levar até Montemor-o-Novo, onde tem hotel rural. Pedi-lhe autorização para esta imagem e para divulgação pública. Entre camaradas da Guiné os reencontros fazem-se sempre com sorrisos, a alegria é indisfarçável.


Por aqui começou Setúbal, está em frente ao antigo RI 11, onde se situa a Galeria Municipal do 11, é ali que vou ver o Bocage por Júlio Pomar. Alguém disse: ainda restam alguns panos da velha muralha e portas de entrada. Nesse casco histórico, perguntei onde estava a tão concelebrada muralha, com a afabilidade costumeira dos setubalenses, que se saúdam sempre, alguém me levou a este espaço arruinado e me indicou um dos últimos panos da muralha, em carne viva. E a gente pergunta o que se perdeu nas chamadas modernizações, que nada têm a ver com as catástrofes naturais, deitamos abaixo e depois torcemos a orelha, é tarde, é irremediável. Que este vestígio maltratado grite por si, e nos peça a todos o devido auxílio.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16300: Os nossos seres, saberes e lazeres (163): A estação de metro do Campo Grande: Uma obra-prima da arte pública urbana (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16319: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte VI: Em louvor dos camaradas da 35ª CCmds e das nossas velhas e gloriosas Daimlers


Foto nº 56 A >  Março de 1972 > Estrada Teixeira Pinto. Cacheu > Eu, à direita, com o Alferes Comando Alfredo Campos  


Foto nº 56


Foto nº 57A  .


Foto nº 57 > Foto nº 57 > Março de 1972 > Estrada Teixeira Pinto - Cacheu > Eu com o então Alferes Comando ui Andrade [que empunha uma Kalash,]


Foto nº 58A 


Foto nº 58 > Março de 1972, durante a protecção aos trabalhos de desmatagem das margens, ou da pavimentação, da estrada entre Teixeira Pinto e o Cacheu.  Eu, nas costas de uma Daimler, tendo do meu lado esquerdo o então Furriel Comando  Paquete  e à minha direita o então Alferes Comando Alfredo Campos, comandante do Pelotão da 35ª a que ambos pertenciam.


Foto nº 58B >  Alferes Comando Alfredo Campos, a quem convidamos para integrar a nossa Tabanca Grande.


Foto nº 58C > Furriel  Mil Comando Paquete, da 35ª CCCmds, que infelizmente já não está entre nós. Segundo informação do Ramiro de Jesus, também ele ex-fur mil comando da 35ª CCmds, natural de Aveiro (e, portanto, meu conterrâneo), o Paquete,  depois do regresso à metrópole, morreu atropelado por um comboio em Vila Franca de Xira.


Foto nº 57B > Outro camarada da 35ª CCmds, Alferes Comando Rui Andrade  (mais tarde, após a evacuação do Capitão comandante da 35ª CCmds, ferido em combate, graduado em Capitão para assumir o Comando daquela companhia)

Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > 35ª CCmds e Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73)

Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73)  (*).


Francisco Gamelas, que é engenheiro eletrotécnico de formação, quadro superior da PT Inovação reformado, vive em Aveiro, e publicou recentemente "Outro olhar - Guiné 1971-1973" (Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp. + ilust; preço de capa 12,50€). Os interessados podem encomendá-lo ao autor através do seu email pessoal franciscogamelas@sapo.pt.
O design é da arquiteta Beatriz Ribau Pimenta, a partir da foto. nº 29. Tiragem: 150 exemplares. Impressão e acabamento: Grafigamelas, Lda, Esgueira, Aveiro.


2. Mensagem do Francisco Gamelas, com data de 5 do corrente:

Bom dia,  Luís.

Sobre a questão da 35ª  CComandos, naturalmente, confirmo o que o então furriel Ramiro de Jesus (também residente em Aveiro, portanto meu conterrâneo) escreveu sobre a sua companhia. [O Ramiro Jesus, fur mil comando da 35.ª CComandos (Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73),  é membro da nossa Tabanca Grande desde 9/12/2012][, foto à esquerda]. (**) 

Sobre a 38ª, se o António Graça de Abreu a menciona [, no seu "Diário da Guiné"], provavelmente terá sido esta que substituiu a 35ª às ordens do CAOP 1, após este se ter retirado de Teixeira Pinto, tanto quanto me recordo, na mesma altura em que a 35ª foi fazer a segurança do General em Bissau. 

Com a saída do CAOP1 e da 35ª de Teixeira Pinto, deixaram de existir ali tropas especiais. Tempos houve - antes da minha chegada - que em Teixeira Pinto estavam sediados Fuzileiros, Paras e , segundo creio, também Comandos. 

Por curiosidade, junto envio uma foto [nº 58]  onde estou no centro, nas costas de uma Daimler, tendo do meu lado esquerdo o então Furriel Comando Paquete e à minha direita o então Alferes Comando Alfredo Campos, comandante do Pelotão da 35ª a que ambos pertenciam. 

A foto foi tirada em Março de 1972, durante a protecção aos trabalhos de desmatagem das margens, ou da pavimentação, da estrada entre Teixeira Pinto e o Cacheu. 

A 35ª e o meu Pelotão Daimler eram os responsáveis pela protecção a estes trabalhos. 

Na foto nº 57 figuro eu com o então Alferes Comando  Rui Andrade, mais tarde, após a evacuação do Capitão comandante da 35ª, ferido em combate [, cap QEO comando Ribeiro da Fonseca, hoje cor ref], foi graduado em Capitão para assumir o Comando daquela companhia [57]. 

Na foto 56 figuro eu com o então Alferes Comando Alfredo Campos. Ambos, o Campos e o Rui, eram meus especiais amigos do peito daqueles tempos. [O Ramiro de Jesus era também do pelotão do alf Campos].

Um abraço.
FG


Guiné > Zona leste > Estrada Bambadinca - Bafatá > 1969 > Coluna da CCAÇ 12, a caminho de Bafatá, vendo-se ao fundo uma AM (autometralhadora) Daimlerdo Pel Rec Daimler 2046, instalado em Bambadinca, e que era comandado nesse tempo pelo alf mil cav Jaime Machado, nosso grã-tabanqueiro. Em primeiro plano,  malta  do 2º Gr Comb da CCAÇ 12.  A viatura, de matrícula ME-31-37, de pneus completamente carecas, fazia habitualmente escolta ao nosso tranquilo "passeio" até  Bafatá... O PAIGC nunca ousou atacar-nos neste troço (alcatroado, o primeiro do CTIG),pelo menos no tempo da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Giiné]


3. Comentário de LG:

Obrigado, Francisco... A confusão foi minha... O António Graça de Abreu esteve no CAOP1, em Teixeira Pinto, de 26/6/1972 a 1/2/1973... Nesse período apanhou a 35ª CCmds e a 38ª CCmds. 

Quando o CAOP1 muda para Mansoa (em 3/2/1973), ele vai com a malta da 38ª CCmds (onde se incluía o nosso grã-tabanqueiro, o 1º cabo comando Amílcar Mendes, herói de Guidaje...). Portanto, deves ter ainda apanhado a 38ª CCmds, em Canchuingo, o alf Paiva, e outro malta...

Peço desculpa a todos pela confusão. E obrigado pelas novas fotos com as tuas Daimlers e os teus/nossos camaradas da 35ª CCmds, vão dar outro poste ...

Confesso que tenho uma grande "ternura" pelas Daimlers e o seu pessoal... Em Bambadinca apanhei "cavaleiros" excionais como o Jaime Machado (Pel RecDaimler 2046 (1968/70) e o Zé Luís Vacas de Carvalho (Pel Rec Daimler, 2206, 1970/72). E vou confessar um "pecado moratl": um dia, completamente "apanhado do clima", e já mais para o fim da comissão, conseguiu convencer um dos homens do J. L. Vacas de Carvalho a ir ao Xime... beber uma bejeca...

A estrada estava em construção, e nós montávamos segurança à empresa TECNIL, mas havia sempre risco de minas e emboscadas. Eram 12/14 km para lá e outros tantos para cá... E ainda levei o Tchombé, que era a nossa mascote, um puto de 4/5 anos, adotado por nós... Eu, o Tchombé e o condutor... Loucuras, quem não as fez, com 23 anos, no teatro de operações da Guiné?

Julgo que nunca contei esta ao Zé Luís... E espero que ele me perdoe... Ou será que o condutor era ele mesmo? Não juro, nem acredito, mas era menino para "alinhar"... Tem alma e voz de fadista... Mas, não, não era ele... o condutor... O apontador da metralhadora foi dispensado; não cabíamos todos na "lata de sardinhas"... Estou a imaginar a "porrada" que levaria se as coisas tivessem dado para o torto... Mas nessa altura o troço em construção, Bambadinca-Xime (mais tarde alcatroado) era todo nosso, e os "gajos" do PAIGC, donos da margem direita do Rio Corubal,  pensavam duas vezes antes se meteram com os "nharros" (brancos e pretos) da  CCAÇ 12...

 As "vossas" Daimlers podiam ser um "bocado de lata", mas davam-nos sempre um grande "conforto" nas nossas colunas logísticas... Ou até na simples e rotineira viagem a Bafatá, por estrada alcatroada (30 km), que era o nosso dia de glória ("comer o ovo a cavalo com batatas fritas" na Transmontana, "dar dois dedos de conversas com as libanesas", "mudar o óleo no Bataclã!, "rezar na catedral", "fazer umas compritas na Casa Gouveia!", "dar um mergulho na piscina municipal", enfim, "respirar a civilização cristã e ocidental da Princesa do Geba"...).

E como eram "bailarinas" as vossas Daimlers, nunca as vi atascadas, nem nunca nos deixaram mal, mesmo com os pneus carecas... Glória às nossas velhas Daimlers!...

Ab. Luis


4. Comentário do Jaime Machado (Pel RecDaimler 2046, Bambadinca, 1968/70)

Caro Luis

As tuas doces palavras fazem-me recuar no tempo. Tudo o que escreves me volta à memória.
Será estranho dizer que quase tenho saudades desse tempo? Pudera, quem não gostaria de voltar aos 23 anos?

Faria tudo na mesma,  tenho pena do que deixei por fazer.
Ai as minhas Daimlers, que vaidade, que orgulho, que saudade.

Um abraço do Jaime.
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Notas do editor:

(*) Ultimo poset da série > 5 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16272: Álbum fotográfico de Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089, ao tempo do BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73) - Parte V: (Des)encontros... E em louvor das velhas Daimlers, que a sorte protege... quem tem olhinhos!

(**)  Vd. poste de 9 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10356: Tabanca Grande (358): Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Comando da 35.ª CComandos (Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

terça-feira, 19 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16318: Em busca de... (269): Alf mil médico, estomatologista, radioamador, CR8AK... Raul [Luís Vilhena Soares] Nobre, Guiné (1969) e Timor (1971/73) (Artur Marcos, professor, radioamador, escritor, especialista em cultura timorense, residente em Queluz)

1. Mensagem do nosso leitor Artur Marcos, professor do ensino do ensino básico, na Amadora, com residência em Queluz, escritor, especialista em cultura e sociedade timorenses:

Data: 8 de julho de 2016 às 16:44

Assunto: Localizar Alf Mil Médico CR8AK Guiné-Timor

Ex.mos Srs:

Votos de boa saúde. Há tempo que, ocasionalmente, leio o vosso  blogue, com admiração pelo vosso conseguimento e valor.

A razão de  entrar em contacto com os responsáveis de «Luís Graça & Camaradas da  Guiné» é um pedido de colaboração. Gostaria de entrar em contacto com  o ex-Alf Mil Médico Raul  Luís Vilhena Soares Nobre (cf. o post no  vosso blogue de 27 de março de 2007, respondido em 2009 por Manuel Resende) (*).

 Não conheço pessoalmente o senhor médico, que  actualmente terá oitenta e mais alguns anos de idade, suponho.

Considero que seria útil que nos encontrássemos para falar. Por razões  relacionadas com a memória social de Timor, radioamadorismo, história  do escotismo em Portugal e em Timor e alguns serviços bons por ele  prestados enquanto radioamador em Timor, que ficarão registados em  trabalho a divulgar oportunamente. 

Creio que seria possível que  reenviassem esta mensagem para ele e, se for da sua vontade,  poderíamos encontrar-nos. Sou professor numa escola estatal no  concelho da Amadora e durante largos anos, principalmente antes de  maio de 2002, desenvolvi ou promovi a feitura e publicação de  trabalhos diversos relacionados com Timor (entre esses trabalhos está  um dicionário Tétum-Português, da autoria do timorense Luís Costa, a  recolha da poesia de Fernando Sylvan e o título «Timor Timorense- com  suas línguas, literaturas, lusofonia...» [Imagem da capa, acima]. Todos editados na chancela Edições Colibri e referenciados internacionalmente, em meios  especializados. 

Sempre entendi que uma terra não se constrói só com  discurso político... E que materiais técnicos e culturais são muito  necessários, para qualquer futuro a acontecer ... 

Antecipadamente  grato pela ajuda que possam oferecer, fazendo « a ponte» para o doutor  Raul Nobre, reitero cordial saudação, Queluz, 8 de julho de 2016, Artur  Marcos.

2. Comentário do editor:

Artur, obrigado pelo seu contacto e pelas suas palavras de apreço pelo nosso blogue. Infelizmentre não tivemos mais notícias do dr. Raul Nobre. Sabemos quue tem consultório de estomatologia em Lisboa e página no Facebook. O nosso camarad Manuel Resende é amigo dele no Facebook. Vou dar conhecimento ao Manuel Resende desta sua diligência (**). Por certo que haveremos de conseguir "levar a carta a Garcia". O email dr. Raul Nobre, de 2007, pode já não ser válido mas sugiro que tente. Disponha do nosso espaço. Boa saúde, bom trabalho. Felicidade para os nossos povos e viva a lusofonia! LG
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Notas do editor:

(*) Vdf. poste d27 de março de  2007 > Guiné 63/74 - P1629: Lendo os vossos depoimentos com um nó na garganta... O que é feito da CCAÇ 2585 ? (Raul Nobre, ex-Alf Mil Médico)

(...) Mensagem de Raul Nobre, médico:

Meu Caro Luís Graça:

Tenho lido estes depoimentos com um nó na garganta. É muito importante em todos os sentidos, quer histórica quer emocionalmente.

Em 1969 fui incorporado como médico na CCAÇ 2585, comandada pelo Capitão Tomaz da Costa. Ainda fiz o IAO na Arrábida e gozei os 10 dias de licença antes do embarque. Entretanto deu-se o "atentado" ao Niassa e o embarque do Batalhão fez-se com atraso. Eu não cheguei a embarcar, pois deferiram-me o requerimento que fizera para poder terminar a especialidade de Estomatologia e em 1971 mandaram-me para Timor donde regressei em 1973.

Nunca mais tive notícias de ninguém. Recordo-me que havia um Alferes chamado Almendra, creio que natural de Trás-os Montes.

O meu contacto com os camaradas foi de curta duraçáo, pois tinha sido reinspeccionado, fizera uma recruta de um mês em Santarém e tinham-me colocado naquela Companhia que, por sua vez, tinha sido constituída a toda a pressa.

Gostava de ter notícias daqueles rapazes.

Um abraço e a minha admiração pelo trabalho que estás a fazer. Raul Nobre (...)


(...) Comentário de Manuel Resende   [ex-alf mil da CCaç 2585/BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71]

Olá,  Luís Graça: Só há dois dias é que descobri este maravilhoso espaço na Internet, onde se pode falar e desabafar de factos que recalcamos há 40 anos.

Sou ex-Alf Mil da CCaç 2585, BCaç 2884. Já li tudo o que está neste espaço e quero contribuir, para já, com uma informação para o nosso médico Raul Nobre, de que me lembro perfeitamente, pois era meu camarada de Companhia (2585). Foi substituído pelo médico Alf Mil Diniz Martins Calado.
Já agora, também para informação do camarada Raúl Nobre, aqui vão os nomes dos 4 alferes  da Companhia: António Camilo Almendra (mais tarde comandante da companhia por graduação em Capitão), Manuel Charraz Godinho, António Alberto Miguéis Marques Pereira e eu, Manuel Cármine Resende Ferreira.

Tenho muitas fotos que irei partilhar em outra altura. Também tenho algo a dizer em relação à morte dos MAJORES.
Um abraço, Manuel Resende
manuel.resende8@gmail.com
 
25 de março de 2009 às 22:47

Guiné 63/74 - P16317: Controvérsias (132A): Quem conta um conto, acrescenta-lhe sempre um ponto... A morte do comandante Mamadu Cassamá,e as viaturas blindadas, em Copá, em 7/1/1974 (confrontando duas versões, a do guineense Bobo Keita, "o comandante dos tanques anfíbios" e a do escritor cubano Ramón Pérez Cabrera)

1.  Depoimento de Bobo Keita, comandante do PAIGC (1939-2009) sobre a morte de Mamadú Cassamá(*), em Copá, em 7/1/1974:


"Mamadú Cassamá morreu no ataque a Copá. Tomei parte nesse ataque, juntamente com o camarada Paulo Correia. O Mamadú era dos que ainda acreditavm na 'força' dos amuletos... Avançou muito e foi até aos arames  que circundavam o quartel,  Pegou nos arames e fez força para os arrancar. Foi localizado e um tiro cverteiro silecncoiu-o de vez. O Mamadú Cassamá era o camdante daqule zona".

In: Norberto Tavares de Carvalho, De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes. p. 244.


Bobo Keita, já antes, noutra passagem se tinha referido a Copá e à utilização de viaturas blindadas;(p. 193):

"Para o assalto a Copá, que fica a uns trinta quilómetros da cidade senegaleas de Wassadou,  peguei em dois dos meus tanques (sic), constitui um comando e fomos à emboscada.  A operação em Copá contou com Quemo Mané, comandante de infantaria. Copá também não foi fácil para os tugas, Alinhámos um número razoável de combatentes, menor que Guileje e Guidaje, e o objetivo era o de isolar os colonialistas. A tomada do quartel não nos interessava, queríamos somente convencê-los  de que não tinham mais nenhuma escapatória e que deviam partir da nossa terra".

Infelizmente, Norberto Tavares de Carvalho, nas longas conversas com Bobo Keita, não explorou devidamente o fato de este ter sido nomeado, ainda em vida de Amílcar Cabral, " comandante dos tanques anfíbios" (sic) ou   "chefe dos blindados",  em substituição do Inocêncio Cani (1938-1973), antigo comandante da marinha do PAIGC, que iria ser o carrasco do  líder do PAIGC, em 20/1/1973 (vd. pp. 165 e ss.)...

No início do cap. XII, pode ler-se (p. 177): "Depois do funeral do Amílcar, realizado no dia 1 de fevereiro de 1973 em Conacri, fui tomar conta dos tanques anfíbios (sic)", tendo seguido depois  "de Boké para o Leste em março de 1973".

Em conclusão: o PAIGC já tinha viaturas blindadas anfíbias e vai usá-las contra Copá, em janeiro de 1974, de acordo com o testemunho (insuspeito) do nosso camarada António Rodrigues, um dos bravos de Copá (*). 

Mas fica a dúvida por esclarecer:  o PAIGC  tinha duas ou mais "viaturas blindadas" de tipo anfíbio  ? Eram mesmo do PAIGC ? Ou eram emprestadas pelo Sékou Touré ? Seriam do tipo  BRDM-2 ? Se sim, por que é que o Bobo Keita não se faz transportar nelas,  na "viagem triunfal" até Bissau,  em setembro de 1974 ?

2.Excerto de: Ramón Pérez Cabrera - "La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba" (edição de 2005), p. 1979


[Com a devida vénia...Sublinhados nossos] [Extensas partes do livro podem ser consultadas, em modo de pré-visualização, no portal da Kilibro]


3. Aristides Ramón Pérez Cabrera (n. 1939) não é nem jornalista nem historiador, e muito menos um investigador independente.  É um "homem de partido", é um homem do regime castrista, que chegou ao comité central do Partido Comunista, pelo que se não pode esperar do seu livro "La historia cubana en África", publicado em 2003, uma obra isenta, objetiva, imparcial, crítica, etc. Tal como muita da tralha "chauvinista", "trauliteira e patrioteira" que todos  nós escrevemos e continuamos a escrever sobre o glorioso passado dos nossos países europeus (nós, os portugueses, os espanhóis, os franceses, os ingleses, os alemães, os italianos, os suecos, os russos, etc.).

Muito menos foi, tanto quanto sei, o nosso Cabrera,  um combatente "internacionalista" que tenha arriscado o coirão nas bolanhas da Guiné ou nas savanas do sul de Angola... Os elementos que juntou para escrever "La historia cubana en África" e as informações que publicou, devem ser tomadas com as naturais reservas... É um trabalho de pesquisa bibliográfica e de recolha de testemunhos, que tem alguém interesse documental.  

Não tendo formação (científica) em história, é natural que corra o risco de descambar para o panegírico, a propaganda, a tirada patrioteira, sem grande preocupação com o rigor factual e o respeito pela verdade, o contraditório, a triangulação, a exploração  de outras fontes documentais, etc.

É o caso, por exemplo,   do nome do comandante das forças que atacaram Copá em janeiro de 1974... O homem que morreu em 7/1/1974 não era Mamadou Cassamba (sic), mas sim Mamadu Camassá... E não terá morrido a tripular uma das "quatro" (sic)  viaturas  blindadas BTR (ou BRMD) que o PAIGC não devia ter na altura, mas sim de um tiro certeiro, talvez no coração ou noutro órgão vital... disparado pelo nosso António Rdorigues ou algum outro dos bravos de Copá.

O Ramón Pérez Cabrera estava a milhares de quilómetros de distância, provavelmente em Havana, não viu o horror e o heroísmo desses dias em Copá, nem cita fonte idónea... Inclino-me mais facilmente para aceitar, como versosímil,  a versão do  Bobo Keita, que afirma ter estado em Copá nessa noite, tal como o comandante da Frente Leste, o Paulo Correia, valente guerrilheiro balanta, com várias  e importantes funções políticas a seguir à independência, que irá morrer muito mais tarde, em 1986, fuzilado, depois de barbaramente torturado  pelos esbirros do 'Nino' Vieira, na sequência de uma inventona....

Enfim, tudo indica que o  Cabrera, ingénua ou deliberadamente,  terá inventado um versão "heróica" para a morte (estúpida) de um comandante de guerrilha que nem sequer devia ter "carta de condução" de BTR (ou BRDM)... 

Aliás, o Bobo Keita, velha glória do futebol no tempo dos "tugas", não parece ter grande consideração pelo seu camarada Mamadu Cassamá: dele diz, com ironia, que  "era dos que ainda acreditavam na 'força' dos amuletos", a exemplo do próprio 'Nino' Vieira (leia-se, dos "mésinhos" que tornavam o "corpinho de bó" impenetrável às balas do "tuga")...

Moral da história: quem conta um conto, acrescenta-lhe sempre um ponto...  LG

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Vd. poste anterior:

Guiné 63/74 - P16316: Parabéns a você (1111): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf das CCAÇ 2616 e CART 2732 (Guiné, 1970/72) e João Santos, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70)


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16311: Parabéns a você (1110): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492 (Guiné, 1971/74) e José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16315: Controvérsias (132): Blindados do PAIGC? Não os vi em Jemberem, ninguém os viu em Bissau, Gadamael, Cacine, Mansoa, etc... aquando da transferência dos nossos aquartelamentos, o que seria normal e expectável se o PAIGC os tivesse... (Joaquim Sabido, ex-alf mil art, 3.ª CART/BART 6520/73 e CCAÇ 4641/73, Jemberem, Mansoa e Bissau, 1974)

1. Comentário, ao poste P16309 (*), do nosso camarada Joaquim Sabido

[foto à direita, abaixo: Joaquim Sabido, ex-alf mil art, 3.ª CArt/BArt 6520/73 e CCaç 4641/73, Jemberém, Mansoa e Bissau, 1974);  foto à esquerda: Joaquim Sabido, hoje, advogado, a viver em Évora;  é nosso grã-tabanqueiro desde 24/8/2010; tem uma dezena de referênciasno nosso blogue]



No meu modesto entendimento, este tema encontra-se estreitamente ligado à questão da "guerra perdida vs. guerra ganha".

Naturalmente que não podemos nunca deixar de equacionar que a situação não se poderia eternizar. Por vezes, há camaradas que aqui vêm quase pedir contas àqueles que, como eu, nos encontrávamos no TO do CTIG a 25 de Abril de 74 e que entregámos o território. Sinto-me quase na obrigação de pedir desculpa por ter nascido mais tarde e, por isso, de lá estar no ano de 1974 e não antes.

Quanto à temática dos blindados no terreno. Nunca dei conta de tal e, à época da alegada aparição de viaturas blindadas, estávamos, precisamente, em Jemberém. O buraco a que se chamava quartel, era mesmo em cima de uma estrada que foi alcatroada e que ia até Cadique (isso eu sei) e diz-se que fazia ligação com a Guiné Conakry (isso eu não sei).

Mas blindados só se eram como os que alegadamente o Sadam teria no Iraque.

De facto, o pessoal até dizia que os ouvia o IN noite dentro a circular. Isto apesar de lhes explicar e demonstrar que aquilo que efectivamente escutavam, com maior nitidez durante a noite, como é óbvio, tratava-se, a final da maré a encher ou vazar no braço de mar que ia ter ou que vinha do Cacine e que se situava a cerca de 3 kms do aquartelamento.

Estou certo de que se tratava, mais de um mito "urbano". No mato nunca tal foi avistado.

Nem, posteriormente, em Bissau, ouvi a nenhum dos elementos do PAIGC com os quais contactei - por razões de passagem de testemunho da guarda ao Palácio do Governador e outras actividades de segurança na cidade - falar desse material de guerra.

Senão atentemos que, por exemplo, quando lhes foi entregue Gadamael, Cacine, Mansoa ou até mesmo Bissau, apareceu algum desse equipamento? Não seria de bom tom, se tivessem esses blindados, que os viessem apresentar? Parece-me que a resposta só pode ser que sim, que apareceriam com eles.

Então no relato do tal cubano [, Ramón Pérez Cabrera,] não se diz que se deram ao trabalho de resgatar o blindado inutilizado pela mina? Teriam lá também o reboque do ACP?

Num dos almoços do BART 6520/73, é que o meu Camarada Eiras (de Bragança e fur mil de transmissões da minha 3.ª CART) me recordou uma situação por ele vivida em Bissau, e que passo a relatar:
No quartel onde ele se encontrava colocado,  depois de termos regressado de Jemberém, e estando ele na parada,  acompanhado do seu adjunto também em Jemberém, o cabo das transmissões, foi abordado por dois elementos do PAIGC, e que lhes disseram de imediato: "Vocês estavam em Jemberém, não estavam?" A resposta não podia deixar de ser afirmativa.

Acontece que um desses elementos que até nem falava português, apenas o crioulo, disse através do outro que o cabo de transmissões, uma vez no cais de Jemberém, tinha tido a arma apontada à cabeça quando se encontrava em cima de uma Berliet - numa situação de reabastecimento e no transbordo da LDP (era só o que lá chegava).

Isto porque o nosso cabo de transmissões era facilmente reconhecido e identificável devido a umas malhas brancas que, aos 21 anos, já tinha no cabelo.

Concluíram dizendo que não dispararam nem nos atacaram ali, porque tiveram medo e não eram muitos, estavam a recrutar pouco. Afinal também tinham medo.

E estamos a falar de uma base importante na região, esta que eles tinham ali ao nosso lado. Que ao que se dizia até tinha hospital.

E cubanos também, meu caro Pereira da Costa. Sendo certo que entendo perfeitamente o que dizes e a vossa posição. E, pessoalmente, agradeço pelo 25 de Abril. Apesar dos níveis de adrenalina a que aquela terra, a guerra e o embrulhanço nos levavam, não podíamos manter a situação por muito mais tempo. Por esse andar já lá tinha ido o meu filho e um dia deste ia o meu neto. Não!

Concluindo: blindados nem vê-los. Estávamos à espera que entrassem por ali dentro e levassem as três fiadas de arame farpado que por lá tínhamos. Mas não.

Um grande abraço para todos e continuo a partilhar e a concordar com as opiniões expendidas nos textos (as quais já tive oportunidade de escutar atentamente e de viva voz) do nosso camarada e amigo AMM (*).

Joaquim Sabido


Uma das raras fotos de viaturas blindadas, alegadamente ao
ao serviço do PAIGC no final da guerra. Foto (pormenor) do
Arquivo Mário Pino de Andrade / Casa Comum /
Fundação Mário «Soares.
 Clicar aqui para ver o original
2. Comentário do nosso editor LG (*):

No Arquivo Amílcar Cabral, tratado e disponibilizado para o grande público pela Fundação Mário Soares, no portal Casa Comum, não há qualquer referência a viaturas blindadas entregues pelos russos no porto de Conacri... Estamos a falar de 10 mil documentos, que abrangem todo o período da guerra de "libertação",,,

Até finais de 1971, a ex-União Soviética só fornecia armas automáticas, RPG 7, munições, fardamento, medicamentos e coisas assim... E mesmo assim era preciso negociar com o "ciumento" Sekou Touré... que não perdoava a Amílcar Cabral o crescente prestígio e protagonismo a nível internacional e o leque de alianças e apoios (que ia da Suécia à China)...

Felizmente para nós, parte do armamento e das munições deviam ser "obsoletos"... São os próprios e "insuspeitos" cubanos que dizem que 40% das granadas lançadas contra Copá em janeiro de 1974 não rebentavam!... (As culpas tanto podiam ser dos fabricantes como, mais provavelmente, das condições de transporte, armazenamento e operação).

BRDM para o Amílcar Cabral? Devem ser fantasias dos burocratas da 2.ª Rep, para justificar o seu ordenado ao fim do mês e as horas de tédio (e de algum cagufe) passadas em Bissau... A gente sabe como funcionava a nossa "intelligentsia" na Guiné, incluindo os "broncos" da PIDE/DGS... que tinham a 4.ª classe mal tirada...

O PAIGC nunca teve, ao que parece, este tipo de veículos... Os russos terão oferecido, em 1969, 10 BRDM-1 (5 toneladas e meia + 4 tripulantes e depósito de 150 litros de gasolina)... "Sucata" que o Sekou Touré poderá ter disponibilizado, depois da morte de Amílcar Cabral, aos homens do PAIGC... que ele precisava de controlar... Mas aquela viatura devia gastar 100 aos 100!...

Como é que vocês queriam vê-la a passar o "arco de triunfo" em Bissau? Ou a passar a ferro as 3 fiadas de arame farpado de Jemberém?

Quanto às BRMD-2 (versão posterior, melhorada, 7 a 8 toneladas!), era muito menos provável que os guerrilheiros do PAIGC alguma vez lhes tenham posto a vista em cima... a não ser, já reformados, em 1998, quando a Ucrânia ofereceu à Guiné-Bissau quatro veículos desses, se calhar a cair de podres... É que até a caridade tem um preço!

Angola teve 50 destes veículos, mas já em plena guerra da chamada "2.ª independência"... E Angola tinha petróleo e diamantes, contrariamente à pátria de Amílcar Cabral...

O BRMD-2 era um "besta" de 7 a 8 toneladas, com uma tripulação de 4 elementos (condutor, adjunto, comandante apontador de metralhadora pesada...) e um depósito de 290 litros de gasolina, 5,75 metros de comprido, 2 metralhadoras (uma pesada e outra ligeira)... Onde é que o PAIGC tinha gente com unhas para manobrar um "anfíbio" destes? E sobretudo logística? E depois era um alvo fácil para a nossa aviação...

Ler aqui mais dobre o BRDM-2 (em inglês):

(...) O BRDM-2 (Boyevaya Razvedyvatelnaya Dozornaya Mashina, Боевая Разведывательная Дозорная Машина, literally "Combat Reconnaissance/Patrol Vehicle"[5]) is an amphibious armoured patrol car used by Russia and the former Soviet Union. It was also known under the designations BTR-40PB, BTR-40P-2 and GAZ 41-08. This vehicle, like many other Soviet designs, has been exported extensively and is in use in at least 38 countries. It was intended to replace the earlier BRDM-1, compared to which it had improved amphibious capabilities and better armament. (...)
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Nota do editor:

16 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16309: Controvérsias (131): Blindados do PAIGC ? Quem os viu de ver e não de ouvir ?... (António Martins de Matos, ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref)

Guiné 63/74 - P16314: Notas de leitura (860): “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016 - Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
A tese de doutoramento de António Inácio Correia Nogueira incidiu sobre quem eram e como se formaram os Capitães do Fim, e daí um registo de indiscutível importância de testemunhos dos protagonistas.
Escreve Maria Inácia Rezola que "um dos aspetos mais inovadores da tese de António Nogueira reside no facto de o autor ter concebido e preparado um minucioso questionário, combinando perguntas abertas e fechadas, que aplicou a cerca de uma centena e meia de capitães milicianos".
E, mais diante refere que o autor analisa "como um exército, cansado e esgotado pelo esforço de guerra, ao recorrer a incorporação de grande número de milicianos se torna bastante mais permeável à pressão social e contestação estudantil e política que se fazia sentir".
Um obra polémica, irá pôr em confronto aqueles que pugnam pela insustentabilidade contra os que ainda advogam que a guerra podia continuar, e ainda por muito tempo.

Um abraço do
Mário


Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (1)

Beja Santos

“Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016, é o que se chama uma obra de leitura obrigatória para quem combateu na guerra colonial e pretenda conhecer ao pormenor o pensar daqueles a quem depreciativamente chamavam os capitães de proveta.

Na base deste livro está a tese de doutoramento de António Inácio Nogueira, licenciado em Ciências Físico-Químicas, mestre em Ciências da Educação e doutor em Sociologia. Foi comandante da Companhia de Cavalaria n.º 3487. O conteúdo é aliciante, não há razões para despegar a leitura: um vasto olhar sobre o enquadramento histórico e político da guerra, a seleção e formação destes oficiais milicianos destinados ao curso de comandantes de companhia, seguem-se testemunhos, notas de ocorrência, várias polémicas, provas documentais de indiscutível valia para conhecer mentalidades, formas de liderança e visões da guerra. Obra necessariamente polémica, divide radicalmente aqueles que continuam a teimar de que aquela guerra era sustentável e os outros que mostram pelo que passaram e puderam testemunhar que o conflito deixara de ter militarmente qualquer saída, a liderança fundamental daqueles capitães estava comprometida por uma incontornável descrença.

Primeiro, o enquadramento histórico e político, vamos ser precisos, grande parte desta narrativa aparece abordada em inúmeras obras. O autor releva a politização estudantil, o papel desempenhado pelo PCP e por organizações da extrema-esquerda, sublinhando as atividades do MRPP, o PCP (m-l) e alguns setores católicos progressistas. Não terá sido por acaso que Otelo Saraiva de Carvalho e Diniz de Almeida falam da participação destes Capitães do Fim nos preparativos do 25 de Abril. A partir de 1970, aproximadamente, estes capitães vão sendo integrados num exército predominantemente milicianizado. Quanto à importância da companhia, o autor acolhe o depoimento do Coronel Carlos Matos Gomes:  
“A função atribuída pelo Exército à companhia em quadrícula era de tal forma ampla que abrangia todos os aspetos inerentes à guerra e à missão do Exército. A companhia era um Exército em miniatura. O capitão da companhia era um general em miniatura: devia comandar, administrar e fazer política. Para além de tudo isto, as companhias tinham as suas missões, embora de caráter generalista, como, por exemplo defender a sua zona de ação, o que dava aos capitães a responsabilidade, solitária, de decidir o que fazer, onde fazer, como fazer”.
O autor lembra a ação dos milicianos na Guiné em torno do 25 de Abril, aí aparece uma mão cheia de dirigentes do movimento estudantil de Coimbra de 1969. “A decisão de criar o MAPOS (Movimento Alargado de Praças, Oficiais e Sargentos), em 4 de Maio de 1974 – o designado Movimento para a Paz, fio da sua quase exclusiva pertença e contribuiu, significativamente, para a resolução rápida do processo de paz na Guiné”.

Segundo, o recrutamento, e como eram selecionados e preparados estes comandantes de companhia. Anota o autor que em percentagem da população, Portugal tinha mais homens em armas que qualquer outro país Ocidental. Dera-se impulso à africanização dos contingentes, foram chamados os antigos oficiais subalternos que não tinham sido mobilizados e com a Academia Militar com escassos candidatos, o recurso encontrado foi o de estes capitães oriundos do curso de oficiais milicianos. A Escola Prática de Infantaria vai tornar-se num epicentro desta formação de oficiais milicianos. Ponderavam-se várias caraterísticas: medicação, sociabilidade, apresentação/aprumo, espírito de sacrifício, decisão e capacidade física, capacidade de comando, grau de conhecimentos militares. E havia as provas físicas: peso de 5 kg, salto em comprimento, 100 metros de obstáculos, lona ou galho, abdominais, paliçada, muro, vala, entre outras. Assim se formava um alferes miliciano ao fim de 900 horas, dividas por 22 semanas. Em dado passo da guerra a instrução de aperfeiçoamento operacional passou a ser ministrada já em África.

Até aos capitães proveta, ia-se buscar, com atrás se referiu, oficiais milicianos que não tinham ido a África. É em 1970 que o Estado-Maior do Exército define os critérios para seleção, formação e graduação de comandantes de companhia do quadro de complemento. Seriam feitos testes a todos, seguir-se-iam sessões de formação, abria-se a porta a voluntários e a propostos pelos formadores, era por aqui que se começava. Pezarat Correia esteve ligado a todo este processo de formação. É major em Mafra, em 1972, manifesta críticas aos seus superiores, logo à partida a carga horária de 8 horas. A convite o autor, testemunha:
“O ser um bom capitão, na altura, era fundamentalmente ser um comandante de tropas consciente da situação objetiva que estava a viver-se. A maior parte do tempo o capitão estava isolado com a sua companhia e tinha, muitas vezes, que tomar decisões que tornavam o seu poder quase discricionário. Não podia estar à espera de orientações. Vinha de um curso de oficiais milicianos onde era preparado para comandar um pelotão e, de repente, fazia-se uma extensão da sua preparação para comandar uma companhia e obviamente que à partida era um homem que estava mal preparado”.
Há uma certa polémica quanto ao facto destes Capitães do Fim, por falta de formação, terem contribuído para o agravamento do estado da guerra. Há inquiridos que se abstêm de responder e há mesmo quem recuse veementemente tal possibilidade. Segue-se um rol de depoimentos, destaco o de Manuel Monge, Major-General na reforma e que foi capitão na Guiné. Diz ter tido sob o seu comando vários Capitães do Fim e justifica:
“De Junho de 1973 a Fevereiro de 1974 comandei o COP 5, no Sul da Guiné, em Gadamael-Porto. Tive sobre as minhas ordens vários destes capitães. Eu, capitão de cavalaria do quadro permanente fui graduado em major para exercer esse comando. Era uma situação operacional muito difícil. Os meus capitães tiveram um desempenho notável. Depois do desaire de Guileje, segurámos a situação em Gadamael, Cameconde e Cacine e, aí, o PAIGC não avançou significativamente mais".

O autor agora vai recolher depoimentos dos Capitães do Fim.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de julho de 2016 Guiné 63/74 - P16308: Notas de leitura (858): “Costa Gomes Sobre Portugal, Diálogos com Alexandre Manuel”, editado por A Regra do Jogo, 1979 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16313: Álbum fotográfico do José Salvado, ex-fur mil, CART 1744 (São Domingos, 1967/69) - Parte VI: gente(s)


Foto nº 1 > O José Salvado, com a bazuca, e outro furriel miliciano


Foto nº 2 >O José Salvado, à direita, com outro camarada, furriel miliciano


Foto nº 3 > Autometralhadora Daimler, com o milícia Eugôgo, designado por Inho


Foto nº 4 > Carregando cascas de outra (1)


Forto nº 5 > Carregando cascas de outra (2)


Foto nº 6 > Apanhados pelo clima (1)


Foto nº 6A > Apanhados pelo clima (2)


Foto nº 5 > Natal de 1968... Algumas senhoras à mesa...

Guiné > Região do Cacheu > S. Domingos > CART 1744 (1967/69)

Fotos (e legendas): © José Salvado (2016). Todos os direitos reservados


1. Sexta  parte do álbum fotográfico do José Salvado, ex-fur mil arm pes inf, CART 1744 (S. Domingos, 1967/69). 

Recorde-se aqui o percurso militar do nosso camarada, grã-tabanqueiro nº 715 (*):

(i) assentou  praça no RI 5, nas Caldas da Rainha, no dia 16/05/1966, como soldado instruendo do CSM;

(ii) em 21 de agosto daquele ano foi, para o CISMI, em Tavira, tirar a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria;

(iii) foi colocado no RI 15, em Tomar, como 1.º cabo miliciano;

(iv) no dia 28 de fevereiro de 1967 foi transferido para o GACA 2, em Torres Novas, para dar a escola de recrutas;

(v) é integrado na CART 1744, que a 20 de maio de 1967, embarca no T/T Uíge tendo como destino a Guiné;

(vi)  é graduado em furriel miliciano na data de embarque;

(vii) chega a Bissau, no dia 25 de maio de 1967, tendo embarcado numa LDM, onde é distribuído o armamento, e navegando toda a noite chega, com os seus camaradas, no dia seguinte ao Cacheu:

(viii) permanece no Cacheu até ao 27 de maio, de manhã,  embarcando depois  rumo até S. Domingos;

(ix) como Companhia de Intervenção, a CART 1744  esteve presente em operações em S. Domingos, Susana, Ingoré, Cacheu e o seu pelotão esteve 15 dias no Sedengal em emboscadas para os eventuais fugitivos de uma grande operação que decorria na mata da Coboiana, no Cacheu;

(x) de regresso a casa, embarquei no T/T Niassa, no dia 15 de maio de 1969, tendo desembarcado em Lisboa no dia 21 do mesmo mês.

(xi)  de 1971 a 1975, foi administrador de posto em Angola;

(xii) vive desde 1984 nas Caldas da Rainha: além de reformado da função pública,  exerce advocacia. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16091: Tabanca Grande (486): José Salvado, ex-Fur Mil Armas Pesadas de Infantaria da CART 1744 (São Domingos, 1967/69); foi também Administrador de Posto em Angola, é hoje advogado, vive nas Caldas da Rainha, e passa a ser o nosso grã-tabanqueiro n.º 715

(**) Postes anteriores da série > 


30 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16145: Álbum fotográfico do José Salvado, ex-fur mil, CART 1744 (São Domingos, 1967/69) - Parte IV: São Domingos (3): a capital do chão felupe

24 de maio de 2016 > .Guiné 63/74 - P16130: Álbum fotográfico do José Salvado, ex-fur mil, CART 1744 (São Domingos, 1967/69) - Parte III: São Domingos (2): uma vila aprazível e com acessos

19 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16109: Álbum fototográfico do José Salvado, ex-fur mil, CART 1744 (São Domingos, 1967/69) - Parte II: São Domingos (1)

16 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16096: Álbum fotográfico do José Salvado, ex-fur mil, CART 1744 (São Domingos, 1967/69) - Parte I: Bissau e Bissalanca, 1968

domingo, 17 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16312: Blogpoesia (461): "Ó mar azul..." e "Brisa verde...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Dois belíssimos poemas do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), dos muitos que nos vai enviando ao longo da semana, e que nós recebemos com prazer:


Ó mar azul!...

Que é feito de ti, extenso mar azul?
Perdi-te ontem, ao amanhecer.
O de Aragão é amplo, e árido.
Só areia e palha seca.

As ondas jazem dunas especadas,
frente aos dardos do sol.
Implacável.

Aqui e ali há oásis verdes,
graças à chuva artificial
que o Ebro dá.

Doce remanso puro
onde apetecia ficar.
Ficou para trás.
Se calhar, para o ano...

Desta janela larga,
Valadolid é urbe.
Em sono,
Ao raiar da aurora.
Já fervilham carros
pelas ruas dormentes.

Mais um pouco e lá irei também.
Rumo ao lar do sul
que deixei há muito.

É acre e doce este inesperado fim
que me trouxe a vida.
Como emigrante à força
e pelo bem dos seus.
Podia ser pior...

Valadolid, 11 de Julho de 2016
7h23m

a nascer o sol

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

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Brisa verde...

Que boa brisa fresca
vem do mar ao pé.
Faz dançar o milho
a fabricar o pão,
enquanto lhe bate o sol.

Ao raiar da aurora.
Na maré do peixe.
Chegaram os pescadores.
Passaram a noite toda.
Trazem os barcos cheios.
Ó tão rica festa
vê-los a chegar...

Bar "Caracol" 15 de Julho de 2016
9h23m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16289: Blogpoesia (460): "Pintado a carvão..." e "A palmos...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16311: Parabéns a você (1110): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492 (Guiné, 1971/74) e José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 13 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16298: Parabéns a você (1109): António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72) e Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2658 (Guiné, 1970/71)