quarta-feira, 27 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16024: Os nossos seres, saberes e lazeres (150): A pele de Tomar (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Prossegue a itinerância pelos garbosos exteriores da vetusta Tomar.
É necessário percorrê-la em várias direções, à cata de preciosidades. Consola o que se restaura e bem, magoa o que se degrada e parece inexoravelmente abandonado. Como se dirá no fim desta viagem, houve um atropelo em se passar do exterior para o interior, o viajante foi literalmente seduzido por uma amena cavaqueira dentro de uma barbearia, espaço de serviços, aliás, com imensos pergaminhos para tertúlias e difusão de rumores.
O viajante andava desorientado à procura de beirais de outras eras, ouviu gralhar, entrou, cumprimentou, pediu licença, e registou uma lembrança invulgar, convenhamos que aquele barbeiro é galã de cinema ou de teatro, mais à-vontade não pode haver. Esperem-lhe pela pancada, há muito mais pele para esticar, mais Tomar para vagabundear.

Um abraço do
Mário


A pele de Tomar (2)

Beja Santos

Quantas vezes passamos, anos e anos, por aquela rua e subitamente acordamos para um detalhe insuspeitado? Por aqui tenho andado com bastante frequência e só agora aqui me quedei com este lance de escada que é deslumbrante, quem remodelou o edifício explorou magistralmente o contraste entre a pedra e alvenaria, e há este pormenor gracioso de poder congelar a imagem e ficar a supor que ninguém usa aquela escada, é como se não houvesse saída. Aqui se deixa o leitor a interrogativa para esta ilusão da ótica.



A ermida possui uma enorme harmonia, cheira muito a bafio, não se podem esconder as cargas de humidade, é rastejante e capilar. Detenho-me nesta fachada de uma grande sobriedade renascentista, paro muitas vezes diante deste portal, é para mim uma das grandes preciosidades tomarenses, daquelas que podem concorrer com o que de melhor temos pelo país fora. Se outra razão não houvesse, por aqui passo dando hossanas a Santa Iria.


Exatamente deste lugar foram vendidos dezenas e dezenas de postais que a minha avó recebeu em Luanda, Malange, Lucala, Vila Salazar (hoje N’Dalatando). Postais que foram pretexto para esta avó me falar das delícias nabantinas, misturava as filarmónicas com as mulheres a lavar roupa no rio Nabão, abria os olhos e o rosto transfigurava-se quando falava do convento e da charola, não sabia esconder a saudade, por estar entrevada, de não poder voltar a assistir à Festa dos Tabuleiros.


Tomar, de certo modo, está aberta à imprensa mundial que se exprime em inglês, francês e castelhano, já encontrei esta imprensa em três pontos, mas captei esta imagem porque aqui prima o mundo anglófilo, devem andar espalhados pelo concelho, conversei com um casal inglês em S. Simão, estão felizes da vida, são o bilhete turístico ao vivo de que a região tem belezas, tem repouso, tem segurança e não está muito distante da Portela de Sacavém.


Ah, pudesse eu e comprava este belíssimo imóvel, tem toda a estamparia da Arte Deco, até esta publicidade em azulejos, gritante, me impressiona, veio do tempo em que havia mais papelarias/livrarias. Questiono como é que é possível deixar expetante o que é verdadeiramente património, num local histórico. Ainda se irá a tempo para a sua reabilitação, está abandonado mas não está completamente degradado. Este edifício ombreia com o que há de melhor na nossa arquitetura Arte Deco. Por favor, não o deixem degradar mais, deem-lhe uso, nem que seja para um hotel de charme, hoje apresentado como panaceia para todo a edificação que requer investimentos chorudos.



Sempre que posso, venho aqui farejar um livro esgotado, uma pechincha, uma inutilidade que me dá prazer à vista. Por cautela, os vendedores abrigaram-se nas arcadas, a chuva miudinha assim o aconselhava. Há objetos para todos os gostos, felizmente. Mesmo com o tempo sombrio, por aqui andava muita gente à espera da sua hora de sorte. Oxalá que estes mercados se expandam, têm a ver com a recuperação e não com a destruição de bens, são ambiental e socialmente desejáveis.


Andava no casco histórico, à cata de uma varanda muito bela, esquecera o local. É nisto que topei com uma barbearia, não resisti a dar as boas tardes, e fiquei paralisado com a franca e amena cavaqueira ali instalada. Sei muito bem que a imagem ficaria melhor naquelas andanças de interiores a que chamo o ventre de Tomar. Mas que imagem melhor para me despedir até à próxima que ver gente tão bem disposta e um garboso barbeiro, um quase artista de cinema? Então adeus, até ao meu regresso.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 14 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15974: Os nossos seres, saberes e lazeres (148): A pele de Tomar (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15995: Os nossos seres, saberes e lazeres (149): O ventre de Tomar (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16023: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte V: A FAP no Gabu


Foto nº 1 >  Uma parelha de Fiat G-91 na pista de Nova Lamego


Foto nº 2 >  O Dakota na pista de Nova Lamego


Foto  nº 3 > O Abílio Duarte junto a um T6


Foto nº 4 > O Abílio Duarte "vendo os estragos num T6", em Canquelifá

Guiné > Zona leste >  Região de Gabu> 

Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados.  


1. Continuação da publicação de fotos do Abílio Duarte [, ex-fur mil, CART 2479, mais tarde CART 11 e, finalmente, já depois do regresso à metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa Companhia de “Os Lacraus de Paunca” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)] (*).

Trata-se do "álbum que a minha saudosa mãe criou com fotos que eu lhe enviava".

Desta feita, apresentam-se quatro fotos relacionadas com a FAP no Gabu (**).
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 12 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P15968: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte IV: saudades de Contuboel

(**) Sobre o destacamento da FAP em Nova Lamego,. vd.  alguns dos nossos postes, escritos por camaradas da FAP

17 de fevereiro de  2011 > Guiné 63/74 – P7807: FAP (60): O destacamento de Nova Lamego ou Recordando o Tcor José Fernando de Almeida Brito (António Martins de Matos)

16 de abril de 2011 >  Guiné 63/74 - P8111: FAP (65): Falando do nosso destacamento em Nova Lamego (Gil Moutinho)

Guiné 63/74 - P16022: Parabéns a você (1070): Hugo Guerra, Coronel DFA Reformado, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 55 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série > 24 de abril de 2016 >  Guiné 63/74 - P16004: Parabéns a você (1067): David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 26 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16021: (In)citações (88): Reflexão sobre o inicio da decadência nacional (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

1. Texto do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviado ao Blogue em mensagem de 8 de Abril de 2016, subordinado ao título:

Reflexão sobre o inicio da decadência nacional

O texto que segue não é da minha autoria, e o que faço é apenas juntar umas pontas. Também não sou salazarista, por várias razões, embora não possa negar-lhe algumas obras que levou a cabo, de que destaco, apesar de um reduzido quadro fiscal, a recuperação para o património público de empresas como a CRGE, os TLP, e a Carris, que a 1.ª República havia vendido aos ingleses durante o fervor revolucionário e desbaratador. Esta última frase faz lembrar-me de algo que acorre ao meu espírito, que de tão massacrado, não consegue identificar. Estabilizou as finanças, embora mantendo uma economia simplória que marcou uma "décalage" relativamente à Europa.
Quero ainda dizer que eu sou saudosista, e posso esclarecer, que ainda não se me esgotou a memória dos tempos em que Portugal registava progressos, e não tinha nem parecenças com as condições hoje aparentemente disponíveis. Assim, só por grande absurdo de gestão colectiva, é que dispondo de condições o país regride. Constato isso, mas não me atrevo a balbuciar as soluções, porque tenho a noção da minha falta de competência, todavia nunca demonstrada, ao contrário das sucessivas demonstrações de políticos cá da praça, devidamente acolitados por grandes cabeças das economias e finanças, que ao longo dos anos já disseram coisas e o seu contrário. Eles "andem" aí e, aparentemente, de boa saúde, com bons ares, e o dom da palavra fácil.

Vamos ao que interessa:
"A evolução autonómica do ultramar;
Só em desespero de causa e com total desprezo das populações nativas, dos colonos e dos superiores interesses de Portugal se poderia caminhar de imediato no sentido da descolonização outorgada, sem garantias, sabendo-se que os respectivos territórios iriam ser, como foram após a expulsão dos colonos, campos de batalha e as respectivas tribos postas umas contra as outras, avivando-se ódios ancestrais que levaram séculos a fazer esquecer e a superar. Havia antes que estar preparado para o "momento de compromisso negociador", na expressão de Salazar. Era por isso que Salazar fora bem claro ao dizer na entrevista à revista Life, de Maio de 1962; "O facto de um território se proclamar independente é fenómeno natural nas sociedades humanas e, por isso, representa hipótese sempre admissível, mas em boa verdade não se lhe pode nem deve marcar prazo". No entanto ia-se progredindo, até constitucionalmente, no sentido autonómico.
(Revista Ultramar, n.º 11, 1963 n.º 43 e 44 colaboração do autor, Álvaro da Silva Tavares).

Antecipar a descolonização seria um crime tanto maior quanto, se para os outros a expansão ultramarina não passou duma ambição de engrandecimento e de rivalidade entre eles, para Portugal ela constituiu a base da própria independência nacional, o que, por isso mesmo conduziu ao já referido relacionamento entre colonizadores e colonizados. Lembra ainda o Dr. Amorim de Carvalho "o inegável progresso social e cultural na auto-determinação da Guiné portuguesa, de Angola e de Moçambique, que se imprimiu durante o governo de Marcello Caetano, o qual levaria necessariamente ao resultado seguinte; far-se-ia um pouco mais tarde o que o General Spínola queria fazer mais cedo, o que os militares estupidamente impediram". E desenvolvendo o tema, argumenta que "uma independência antecipada pela qual a maioria negra tribal vota, é, no seu íntimo, a liberdade das suas crenças e tradições tribais". (...) Assim, da aplicação falsa do voto democrático numa determinação decidindo a independência, passa-se a uma nova fraude: a que faz prevalecer a cor da pele sobre a noção democrática e humana da terra de todos (Jacques Binet)".

E Amorim de Carvalho, depois de recordar os três caminhos possíveis (simultâneos ou sucessivos) para a auto-descolonização - a mestiçagem, o crescimento demográfico da etnia branca e a promoção da evolução das etnias pela formação de uma consciência nacional na multirracialidade, ajudando-as a realizar a síntese das suas tradições e da contribuição ocidental - demonstra que a tese de Marcello Caetano - a autonomia progressiva - se ajusta à da auto-descolonização (pouco importa que não tenha usado o termo), tendente para uma unidade nacional, tal como a via Norton de Matos. (...) Chegado que fosse esse momento, que efectivamente se verificou com o derrube do muro de Berlim e a derrota, tanto do ponto de vista político como económico da União Soviética, a negociação tornar-se-ia viável. (...) Daí decorreria o "momento negociador" - ou o resultante da guerra por tentação da União Soviética, ou o que decorreria da paz por derrube do regime comunista. Em qualquer caso, era esse o momento, se outro não surgisse antes, por que haveria que aguardar, "aguentando". Trágico foi que Portugal não tivesse sabido ou podido esperar pelo"momento de compromisso negociador"."
Extraído de "A Entrega do Ultramar Português", de Álvaro da Silva Tavares, que foi Governador da Guiné e Governador-Geral em Angola.

Aqui vos deixo estas ideias para conhecimento da Tabanca, e para eventuais reflexões sobre a matéria, condições muito diferentes das que são apresentadas para justificar a descolonização e os tumultos iniciados em Abril/74, que persistem até hoje e não se lhes vislumbra o fim.

JD
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16005: (In)citações (87): Breve interpretação sobre a entrega do Ultramar Português (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

Guiné 63/74 - P16020: Efemérides (222): O nosso camarada Carlos Cordeiro, na qualidade de aluno, investigador e professor da Universidade dos Açores, foi homenageado no passado dia 14 de Abril por esta academia, a que esteve ligado durante 40 anos (José Câmara / Carlos Vinhal)

O nosso camarada Carlos Cordeiro, na qualidade de aluno, investigador e professor da Universidade dos Açores, foi homenageado no passado dia 14 de Abril por esta academia, a que esteve ligado durante 40 anos.
Do evento damos notícia, alertados pelo nosso outro camarada açoriano, José Câmara, que nos enviou a notícia publicada no jornal Correio dos Açores, que aqui transcrevemos com a devida vénia.

O Professor Carlos Cordeiro no dia em que foi homenageado pela Universidade dos Açores onde estudou e leccionou

1 - Com a devida vénia ao Jornal Correio dos Açores, na pessoa do seu Director Américo Natalino Viveiros e à Chefe de Redacção Nélia Câmara, autora da reportagem, reproduzimos as páginas 18 e 19 daquele prestigiado diário açoriano, referentes à Homenagem da Universidade dos Açores ao nosso camarada e amigo Carlos Cordeiro.





Texto inserto na página 18 acima apresentada

Reconhecimento do trabalho enquanto investigador ultrapassa as fronteiras do país

Carlos Cordeiro homenageado pela escola que desenvolveu na Universidade açoriana

Autonomia e regionalismos estiveram sempre presentes na sua investigação e o seu trabalho enquanto historiador fez escola na academia açoriana 

Professor aposentado da Universidade dos Açores, Carlos Cordeiro foi ontem homenageado na academia onde estudou e leccionou durante 27 anos, tendo sido professor de várias gerações tanto do ensino secundário como universitário, de vários cursos, que ontem, e hoje, o recordam com carinho, pela amizade que dispensa a todos. Mas muitos foram também os mestrandos e doutorandos que o Professor Auxiliar com Agregação da Universidade dos Açores, onde concluiu o doutoramento e prestou provas de agregação, acompanhou como orientador no ramo de História. E como foram tantos os estudantes que receberam os seus ensinamentos, o anfiteatro C da Universidade encheu por completo, também com a presença de familiares, colegas, amigos e autoridades militares e civis. Uma homenagem de reconhecimento muito sentida, com Carlos Cordeiro visivelmente emocionado, acompanhado da mulher e filhas.

Mas quem melhor para falar do trabalho do historiador micaelense [um autonomista convicto], do que quem sempre esteve a seu lado a nível académico senão o orador da sessão, seu orientador, Luís Reis Torgal, da Universidade de Coimbra, que ao nosso jornal teceu rasgados elogios ao homem e à obra do homenageado. “Esta é uma homenagem justa, que me muito me orgulha participar, porque é uma homenagem a alguém que esteve sempre ligado a mim, do ponto de vista científico, institucional e pessoal. Desde o início da carreira de Carlos Cordeiro que estou ligado a ele. É uma figura que me marcou como colega, como meu orientando, nem sempre fácil, mas é certo é que ele levou sempre tudo a bom termo e, por isso mesmo, acho que é uma figura significativa da História e da história da universidade”.

Com a grandiosidade do trabalho académico feito por Carlos Cordeiro, Luís Reis Torgal, que é professor catedrático, lamenta que o homenageado não tenha “ultrapassado, devido a condicionalismos da Universidade, a categoria de Professor Auxiliar. Uma pessoa com a ca- Sessão de Homenagem: Carlos Cordeiro, João Luís Gaspar, Susana Serpa Silva e Luís Reis Torgal tegoria do professor Carlos Cordeiro merecia ser catedrático. Eu estive em todas as provas dele desde as provas iniciais para assistente, quando não havia ainda mestrado, e depois nas provas de doutoramento e agregação, e lamento que tenha terminado a carreira sem que a Universidade, não a Universidade dos Açores, mas no geral, porque não sabe agradecer aos professores que estiveram sempre nela, com ela e para ela, como é o caso de Carlos Cordeiro”.

Sobre isso Carlos Cordeiro remeteu-se ao silêncio, embora emocionado pelas palavras daquele que foi o seu mestre proferidas ao nosso jornal e a uma vasta plateia. Quanto à homenagem, declarou que o significado da mesma “é ter aqui os meus colegas, os meus alunos, os meus orientandos, os meus camaradas (antigos combatentes no ultramar), o meu Reitor… Pois quiseram vir demonstrar a sua amizade e reconhecimento pelo meu trabalho”.

Reitor reconhece a obra de Carlos Cordeiro 

João Luís Gaspar, enquanto Reitor da academia açoriana, ao Correio dos Açores não quis personalizar a questão de a Universidade, no geral, não reconhecer, como disse Torgal, o trabalho profícuo dos seus docentes-investigadores, mas opinou: “Sem querer particularizar, posso dizer apenas que as universidades necessitam de rejuvenescer. Temos pessoas extraordinárias que trabalharam connosco e precisamos de sangue novo. Esse é um dado que o Ministério [Ensino Superior], hoje em dia, reconhece e que nós esperamos ver efectivado nos próximos anos, uma vez que o Ministério já disse que vai, com uma política diferente, dar a oportunidade à universidade para que possa fazer escola. E o professor Carlos Cordeiro, como outros, fez escola na casa. É preciso gente nova que os siga, com novos projectos e novas ideias”.

O Reitor da Universidade dos Açores admitiu ser “com todo o gosto” que marcava presença na cerimónia de homenagem a uma figura ligada à História açoriana. “Não tive o privilégio de trabalhar com o professor estes anos, mas a qele reconheço uma actividade científica muito grande, acima de tudo na construção do edifício universidade que somos hoje. Celebramos agora 40 anos de existência e o professor Carlos Cordeiro, como aluno e como professor, está aqui desde o princípio e, portanto, por este facto, o nosso reconhecimento”.

Nélia Câmara

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Texto inserto na página 19 acima apresentada


A História da Região foi escrutinada sob o ponto de vista histórico por Carlos Cordeiro
O legado do homenageado é uma investigação sólida sobre os Açores

Na cerimónia foi também lançada a obra “História, Pensamento e Cultura – Estudos em homenagem a Carlos Cordeiro”, com coordenação dos historiadores Manuel Sílvio Alves Condes e Susana Serpa Silva. E é esta historiadora da academia açoriana a primeira responsável pelo evento que faz questão de dizer que “esta organização foi uma decisão da área de História do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores que decidiu homenagear quem, durante 27 anos, deu muito de si não só ao ensino superior, formando gerações de alunos e orientando numerosos mestrandos e doutorandos – fazendo escola – como também é uma figura marcante no domínio da História dos Açores em temas que são essenciais à nossa História, como a questão da Autonomia e dos Regionalismos. Esta cerimónia é, digamos, de uma área científica a um dos seus elementos e que também foi, durante quatro anos, Director do Departamento”.

Questionada Susana Serpa Silva sobre as características que diferenciam o homenageado, sublinhou que “o professor Carlos Cordeiro tem o valor que não desmerece o dos outros colegas, mas ele sempre foi uma pessoa que soube granjear uma relação de grande amizade e abertura com os seus alunos e com os colegas. Teve, de facto, um papel, muito importante como professor, como investigador e deu muito à história contemporânea dos Açores”.

Já no que toca ao legado, a professora não tem dúvidas de que Carlos Cordeiro “tem toda uma obra publicada que é bastante significativa”, garantindo que os colegas usam os trabalhos publicados pelo homenageado, pois ele é “uma pessoa reconhecida a nível nacional e internacional e é, de facto, uma pessoa marcante na história da própria universidade e esta universidade insular e atlântica foi construída com o esforço de todos os docentes, dos alunos, das equipas reitorais mas também pelo professor Carlos Cordeiro”.

Carlos Cordeiro como historiador tem trabalho reconhecido nos Açores, em Portugal continental, nas comunidades mas também a nível internacional, com incidência na sua investigação sobre autonomia e regionalismo. As suas obras de investigação e artigos publicados na imprensa regional e ensaios nas revistas de especialidade também revelam o seu pensamento. É autor de “Insularidade e continentalidade: os Açores e as contradições da Regeneração 1851-70” (1992), “Na Senda da Identidade Açoriana”, (Antologia de Textos do Correio dos Açores), (1995), “Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores durante a I República”, (1999) (coord.) , “Autoritarismos, Totalitarismos e Respostas Democráticas”, (2011).

Do seu vasto currículo refira-se, a saber: “investigador integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra e Director do Centro de Estudos de Relações Internacionais e Estratégia da Universidade dos Açores”.

Coordenador do Mestrado em Relações Internacionais da Universidade dos Açores, integrou a Comissão Científica do Dicionário da República e o Comité Organizador do Congresso Histórico Internacional “I República e Republicanismo”.

Nélia Câmara


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Comentário do editor:

Confidenciou-nos o Carlos:
"Foi uma sessão muito bonita mesmo. Tive lá a família, colegas da Universidade (mais trabalhadores do que docentes, segundo me pareceu), colegas da escola primária e industrial, antigos alunos e orientandos, camaradas Antigos Combatentes, amigos de todo o lado mesmo. 
Foi uma prova imensa de amizade e de, sei lá, carinho, camaradagem. 
A sala cheia. O reitor fez uma intervenção muito simpática, oferecendo-me a medalha dos 40 anos da Universidade, porque lá estou, como aluno ou professor há 40 anos, tirando três em que fui professor do ensino secundário. 
Foi isto: amizade!"

Quanto ao livro:
"O livro está muito bom mesmo. São 27 colaborações de colegas, a maior parte do centro de que faço parte da Universidade de Coimbra. 
São 594 páginas."

A tertúlia do Blogue congratula-se por esta homenagem ao Homem e ao Professor Carlos Cordeiro, que temos a honra de contar como camarada e amigo desde há alguns anos.
Para ele vão os nossos parabéns e os votos de que continue a fazer o que mais gosta, investigar e ensinar História.

CV
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16017: Efemérides (221): Tempos passados ou como recuar a 24 de Abril de 1970, data de embarque do BCAÇ 2912 com destino à Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil)

Guiné 63/74 - P16019: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (2): Dez comentários aos primeiros 1500 postes



Guiné-Bissau > Maqué > 2006 > " O mais belo poilão que conheço da Guiné" (Paulo Salgado) [. na foto, o Paulo Salgado, sentado, e Moura Marques, de pé, ambos antigos militares da  CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72].

Foto (e legenda); © Paulo & Conceição Salgado (2006). Todos os direitos reseravdos


1. Na festa dos 12 do nosso blogue (*), fizemos uma seleção (rápida de 10 comentários aos primeiros 1500 postes de um total de 16 mil já publicados desde 23/4/2004. Atenção, que passámos a ter comentários escritos a partir de  25/9/20054, ao poste P188:






Dunyazade disse...

Fiquei parva com esta história - de link em link cá cheguei. Está lá o coração todo.  E mais parva fiquei por este post não ter comentários. Os portugueses ignoram aquilo que não querem saber? Parece-me o caso. 

[20/1/2006]

4 de janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - P399: Pensando... A Guiné que eu (vi)vi (1968/70) (José Teixeira)

Anamargens disse...

Eu tive um tio na Guiné, marido e cunhado em Angola, irmão em Moçambique, na(s) Guerra(s). Nunca vi nada. Pouco ouvi de relatos. Não esqueci. E continuo a achar que não pode ser esquecido.
Aprecio que quem viveu deixe o seu testemunho. 

[6/1/2006].

Manuel Araújo disse...

Parabéns e obrigado, por despertar em mim a saudade e vontade crescente de voltar ao Olossato antes de morrer.

Regressei no dia 14 de Outubro de 1974, eram 11:45 da noite e, desde o regresso, nunca encontrei nenhum camarada do BCAV 8320/73 (2ª CCav)

Coloquei estas fotos no meu blog, para ver se "aparece" alguém:

http://manuelaraujo.blogspot.com/1999/09/guin-olossato_24.html
http://manuelaraujo.blogspot.com/1999/09/guin-olossato.html

Se alguém se reconhecer aí, entre em contacto comigo por favor...

Um abraço ao mentor deste espaço e muito obrigado.

Araújo 
(o Braga das Transmissões) 
[16/1/2007]


17 de maio de  2006 > Guiné 63/74 - P765: Foi em plena guerra colonial que nasci de novo (Padre Mário de Oliveira)

adavid disse...

Também estive em Mansoa (Janeiro de 1971-Janeiro de 1973) e a visualização da foto que ilustra este post não pode deixar de me comover. Ainda por cima servindo de suporte a um texto (magnífico) do padre Mário, por quem tenho grande apreço. É a primeira vez que passo por aqui. Irei continuar.

Um abraço. [21/5/2006].


28 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - P810: Barro e Guidage, no tempo da CART 2412 (Afonso M.F. Sousa)

daniel matos disse...

Como estive 22 dias cercado em Guidage (Maio/Junho de 1973) gostaria de deixar também um testemunho. Tal como o posto de transmissões, nas fotos referidas também não aparece o abrigo do obus, destruído a 25 de Maio, onde me encontrava no momento do rebentamento da morteirada, com mais 15 camaradas, metade dos quais que ali se refugiaram durante um ataque do IN. Desses, morreram logo 6 (que dias mais tarde fui incumbido de enterrar nas imediações) e apenas eu não fui ferido (todos os outros se feriram com diferentes gravidades). A maioria pertencia à minha companhia (CCAÇ Ind 3518, Marados de Gadamael), que ali viu retidos 2 pelotões durante um abastecimento de cibe vindo de Bissau, fazendo segurança à coluna que inicialmente se destinava apenas a Farim. Não percebo por que razão esta Companhia nunca aparece referenciada nos acontecimentos de Guidage e nos efectivos que lá permaneceram nesses dias fatídicos. Aliás, o número de mortos em combate que muitas vezes é mencionado, parece-me incorrecto. Lembro-me de enterrar camaradas envoltos em lençois, por já se terem esgotado os caixões... Cordiais saudações

Daniel de Matos (ex-Furriel Miliciano) [23/8/2006]



7 de setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1055: Estórias do Zé Teixeira (12): O Balanta que fugia do enfermeiro

Anónimo disse...

Os jornalistas perguntaram a Holden Robertode Angola (fnla), logo a seguir ao 25 Abril de 1974, porque ao fim de 13 anos de luta de libertação, as populações quase nunca aderiram: Ele, que tinha sido educado numa missão protestante americana, respondeu: "Parecem coisas diabólicas, difíceis de explica"... 
Como eu vivi o antes, durante e depois da guerra quase sempre em África, (tenho quase 70 anos), faço como que um passatempo, tentar compreender como aguentámos 13 anos aquela guerra, e como o Holden Roberto, quase digo que são coisas diabólicas...Mas não digo: (Atenção que há 30 anos as minhas leituras são quase só referentes ao assunto), o que digo é que o "sucesso" se deveu aos milicianos e rasos, que foram "os senhores da não guerra" (e o Salazar sabia disso) e aos comerciantes que não arredavam pé...E ao inssucesso de todas as "falsas independências africanas" então, que vemos agora o resultado com os milhões de africanos a fugir para as Canárias. 

António Esteves Rosinha, Alverca [7/9/2006]


17 de setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1082: Notícias da CCAÇ 2402 e do BCAÇ 2851 (Raul Albino)

João Gomes disse...

Em primeiro lugar desejo saudar todos os que tem visitado e deixado impressões sobre a Guerra do Ultramar, em especial da Guiné-Bissau. O meu nome é João Gomes Bonifácio e fui Furriel Miliciano do SAM e pertenci à CCAÇ  2402 / BCAÇ 2851. Desejo enviar os meus parabéns ao ex-alferes Miliciano Raul Albino, e dizer-lhe que tenho tentado ler este magnífico blogue, mas muito devagar. Tambem eu gostaria de participar, mas a verdade é que por razões que ignoro, vejo muitos oficiais e poucos sargentos a enviar fotos e a comentarem. Espero que mais apareçam e falem das suas "guerras" para que todos saibamos como passaram a comissão de serviço, e ao mesmo tempo aprender mais sobre nós próprios, já que somos os únicos que compreendemos os nossos sacrificios passados em Có, Mansabá ou Bafatá.
Estou motivado para participar, tal como estou a fazê-lo na edição do segundo livro sobre a CCAÇ 2402, que será uma amostra não so desta Companhia, mas que também pode ser de qualquer outra Companhia e de qualquer ramo das FA.
Atualmente vivo no Canadá, numa cidade a cerca de 60 kms de Toronto.
Os meus cumprimentos para todos vós, em especial para o Autor deste blogue. Alguém tinha de fazer algo de bom. Parabéns. 

[24/11/2006]

5 de outubro de 2006 >  Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

Seringas do Jol disse...

Olá amigos!
Hoje 5 de Outubro, lá estive e pela 1ª vez, na  Mealhada,  no almoço anual da malta ! Correu muito bem e o "leitão" estava uma delícia !

Parabéns por este blog.
[5/10/2016]

António Ramos de CARVALHO - Lousã/Coimbra
(Furriel Enfermeiro 70/72 em Jolmete - Pelundo)


7 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1570: Convívios: Almoço-convívio de camaradas de Matosinhos (Albano Costa / Carlos Vinhal)


Cada vez que aqui venho, entre o muito que aprendo e o muito que me emociono, fico sempre com uma certeza outra: a da imensa dignidade da vossa camaradagem e da vossa ausência de ressentimento.
Aqui se destaca com grande evidência a generosidade, a sabedoria e a inteligência do papel das Forças Armadas...
Infelizmente... os mandantes de hoje parecem sofrer todos de memória de grilo!

Os melhores cumprimentos, Senhor e Senhores 


[7/3/2007]

8 de março 2007 > Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)

Osvaldo Tavares disse...

Para dedicar ao meu pai, Victor Tavares

A presença remota do passado, 
Nos sentidos, ainda tão vibrante, 
Questiona o que se tem apressado 
E contido neste peito infante! 

O passado é potencial tão presente 
Mas passível de transformação, 
Naquilo que hoje se sente 
Bem no fundo do coração! 

Num desenrolar de emoções 
Vão passando como um filme na mente 
As lembranças que fazem reviver 
A ascenção de uma vida tão ardente 

São belas recordações que inundam 
Com miragem o poder da fantasia 
As saudades de um tempo que não volta 
Mas invadem a alma de alegria 

Lembranças que abrem o caminho 
Como luzes que brilham com ardor 
E acalentam um grande sonho 
De viver um futuro com amor

 [18/3/2007]

________________________
Nota do editor:

(*) Último poste da série > 26 de abril de 2016 >  Guiné 63/74 - P16018: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (1): Heróis de uma guerra que nunca existiu e que por isso, vão não ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu (Luís Graça)


(...) 12 (doze!) anos é idade maior na Net (que nasceu no início dos anos 90 do século passado). Com menos disso, já muitos blogues morreram.

12 (doze!) anos é "manga de tempo", dava para fazer 6 (seis!) comissões na Guiné, desde o princípio ao fim da guerra (1961/74).

12 (doze!) anos é cerca de um sétimo da esperança de vida (média) de alguém como eu que, nascido em 1947, tinha aos 65 anos em 2012...

Camaradas (e amigos/as): 12 (doze!) anos é "manga de tempo"!... Por isso, o 12º aniversário do nosso blogue merece ser comemorado, por muito cansados que estejamos da guerra e da vida!... (...)

Guiné 63/74 - P16018: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (1): Heróis de uma guerra que nunca existiu e que por isso, não vão ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu (Luís Graça)



Caldas da Rainha > RI 5 > Juramento de bandeira > 1968


Foto: © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados. [Edição. L.G.]



1. No dia 23 de abril de 2016, o nosso blogue fez 12 anos. Publicámos o nosso poste nº 1 em 23/4/2004. E depois desse mais de 16 mil. A efeméride não pode passar despercebida.


12 (doze!) anos é idade maior na Net (que nasceu no início dos anos 90 do século passado): com menos disso, já muitos blogues morreram.

12 (doze!) anos é "manga de tempo", dava para fazer 6 (seis!) comissões na Guiné, desde o princípio ao fim da guerra (1961/74).

12 (doze!) anos é cerca de um sétimo da esperança de vida (média) aos 65 anos, em 2012, de alguém, como eu, que tenha nascido em 1947.

Camaradas (e amigos/as):

12 (doze!) anos é "manga de tempo"!... Por isso, o 12º aniversário do nosso blogue merece ser comemorado, por muito cansados que estejamos da guerra, da vida e... do blogue!...

Traduzida em números, a atividade do nosso blogue representa:

(i) 16 mil postes;

(ii) 714 membros inscritos (formalmente na nossa Tabanca Grande, dos quais infelizmente 44 já morreram), oriundos dos mais diversos sítios onde vivem camaradas nossos (e também alguns amigos), da Austrália à América, da Suécia ao Brasil, de Paris ao Mindelo, de Viana do Castelo a Bissau, de Lisboa a Macau;

(iii) 700 álbuns, 59  mil imagens (, incluindo mais de 300 vídeos):

(iv) 63 mil comentários;

(v) 7,8 milhões de visualizaçõs de páginas;

(vi) 11 encontros nacionais, anuais, da Tabanca Grande, desde 2007, com cerca de dois mil inscritos;

(vii) e,  sobretudo,  muitas memórias e muitos afetos partilhados entre todos nós...


O blogue nasceu em 23/4/2004. E por essa altura eu escrevi, à laia de justificação para passar a dedicar o meu blogue pessoal (Blogue-Fora-Nada) unicamente à Guiné, à experiência (partilhada) da guerra na Guiné (primeiro circunscrita aos anos de 1969/71 e depois alargada, muito rapidamente, ao período de 1963/74):

"Trinta anos e tal anos depois. Para que não digam, os (por)tugas mais novos, que a Guiné nunca existiu. Que a guerra da Guiné nunca existiu. Ou que nunca ouviram falar da guerra colonial (em África). Uma guerra que marcou, se não um povo inteiro, pelo menos toda uma geração. A minha geração.

"Desenterro estes escritos, guardados no sótão da casa e sobretudo no sótão da memória, em homenagem a todos os que derramaram o seu sangue na Guiné, entre meados de 1969 e o 1º trimestre de 1971. Ou que deram o melhor da sua vida, a sua juventude, a sua generosidade, os seus sonhos, as suas ilusões. Pela Pátria, dizia-se então. Ou por nada, o que é pior.

"Há trinta e tal anos... Em homenagem aos que combateram, de um lado e de outro, nos três teatros de operações (Angola, Moçambique e Guiné). Em particular aos meus camaradas, portugueses e guineenses, da Companhia de Caçadores nº 12 (CCAÇ 12). Que se bateram com dignidade, bravura, galhardia e honra (mas também com ética!) na Zona Leste, Setor L1, da Guiné. (...)

"Há trinta e tal anos... Em homenagem também aos que fizeram o 25 de abril de 1974. Foi no meu tempo, na Guiné, entre os milicianos, que o moral das tropas começou a deteriorar-se. Inexoravelmente. E a contaminar os oficiais e os sargentos do quadro, já poucos, velhos e cansados. Por exemplo, em 26 de novembro de 1970, a escassos três meses da minha rendição individual e do meu regresso a casa, mandei impunemente à merda toda a hierarquia militar do aquartelamento de Bambadinca, do tenente-coronel aos majores e capitães, depois de termos sofrido um dos nossos piores reveses militares, a CCAÇ 12 e a CART 2714 [Companhia de Artilharia aquartelada no Xime], no decurso da Operação Abencerragem Candente: seis mortos e nove feridos...

"Tudo aconteceu por grave erro que na altura imputámos ao major, segundo comandante do BART 2917, um militarão de artilharia [, antigo professor da Academia Militar,] que não gozava da simpatia dos alferes e furriéis milicianos. Abreviando razões, o comandante da força, que integrava a fatídica Operação Abencerragem Candente (...), obrigara-nos a repetir o percurso de véspera (25 de novembro de 1970), a caminho da Ponta do Inglês (Região do Xime, na confluência dos Rios Geba e Corubal)... Contra as mais elementares regras de segurança militar! É que na Guiné bichos e homens sabiam que nunca se pisava duas vezes o mesmo trilho e nunca se bebia duas vezes a água do mesmo rio...

"Ainda recordo, com nitidez, as palavras que dirigi, depois do regresso a Bambadinca, na parada, alto e em bom som, frente às instalações do comando do BART  2917, utilizando a mesma linguagem de caserna com que me fizeram soldado à força (...): 'Assassinos, criminosos de guerra, limpo o cu às folhas do RDM [ Regulamento de Disciplina Militar]'...

"Podiam ter-me mandado prender por insubordinação, por grave infracção ao RDM, por crime de lesa-pátria... Não o fizeram, não tiveram coragem de o fazer: pediram apenas ao médico (miliciano) que me desse um Valium 10; o meu capitão, por seu turno, achava que eu andava muito cansado... Diagnóstico: distúrbio emocional, muito frequente na época entre as NT (nossas tropas).

"E no final da comissão fiz-lhes a história dos seus gloriosos feitos em combate. Deram-me um louvor, averbado na minha caderneta militar, pela qualidade e seriedade do meu trabalho ... jornalístico. Dei-lhes a volta e fiz a crónica da guerra, baseado em toda a informação classificada a que tive acesso, para além das minhas próprias memórias, já que também fui um operacional com intensa actividade (...).

"O acesso aos arquivos da CCAÇ 12/CCAÇ 2590 contou, naturalmente, com a cumplicidade de um dos sargentos do quadro. Um alentejano, de origem proletária, que meteu o chico (leia-se: seguiu a vida da tropa), e que me alcunhou carinhosamente de soviético ou camarada Sov, ao que julgo saber por eu ser do contra (...).

"Dezenas de exemplares da história da CCAÇ 12, tirados a stencil, acabaram por ser distribuídos pelos tugas da companhia ( e em particular pelos meus camaradas milicianos), chegando assim à Metropóle, mau grado as instruções do capitão que, aflito e em vésperas de ser promovido a major, a mandara classificar como documento reservado. Onde quer estejas, meu caro Sargento P[iça], vivo ou morto, eu ainda tenho uma dívida de gratidão para contigo! E do meu capitão, então com 37 anos, uma comissão na Índia e três em África, eu só posso dizer que era um bom homem e um bom portuga. "(...)


Camaradas e amigos/as: dou o pontapé de saída, com um texto que fui repescar ao meu já muito rapado baú... Cada um de vocês pode também contribuir, com textos, fotos e outros documentos inéditos (ou reformulados), para animar a Tabanca Grande e festejar os 12 (doze!) anos do nosso blogue. O administrador  deste condomínio (que não é fechado!) agradece!... LG



2. Heróis de um guerra que nunca existiu e que, por isso, não vão ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu


por Luís Graça (*)





– E no fim quem levou a taça foi o capitão!... Pelo menos, sabemos que chegou a general de duas estrelas, disse-me o Pinto...Paz à sua alma, no caso de já ter morrido! – ouviu-se a voz do Paranhos, à segunda rodada de espumante da Bairrada, com que acompanhávamos o leitão, num restaurante de beira de estrada, ali para os lados da Mealhada, na antiga estrada nacional nº 1.
– Em boa verdade, pouco se soube dele, depois do 25 de abril... Não deu nas vistas, por boas ou más razões. Acho que estava num batalhão, no leste de Angola, na altura do 25 de abril, Ouvi dizer que era coronel, na guarda fiscal ou coisa parecida… Sim, e deve ter chegado a brigadeiro! – opinou o nosso vaguemestre, o Pinto que, depois da tropa, foi dos que continuou a estudar e era agora dono de uma pequena empresa de contabilidade em Coimbra, e um dos organizadores do encontro.
– Deu-me uma porrada, nunca fui à bola com ele! – desculpou-se o Paranhos… Hoje deve estar cheio de graveto…
– Mas, era a vida dele, a carreira dele! – atalhou o ex-alferes Pimentel, transmontano, advogado e autarca, que nada tinha perdido do seu espírito de reverência em relação a todas as hierarquias deste mundo.
– E depois nós éramos milicianos, estávamo-nos nas tintas para as divisas e os galões! – atalhei eu, tentando, sem jeito, deitar água na fervura.
– E, nós, soldados do contingente geral!... Carne para canhão, porra!– ripostou o Paranhos.
– Estávamos todos metidos no mesmo barco, essa é que essa! – opinou o Pimentel. – E demos o melhor à Pátria, quando a Pátria nos chamou para cumprir o nosso dever.
– Mas mesmo assim havia diferenças, carago! No meio daquela merda toda – desculpem lá a expressão! – vocês até eram uns fidalgos: tinham patacão, graveto; tinham messe, bar, bebidas estrangeiras; iam matar a malvada a Bafatá; comiam umas garinas, brancas ou verdianas,  de vez em quando, em Bissau; vinham de férias, na TAP, à Metrópole…

E lá continuou o reguila, o "corrécio", do Paranhos a vociferar contra os privilegiados dos tugas de 1ª classe que na guerra tinham messe, com direito a comer de garfo e faca e toalha branca na mesa:
– Olha que nem toalhas de plástico tínhamos na merda do refeitório!... Nós, os tugas, de 2º classe... Se é que podíamos chamar àquilo um refeitório, chamávamos-lhe a "manjedoura"...
– Exageras, ó Paranhos! – emendou o Pinto. Até nem se comia mal, pelo menos eu esforcei-me...
– Qual quê!?... E depois alguns dos milicianos que eu conheci,  na tropa e na Guiné,   se calhar até nem queriam outra vida se não fosse terem de andar com a puta da canhota no mato!.. Não falo dos chicos, nem vou citar nomes, muito menos quero referir-me à malta da nossa companhia que deu o litro e meio, que foram uns heróis... Mais: alguns milicianos que eu conheci (e vocês também), nunca tinham ganho um tostão na puta da vida, a não ser a mesada do velho...
– Calma aí e para o baile, ó Paranhos! Estás a ser injusto, ao meter tudo no mesmo saco ! – interrompeu, de chofre, o ex-vaguemestre Pinto – Havia milicianos e milicianos como havia chicos e chicos. Eu não posso queixar-me, que não fui operacional, mas houve vaguemestres que morreram em combate.
– E, se calhar, até cangalheiros, corneteiros e barbeiros,  dentro do arame farpado! – ironizou o Paranhos.
– Muitos de nós, furriéis e alferes, já trabalhávamos – comentei eu, ajudando a cortar o fio à meada do discurso torrencial (e potencialmente perigoso) do Paranhos, a quem a segunda garrafa de espumante, barato,  começava a abrir as goelas da desinibição e da "inconveniência"... Todos sabíamos que, no passado,  ele "tinha mau vinho"...
– Cá o Zé Soldado como eu já era chefe de família e há muito que fossava no duro, antes de ir parar com os quatros costados à Guiné. É bom que não se esqueçam disto, carago!... Quanto ao resto, reconheço que éramos todos iguais, tugas e nharros, alferes, furriéis, cabos e soldados, que elas no mato não traziam código postal, não distinguiam nem preto nem branco, de primeira ou de segunda...
– Ou nos ataques ao quartel, que lá também se morria, dizes bem... –  acrescentou o Pinto, conciliador.


Vinte anos depois do nosso regresso...


O Paranhos, o nosso cabo Paranhos!... Era com emoção, com alguma emoção, mal contida e disfarçada, que eu voltava a abraçá-lo, ali num restaurante da Mealhada, em 1991, vinte anos depois do nosso regresso, no verão de 1971!... O Paranhos, com o seu inimitável sotaque tripeiro e a franqueza que era timbre da boa gente do Norte!...

Passámos, muito naturalmente, a tratarmo-nos por tu... Tínhamo-nos tornado amigos (ou, talvez melhor, confidentes e cúmplices um do outro, camaradas, no sentido etimológico do termo, já que na tropa não havia nem colegas nem amigos, mas apenas gente que partilhava o mesmo chão, a mesma caserna, o mesmo bivaque, a mesma tenda, o mesmo abrigo,  o mesmo beliche, a mesma cama, o mesmo buraco, a mesma viatura e às vezes o mesmo leito de morte!) nessa longa noite em que viajáramos juntos, de comboio, do Campo Militar de Santa Margarida até ao cais de embarque, em Lisboa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos.

Entre dois tragos de bagaço de vinho verde tinto, rasca, o Paranhos fora-me contando a sua vida, os seus sonhos, os seus projetos, a mim, seu confidente de circunstância, vizinho de lugar e companheiro de infortúnio, lucidamente deprimido, à medida que o comboio da CP, requisitado pela tropa, galgava as terras banhadas pelo Tejo, pela calada da noite, envergonhadamente, só com as luzes de presença nos carruagens apinhadas de militares e de bagagens. Ao fundo, um acordeão, desafinado e melancólico, ainda nos punha mais deprimidos, a escassas horas de embarcarmos no velho Uíge da carreira colonial.

Do seu longo e pastoso monólogo, retirei algunas notas que assentei no meu diário (ou que guardei na minha memória): para lá do Douro, ficava uma infância pobre, uma adolescência truculenta, uma filha de mãe solteira, um futuro incerto de operário do têxtil ou da ferrugem, já não me recordo bem. Filho de pequenos rendeiros pobres, de Entre Douro e Minho, cedo pegara na trouxa para apanhar o comboio da Linha do Douro e assentar arraiais numa ilha na freguesia de Paranhos, no Porto, razão de ser da alcunha que lhe deram na tropa.
– Em busca de melhores dias, já que em casa o caldo, a broa e o verde tinto mal chegavam para dez bocas.
– Fome... mesmo, a sério ?! – insinuei eu, timidamente.
– Não, meu furriel, você não sabe o que é isso: uma sardinha para três em dia de festa; um bocado de toucinho quando se matava o porco lá pelo Natal; um caldo de água quente, pencas (ou couves, como vocês chamam em Lisboa) e pão de milho esfarelado para aconchegar o estômago; batatas com batatas, quando as havia, castanhas cozidas no tempo delas… Mas um homem habitua-se a tudo... Fome, fome, não. Digamos que passei necessidades... Eu e os meus irmãos e sobretudo os meus pais, para não falar dos pais dos meus pais que já não cheguei a conhecer…
– Tal como dizia o povo, "esta vida não chega a netos, nem a filhos com barba"...– interrompi eu.

E, no Porto, na sua Paranhos, ainda popular e rústica, onde havia grandes quintas até aos anos sessenta e tal, onde se cultivava pencas e milho, numa apinhada “ilha”, em que se juntara gente fugida da miséria dos campos,  de Cinfães, Baião e Marco de Canaveses, faria entretanto a sua "universidade da vida": marçano, barbeiro, trolha, biscateiro, futebolista, empregado de café, chulo de puta fina – “azeiteiro, como se diz na minha terra”… até descobrir o duro caminho que o levaria aos portões da fábrica, ali para os lados de Massarelos, se bem percebi.
– Ainda tive uma cautela premiada aos 18 anos, que me deu uns contos de réis... Mas tão depressa vieram, como se foram... Sempre tive alguma sorte ao jogo e basto azar nos amores... Mas quanto aos “cães grandes", deixe-me que lhe diga:  aprendi a tirar-lhes o boné e a cuspir-lhes na sombra desde o dia em que, descalço, mas já com pelo na venta, e os tomates inchados, acompanhava o meu velhote na visita anual à Casa do Fidalgo, pelo São Miguel, para acertar a renda: dois terços do vinho, metade do milho, a melhor fruta para a senhora, a viúva de um juiz salazarista que tinha tantas quintas na zona quantos os dedos nas mãos…

Falava do seu velho pai, "pai e patrão" (sic), com ternura contida e com o respeito comovido que lhe mereciam os queridos mortos de que a História não fala. Tinha falecido no princípio do ano de 1969, de cancro no estômago, segundo creio,  nas vésperas da ordem da sua mobilização para a Guiné. Portanto, a dor ainda "estava em ferida" e o luto por fazer.
– As alegrias passam, meu furriel. Só as desgraças e as injustiças nunca se perdoam e nem se esquecem. As tainadas, as bezanas, tudo isso a gente caga e mija... Veja o senhor meu pai, já falecido. Trabalhou uma vida inteira como uma besta de carga para morrer pobre como Job, sem um cantinho a que chamasse seu, como qualquer cabaneiro ou sem abrigo. Mal sabendo ler e escrever!... Fez tropa nos Açores, no tempo da II Guerra Mundial, andou a mourejar nas minas de ferro de Moncorvo, antes de se casar… Ainda pensou nos camiunhos de ferro,  mas o que valia um homem sem s 4ª classe ?!... Conheceu muitos fidalgos, como ele chamava aos senhorios ou patrões… Sempre o conheci de chapéu na mão, agradecendo a suas senhorias o grandessíssimo favor de continuar na terra por mais um ano, depois do São Miguel… Viveu uma vida emprestada, viveu por favor dos "cães grandes"... É isso que me revolta, carago. E é por isso que me chamam reguila, "corrécio"… Mas eu digo-lhe: há coisas que um homem nunca esquece por muitos tombos que dê na puta da vida, por muitas bezanas que apanhe ou por muitas sacanices que faça, ou por muitos coices que dê e leve… E eu já fiz muita merda, confesso, em quarenta e tal anos de vida que já cá cantam.

A guerra quer nunca existiu

Curiosamente, verificava ali na Mealhada, vinte anos depois de "tudo ter acabado em bem", como dizia o conciliador do Pimentel, que nenhum de nós se desculpava por feito aquela guerra. Para alguns de nós, por ventura para a maior parte de nós, tugas, agora despidos, desfardados, paisanos, passados à peluda, nus de corpo e alma como no dia em que fomos à inspecção, alcunhados de ex-combatentes do ultramar, últimos guerreiros do império, mal amados como todos os veteranos de guerra,   de todas as guerras– "mas vivinhos da costa como o carapau, graças a Deus!" (era o Peniche, o básico, o nosso artista de variedades, com jeito para imitar personagens, e que já então gostava de mascarar-se de mulher) – , tinha sido afinal a primeira e a última grande aventura das nossas vidas cinzentas, um rito de passagem, uma iniciação (entre dolorosa e divertida) à vida adulta. Uma espécie de acidente de percurso. Um pesadelo climatizado. Uma trovoada fantasmagórica numa bela noite de verão tropical. Um abcesso. Um furúnculo. Uma dor de dentes...
– Não fiquei mais homem por ter estado na Guiné! – acrescentou o Paranhos – Mas passei a dar mais valor à camaradagem e à vida, isso sim!
– Eu também! – concordou o Pinto.
– Um parto, meu furrriel, um parto, o nosso segundo parto! – arrematava o Peniche, no meio da galhofa geral.
– É, pá, deixa-te lá de merdas, trata-me por tu, se fazes favor! – atalhei eu, com algum desconforto.

No fundo, parvo, ingénuo ou idealista, talvez eu esperasse ouvir a confissão pública de alguém que, agora, à distância dos acontecimentos e na atmosfera distendida de um restaurante de beira de estrada, conhecido do nosso antigo vaguemestre, quisesse tomar partido e se levantasse para fazer um discurso puro e duro sobre a traição dos capitães de Abril, do Spínola, do Costa Gomes, do Caetano e de todos os gajos que andaram a gozar connosco aqueles anos todos, obrigando-nos a chafurdar na merda e no sangue. Ou então sobre o trágico equívoco que fora a guerra colonial, ceifando vidas, gastando cabedais, hipotecando o futuro. Mas não, nenhum dos presentes levantara o copo para gritar Viva ou Morra !...Nem nenhum de nós usava a expressão "guerra colonial"... não sei se por pudor, inibição ou tabu. Nem muito menos o Pimentel, que já tinha algum traquejo da política e conhecia as manhas dos cortesãos quando vinham à corte, na capital do reino. Afinal, agora ele era autarca do poder local democrático, e ser autarca em Trás-os-Montes era um posto mais alto do que tenente-coronel na tropa do nosso tempo, na então província portuguesa da Guiné!...

É que todos fazíamos o jogo da cumplicidade, jogo cujas regras tacitamente ninguém estava disposto a violar. Porque o momento era único, era mágico, e todos sabíamos que nunca mais voltaria a repetir-se, apesar das trocas de cartões e de fotos da família, e dos eflúvios do álcool e das promessas de, para o ano, irmos todos, com as nossas "bajudas", comer uma valente feijoada à transmontana e provar a famosa posta mirandesa, para lá do Marão "onde mandam os que lá estão" (assegurava o Pimentel, dos poucos de nós que subira na vida, e que logo se ofereceu para organizar um encontro com todos os mecos da companhia, logo que a malta conseguisse completar a lista dos nomes e moradas).
– Nunca lá pus os butes, e bibo no Porto, carago! – ironizou o Paranhos, tripeiro de gema,  que continuava, a miúde, a trocar os vês pelos bês, sentindo que ainda lhe achavam alguma graça, os gajos do sul, os "mouros".

No fundo, sabíamos que, na vida, há momentos irrepetíveis, pelo que nem os fantasmas, dolorosos, do passado, nem as paixões, ainda mornas, do presente, nem muito menos as inquietações, impercetíveis, do futuro deveriam perturbar este insólito,  fugaz  mas ternurento encontro de meia dúzia de ex-combatentes da Guiné, mesmo quando, já no fim do almoço e depois de uma nova rodada de uísques (de uma Old Parr de 1971 que o vago-mestre trouxera de lembrança, "from Sctoland to the Portuguese Armed Forces"), alguém (, creio que o Peniche ou o Pimentel) tivera o mau gosto (ou o azar) de evocar os mortos da companhia...
– Agora é que foderam tudo! – desabafou o Paranhos, à beira de um  ataque de choro.

Nunca conheci nenhuma alma tão sensível como a dele. Ou melhor: nenhum ator, com lágrima tão fácil como a dele... (…)
________


Nota do autor:

(*) Nenhum destes heróis foi condecorado, muito menos o "corrécio" do Paranhos que, apesar de ter levado uma porrada do sacana do 1º sargento, de cavalaria, ainda em Santa Margarida, agravada pelo capitão, era um dos nossos melhores operacionais, um homem de grande generosidade e bravura. Felizmente que nenhum de nós fora condecorado no 10 de junho, muito menos a título póstumo.... Também nenhum destes heróis existiu. Nem poderiam existir: afinal, perdemos, senão a guerra, ou pelo menos o império. E, em boa verdade, esta guerra nunca existiu... Em todo o caso, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. 

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16017: Efemérides (221): Tempos passados ou como recuar a 24 de Abril de 1970, data de embarque do BCAÇ 2912 com destino à Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 24 de Abril de 2016


TEMPOS PASSADOS

Camarigos,
Na famosa fotografia "The Steerage", de Alfred Stieglitz (1907), vemos os abastados em cima e em baixo os outros.
Ao ver esta imagem imediatamente recuei a 24 de Abril de 1970, data de embarque, no navio T/T Carvalho Araújo, do BCaç 2912 rumo ao Comando Territorial Independente da Guiné. Viagem em que o militar se sentiu passageiro de classes.

The Steerage de Alfred Stieglitz (1907)

Passados 46 anos recordo as primeiras horas daquele dia ímpar.
O dia do começo das aventuras coloniais vivido por centenas de jovens com pouco mais de 21 anos.
O Batalhão partiu de Santa Margarida em comboio. Cerca das seis e trinta chega ao cais marítimo de Alcântara. O comboio entra no Porto de Lisboa e de imediato avistamos o navio que nos transportou até ao cais de Pindjiguiti. O navio, visto do cais, era enorme mas de certeza mais pequeno do que outros que já tinha visto.

 Lisboa - "Carvalho Araújo"

Depois de retiradas as bagagens individuais do comboio transportamo-las para o navio.
Tudo arrumado viemos tomar o pequeno-almoço no cais onde até uma cozinha de campanha nos aguardava para conforto do estômago.
Realizadas as cerimónias oficiais de despedida, no cais marítimo de Alcântara, regressamos ao navio.

Cozinha de Campanha no Cais

Começaram a aumentar os lancinantes gritos e choros dos familiares que tinham ido dizer adeus aos jovens combatentes. Infelizmente para alguns foi o último ADEUS.
Ao meio dia certo o CARVALHO ARAÚJO zarpou e poucas milhas percorridas entrou no Oceano Atlântico, que sulcou durante seis dias. Um Oceano Atlântico diferente daquele que conhecia.

24 de Abril de 1970 - Embarque do BCAÇ 2912

Sala de Jantar do "Carvalho Araújo"

 Camarote de 1.ª Classe do "Carvalho Araújo"

As personagens ao longo dos tempos foram diferentes.

Durante a Guerra Colonial (1961 – 1974) víamos os tropas nesta situação de classes. Antes da data da fotografia, The Steerage, em piores condições os escravos.

Em tempos passados não há melhor protagonista deste marear do que cada um dos combatentes enquanto navegantes. E cada caso era um caso.

Abraço António Tavares
Foz do Douro, Domingo 24 de Abril de 2016
____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16008: Efemérides (220): Cerimónia de comemoração do Dia do Combatente e VII Aniversário do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, dia 30 de Abril, em Matosinhos e Leça do Balio (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P16016: Blogpoesia (444): "Um ritual...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Em mensagem do dia 25 de Abril de 2016, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este de sua autoria:


Um ritual...

Tão simples, nem se dá conta.
Se repete. Este ritual solene.
Que nos abre o mundo.
Permite ver bem.
O céu e o chão.

Umas simples lentes de vidro.
Leves, sem devaneios,
dilatam as formas,
avivam os tons e as sombras,
sem alterar as formas.

Como fica mais belo o mundo.
Cheios de cor e luz.
Ao pé e ao longe.

Benditos óculos,
Companheiros bons
Que nos dão a mão
E nos fazem tão bem...

ouvindo concerto para violino n.º 3 de Mozart
por Hilary Hahn

De novo em Berlim, 25 de Abril de 2016
6h9m

JLMG
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15958: Blogpoesia (443): "Quando no céu...", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16015: Agenda cultural (476): Lançamento do livro “Ten-General Alípio Tomé Pinto – O Capitão do Quadrado”, de Sarah Adamoupoulos, levado a efeito no passado dia 7 de Abril de 2016, no Palácio da Independência (José Eduardo Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 19 de Abril de 2016, dando-nos conta do lançamento do livro biográfico "Ten-General Alípio Tomé Pinto - O Capitão do Quadrado", da autoria de Sarah Adamoupoulos, ocorrido no passado dia 7 de Abril:


Lançamento do livro “Ten-General Alípio Tomé Pinto – O Capitão do Quadrado”

Em Lisboa, o lançamento do livro decorreu no passado dia 7 de Abril no Palácio da Independência, onde estiveram presentes algumas das principais figuras nacionais e internacionais, presenteando o biografado com uma sala absolutamente cheia.


A obra em causa é da autoria de Sarah Adamoupoulos, que também esteve na mesa de honra.
Por motivos profissionais, o General António Ramalho Eanes, que prefaciou o livro, não pôde estar presente. No entanto, o Gen. Alexandre de Sousa Pinto leu na altura o discurso que o antigo Presidente da República tinha preparado e do qual destacamos o seguinte: "Tomé Pinto é, para mim – que o conheço há décadas – não só, como o próprio afirma nesta obra, um Militar por paixão, mas, sobretudo, um militar de sonho e aventura, de vocação, ambição e missão, um dos melhores entre os melhores, e não só na Instituição Militar, mas, também, no Pais (Portugal)"

Na mesma cerimónia, o Gen. Alexandre de Sousa Pinto aproveitou também para proferir algumas palavras sobre o biografado: "O exercício da profissão de militar exige uma vocação; tal como o sacerdote, o militar que não tenha verdadeira vocação será sempre um infeliz e, mais grave, fará infelizes os subordinados que tenham que o aturar."

O “Capitão do Quadrado, que conta hoje uns invejáveis 80 anos, deslocou-se no fim de semana seguinte a Angola, para fazer o lançamento do seu livro, que teve lugar na Fortaleza em Luanda, no passado dia 12 de Abril.


Alípio Tomé Pinto, hoje General na reforma e que anda a plantar árvores em Maçores, no planalto Mirandês, ficou conhecido como o “capitão do quadrado”. Quando chegou à Guiné, no comando da CCAÇ 675, já tinha desnorteado a “senhora morte”. Fora alvejado numa patrulha a São José do Enconge, no coração dos Dembos, em Angola. A bala atravessou o maxilar e alojou-se junto à carótida. Foi-lhe administrada a extrema-unção mas recuperou. A lenda de Tomé Pinto, também conhecido pelo Capitão de Binta, começa com os primeiros trinta dias em que chegou ao aquartelamento e se pôs a patrulhar toda a região, os guerrilheiros cultivavam à volta de Binta, aproveitavam-se do temor da tropa que anteriormente ali estivera.


Há já obras publicadas sobre esta CCAÇ 675, nomeadamente do então Furriel Milº. Enfermeiro José Eduardo Oliveira que escreveu sobre o primeiro ano de atividade desta Companhia. É o caso inédito de um diário com olhar coletivo publicado em tempo praticamente real.

O Capitão do Quadrado voltará a ser ferido em combate e o cronista destes acontecimentos escreverá com imensa ternura, como soperasse a dor coletiva: “Todos queriam pegar na maca para o transportar; um despia o casaco camuflado para lhe aconchegar melhor a cabeça; outro dava-lhe o seu concentrado de frutos da ração de combate; outro ainda quase que o obrigava a beber água do seu cantil”.


Regressará a Binta semanas depois e lança-se na atividade operacional. Abandonará a Companhia para fazer o curso do Estado-Maior do Exército. O seu sucessor desabafará: “Envergonho-me de comandar os homens de Tomé Pinto. No meio deles, sinto-me um soldado, pois eles não precisam de ordens, nem as esperam. Têm tal conhecimento da zona, tal sentido de orientação e tal intuição do perigo que se movem ordeiramente para qualquer lado". Tomé Pinto chegara a Binta a 29 de Junho de 1964 e no relatório de 24 de Dezembro já registavam 51 ações de fogo sobre o seu comando. Alguns dos seus militares dos tempos de Binta estiveram presentes na cerimónia de Lisboa.

No emblema da CCaç. 675 a inscrição que permanece viva diz: “Nunca Cederá”.

No dia 8 do próximo mês de Maio, o “Capitão do Quadrado” e os seus homens de Binta deslocar-se-ão a Évora para comemorar os 50 anos do seu regresso a Portugal.

JERO
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Último poste da série de 20 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15994: Agenda cultural (475): Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes, amanhã, 21, às 16h00, no auditório da biblioteca municipal da Covilhã: Juvenal Amado apresenta o seu livro "A Tropa Via Fazer de Ti um Homem"; confirmada a presença do prof Pereira Coelho, que foi um dos médicos do BCAÇ 3872, em Galomaro, 1971/72

Guiné 63/74 - P16014: Agradecimento: David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716, a propósito do seu aniversário ocorrido ontem, dia 24 de Abril

A pedido do nosso camarada David Guimarães, (ex-Fur Mil, At Inf, MA da CART 2716, Xitole, 1970/1972), publicamos o seu postal de agradecimento pelas mensagens de parabéns a ele enviadas a propósito do seu aniversário ocorrido ontem, dia 24 de Abril.


Guiné 63/74 - P16013: Nota de leitura (833: “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Já ninguém ignorava que o MFA da Guiné agira singularmente e por conta própria num processo de descolonização com inúmeros melindres. Na Guiné, a contestação dos militares formara núcleo próprio e tinha vida desde 1973. Como escreveu o investigador António Duarte Silva, o MFA local controlava todo o aparelho militar: o Batalhão de Comandos Africanos, o Batalhão de Paraquedistas, a maioria do pilotos, a Companhia de Polícia Militar, o Agrupamento de Transmissões e o Grupo de Artilharia da Guiné.
Em 26 de Abril, em Bissau, tornou-se irreversível o golpe do dia anterior na metrópole. É sobre todo este processo imparável, com compreensíveis ziguezagues, dores e apertos de alma, onde houve relações amistosas entre as tropas portuguesas e o PAIGC, onde se revelou também que o PAIGC estava impreparado e até enviou para Bissau um comissário político com falta de envergadura, tudo isto é contado com impressionante rigor por alguém que viveu todo este processo do princípio ao fim.
De leitura obrigatória.

Um abraço do
Mário


A descolonização na Guiné-Bissau e o movimento dos capitães (2)

Beja Santos

“A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016, é o relato na primeira pessoa do singular de alguém que acompanhou na primeira fila a criação do MFA da Guiné e todo o processo de descolonização, descrevendo reuniões, relatórios, vicissitudes de vária ordem, negociações com o PAIGC, assembleias do MFA da Guiné, e muito mais. Jorge Sales Golias trabalhou diretamente com Mateus da Silva, primeiro Encarregado do Governo depois da partida do General Bettencourt Rodrigues e com Carlos Fabião.

Estamos em Junho, Spínola que insistira num referendo mudou de posição e começou a falar num Congresso do Povo em que ele apareceria como tutor da independência, fez chegar a Bissau 20 mil cartazes com a sua foto. A vida política deste período é suficientemente turbulenta para haver posições impensáveis enquanto o MFA da Guiné, reunido em Assembleia Geral, em 1 de Julho, aprova uma moção exigindo ao governo português não só o reconhecimento da República da Guiné-Bissau como o reatamento das negociações com o PAIGC. Ao mesmo tempo, começam a chover os ultimatos do PAIGC: logo no dia 1 de Julho um ultimato às tropas aquarteladas em Buruntuma, Fabião desloca-se ao local mas mais não conseguiu do que evacuar o quartel. Segundo Sales Golias, começa-se a observar discrepâncias e desorientações na hierarquia política e militar do PAIGC: no Sul, onde sempre se combateu a sério, negoceia-se com prudência, a retração do dispositivo ir-se-á fazendo sem sobressaltos nem humilhações para ninguém; no Leste, onde o PAIGC teve sempre problemas, houve comportamentos fundamentalistas, caso de Buruntuma e Pirada. Haverá uma eminência parda em todo este processo, o comissário político Juvêncio Gomes, colocado em Bissau, revelará imaturidade, duplicidade e comportamento grosseiro ao longo de todo o processo negocial até à independência de facto, com sérios prejuízos para ambas as partes.

Sales Golias pormenoriza as etapas da retração do dispositivo, a questão melindrosa de todas as tropas africanas e a procura de soluções mais avisadas para as tropas especiais. Ficou largamente escrito que se procurou providenciar segurança para as tropas especiais, inicialmente elas disseram que sim, que queria vir para a metrópole, o PAIGC deu garantias de tranquilidade, com raras exceções os membros das tropas especiais ficaram nos seus chãos. Todo o mês de Julho é uma permanente azáfama: as tensões com partidos como a FLING que procura disputar espaço ao PAIGC; em Lisboa, membros do MFA da Guiné procuram esclarecer os decisores políticos da evolução da situação na Guiné, em que a generalidade das tropas pretende partir o mais breve possível; os desencontros bem visíveis entre os comissários e comandantes militares do PAIGC, quadro que conheceu melhorias com os encontros que se realizaram no Cantanhez em 15, 16 e 18 de Julho; além de peripécias, acidentes e tensões entre as próprias forças portuguesas. Em 9 de Agosto, o MFA da Guiné alerta a Comissão Coordenadora do MFA para a gravidade da situação disciplinar nas unidades militares, era uma corrida contra o tempo em que se falava da retração, do pagamento de pensões, da passagem à disponibilidade e desarmamento do Batalhão de Comandos Africanos, o alívio vem com a notícia da assinatura do Acordo de Argel que reduziu muita da instabilidade existente. Porém sentia-se a insegurança da população branca, da cabo-verdiana e da guineense com laços culturais mais estreitos com Portugal, o PAIGC procurava desdramatizar pretextando que haveria reconciliação nacional e lugar para todos.

Estamos já em Setembro, o Comité Executivo de Luta ratificou o Protocolo de Acordo de Argel, a transferência de poderes acelera-se: o Emissor Regional da Guiné passou a designar-se Rádio Bissau, há uma comissão mista em permanente azáfama a resolver infindáveis problemas enquanto as tropas portuguesas vão abandonando o território. Foi preciso chegar a Outubro para se sentir que os quadros do PAIGC sentiam pressa em abordar questões de grande sensibilidade. A partir da independência: quadros no setor da educação, médicos, modo de pagamento até final de 1974 de vencimentos, comércio prioritário com Portugal, etc. É destes relatos que nos fica a imagem um tanto confrangedora que os quadros do PAIGC revelavam impreparação, desconhecimento e até mesmo insensibilidade para os problemas da administração de um território, foi revelador que deixaram para a última a apresentação de propostas de cooperação. Subjacente a estes ziguezagues estariam certamente duas correntes em conflito: os que pretendiam uma transição pacífica, com mais meses ou até anos de uma presença portuguesa e aqueles que pretendiam empurrar para os barcos e aviões os militares e os funcionários coloniais.

O autor releva o ambiente de grande cordialidade que existiu na generalidade dos encontros. Não deixa, porém, de deplorar procedimentos grosseiros como o de Juvêncio Gomes que já presidente da Câmara Municipal de Bissau e na presença portuguesa mandou apear as estátuas de Teixeira Pinto, Honório Pereira Barreto, Diogo Gomes. Em 14 de Outubro, as autoridades portuguesas ao mais alto nível retiraram-se, a bandeira nacional é arreada nas instalações navais de Bissau e a bandeira é entregue ao Comodoro Vicente Almeida d’Eça.

Que importância devemos atribuir a este relato da descolonização da Guiné: as notas pessoais de um oficial que acompanha as mudanças radicais no teatro de operações e que se apercebe com outros camaradas que se fechou a porta a qualquer negociação, a Guiné-Bissau passa a ser reconhecida a partir de Outubro de 1973 por mais de 80 Estados, os apoios político-militares previsivelmente ir-se-ão agravar, Marcello Caetano determina a Bettencourt Rodrigues que resista até à exaustão dos meios, no ar paira a ameaça da repetição da queda do Estado da Índia, forma-se o MFA-Guiné que irradia para a metrópole e deste recebem influxos; a 26 de Abril é na Guiné que se altera a situação político-militar que o autor descreve com uma grande riqueza de pormenores.

A historiografia da guerra colonial acaba de receber um apreciável documento que se deverá juntar a outros para ser compulsado com toda a documentação existente e depositada em arquivos, caso da Fundação Mário Soares. Como escreve no prefácio Carlos de Matos Gomes: “O processo que o núcleo dos militares do MFA na Guiné conduziu para dotar do caráter de anticolonialista o Portugal que iria emergir do 25 de Abril, essencial para a sua credibilidade, desenrolou-se com grande autonomia e, em boa parte, em contínua rebeldia. Primeiro contra o governo de Marcello Caetano, seguida contra as orientações da Junta de Salvação Nacional, finalmente contra as conceções do General Spínola quanto à descolonização”.

Insiste-se que toda esta autonomia, rebeldia e tensões com os poderes constituídos, a par do melindroso problema das negociações com o PAIGC numa atmosfera em que as nossas tropas já tinham afastado do horizonte a necessidade de combater, recebe neste livro um tratamento rigoroso que os estudos posteriores não poderão ignorar.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16001: Nota de leitura (832): “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016 (1) (Mário Beja Santos)