terça-feira, 22 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15890: Agenda cultural (470): Apresentação do livro "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem", da autoria de Juvenal Amado, levada a efeito no dia 19 de Março de 2016, na sua terra natal, Alcobaça

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de hoje, 22 de Março de 2016, com o rescaldo da apresentação do seu livro "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem", levada a efeito no passado sábado, dia 19 de Março, em Alcobaça:

Caros camaradas 
No Sábado vivi mais uma jornada inesquecível de camaradagem, amizade e emoções à flor da pele. 
Desde o aparecimento, para um abraço, do António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CArt 3492, que há bem pouco tempo teve a coragem de vir até nós com a sua luta contra o cancro, do António Murta que veio da Figueira da Foz, ao Jero e a vários combatentes, alguns meus conhecidos como o José Lourenço, companheiro das andanças pelo o Porto com o Zé Cafezinho. 
Na mesa, o nosso camarada Belarmino Sardinha foi o meu suporte quando a voz me falhava. Um agradecimento muito grande ao José Alberto Vasco, que viveu na mesma rua que eu, e que por diferença de dois ou três anos já nem à tropa foi. À Rádio Cister, na pessoa de Piedade Neto, ao Jornal Alcoa, Região de Cister e Tinta Fresca, o meu mais profundo agradecimento. 
Também gostei de ver na plateia várias senhoras que provam que o meu livro acabou por tocar as pessoas para além do foro militar. É bom voltar à nossa terra e ver o carinho que ainda têm por nós. 
Vou mandar algumas fotos bem como um texto e depois mandarei todas para os arquivos do blogue. 

Juvenal Amado

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Marta
Pode ser um nome de paz ou de guerra.
Marta também será um nome feliz ou de sofrimento.
Eu conheço diversas Martas como Marias. Terão uma vida por de trás da imagem que lhes conhecemos. Respeitar a suas identidades, respeitar o que é de mais intimo, é no fundo um direito de qualquer ser humano, que não escolhe a praça publica para espalhar a sua vida em panfletos.
Mas eu conheço uma Marta, que sofre dos efeitos colaterais de uma guerra em que nós participamos há muitos anos. Era bebé quando o mundo dela passou a ter um pesadelo, hoje conhecido por stress pós-traumático, de que sofrem muitos ex-combatentes.
Essa Marta ama e assim sofre duplamente.
É uma heroína que trava uma guerra sem fim à vista há mais de quarenta anos. Uma guerra em que nunca houve vitórias, nem intervalos, mas com muitas derrotas antecipadas.
E esta Marta merece que a conheçamos.
A sua tragédia e a sua coragem são um exemplo. Serena, doce e sentida, é a confirmação de que por baixo de águas calmas de um lago, se agitam por vezes forças que nos querem aniquilar.
Mas ela combate com poesia nessa luta desigual. Nega-se a combater com as mesmas armas com que é agredida. Devolve a agressão com amor e escreve, com os dedos dormentes e o peito a sangrar.


Palhaço Triste

Não choveu hoje, e povo saiu à rua…
Houve desfile, carros alegóricos
Muitos confétis, serpentinas…
Sátiras previsíveis, inocentes brincadeiras…
Música de Carnaval, e algodão das feiras…

Foram algumas horas
Em que levei os teus netos a brincar…
Até chegaram a dançar…
Uma pediu pipocas, outro um balão…
Divertimo-nos? Talvez, entre a multidão…
Por escassos momentos,
Esquecidos… na confusão…

Levámos mais de uma hora para sair da praia
Lanchámos pelo o caminho…
Adiámos o que pudemos,
Esse regresso de mansinho…
E… voltámos… ao INFERNO!

Lá continuavas, amuado, enresinado,
Preparado para abalroar tudo e todos...
No teu caminho.
Horas antes
Teus olhos de fogo enraivecidos…
Teus braços fortes vencidos
Tinham desejado a morte
Aos mais queridos…
E que mais pai,
Fizeste tanto mal aos que te amam
Por causa desses fantasmas
Que te enganam
Te consomem…
Sinto a tua falta…
E nunca te tive!
Maldita seja, essa guerra…
Que em ti vive

(AO MEU PAI)
E todas as vitimas do stress pós traumático de guerra.
MARTA LUÍS do seu livro POESIA FORA DE MÃO

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A Marta conhece Homens a quem a Tropa Desfez. Destruiu e o deixou irremediavelmente perdido para os seus mais queridos, bem como para toda a sociedade. Não é culpado é uma vítima das circunstâncias, dos caminhos e veredas da vida.
Resta-me desejar-lhe que consiga levar a bom porto tudo o que anseia e que merece.

19 de Março 2016 - Dia do Pai
Em Alcobaça na Biblioteca Municipal aconteceu emoção, carinho, reencontro de muitos amigos e muita poesia.
Obrigado a todos
JA

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António Murta, António Eduardo Ferreira, Amadeu, Jero e Xavier

A Mesa com o José Vasco e o Belarmino Sardinha

António Eduardo Ferreira de costas

Eu e o meu cunhado. Dois combatentes e grandes amigos

Dois desconhecidos

Marta a ler um poema do meu livro, mas uma grande surpresa

Marta Luís, Piedade Neto, eu e o José Vasco

Palavras para quê? Pai e Filha no Dia do Pai
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Nota do editor

Vd. postes de 13 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15851: Agenda cultural (468): Juvenal Amado apresenta o seu livro "A Tropa Vai Fazer de Ti um Homem! (Guiné 1971-1974)", na sua terra, Alcobaça, na Biblioteca Municipal, sábado dia 19 deste mês, às 16h00. Além do alcobacense José Alberto Vasco, o livro será apresentado também por Belarmino Sardinha, nosso grã-tabanqueiro
e
18 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15873: Agenda cultural (469): Apresentação do livro "A Tropa Vai Fazer De Ti Um Homem", da autoria de Juvenal Amado, levada a efeito no dia 16 de Março de 2016, na Tertúlia semanal da Tabanca de Matosinhos

Guiné 63/74 - P15889: Notas de leitura (821): Micropoemas do livro "Haikus do Japão e do Mundo" (Lisboa, Gradiva, 2016): seleção e oferta do autor, António Graça de Abreu, para os nossos grã-tabanqueiros

Antonio Graça de Abreu, escritor, poeta,
sinólogo, nosso camarada, com a sua esposa;
 foi alf mil, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa 
e Cufar, 1972/74]; é membro sénior  da nossa 
Tabanca  Grande, e ativo colaborador do 
nosso  blogue com mais de 170 referências.
1. Mensagem de Antonio Graça de Abreu

Data: 12 de março de 2016 às 15:35
Assunto: FEMINA
                      
Pela cópula entre homem e mulher, o yin e o yang obtêm o que necessitam, céu e terra conhecem paz e tranquilidade.

Anónimo, Clássico da Paz e Tranquilidade, dinastia Tang (619-907)

Se não trazem amantes para os quartos,
as vidas dos anjos não passam de um sonho.
                                                           
Li Shangyin (813-858)

Grave e leda no gesto, e tão fermosa
Que se amansava o mar de maravilha.

 Camões, Os Lusíadas, Canto VI, 21




Meus caros camaradas da Guiné:

Quando abríamos a vida em pleno para uma vida sexual activa e esfuziantemente bonita (tínhamos 21/23 anos),e em nós crepitava o fogo natural que os deuses nos concederam
para amar e entrar no feminino,
evanescente e mágico,
enviaram-nos para uma guerra, que não era nossa.

Vivemos durante dois anos, no calor e na metralha dos dias,
com a ausência da mulher amada,
a quase castração de amar,
o refugo do sexo.

Regressámos um dia.
E tínhamos, nem todos, à nossa espera a mulher,
companheira, tolerante e amiga,
que, pós Guiné, nos foi acompanhando,
ao longo de décadas e décadas de sinuosa vida,
que envelheceu connosco
e que, eleitos, entre os nossos combatentes e camaradas da Guiné,
continua a ser a almofada segura a que nos encostamos,
o corpo a que nos abraçamos,
ainda no desvairo final dos dias,
a mulher que nos sabe amar.
Essa será a companheira de sempre.
Em breve, partiremos para o aconchego dos deuses,
para o canto do Céu,  do vazio e do nada.
Com a certeza de termos amado,
de termos sido amados.
Ou então, de termos delapidado o amor na carícia sublime e falsa
em corpos de jade,
de mármore,
de carne serena ou exaltante,
perfumada, acariciante e breve.
Em corpos que jamais foram nossos,
e eram e são também os nossos corpos.
Muitas mulheres entraram, e saíram,
e voltaram a entrar nas nossas vidas.

Ex-combatente da Guiné, peço ao Luís Graça
que publique estes meus mini-poemas,
com imagens, sensibilidades, encantamentos,
sobre o erotismo suave, a lascividade perfumada.
Os poemas já têm seis anos de idade, mas são eternos.
E tenho para o meu novo livro, ainda este mês, com a Ed. Gradiva,
mais 200 poemas sobre as meninas/mulheres,
eternas companheiras,
a mais fantástica criação inteligente de Deus,
as figurações e fadas que povoam as nossas vidas.
Se valer a pena, dar-vos-ei notícias.

Abraço,
António Graça de Abreu


2. Comentário do editor:

Concordámos em não publicar o "power point" na medida em que o António não tinha a certeza sobre a autoria dos créditos fotográficos... As imagens foram recolhidas na Net por uma amiga. Não podem ser publicadas no nosso blogue, por causa da proteção da propriedade intelectual e do consequente risco de violação dos termos de utilização deste espaço que o Google nos concede.

A vida é feita de compromissos e de respeito pelos direitos dos outros...Os poemas e as fotos são belíssimos, os poemas são do António mas as fotos não. Em contrapartida o nosso camarada arranjou-nos uma alternativa... Os nossos leitores não ficam defraudados.  Obrigados pela compreensão de todos, e pela generosidade do autor. Os editores.

3. Mensagem de hojem do Antonio Graça de Abreu, com data de hoje

 Meu caro Luís:

Obrigado pelo teu cuidado. As imagens são de facto da Net, não sei de onde. Não fui eu que fiz o "power point", mas uma amiga. Por isso será melhor não colocar imagens, não vá o Google implicar.

Mas mando-te mais minipoemas da lascividade perfumada, cheios de erotismo suave.

Sem imagens, encaixam na bloguepoesia e já lá dizia o Camões, no canto IX de Os Lusíadas:

"Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
mas julgue-o quem não pode experimentá-lo."




Capa do livro. Cortesia da Gradiva  (vd. aqui página doFacebook):

"Recorrendo a uma forma poética de origem japonesa (haiku),
onde se valoriza a objectividade,
o autor apresenta um conjunto de poemas
que levam o leitor a viajar por locais distintos,
no Oriente e no Ocidente".


4. Figurações e fadas

E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.

Luís de Camões

“Não escrevas poemas de amor, são os mais difíceis.”

Rainer Maria Rilke (1875-1926)


267

Vim para ouvir
as palavras sagradas do monge budista,
mas penso na mulher de seda e rosmaninho.
Meu ser desliza na brisa
ao encontro da voluptuosidade faiscante
dos braços da minha amante.

278

Encontrar bom porto
nas mil enseadas
do teu corpo.

293

Chegamos à casa da aldeia.
Sob a cama, o criquilar de um grilo
saúda os amantes.

294

Mostrar-me-ás os caminhos do Tao,
yin e yang tatuados no teu ombro.
Depois, enlaçados, avançaremos para a noite.

295

Que sede!
O meu balde de prata
desce célere para o teu poço de jade.

296

As minhas mãos nos teus seios,
montículos de seda cor de rosa,
tépidos flocos de neve.

297

Perfeitíssimos
os teus seios.
E duas framboesas.

298

A seda dos teus seios
no molde dos meus dedos.
Hoje não vou lavar as mãos.

299

Entro no teu jardim.
Aberta para mim,
uma flor de marfim.

300

A tua roupa
esconde música celestial.
Dispo-te.

333

No duplo jade do teu corpo,
teus seios de fruta e avelã.
Meus lábios em viagem.

334

Para eu viajar em ti
entreabres a flor
adormecida no teu ventre.

335

Acaricio
o teu monte de jade,
fresco como musgo verdejante.

301

Beijos, carícias rendadas
dos meus lábios,
música sumptuosa no teu corpo.

302

Nua. Com os lábios teço,
na perfeição do teu corpo,
um vestido de ternura.

303

Partir-te ao meio,
embrulhando cada metade em mim.
Comer-te.

304

É sexo, é amor,
é poesia.
Todo o teu corpo é magia.

307

Que perfeição!
Limpa e pura, 
a água do teu banho.

308

Crisântemos na água do teu banho.
A tua nudez limpa
e perfumada.

310

Uma flor na névoa.
O teu pequeno pavilhão de cereja
abre-se para mim, como um livro.

311

Sou um hífen à solta
pousado
no mel do teu ventre.

312

Adormeces
no canto
silencioso dos meus braços.

325

Vasco Graça Moura fala
de “perfumes da penumbra da mulher.”
Quem sou eu para desejar
fragrâncias de um corpo jovem
para o grito dos dias 
e os silêncios da lua?

355

Meu desatino,
empilhar na volúpia da memória
os meus amores de outrora.

356

Sempre a mulher inexistente.
Beijo o vazio,
até sangrar a polpa dos meus lábios.





Poemas do meu novo livro Haikus do Japão e do Mundo, Lisboa, Gradiva Ed., 2016 [, coleção Cantares de Amigo, preço de capa , c. 15 €], saído da tipografia há três dias.

Com um abraço do António Graça de Abreu.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15888: (Ex)citações (305): A nossa Força Aérea viveu alguns dias de grande confusão com o aparecimento dos mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 21 de Março de 2016:

Amigo Carlos
Faço votos para que te encontres de boa saúde junto dos teus, pois se há coisas boas na vida a saúde é a principal.
A propósito do comentário feito pela camarada Manuel Joaquim ao último poste(*) que enviei, em que me pedia para esclarecer melhor o que se tinha passado para que os nossos feridos naquela tarde estivessem em Cobumba à espera do heli para serem evacuados e ele não apareceu, entendi que talvez fosse melhor enviar mais um poste sobre o assunto para esclarecer melhor o que se passou naquele dia.

Depois do almoço, alguns camaradas nossos que pertenciam a dois pelotões da nossa Companhia e a uma Secção de Armas Pesadas, que estavam instalados junto às primeiras tabancas logo a seguir ao rio Cumbijã, vinham a fazer o trajeto de Unimog 404 para o local onde “moravam” os outros dois grupos da Companhia, o Comando e quase toda a formação, que ficava junto a outras tabancas a poucas centenas de metros.

Já perto do arame que circundava o sítio para onde se deslocavam, junto a umas casas que a nossa Companhia estava a construir para a população, rebentou uma mina anticarro, de que resultaram quatro feridos a precisar de ser evacuados.

O estado em que ficou a viatura que acionou a mina

Feito o pedido de evacuação, como era normal, fomos informados que a mesma ia ter lugar, os feridos foram levados e colocados em macas no local onde os helicópteros costumavam aterrar, isto por volta das duas da tarde. O tempo foi passando e o barulho do heli, que todos esperávamos, não se fez ouvir. Já quase noite, recebemos ordens para levar os feridos para Cufar pelo rio Cumbijã, o que viria a acontecer, viagem que para além do nosso pessoal em três sintex que tínhamos na Companhia, contou com o reforço dos fuzileiros que estavam no Chugué, não muito longe de Cobumba.

Já noite chegou a Cufar um Noratlas para fazer a evacuação. Dos feridos, alguns voltaram à Companhia, mas pelo menos um ficou tão maltratado que não mais voltou, não sei o que o futuro lhe terá reservado… Chamávamos-lhe periquito porque tinha uns meses a menos que nós na Companhia, mas poucos, camarada sempre bem disposto gostava de dizer que era o Trinitá Cowboy Insolente.

Perguntava o Manuel Joaquim qual a razão para que aquilo tenha acontecido, tal situação ficou a dever-se aos dias de grande confusão que a nossa Força Aérea estava a viver, com o aparecimento dos mísseis Strela que até então eram desconhecidos, pelo menos para muitos de nós que em tal nunca tínhamos ouvido falar.

Foram muitos os dias difíceis que vivemos em Cobumba, mas aquele foi o que mais impacto negativo teve. Para além dos feridos e da sua não evacuação, do ponto de vista psicológico foi arrasador, o que nos levava a perguntar, mas onde é que nós chegamos se já não podemos contar com uma evacuação se tal for necessário? …

Durante algum tempo não tivemos abastecimento de frescos por helicóptero como algumas vezes acontecia. Nesse período houve um dia em que uma das refeições foi arroz com marmelada…
Passado aquele tempo de maior confusão, as evacuações voltaram a ser feitas dentro do tempo normal.
Tivemos mais uma situação em que três camaradas nossos foram evacuados, dos quais dois viriam a falecer mas não foi por falta de apoio aéreo.

A guerra na Guiné, com o passar dos anos, sobretudo com a introdução dos Strela, sofreu uma alteração radical, o que leva alguns camaradas que por lá passaram antes de tal acontecer a ter alguma dificuldade em entender como tudo mudou desde o seu tempo. Mas é certo que mudou e muito!

Para além dos terríveis mísseis, quase todo o armamento do IN era melhor que o nosso, possuíam um canhão sem recúo que quando se ouvia a saída, o rebentamento já estava a acontecer. Nós tínhamos dois na Companhia que depois de lançarem algumas granadas ficavam a necessitar de reparação, eles tinham o RPG, nós tínhamos a Bazuca arma completamente ultrapassada, apenas dois exemplos.

Um dos motivos para que as coisas se tornassem tão complicadas naquele sítio, como noutros, foi porque enquanto alguns locais foram abandonados pelas nossas tropas, outros muito difíceis vieram a ser ocupados, aquele calhou-nos a nós. Era um local onde os homens novos durante dias não se viam e, quando estavam, com o aproximar da noite abalavam…

As pessoas mais velhas estavam sempre por ali, algumas delas tinham estado ao serviço do PAIGC como carregadores de material de guerra, recordo-me do Miranda que dizia ter ir de vez em quando ao Xitole levar material.

Havia várias crianças, o filho do chefe da tabanca andava na escola do PAIGC em Pericuto, povoação próxima de nós, não sei qual seria a frequência de alunos.

Os mais velhos, que moravam na tabanca, passavam muitos dos dias próximo de um abrigo existente debaixo de um mangueiro, situação que nos servia de aviso para o que estaria para acontecer. Se algumas vezes nada de anormal ocorria, outras era a confirmação, embora sem escolher horário…

António Eduardo Ferreira.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 16 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15866: Blogoterapia (276): Porque continuamos a falar da guerra que vivemos na então província da Guiné? (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)

Último poste da série de 29 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15810: (Ex)citações (304): Duas Actas e a mesma evidência: Não foram os soldados a falhar na Guerra da Guiné!... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)

Guiné 63/74 - P15887: Inquérito 'on line' (48): Bebedeira colectiva durante um assalto ao bar do Zé D'Amura (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546); O pifo monumental do "Jeová" no Domingo de Ramos de 1969 (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381)

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 11 de Março de 2016:

Prezado Luís Graça:
Naquele tempo também eu me habituei a gostar de Whisky, misturado com a água Perrier.
A bebedeira era, em certos casos, um problema complicado, quer entre os soldados, quer entre os graduados.
Envio a descrição sumária de uma bebedeira, a que chamo quase colectiva, que teve lugar em Bissau, na breve passagem da Companhia pela cidade, por alturas do NATAL DE 1967.

Um abraço amigo para todos
Domingos Gonçalves


Bissau, 20/12/1967

À noite, o pessoal quase todo, fez um assalto ao bar do Zé D'Amura. A intenção era esgotar-lhe todas as bebidas finas que ele tivesse no estabelecimento.
Os empregados foram trazendo para as mesas marisco, passarinhos fritos, cerveja fresca ....
E tudo foi acabando...

Depois, foi a vez do whisky, do gin, dos brandys ...

Experimentou-se de tudo quanto o estabelecimento possuía, para vender. No fim, compraram-se as últimas garrafas, ou o que delas restava, para beber no quartel, em ambiente esfuziante, todos aqueles líquidos que transportam as pessoas para outros mundos. Para um estado de espírito onde tudo quanto é mau se esquece.
Onde a vida parece que fica pintada cor de rosa.

É a paixão da bebedeira. Talvez a tentativa de esquecer a realidade que circunda a vida de cada um de nós.
Mas é só uma libertação momentânea, e passageira. A realidade nunca tarda a aparecer de novo.

E uns de cada vez iniciámos o regresso ao aquartelamento, que ficava a poucas dezenas de metros.
Os mais embriagados, sem que os empregados a tal se opusessem, talvez por receio, foram levando as cadeiras em que estavam sentados, e a que se agarravam para não cair.
Mas, uma após outra, foram-nas abandonando, ao longo da rua, pois, apesar de serem leves, já não podiam com elas.

E ainda há quem afirme que as bebidas alcoólicas dão força!

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2. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) com data de 11 de Março de 2016:

Luís e Carlos.
Junto uma estória verdadeira que como vosso desafio veio ao de cima no sótão da minha memória.

Abraços.
Zé Teixeira


Vinho do Porto em Domingo de Ramos

Numa bela tarde de Domingo, no domingo de Ramos de 1969, estava em Buba a saborear uns bons copos (não havia cálices) de vinho do Porto, na companhia de dois conterrâneos. O saboroso néctar tinha sido levado por um deles no regresso de férias à Guiné.

Passou por nós o “jeová”, um soldado da minha Companhia que, alegando que a sua religião não o permitia, se recusava a usar a G3. Era um tipo muito esquisito este “jeová”. Muito fechado em si. Não bebia qualquer tipo de bebidas alcoólicas, quase não comunicava com os colegas e não reagia às provocações mais ou menos atrevidas e “ofensivas” de alguns camaradas, por ser um dos elos mais fraco da Companhia.
Era contido na comida e ninguém lhe conhecia amizades junto da população.
Ofereci-lhe um copo e ele desdenhosamente respondeu:
- Na minha terra lavamos os pés com essa “surrapa” - e foi-se embora.

Pareceu ao grupo que o “jeová” merecia uma lição e fui encarregado de o trazer até ao cantinho onde costumávamos acoitar, dentro da arrecadação para saborear uns petiscos cozinhados por um de nós – o Mário.
Ao fim da noite apareci com ele e logo lhe foi oferecido um copo de vinho do Porto que ele acabou por aceitar e gostou. Pediu outro e outro... e outro e nós a vermos a garrafa a ficar vazia.
Levantou-se de repente e foi embora a cambalear, notando à distância que não ia sozinho.

No outro dia de manhã, o cozinheiro foi procurar-me à enfermaria. O “jeová” estava a dormir num banco da cozinha, onde era auxiliar, e dormia tão profundamente que ninguém o conseguia acordar. Apenas eu e os meus dois amigos de outra Companhia, sabíamos o que lhe tinha acontecido.
Fiquei preocupado ao verificar que e o "jeová” estava no sono de Baco, ou seja, em coma alcoólico e ali ficou “dormindo” o dia inteiro, a noite seguinte e só “acordou” já o sol ia alto no terceiro dia.

Ninguém ousou pensar que estava sobre o efeito de álcool, pois sempre tinha sido abstémio. Confesso que estava a entrar em pânico e já estava a pensar em tentar dar-lhe um reconstituinte alimentar à colher, quando ele felizmente “acordou” pediu um copo de água e adormeceu, agora um sono verdadeiro que durou pouco tempo.
Quando acordou, levantou-se e foi à vida dele.

Calou-se para sempre sobre os copos de vinho do Porto que bebeu e continuou abstémio, que eu saiba, até ao fim da comissão. E o segredo ficou entre nós...
Não sei se chegou aos ouvidos de algum superior, mas se chegou, ninguém se preocupou.

Zé Teixeira
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Nota do editor:

Último poste da série de 17 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15869: Inquérito 'on line' (47): Apanhei um "pifo de caixão à cova", uma, duas, três ou mais vezes... confessam 65 em 100! (Resultados finais)

Guiné 63/74 - P15886: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte II


Foto nº 1 > Bissau > c. 1969/70 > A sede do BNU - Banco Nacional Ultramarino... a minha entidade patronal para a qual trabalhei, como bancário, toda a vida...


Foto nº 2 > Zona leste > Região de Gabu > Piche > c. 1969/70 > Vista áerea do quartel de Piche... São visíveis, para além das instalações, o espaldão do obus e o perímetro de valas que circundavam o aquartelamento.


Foto nº 3 > Zona leste > Região de Gabu > Piche (?) > c. 1969/70 > Corte de cabelo , do soldado que, para mim, era um mistério: pessoa muito recatada, os outros obedeciam-lhe, sem qualquer dúvida; muito calmo, dialogante, julgo agora que ele era um líder religioso.


Foto nº 4 > Zona leste > Região de Gabu > Piche (?) > c. 1969/70 > Artesão fula.


Foto nº 5 > Zona leste > Região de Gabu > Piche  > c. 1969/70  > Bajudas no pilão a tratar da mandioca

Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados.


1. Continuação da publicação de fotos do Abílio Duarte [, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego, Paunca, 1969/1970] ("fui buscá-las a um álbum, que a minha saudosa mãe criou com fotos que eu lhe enviava").

Guiné 63/74 - P15885: Parabéns a você (1051): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15867: Parabéns a você (1049): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS do BART 2917 (Guiné, 1970/72)

segunda-feira, 21 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15884: Manuscrito(s) (Luís Graça) (79): No Dia Mundial da Poesia, 21 de março: "Pedimos desculpa, mas hoje não há notícias"...




“Pedimos desculpa, mas hoje 

não há notícias”




por Luís Graça





Um dia gostarias de poder acordar sem notícias,
pois aí tens.
Sem notícias,
sem televisão.
sem jornais,
sem internet,
sem emails,
sem o facebook,
sem o twitter,
sem o blogue,

sem o teu blogue,
sem o ruído das ondas hertzianas,
sem radiações não-ionisantes,
sem mensagens,

sem mensageiros.




Nem sequer as duas últimas palavras
do locutor de serviço, 
a pedir desculpa 
por não haver notícias, 
e a pensar que, muito provavelmente, 
irá a seguir para o desemprego.


Um dia gostarias de poder acordar
com a notícia do fim da notícia,
ou nem sequer isso,
com a notícia do fim do circo mediático,
ou nem sequer isso.


Um dia gostarias de poder acordar
sem o teu robô, 
sem o teu andróide,
a despertar-te,
e, logo de manhãzinha,
a comandar o ritmo
e o sentido da tua vida.


Um dia gostarias de poder acordar
só com o buraco negro do ecrã,
à tua frente.


Um dia gostarias de poder acordar
no mais absoluto silêncio,
não ouvir sequer o ruído
do vaivém das ondas do mar,
ou nem sequer isso.
Só com o buraco negro do universo
em frente à tua janela. 



Um dia não gostarias sequer 
de poder acordar.

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15876: Manuscrito(s) (Luís Graça) (78): Os homens medem-se pelas palavras...

Guiné 63/74 - P15883: Convívios (732): Almoço do pessoal da CCAÇ 2317, dia 4 de Junho de 2016, em Espinho (Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo Atirador de Infantaria)



ALMOÇO/CONVÍVIO DA CCAÇ 2317

4 DE JUNHO DE 2016

ESPINHO

AMIGO E COMPANHEIRO:

Há cerca de 200 anos a zona de Espinho começou a ser utilizada para a pesca, ainda que de forma sazonal. Esses primeiros ocupantes não construíram habitações, permanecendo na costa apenas durante a campanha, para regressar à terra de origem no inverno, quando a violência do mar impossibilitava a pesca em segurança.

A fixação da população começou a fazer-se por volta do ano de 1776, quando surgiram as primeiras habitações (os palheiros), feitas em madeira com os telhados revestidos com terra. A transição da madeira para a pedra ocorreu lenta e gradualmente.

Mais tarde, muitas destas habitações seriam adquiridas e transformadas, por famílias de posses, dando origem à colónia balnear de Espinho. Em menos de meio século, Espinho tornou-se numa das zonas de eleição do Norte de Portugal.

Palheiros de Espinho
Com a devida vénia a d'EspinhoViva

O almoço deste ano, para mudar de ares, será realizado nesta bela cidade. A intenção é que desfrutem de um belo sábado, com uma bonita viagem de comboio para contemplarem assim a paisagem da orla costeira portuguesa. Outro dos motivos é a facilidade de acesso a esta cidade a que se soma o preço económico do bilhete de comboio.

O restaurante chama-se Espaço Z e a morada é: Rua 17, n.º 1237 – Espinho.


Contactos:
Joaquim Gomes Soares
Tel.: 225 361 952 / 936 831 517
Email: joaquim.gomes.soares@hotmail.com

Como todos os anos espero poder contar com a tua presença novamente.
Este ano, o encontro é no dia 4 de junho, calha a um sábado e a partir das 12 horas estamos à tua espera.
Agradeço que me confirmes a tua presença logo que possível.

Um abraço,
Joaquim Soares
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15865: Convívios (731): XXXIII Encontro Nacional dos ex-Oficiais, Sargentos e Praças do BENG 447 - Guiné, dia 16 de Abril de 2016, em Fátima (Lima Ferreira)

Guiné 63/74 - P15882: Objectos de artesanato guineense, e não só, que trazíamos para oferecer à família e aos amigos (Manuel Coelho, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589)

1. Mensagem do nosso camarada  Manuel Caldeira Coelho (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), com data de 2 de Março de 2016:

Caros editores,
Vi anteriormente publicadas fotos de objectos de artesanato da Guiné, e vai disto desencantei alguns que comprei na proximidade do regresso, com um restinho de "pesos" que tinha no bolso.
Faltam aqui as coisas que já não existem, como por exemplo várias garrafas de bom wisky e de Drambuie, e também bugigangas obtidas no Niassa durante a viagem.
De notar que no porão vinha um grande caixote de madeira, e por obra de magia, quando cheguei a Lisboa, já me faltavam várias coisas entre as quais um serviço de chá.
Vendo bem, quase nada disto teve grande utilidade, valeu a "pequena vaidade" ao mostrar tudo isto à família e amigos e o saborear os "néctares" que aqui no continente estavam fora do alcance dos nossos bolsos!

Abraço
Manuel Coelho






Guiné 63/74 - P15881: Notas de leitura (820): "Descrição da Serra Leoa e dos rios de Guiné do Cabo Verde (1625)", André Donelha e o melhor da nossa literatura de viagens (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
O conhecimento da Guiné (num espaço que podemos tratar como a Grande Senegâmbia) muito deve a viajantes e navegadores e missionários que por ali transitaram.
A obra mais prodigiosa é indiscutivelmente o Tratado de André Álvares de Almada, mas não podemos prescindir ou desgraduar relatos da maior importância como os de Valentim Fernandes, padre Fernão Guerreiro, Duarte Pacheco Pereira, padre Manuel Álvares, Cadamosto, e tantos outros.
Este documento de André Donelha vem numa edição soberba com notas e apêndices de Teixeira da Mota e de P. E. H. Hair e a tradução francesa foi feita por Léon Bourdon.
Trata-se de uma edição de luxo, um acervo de notas de uma importância excecional, com ilustrações e muito bons apêndices.
Quem gosta de literatura de viagens tem aqui um tesouro.

Um abraço do
Mário


Descrição da Serra Leoa e dos rios de Guiné do Cabo Verde (1625): 
André Donelha e o melhor da nossa literatura de viagens

Beja Santos

Avelino Teixeira da Mota, nome cimeiro da historiografia guineense, dirigia o Centro de Estudos de Cartografia Antiga que publicou em 1977 este importante empreendimento cultural: revelar o documento de André Gonelha, peça obrigatória da nossa literatura de viagens entre os séculos XV e XVII. Teixeira da Mota escreve uma introdução primorosa, relata as viagens que Donelha fez a estas diferentes paragens, sobretudo à Serra Leoa. Donelha viajou na Guiné entre 1574 e 1585, aproximadamente pela mesma época que André Álvares de Almada, autor da obra fundamental Tratado Breve dos Rios da Guiné, em 1594.

Debruçando-se sobre as caraterísticas desta “Descrição”, refere Teixeira da Mota os comentários de autores como Jaime Cortesão, Hernâni Cidade e Joaquim Barradas de Carvalho, enfatizando a abundância, riqueza e profundidade destas obras, e cita autores como Valentim Fernandes, Duarte Pacheco Pereira, Padre Francisco Álvares, Padre Fernão Guerreiro entre outros. A exposição de Donelha privilegia, como se disse, a Serra Leoa. Teixeira da Mota comenta: “Que Donelha comece a sua obra pela Serra Leoa é sintomático da importância que ela assume aos seus olhos". Refere a benignidade do clima, insiste na fertilidade da terra, na abundância e variedade dos seus produtos vegetais. Tal como André Álvares de Almada, advoga o povoamento da Serra Leoa pelos portugueses, entendendo que esta poderia vir a tornar-se a terra mais abastada e de maior trato de toda a Etiópia. No que toca à Guiné, aqui entendida como a Senegâmbia Meridional, dá-nos imensas informações sobre o Gâmbia e o Senegal, descreve a fauna e a flora, as madeiras e os frutos, bichos e formigas, e momentos há em que sentimos no seu estilo descritivo uma capacidade de análise comparável a André Álvares de Almada: “O Cabo da Verga entra muito ao mar, é de pequena altura. A par dele estão os Bagas, os quais andam mal vestidos. A terra é baixa e alagadiça. Nela se faz sal cozido ao fogo. O resgate principal são tintas, de que carregam os navios e trazem a São Domingos; também se resgata escravos, arroz, cera, marfim, colas e algum ouro que vem dos Sossos. As armas que usam são a adargas e azagaias. São cobardes, traiçoeiros. Não comem carne humana, mas bebem o vinho no casco da cabeça humana, e as cortam e levam e fazem taças. E se a cabeça é de homem branco ou de preto cristão ou de algum senhor de terras ou de pessoas nobres que matam por suas mãos, as tais taças são mui estimadas, e por festas as mostram”. Estes Bagas viviam perto do rio Nuno, por tanto fora da Guiné atual.

E bem interessante é o que ele escreve sobre o grande império de Mandimansa: “A origem dos Manes, dizem os antigos por tradição de seus avós e o que deles ouviram, é que uma senhora mui principal, agravada do grande imperador da Etiópia Mandimansa, saiu de uma cidade com o exército de seus parentes e vassalos, tão grande e copioso que bastou a conquistar muitas e diversas terras e diversas nações. Esta senhora dizem que se chamava Macarico. E porque a multidão era grande depois que chegou ao mar, que vinha buscar o fim da terra dividiu o exército em três partes. Tinham no marchar ordem com vanguarda e retaguarda, e a força do exército no meio, por cuja causa caminhavam devagar. Com esta ordem chegaram à Mina de S. Jorge e tiveram com os nossos do castelo recontros e escaramuças”. E explica mais adiante que os capitães desta senhora depois de falecida se meteram pelas terras de Serra Leoa, alguns reis e senhores fugiram destas crueldades, meteram-se em navios de portugueses e vieram para o rio de São Domingos, fizeram as suas aldeias ao lado dos tangomaos. Chama-se tangomaos aos portugueses lançados na Guiné.

Deve-se a André Donelha uma boa descrição sobre Farim Cabo, território dos Mandingas. E começa a descida do rio Sanaga (Senegal), aqui se fazia comércio com a ilha de Santiago, comércio que se estendia até à Serra Leoa. E diz o seguinte: “O rio de Sanaga é dos três maiores rios que há na nossa Guiné. É muito largo, alto, todo de água doce; pode-se navegar por ele naus grossas mais de 100 léguas, segundo me disseram pessoas que a esse rio foram”. Estamos pois no rio de grande resgate de ouro, cera, marfim e couros. Escreve igualmente o reino dos Jalofos, estamos claramente entre o rio Gâmbia e a região do Casamansa. Segue-se um dado capital na viagem que fez a São Domingos onde há um rei que se intitula Farim, e o rio de São Domingos (Cacheu?) é apresentado como muito largo, espaçoso e fundo, e comenta da seguinte maneira: “Dizem ser muito fresco e aprazível, e há grande resgate de tudo, pelo que agora em Guiné chamam a esse rio o novo Perú, como tenho ouvido algumas pessoas. Por aqui terá andado um rei Fulo que se chamava Dulo Demba e que se envolveu em escaramuças com os reinos Mandingas da região do rio Senegal. Este rei foi destruindo tudo e avançou até ao reino dos Beafares, em Guinala, que Donelha diz ser o nosso melhor porto antigo do rio Grande e melhor para o tráfico de escravos".

A partir desta descrição Donelha regista o comércio do rio Gâmbia, não esquecendo São Domingos, descreve o reino do Casamansa, temos depois uma detalhada apreciação do reino de Guinala, com o seu porto, e volta a sublinhar que aqui há a melhor escravaria de toda a Guiné, além de se resgatar ouro, cera, marfim e às vezes âmbar. Presença constante no detalhe desta viagem são os tangomaos que como se sabe eram luso-africanos. A edição é aprimorada com um acervo de notas de grande importância e tem em apêndice um documento deveras espantoso intitulado António Velho Tinoco e a sua viagem à Guiné em 1574. Em investigação posterior, Teixeira da Mota analisa este importante relato, Velho Tinoco pretendia pedir a capitania da Serra Leoa, a qual viria a ser concedida, nos começos do século XVII, a Pedro Álvares Pereira. Vale a pena mais tarde voltarmos a velho Tinoco. Quem apreciar literatura de viagens não ficará desiludido com a primorosa Descrição de André Donelha.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15874: Notas de leitura (817): "Seis Irmãos Em África", narrativa cativante à volta de seis irmãos nascidos entre 1936 e 1951 que foram à guerra em Angola, Moçambique e Guiné (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15880: (De)caras (37): Os bravos da Magnífica Tabanca da Linha: relatório de mais uma operação, a 24.ª (Texto de José Manuel Matos Dinis / fotos de Miguel Pessoa)


Foto nº 1 > O "fiel amigo" (que veio do frio, da Noruega) desta vez foi rei


Foto nº 2 > O João Martins e outro camarada (não identificado), fazendo horas, à porta do restaurante (em Oitavos, estrada do Guincho, Cascais)


Foto nº 3 > Mário Fitas, de Vila Fernando, Elvas, onde mais conhecido por Calças de Palanco ou Vagabundo, e a  sua Lena...


Foto nº 4 > O sempre fiel e leal tabanqueiro Colaço, bravo do Cachil... Em segundo plano, o comandante Rosales (de costas), o Manuel Lema Santos e o Mário Fitas


Foto nº 5 > O "strelado" A. Martins de Matos,  então (em 1972/74) tenente pilav que enfrentou e fintou os Strela do Manecas...



Foto nº 6 >  O JD, ao centro...


Foto nº 7 > O fotógrafo Manuel Resende, desta vez apanhado...


Foto nº 8 > O comandante Rosales, à esquerda, a contar ao Manuel Joaquim, ao Jorge Pinto e ao Luís Moreira, como é que foi e veio, vivinho da costa, à Guiné, "in ilo tempore"... Sim, porque ele é quase do tempo do capitão diabo, o Teixeira Pinto...

Fotos: © Miguel Pessoa  (2016). Todos os direitos reservados.


De: Jose Manuel Matos Dinis

Data: 17 de março de 2016 às 21:16

Assunto: 24.º Encontro da Magnífica Tabanca da Linha

Camaradas,

O que vai seguir-se é uma tentativa de relato sobre o magnífico acontecimento que hoje teve lugar em Oitavos. Em Oitavos, lembram-se?

Pois bem, depois de uma experiência num hotel da região, com excelente serviço e boas instalações, mas, ainda assim, sujeito ao crivo apertado dos exigentes apreciadores da Magnífica, que hoje manifestaram congratular-se com o regresso ao excelente cenário do Guincho, local de onde já não se avistam as caravelas em demanda dos mares do sul, ou do Novo Mundo, mas vêem-se outras embarcações, algumas de panos coloridos que conferem vistas de riqueza caleidoscópica que não cansam ao escrevente de se extasiar com a paisagem, registou-se novo e entusiástico encontro de confraternização.

Foram apenas 44 os que se apresentaram para colmatar as necessidades estomacais, mas chegaram com boas cores, desembaraçados, e de imediato lançaram-se aos "entretantos". Este vosso criado foi chamado à presença do repórter Resende, que sem querer perturbar os cumprimentos ao Exmo. Senhor Comandante Rosales, embevecido com a presença de simpáticas gentes, delegou em mim a difícil resolução pela constatação de se registarem mais mastigantes do que o previsto.

Felizmente que o chefe desencantou mais postas do fiel amigo, e propôs-se prepará-las enquanto se desenrolava o serviço. Por isso, eu e o referido repórter atrasámos as nossas refeições, já que poderiam imputar-nos graves responsabilidades pela infeliz circunstância.

E a propósito do fiel amigo e do repórter, lanço já o desafio ao nosso chefe de produção e especialista informático, para publicar no "FB" um retrato de uma magnífica posta, bem temperada e a banhos de azeite quente, acolitada com batatinhas assadas e bróculos cosidos. É um regalo para a vista, e foi muito reconfortante para o estômago dos combatentes, ainda mal conciliados com a recordação de doses excessivas e continuadas de bianda com estilhaços.

Antes da confrontação, pedi licença às senhoras e às autoridades presentes, para ler uma mensagem do Senhor Comandante-Mor, o Luís Graça, que engendrou uma desculpa profissional a justificar a ausência, e desejou a melhor temperatura ambiente, e anexou uns versos de efeito muito agradável junto dos alinhados desta Tabanca (*)

Também tive que transmitir a mensagem do camarada Armando Pires, que vem a experimentar alguma dificuldade respiratória e, naturalmente, procura identificar o mal para tomar as medidas adequadas. Ambos mereceram salvas de palmas, que registo com agrado.

No final da refeição havia duas espécies de doçarias, pudim afrancesado, e de bom palato, e tarte cheese-cake também ela muito bem confeccionada e saborosa. Porém, fiquei agradavelmente surpreendido com os cuidados alimentares dos camaradas e familiares, pois quando me desloquei ao balcão para tomar o café, reparei que ainda se mostravam partes relevantes daquelas doçarias, que já não são susceptíveis de emboscar e fazer cair em tentações açucareiras alguns mais preocupados com a preservação das respectivas saúdes.

Saúdo-os por isso, tanto mais que já há muito diagnosticado de diabetes e a tomar eficazes medidas vai para quinze anos, parece que atingi um estado de imunidade em relação aos males dali derivados, pelo que ainda tive oportunidade de repetir na dosagem, mas por vergonha não refiro o número de vezes que lá voltei. Obviamente, quem está no bom caminho são os meus queridos tertulianos, mas em futuras organizações vou insistir pelo reforço das sobremesas, para as entremear com uns clandestinos destilados sempre bem vindos.

Lá fora, o céu azul e a temperatura amena constituíam forte apelo à tomada de ar e à invasão daquele espaço natural, embora limitados pelos meios físicos que nos privaram de asas e da realização de sonhos sobrenaturais. E foi o que aconteceu. Pouco a pouco, cada um arguia razões para sair, para rumar aos seus destinos, certamente com os espíritos vitalizados por reencontros, conversas alegres, e a curva barrigal reforçada por acentuada exibição de conforto. (**)

JD
____________

Notas do editor:

(*) Versinhos lidos pelo JD

Se com a G3 foram bravos,
à mesa ‘inda o são mais,
há festa rija em Oitavos,
lá no Guincho, em Cascais.

Com o Rosales, comandante,
e o Dinis, para o blá-blá,
são uma tabanca pujante,
são os da Linha, ora aqui está!

Até de longe, já se inscrevem,
p’ra alinhar nesta operação:
comem bem e melhor bebem,
com a Guiné no coração.

domingo, 20 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15879: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (15): N'fendi cadera goss!

1. Em mensagem do dia 7 de Março de 2016, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense da CSJD/QG/CTIG, 1973/74) enviou-nos uma lição de crioulo da Guiné-Bissau:


N'fendi cadera goss!

O crioulo da Guiné-Bissau

O crioulo é uma língua natural, isto é; uma linguagem que foi desenvolvida naturalmente pelo ser humano, de forma espontânea e serve de meio de comunicação entre os falantes de idiomas diferentes.
Estas linguagens: “Possuem normalmente gramáticas rudimentares e um vocabulário restrito, servindo como línguas de contacto auxiliares. São improvisadas e não são aprendidas de forma nativa.”

Consta que o crioulo da Guiné-Bissau (kriol) terá surgido como uma mistura de vários dialectos das mais variadas etnias, de modo a dificultar a compreensão dos portugueses, na época do colonialismo. Trata-se de uma língua falada, e não escrita, pois há poucos livros escritos em crioulo, e também não é a língua oficial do país, não sendo portanto, ensinada nas escolas.
Durante a guerra colonial na Guiné-Bissau (1963-1974), com a chegada massiva de tropas oriundas das várias regiões de Portugal, o crioulo da Guiné acabou por absorver muitos vocábulos portugueses.
Por outro lado, os militares portugueses, “na caserna”, acabaram por “inventar” algumas expressões, misturando crioulo com regionalismos e algum calão, originando uma linguagem digna de inclusão num qualquer compêndio linguístico.
Mas como, efectivamente, não existia qualquer dicionário, nem documento escrito que informasse qual o real significado de alguns termos em crioulo, estes eram por vezes usados de maneira diferente pelos militares, conforme a época e a região em que permaneceram na Guiné.

Por exemplo:
“- Djubi lá!” (para alguns “Djubi” significava “Jovem” e, para outros, significaria “Olha”; “lá” significava “ali” para todos).
Assim, para uns, “djubi lá!” queria dizer: “Jovem, olha ali!”; para outros queria dizer: “Olha ali!”
De qualquer maneira este pequeno exemplo serve para demonstrar a imaginação de caserna, pois era frequente ouvir-se os militares a usarem um novo verbo; “jubilar” (de “djubi lá”), como por exemplo:
“- Eh pá, estás a ‘jubilar’ a bunda da bajuda?!”
Que se podia traduzir por :
“- Eh pá, estás a olhar para o ‘traseiro’ da moça?!”

Conforme referi numa mensagem anterior, havia na sala onde eu prestava serviço na CSJD/QG/CTIG quatro escriturários, dois brancos e dois negros. Um dos escriturários brancos era também ajudante na Igreja Católica de Bissau (sacristão?) e falava crioulo muito bem. Deu-me algumas “aulas” e eu, na altura, “desenrascava-me” razoavelmente a falar crioulo.
Conhecia muitas frases e, embora seja minha intenção deixar aqui alguma informação sobre o assunto, não asseguro que a ortografia seja a correcta, já que o meu crioulo foi aprendido de ouvido, aliás como quase toda a gente por não existirem livros sobre o assunto.

O título deste capítulo “N’fendi cadera goss!”, era uma frase frequentemente usada pelos negros quando se “pegavam” uns com os outros e estavam prestes a chegar a vias de facto. Significava:
- n’ (eu)
- fendi (parto)
- cadera (cadeira, bunda)
- goss (rápido, depressa)

Isto é:
“- Eu parto bunda rápido!” o que, traduzido para um português mais vernáculo, queria dizer:
“- Eu parto-te já o ‘focinho’!”

Uma vez que já se passaram mais de quarenta anos e muitos dos termos já se me “varreram” completamente da memória, fiz umas pesquisas na net, onde encontrei a informação abaixo, à qual acrescentei algumas frases que aprendi de ouvido.

“Em português temos: eu, tu, ele, nós, vós, eles. Em crioulo: n', bu, i, no, bo, e. Estes são os chamados pronomes «fortes». Algumas vezes é possível usar os «fracos»; Ami, abo, elis. (eu, tu , eles).

Kuma ke bu sta? (como é que tu estás?)
Kuma bai kurpu di bo? (Como vai o seu corpo? = Como vai sua saúde?)
No na bai nus nima (nós vamos ao cinema)
Sta dretu (está certo, está bem), (o «está» virou «sta» e o «direito» virou «dretu»)
Pa bia di kê? (porquê?), (talvez uma derivação de “por via de quê”)
Alin'li (aqui estou, no sentido de «tou na boa»)


Como curiosidade, aqui vos deixo um "Pai Nosso” em crioulo da Guiné-Bissau:

“No pape ku sta na seu, (Pai Nosso, que estais no Céu)
pa bu nomi santifikadu, (Santificado seja o Vosso Nome)
pa bu renu bin, (Venha a nós o Vosso Reino)
pa bu vontadi fasidu (Seja feita a Vossa Vontade), (talvez traduzido à letra: 'para vós vontade fazida')
na tera suma na seu. (Assim na Terra como no Céu)
Partinu aos no pon di kada dia, (O Pão-Nosso de cada dia nos dai hoje)
purdanu no pekadus (Perdoai-nos as nossas ofensas)
suma ke no purda kilis ki iaranu, (Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido)
ka bu disanu kai na tentason (E não nos deixeis cair em tentação)
ma libranu di mal. (Mas livrai-nos do mal.)
Amen. (Amém)"


Alguns sinónimos:

ka = não;
ka bai = não vou;
ka tem = não tenho;
ka sabe = sabe mal, não presta;
ka sibe = não sei;
ka miste = não quero;
parte (de reparte?) = dá;
catota = vagina;
peso = escudo, dinheiro;
parte peso = dá escudo, dinheiro;
parte catota = anda fazer amor ;
parte punho = (adivinhem…);
Manga = muito;
Ronco = festa, bom, fixe, etc.

Se a duas ou três palavras em crioulo juntarmos uma ou outra palavra em português, ficamos a falar crioulo que nem um manjaco!

Por exemplo:
- Furriê, parte peso(1) (furriel dá um peso).
- Ka tem patacom (não tenho dinheiro).

Quando nos aparecia um preto que ainda não conhecíamos.
- Kal raça di bó?
- Fula.
- Manga de ronco!

Se fosse de uma outra etnia qualquer (são cerca de trinta) respondia-se de igual modo e eles ficavam felizes, claro, porque tinham orgulho na sua raça.

Nos anos de 1960-70 estava em moda uma canção de Gianni Morandi (cantor italiano) que tinha o título; “Não sou digno de ti”.

Na maioria das vezes as rádios locais transmitiam os seus programas totalmente em crioulo e, entre os militares, constava que a dada altura o locutor de serviço terá anunciado:

“- Pa tudu irmon de no tera e Mamadu Djaló cabita Catió, Giani Morandi na bai na canta pra bo, ‘Ka so dinho di bo’ ”.

Provavelmente tratar-se-ia apenas de uma ‘caricatura’, onde o uso de muitos «ós» dava à frase uma sonoridade engraçada.

“Pa tudu irmon de no tera” – Para todos os irmãos da nossa terra, para todos os guineenses.
“Mamadu Djaló” – nome muito frequente na Guiné-Bissau.
“cabita Catió” – que mora em Catió (pequena cidade da Guiné-Bissau).
“na bai na canta pra bo” – vai cantar para vocês.
“Ka so dinho di bo” – Não sou digno de ti.
____________

Fontes:
Wikipédia
http://marcoembissau.blogspot.pt

(1) – O peso foi a moeda da Guiné-Bissau entre 1975 e 1997, após o que foi substituído pelo Franco CFA (Colónias Francesas Africanas) aquando da sua entrada na União Monetária dos Estados da África Oriental - UEMOA (Union Économique et Monétaire Ouest Africaine).
Já antes da independência os guineenses chamavam “peso” ao escudo português da Guiné.

Abílio Magro
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15618: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (14): O Prisioneiro da Ilha das Galinhas

Guiné 63/74 - P15878: Atlanticando-me (Tony Borié) (11): Smplesmente, um ovo

Décimo primeiro episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Simplesmente, um ovo!

Já devia passar das oito horas da noite, era para lá do “Paralelo 48 Norte”, naquela altura do ano, continuava de dia, havia alguns chuviscos, descíamos a montanha, por uma estrada de terra, lama e pedra, depois de passar pelo topo, onde alguma neve desaparecia lentamente, em direcção a algum ribeiro onde, entre outros animais um urso procurava algo para comer. Já tínhamos passado a fronteira, para os Estados Unidos, depois de viajar por território do Canadá, a estrada já estava mais bem tratada, mas todo o cuidado era pouco.



Próximo do fim da montanha, onde o terreno começava a ser plano, surge-nos uma placa de sinalização com alguns nomes de localidades, entre os quais estavam as palavras, “Chicken 43 milhas”. A primeira coisa que proferimos para a nossa esposa e companheira, foi:
- Chicken!. Deve haver por lá galinhas e ovos!

Ovos que adoramos e que estivemos por um período de dois anos sem poder comer, pois não se fabricavam, nem havia qualquer hipótese de os obter em quantidade para fazer parte da dieta de qualquer militar combatente que estivesse estacionado no aquartelamento de Mansoa, na então nossa Guiné. Podemos estar a cometer um erro, mas cremos mesmo que naquela altura, não era só em Mansoa, devia-se passar o mesmo em qualquer aquartelamento do interior da província, ovos, era um luxo quase impossível de obter. Tão simples, um ovo, talvez os companheiros não se recordem, mas não era fácil encontrá-los.


Voltando à tal localidade chamada “Chicken”, cuja tradução pode ser mais ou menos Frango ou Galinha, depende da conversação, mas para nós é Galinha, situa-se no estado do Alaska, a sudeste da cidade de Fairbanks, é uma comunidade fundada pelos pesquisadores de ouro e, é uma das poucas áreas, ainda sobreviventes, da corrida do ouro no Alasca, onde ainda se pode ver pessoas nos ribeiros, atolados na lama, procurando o precioso metal. A população era de 7 pessoas, no Censo de 2010, no entanto, em diversas alturas do ano, existem mais ou menos 17 habitantes, que ainda se dedicam à pesquisa.

 “Chicken” faz parte da lista de nomes de lugares incomuns, mas galinha e ovos são um fenómeno que às vezes fazem com que brinquemos com as palavras, sem saber quem existiu primeiro, se a galinha ou o ovo, que quase todos nós adoramos, pelo menos ao pequeno almoço, e podem ser “mexidos”, onde aparece o amarelo quase misturado com o branco, “ensolarados”, onde o amarelo é levemente cozido e o branco não, “médios”, onde a parte branca está cozida, mas o amarelo está meio cru, onde todos gostamos de molhar o pão, ou o normal “estrelado” ou cozido, que com um pouco de sal, é excelente para se beber um bom “copo de tinto”.

Voltando à localidade “Chicken”, recebeu este nome porque os primeiros habitantes, pesquisadores de ouro, que por aqui se aventuraram por volta do fim do século dezoito, eram quase como que atacados por umas aves que dão pelo nome “ptarmigan”, muito parecidas com galinhas bravas, que fazia parte da sua dieta 7 dias por semana e, quando resolveram estabelecer-se nesta comunidade uma estação dos correios, o nome só podia ser um, que era ”Chicken”. Hoje, ainda é um posto avançado para um distrito de mineração de aproximadamente 40 milhas, que começou por ter alguma projecção a partir do início de 1900, onde ainda existem minas de ouro activas, cujo ouro é suficiente para que a sua exploração continue em actividade.

Então, já puxaram pela memória, qual dos companheiros “agarrou” um ovo, lá na então nossa Guiné, que podia ser comido, “mexido”, “estrelado” em fogo médio, até só “escaldado”, “alinhavado”, ou simplesmente “cozido”?

Só agora me lembro, os ovos também servem para demonstrar alguma manifestação de que não gostamos de qualquer personagem, não só pública, onde se podem atirar, sem fazer um mal físico, lá muito grande.

Tony Borie, Março de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15849: Atlanticando-me (Tony Borié) (10): Nós Combatentes e Elas Combatentes

Guiné 63/74 - P15877: Blogpoesia (441): "Tratar da horta...", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Com a devida vénia a BIOLOGIA 12º CFMT


1. Em mensagem de hoje, 20 de Março de 2016, primeiro dia de Primavera, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este poema dedicado ao tratamento da horta:


TRATAR DA HORTA...

De sacho na mão,
Cavo minha horta,
Cada manhã.

Revolvo a terra.
Exponho-a ao sol.
Lanço a semente.
Água fresquinha.
Imploro uma reza.
E fico à espera,
A ver o que dá.

Nunca tardou.
Na hora, aparece um rebento,
Cheio de esperança.
Põe-se a crescer,
Fugindo para o ar.

Surgem as folhas,
Na ponta dos ramos.
Rebentam flores
Com sede de luz.

Às duas por três,
Minha horta é um jardim
Que apetece contemplar.

Milagre da vida,
à frente dos olhos.
Só não vê quem não quer.

Bendito Senhor!...

No Bar Caracol, arredores de Mafra,
olhando para Sintra

20 de Março de 2016
9h29m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15848: Blogpoesia (440): "Nomes e verbos...", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728