sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14246: Notas de leitura (681): "Os Princípios do Pan-africanismo", por Charles Olapido Akinde e “Os Condenados da Terra”, por Frantz Fanon (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
Quando Jean-Paul Sartre acedeu prontamente a prefaciar este documento que é um manifesto do Terceiro Mundo – extremo, inteiro, incendiário, mas também complexo e subtil, como observou Simone de Beauvoir, era a guerra da Argélia que tinha presente, a Argélia dividia os franceses que demoraram a perceber que a emancipação daquele povo fazia parte de uma corrente caudalosa irreprimível.
Sartre saudou a novidade e o poder de análise de Frantz Fanon. Nunca, até então, um teórico se debruçara sobre a violência e como esta transforma as mentes do colonizador e do colonizado.
Fanon foi desassombrado na sua análise, pôs a nu a fragilidade dos partidos frente ao mosaico étnico, a sua ingenuidade quando deu prioridade à violência urbana, disseca as debilidades da união africana e a avidez das elites nacionalistas que pretendem exclusivamente tomar o lugar das elites coloniais e repetir-lhes as operações, mudando alguma coisa para que tudo fique na mesma. Sartre mostrava-se otimista, Fanon não tanto. Lamentavelmente, os receios de Fanon passaram a ser a dolorosa realidade dessa África que se tornou independente.

Um abraço do
Mário


Os princípios do pan-africanismo e Frantz Fanon (2)*

Beja Santos

Obra ímpar da reflexão sobre o colonizador e o colonizado, “Os Condenados da Terra”, por Frantz Fanon, Editora Ulisseia, foram editados entre nós logo a seguir à edição Maspero (1961) e prontamente postos fora do mercado. É dos poucos libelos deste período marcadamente anticolonial que ainda hoje se pode estudar, a despeito das rugas do tempo. Não havia, nem houve, tão pesada e adequada reflexão sobre a violência do colonialismo, o despertar da consciência nacional no terceiro mundo, a pujança e as fraquejas da cultura nacional. Fanon, médico especializado, irá na última parte do seu incontornável ensaio analisar a guerra colonial e as perturbações mentais, no contexto argelino, foi aí que ele trabalhou e se apercebeu dos dramas da guerrilha e da contraguerrilha em termos de saúde mental.

Começa por traçar um perfil dos protagonistas no mundo colonial: mundo compartimentado, maniqueu, mundo de estátuas: a estátua do general que faz a conquista, a estátua do engenheiro que construiu a ponte. A primeira coisa que o nativo aprende é a colocar-se no seu lugar, não passar dos seus limites. O colonizado está sempre alerta, decifrando os múltiplos signos do mundo colonial; nunca sabe se passou ou não o limite. Frente ao mundo determinado pelo colonialista, o colonizado presume-se sempre culpado.

Frantz Fanon disseca a violência em meio colonial. A violência é a intuição que as massas colonizadas têm de que a sua libertação deve fazer-se e isso não pode acontecer senão pela força. Mas por que aberração do espírito esses homens sem técnica, esfomeados e debilitados, não conhecendo os métodos de organização, chegam a convencer-se de que apenas a violência poderá libertá-los? Os homens colonizados, esses escravos dos tempos modernos, estão impacientes. Os povos subdesenvolvidos fazem saltar as suas cadeias e, o mais extraordinário, é que o conseguem. O homem colonizado liberta-se em e pela violência, e cita longamente Aimé Césaire, na sua tragédia “As Armas Milagrosas”. O desenvolvimento da violência no seio do povo colonizado será proporcional à violência exercida pelo regime colonial. Nas lutas armadas, há o que se podia chamar o limite sem regresso. É quase sempre a enorme repressão que engloba todos os sectores do povo colonizado. A mobilização das massas, quando se realiza como motivo da guerra de libertação, introduz em cada consciência a noção da causa comum, do destino nacional, da história coletiva. O país colonialista reprime de várias maneiras: procura desnortear falando no papão comunista, é a tentativa de descansar os colonos quanto à motivação da luta, dá-lhes uma razão terrível e exógena; ameaçam com o regresso à Idade Média se acaso houver independência, faltarão investimentos e a economia do país ficará de bruços. Com razão ou sem ela, a Guerra Fria entrou no processo da descolonização.

O ensaísta entra agora na zona mais polémica da sua reflexão, a organização dos partidos políticos, as suas relações com os chefes tradicionais, os sucessos e fracassos da propaganda dos partidos nacionalistas e como, em muitos casos, os camponeses voltam as costas a esta luta de libertação. Lembra que há a cidade do colono, a periferia dos assimilados e os vastos círculos do lúmpen-proletariado, onde estão desempregados, desclassificados que poderão aderir à ação militante. Esta massa pode entrar na sublevação, aderir ao terrorismo urbano, entrar na agitação. De um modo geral, esta atividade está condenada ao fracasso, as forças coloniais em meio urbano ganham sempre. E disserta sobre essência da guerrilha, é um dos seus textos mais belos:
“Na guerrilha, a luta não é onde se está, mas sim onde se vai. Cada combatente leva a pátria em guerra entre as suas mãos vazias. O exército de libertação nacional não é o que enfrenta sempre o inimigo, mas o que se desloca de aldeia em aldeia, que se concentra na selva e embosca as colunas do adversário”. O colonialismo procura apoio junto de grupos de indígenas, sobretudo aqueles que têm vínculos atávicos a regimes feudais ou onde prepondera o peso religioso. Enfim, os militantes nacionalistas têm tudo a ganhar em não dar uma luta frontal ao opressor em meio urbano. O peso da formação política é crucial pois, como ele adverte, não devemos esquecer as desventuras da consciência nacional, os paradoxos ditados pela economia, pela burguesia que se move à volta do processo económico colonial. A burguesia nacional, chegada a independência, comete habitualmente o erro de nacionalizar em massa com um propósito egoísta, como ele diz polemicamente: “Nacionalização significa exatamente para essa burguesia transferir para os autóctones os privilégios herdados da fase colonial. Como a burguesia não possui meios materiais nem meios intelectuais insuficientes, limitará as suas pretensões à apropriação das casas comerciais ocupadas antes pelos colonos. A burguesia nacional ocupa o lugar da antiga população europeia. Acaba por servir de correia de transmissão a um capitalismo disfarçado, transforma-se em agente de negócios da burguesia ocidental”.

Percebe-se como este ensaio despertou celeuma e vivos debates com as figuras revolucionárias. Amílcar Cabral leu atentamente este poderoso ensaio, sabe-se que foi importante na sua formação teórica, na sua análise da vanguarda revolucionária e no dever da burguesia aderir aos propósitos revolucionários sob pena de se suicidar como classe.

O tema da unidade africana não foi descurado por Fanon. O perigo vem dos regionalismos: “A burguesia nacional, compensa apenas nos seus interesses imediatos, como não vê para lá do seu nariz, mostra-se incapaz de realizar a simples unidade nacional. A frente nacional, que havia feito retroceder o colonialismo, desintegra-se a consome a sua derrota”. O colonialismo utiliza estas fraquezas, utiliza a religião que divide o povo e estabelece a discórdia, promove os chefes que não querem ver disputado pelos nacionalistas o seu poder tradicional.

Detém-se longamente sobre a cultura nacional e as lutas de libertação. É indispensável recuperar todas as obras criadoras que os colonialistas não podem manipular: a olaria, as tradições orais, a música, a dança, todo o artesanato, há que lhes conferir um estatuto cultural onde o nativo vê exotismo e gosto dos subdesenvolvidos, esta cultural nacional é o pilar da consciência africana e da especificidade da nação, por isso a libertação nacional torna-a obrigatoriamente presente no cenário da História.

E chegámos às conclusões, que Frantz Fanon transforma em manifesto:
“Há seculos que a Europa deteve o progresso dos outros homens e os submeteu aos seus desígnios e à sua glória; há seculos que, em nome de uma falsa aventura espiritual sufoca quase toda a humanidade”.

“Para o terceiro mundo, trata-se de recomeçar uma história do homem que toma em conta ao mesmo tempo as teses, algumas vezes prodigiosas, sustentadas pela Europa, mas também os crimes da Europa, o mais odioso dos quais foi, o esquartejamento patológico das suas funções e a desintegração da sua unidade. Não paguemos um tributo à Europa, criando Estados, instituições e sociedades nela inspiradas. A humanidade espera alguma coisa de nós que não seja essa imitação caricatural. Se queremos transformar a África numa nova Europa, confiemos, então, aos europeus os destinos dos nossos países. Saberão fazê-lo melhor que os mais dotados de nós”.
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Nota do editor

(*) Poste anterior de 9 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14235: Notas de leitura (680): "Os Princípios do Pan-africanismo", por Charles Olapido Akinde e “Os Condenados da Terra”, por Frantz Fanon (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14245: Memórias de Copá (6): Fevereiro de 1974 (António Rodrigues)

1.     O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto Da 1ª CCAV do BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda,  Copá e Buruntuma, (a minha 1.ª CCAV/Bcav8323 tinha as suas forças aquarteladas em Bajocunda e Copá), 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


COPÁ – FEVEREIRO DE 1974 



Como por esta altura do ano passa mais um aniversário dos dolorosos dias que vivi em Copá, aqui vos deixo mais algumas histórias do que lá se passou há 41 anos.
Entretanto, nesses dias chegava ao comando do meu batalhão em Pirada, uma ordem emanada das autoridades de Bissau para desactivar e abandonarmos Copá, pelo que, no dia 12 de Fevereiro de 1974 logo ao romper do dia chegava a Copá uma forte coluna militar para nos evacuar.

Esta coluna para ludibriar o PAIGC, teve que mudar o percurso entre Bajocunda e Copá, pelo que em vez de ir como de costume pela zona perigosa de Massacunda e que era o caminho mais curto, foi por uma picada raramente utilizada mais longe 10 km e que passava pela localidade das Dingas, chegando a Copá ao amanhecer do dia 12 de Fevereiro de 1974, foi para nós uma grande alegria, vermos chegar os camaradas que nos vinham libertar daquele lugar infernal que era Copá.

Chegada a coluna a Copá, começamos a carregar nas viaturas as nossas principais coisas e os sapadores de minas e armadilhas trataram de armadilhar os principais abrigos com minas anti-pessoais, depois de carregarmos o que tínhamos a carregar, saímos para fora de Copá e entretanto, tínhamos reunido todas as camas amontoadas no abrigo das transmissões que era o mais forte, depois de estarmos todos cá fora, esse abrigo e o seu conteúdo foi destruído por uma carga explosiva de comando à distância e além disso, o vagomestre tinha incendiado um bidão de azeite de 200 litros. Este é um ponto a lamentar, pois durante muito tempo esse bidão lá permaneceu cheio, o esparguete e o arroz, em vez de azeite eram feitos com manteiga, o azeite devido às circunstâncias, teve que ser queimado.

Mas por falar em cargas explosivas, veio-me à ideia um outro caso passado ainda em Copá: em determinada altura, chegamos a montar fora do arame farpado alguns fornilhos (cargas explosivas artesanais à base de gasolina, vidros e outros objectos que fizessem o efeito de estilhaços) que seriam accionados à distância do interior de Copá mas, a verdade é que, quando tivemos necessidade de accionar esses fornilhos durante um ataque, os mecanismos não funcionaram e qual não é o nosso espanto, quando no dia seguinte fomos ver qual a anomalia que não deixou funcionar os fornilhos e, verificámos que os fios de ligação que passavam despercebidos debaixo de terra, estavam todos cortados, impedindo assim os fornilhos de explodir, isto tinha sido obra do IN, possivelmente numa das noites em que nos destruiu a instalação eléctrica e ficamos às escuras.

Partimos então todos de novo na direcção das Dingas, caminhando a pé e fazendo segurança às poucas viaturas que seguiam connosco, cerca do meia dia estávamos nas Dingas, onde todos nos abastecemos de água num poço que praticamente esgotamos, quando chegou a minha vez de encher o cantil, já só consegui metade lama e metade água, mas a sede era imensa e tudo servia para a matar, ao ponto de ao beber, sentir passar areia pela garganta. Felizmente não tínhamos ainda tido qualquer problema, recomeçámos a andar, mas muito lentamente, devido a que os sapadores iam na frente muito devagar com os detectores electrónicos de minas e armadilhas, levámos assim quase toda a tarde para atingirmos a próxima povoação que era Amedalai, onde chegamos à tardinha e aí esperavam-nos mais viaturas, para nos transportar os últimos 5 km até Bajocunda, onde chegámos mesmo ao anoitecer.

Aí chegados, graças a Deus sem qualquer problema, foi para nós pelotão de Copá uma alegria enorme, reencontrarmos de novo os nossos camaradas, foi uma alegria tal que, eu depois de chegar a Bajocunda, nem me lembrei sequer mais da minha bagagem, depois de encontrar os meus amigos dirigi-me com eles ao Café Silva existente em Bajocunda e para aí fui matar a fome e a sede, depois já noite escura o meu amigo Albino da Silva Vasques levou-me com ele salvo erro para o abrigo 9, onde dormi nessa noite e só de manhã quando acordei me lembrei das minhas malas, das minhas coisas, que tinham sido descarregadas da Berliet que as trouxe de Copá.

Levantei-me e fui procurá-las ao local onde a Berliet tinha descarregado, encontrei realmente o meu saco e a minha mala, mas a mala estava aberta e metade das coisas que me pertenciam tinham desaparecido, nomeadamente, o estojo da barba quase completo, possivelmente foi algum Africano que lá passou antes de eu lá chegar e encontrei ainda uma série de coisas espalhadas pelo chão, recolhi tudo o que pude e levei o que encontrei, mas não fiquei triste, porque a alegria de ter chegado de novo a Bajocunda, suprimiu tudo isso.

Nesse mesmo dia 13 de Fevereiro de manhã, foi-me destinada uma cama no abrigo 2, onde passei a pertencer até ao fim, onde travei novas amizades, com novos camaradas, nomeadamente, com os mecânicos Francisco e Campos.

Mas nesse mesmo dia, todo o pessoal que tinha regressado de Copá, seguiu para Pirada, inclusive eu, a fim de aí todos sermos vistos pelo médico do Batalhão, em virtude do mau bocado porque tínhamos passado em Copá. Dessas consultas resultou que o Banharia fosse mandado para Bissau, para uma consulta externa, a qual lhe viria a facilitar o regresso quase imediato à metrópole, por necessitar de tratamento psiquiátrico. O restante pessoal, tratava-se apenas dumas diarreias ou umas dores de cabeça, que foram tratadas com umas injecções ou uns comprimidos. Embora eu tenha de reconhecer que, todos nós saímos de Copá traumatizados com toda aquela violência.

Neste dia em que chegamos a Pirada, quando à hora do almoço entramos no refeitório, apareceu-nos lá o nosso Comandante de Batalhão, o Coronel Jorge Matias, que fez questão de abraçar os homens de Copá um por um e quando chegou a vez de abraçar o Alferes Manuel Joaquim Brás, eu que estava a seu lado, tive a oportunidade de ouvir as palavras emocionadas que ele lhe dirigiu, que foram as seguintes: “Ó Brás tu trazes os teus homens todos vivos?” Eu tenho que te pedir desculpa porque em Bolama te chamei básico e afinal és o oficial mais operacional que tenho no Batalhão. (Por este motivo eu dizia, quando estive em Bolama que mais tarde voltaria a falar deste 4.º Pelotão)

Neste dia 13 pelas 05.00 horas da manhã, um grupo de guerrilheiros do PAIGC (provavelmente os mesmos que estariam emboscados no dia anterior em MANSACUNDA  MAUNDE à espera de nos atacar quando regressávamos de Copá) talvez sentindo-se enganados, porque lhe trocamos as voltas optando pelo percurso um pouco mais longo e que passava pelas DINGAS, dirigiu-se à DINGA BANTANGUEL e penso que, como represália por a população não nos ter denunciado, queimou cerca de 50 Tabancas, grande quantidade de milho e alguma mancarra, tendo retirado depois novamente na direcção de MANSACUNDA MAUNDE, deixando ainda o gado todo tresmalhado nas matas, mas a população não foi molestada.

Logo no dia seguinte, 14 de Fevereiro de 1974, depois do almoço, o comandante de Batalhão Coronel Jorge Matias mandou formar na Parada do quartel de Pirada a 3.ª Companhia, bem como o pelotão de Copá em frente uma do outro e a seguir fez um discurso emocionado de homenagem aos homens de Copá, durante o qual nos explicou os esforços que tinha feito durante as horas dramáticas de Copá para nos socorrer com reforços e outros auxílios, nomeadamente, na noite de 7 para 8 de Janeiro de 1974, que culminou com a chegada a Copá no fim da tarde do dia 8 de um pelotão de Pára-quedistas. Dizia-nos isto ao mesmo tempo que dizia que, nesses momentos rezava a Deus por nós, dizia-o com tal emoção que as lágrimas lhe chegaram a correr pela cara, findo o discurso fez desfilar em continência para nós a 3.ª Companhia, o que também nos emocionou um pouco. Foi-nos ainda dado conhecimento de nova mensagem de S. Exa. o Comandante-Chefe que, citando a guarnição de Copá, enalteceu o relevante comportamento da mesma. A culminar esta cerimónia foi-nos dado um louvor colectivo que saiu à ordem com o nome de cada um de nós, falava-se ainda que teríamos um mês de férias na metrópole, o que não veio a concretizar-se, porque passados cerca de dois meses e pouco veio a dar-se a revolução de 25 de Abril. 


Foto 1 - Com guerrilheiros do PAIGC junto ao pontão de Tabassai, Pirada

Foto 2 - No regresso de Copá a Pirada, reencontro com um amigo

Foto 3 - Pirada, 14 de Fevereiro de 1974, 4.º Grupo de Combate

 Foto 4 - Pirada, 14 de Fevereiro de 1974, Homenagem aos Homens da Companhia

Foto 5 - Pirada, 14 de Fevereiro de 1974, Coronel Jorge Matias 

Foto 6 - Passeando em Copá, Dezembro de 1973

Um abraço,
António Rodrigues
Sold Cond Auto do BCAV 8323

Mini-guião: © Colecção de Carlos Coutinho (2012). Direitos reservados. 

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 DE FEVEREIRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14214: Memórias de Copá (5): Janeiro e Fevereiro de 1974. (António Rodrigues)


quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14244: Agenda cultural (374): A banda musical "Melech Mechaya" [leia-se: o rei da festa...] vai animar a longa louca noite de "Sexta-feira 13", em Montalegre, a rija capital do Barroso e do misticismo... Vivam os folgazões e prazenteiros barrosões! Vivam os nossos camaradas transmontanos!

os 

Montalegre - Sexta 13 (teaser oficial 2014) > Publicado a 01/02/2015 > "Noite de azares, bruxedos, contos, lendas e locais sombrios da memória que nos confundem os passos e escurecem a lógica. 13 de Junho 2014" > Vídeo alojado em You Tube > Montaleger Eventos (1' 10'')




Diz a organização do evento:

"O ano de 2015 abençoou Montalegre com três Sextas 13. A primeira do calendário acontece em fevereiro e promete cumprir o sucesso de edições anteriores. A capital de Barroso volta a vestir-se a rigor e lança o convite a toda a população. A celebração, focada nos azares, bruxedos, contos, lendas e locais sombrios da memória, volta a fazer uma forte aposta na música e teatro. Mais uma edição a não perder, dia 13 de fevereiro, onde o fogo espalhado por vários locais da vila promete aquecer a noite."

Da capital, Lisboa, segue a nossa conhecida banda musical "Melech Mechaya" para continuar a animar a louca longa noite de sexta feira 13 de fevereiro de 2015. 


MONTALEGRE - "Sexta-feira 13" (Vídeo Promocional) (


"Montalegre oferece o maior espetáculo de rua de Portugal com a celebração da 'Sexta-feira 13'. Um evento que já é uma referência cultural no país."

Vídeo promocional da Câmara Municipal de Montagre (Alojado no You Tube > Município de Montalegre > 9' 39'')

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14207: Agenda cultural (377): Nós, os portugueses, e os 7 mil milhões de outros: Fundação EDP, Museu da Eletricidade, Lisboa, 7 de fevereiro, 16h00... A não perder!

Guiné 63/734 - P14243: História da CART 3494 (4): Ataque ao Xime em 16set1972 – CART3494 -, Entre trovões, raios, golos e bombas (Jorge Araújo)


1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 6 de Fevereiro de 2015: 



Caríssimo Camarada Luís Graça e restante equipa de co-editores.

Os meus melhores cumprimentos.

Enquanto a fonte não secar, a agenda o permitir e a memória RAM funcionar, lá vou escrevendo, a conta-gotas, as minhas memórias do meu/nosso tempo no CTIG., por um lado, alimentando o nosso Blogue e, por outro, cumprindo com o regulamento da nossa TABANCA GRANDE.

Dito isto, anexo mais uma peça da minha arma – a liberdade de comunicar na primeira pessoa – esta guardada desde o longínquo ano de 1972, ou seja, há mais de quarenta e dois anos, e referente aos meus tempos vividos no Xime.

Obrigado.


ATAQUE AO XIME EM 16SET1972 – CART 3494
(ENTRE TROVÕES, RAIOS, GOLOS E BOMBAS)

- mescla de acontecimentos… e novas emoções para recordar -


1– O AQUARTELAMENTO DO XIME

A funcionar como tampão de segurança ao tráfego rodoviário que circulava no troço «Xime-Bambadinca-Xime» e ao marítimo [Rio Geba] «Xime-Bissau-Xime», as várias gerações de ex-combatentes que cumpriram a sua missão ultramarina neste Aquartelamento sabem bem das dificuldades por que tiveram de passar. Algumas delas transformando-se em calvário permanente, pelas adversidades e desgostos produzidos, outras deixando marcas físicas e psicológicas insupríveis para o resto das suas vidas.

Convém recordar que a complexidade da missão acima descrita se agravou a partir do momento em que o efectivo da CART 1746 [1 GComb], comandado pelo Alf. Mil. João Guerra da Mata,instalados no Destacamento da Ponta do Inglês,recebeu ordens para o abandonarem regressando à sua CART, no Xime, de que era CMDT o Capitão António Vaz,com o acto a ocorrer em 7/8 de Outubro de 1968. Acredita-se que essa decisão foi da iniciativa do então Brigadeiro António de Spínola [1910-1996] comoconsequência da redistribuição das NT no terreno [P10009].

Entretanto, vários têm sido os testemunhos insuspeitos aqui narrados sobre esse contexto, todos eles de sentido único e de absoluta concordância com o acima exposto, independentemente dos tempos em que tiveram lugar as ocorrências, dos seus actores ou das unidades militares envolvidas. 

Destaco, tão-somente, dois exemplos ou duas imagens metafóricas de grande significado: a primeira da autoria do camarada Luís Graça “Xime: uma descida aos infernos” [P1317/8], a segunda do camarada Beja Santos “O Xime, sem ferro mas com fogo…” [P2810], ambos meus antecessores e, também eles, frequentadores assíduos daqueles circuitos pedestres.

Pelo Aquartelamento do Xime passaram, então, a CCAÇ 1550 [1966/68], a CART 1746 [1968/69], a CART 2520 [1969/70], a CART 2715 [1970/71], a CART 3494 [1972/73] e a CCAÇ 12 [1973/74].

No que à Companhia de Artilharia 3494 [CART 3494] diz respeito, a terceirae última unidade operacional do contingente do BART 3873, sediado em Bambadinca, a suachegada ao Xime verificou-se em 28JAN1972, 6.ª feira. Durante os treze meses contabilizados pela Companhia neste Aquartelamento [margem esquerda do Geba], muitas foram as flagelações que sofremos, quase todas elas com armas pesadas e, maioritariamente, à noite. 

O primeiro destes ataques ocorreu em 19MAR1972, domingo, cinco dias após concluída a sobreposição com a CART 2715, e o seu início verificou-se por volta das 23:00 horas, com uma duração superior a meia hora.

Esta facilidade, e a frequência com que o PAIGC passou a realizar os seus ataques contra as NT aquarteladas no Xime, foi consequência do abandono da Ponta do Inglês, uma vez que a partir desse momento estavam/ficaram criadas todas as condições objectivas para a total circulação em liberdade dos efectivos destacados na Zona [no Poindom, no Baio,Rio Buruntoni, na Ponta Luís Dias ou no Fiofioli], bem como da gestão de toda a sua logística incluindo, entre outras, a construção de esconderijos para camuflagem do material pesado e o controlo da população aí residente.

Como se identifica no mapa abaixo, o território a sul do Xime até à mata do Fiofioli [margem direita do Corubal] estava completamente liberto e sem controlo das NT, independentemente da actividade operacional diversificada que por lárealizávamoscom regularidade, umas vezes mais curta outras mais distante ou prolongada no tempo, mas quase sempre para o “empate” [digo eu!].Porém, o sentido destas acções não deixavam de contribuir para o aumento do consumo energético humano, com deficitde recuperação acumulado pelas sucessivas missões, corolário do trabalho físico [caminhadas intermitentes com obstáculos] e mental [concentração elevada, ansiedade e stress].


Mapa da Zona Leste> Sector L1 > Xime:o alvo de todos os ataques perpetrados pelo PAIGC. O território a Sul era percorrido com total liberdade pelos guerrilheiros, permitindo-lhes escolher, optar e/ou variar o local da colocação das suas armas pesadas, bem como definir a quantidade de munições adespejar e a duração temporal de cada um.

2– XIME - 16 DE SETEMBRO DE 1972 - SÁBADO

Os pontos principais da presente narrativa, tal com tem acontecido com as anteriores de teor semelhante aqui divulgadas, emergem das vivências do contexto da nossa missão ultramarina. Cada um deles pretende ser um testemunho singular que, em interacção com outros, procuram ajudar na compreensão mais global [para memória futura] sobre o quotidiano da vida dos ex-combatentes, dos momentos de alguma satisfação e prazer e de outros factos que apelavam à superação permanente e à solidariedade entre pares.

Deste modo, o relato desses factos socio-históricos identificados em cada um dos pontos a baixo,ocorrem num quadro mesclado de acontecimentos em cadeiaobservados [e gravados...] na tarde/noite de 16SET1972, sábado, e que, tal como o título sugere, envolvem vários fenómenos: - a natureza, o desportivo e o militar, ou seja, trovoada tropical [raios e trovões], futebol [golos]e ataque com armas pesadas [material bélico].

2.1 – ANTES DOS FACTOS

O sábado, 16Set1972, estava a ser um dia normal, em que cada um de nós fez o que tinha a fazer, cumprindo as diferentes tarefas no quadro da organização militar - internas e externas - com destaque para a segurança à Ponta Coli, às embarcações civis que sulcavam o Geba e à vigilância do aquartelamento feita a partir dos postos colocados em locais estratégicos.

Por outro lado, a Guiné tem um clima tropical o que significa que tem duas estações distintas – a estação das chuvas e a estação seca. A primeira inicia-se em meados de Maio e a segunda em meados de Novembro, pelo que cada estação completa um ciclo de seis meses.Daí que Setembro é um mês que faz parte da primeira estação – a das chuvas – em que as precipitações são geralmente abundantes, tendo maioritariamente o seu início ao fim da tarde ou às primeiras horas da noite.

Esse dia 16Set1972 não fugiu a esta regra. Após o jantar na messe de sargentos recolhemos à nossa “tabanca”um pouco antes das vinte horas, para um merecido repouso, uma vez que a noite prometia vendaval, o que veio a verificar-se, como teremos a oportunidade de relatar no momento próprio.Inferindo-se da legenda abaixo [foto 3], para se chegar ao quarto era só atravessar a rua de terra batida, a única existente no interior do Aquartelamento e que unia as duas principais entradas – a porta-de-armas, com acesso ao Cais ou à estrada alcatroada em direcção a Bambadinca [foto 1; da esqª.] e a da tabanca [foto 2; da dtª.]


Foto 3 – Xime/1972 – No edifício da esquerda funcionava a secretaria, uma arrecadação, o armeiro e o quarto do Guia Malan [parte visível]. Nas traseiras; o quarto dos 1.ºs. Sarg. Bagorro e Simões, o bar/messe de sargentos, o WC e um pequeno abrigo de apoio. O edifício da direita estava dividido em quatro partes e era ocupado por furriéis. No quarto da esquerda, a que corresponde a janela sem protecção, residiam o C. Ferreira, o J. Godinho e o J. Araújo, trio de comando do 1.º GComb.


Foto 4 – Xime/1972 – Da esq./ditª – Cláudio Ferreira, João Godinho e Jorge Araújo, trio de furriéis responsáveis pelo 1.º GComb.

2.2 – OS GOLOS… O FUTEBOL… EM LISBOA

O camarada Cláudio Ferreira, que era [é] sportinguista ferrenho e uma enciclopédia da história do SCP [um forte abraço para ele], lembrou-se de que a 2.ª jornada do Campeonato Nacional de Futebol, daquela época: 1972/73, tinha um jogo antecipado para essa noite, e que era, nem mais nem menos, o [seu] Sporting com o Uniãode Tomar, no Estádio José de Alvalade. Estávamos, então, na hora de tentar localizar a transmissão do relato na Emissora Nacional [EN], o que aconteceu.A partir daquele momento, na Guiné [Xime],eram mais três os que assistiam ao jogo através das imagens sonoras transmitidas pelo repórter de serviço [creio que era oArtur Agostinho (1920-2011), um dos mais brilhantes relatores desportivos da época].

Iniciado o jogo, e quando estavam decorridos apenas sessenta segundo, eis a primeira grande emoção da noite vivida pelo Ferreira por efeito da marcação do primeiro golo do Sporting. Foi seu autor Nelson que, apesar de ter visto o seu primeiro remate devolvido por um defesa opositor, a passe de Fraguito, conseguiu fazer a recarga vitoriosa, ainda que em desequilíbrio. Decorridos mais quatro minutos e nova emoção, para gáudiodo Ferreira, com o segundo golo do Sporting obtido agora por Marinho, com remate forte e colocado, depois de se ter isolado na sequência de passe longo de Manaca. Aos 23 minutos, novo golo e novo momento alto no interior da “tabanca” do trio de combatentes/desportistas. Era o terceiro golo do Sporting, este concretizado pelo argentino Héctor Yazalde [1946-1997], a grande esperança para os lados de Alvalade, esperança que se tornou realidade na época seguinte, pois H. Yazalde viria a conquistar a Bota de Ouro Europeia, ao contabilizar 46 golos em 30 jogos com a camisola do SCP. E o intervalo chegou com o resultado em 3-0.

2.3 – OS TROVÕES… E OS RAIOS… NO XIME

Durante o decorrer da primeira parte, a principal atenção estevefocada, naturalmente, nas peripécias do jogo e as emoções resultaram dos três golos obtidos. Nem nos apercebemos que, no exterior do quarto [tabanca], a noite tinha chegado e os ventos fortes transportavam cada vez mais nuvens, dando origem à queda de água com grande abundância. Estava uma noite verdadeiramente tropical. O contacto directo comeste fenómeno da natureza metia respeito a qualquer um de nós ou, como diz o povo, era de meter medo ao susto.Os trovões eram cada vez mais fortes, fazendo abanaros telhados de chapa dos edifícios ali à volta, enquanto os raios rasgavam, à nossa frente, o céu do Xime, iluminando todo o espaço físico do Aquartelamento [fotos 5 e 6]. Ainda assim a experiência estava a ser pedagogicamente interessante e daí a termos gravado na memória de longo prazo, e agora passada a escrito.

2.4 – O ATAQUE… E AS BOMBAS… NO XIME

De regresso ao quarto para audição da segunda parte do jogo, voltámos à posição anterior [na cama] com a roupa que a nossa mãe nos deu durante a gestação. A partir de então passaram a ser mais perceptíveis os diversos sons em presença: o da rádio, os das ventoinhas presas aos ferros das cabeceiras das camas e os dos trovões cada vez mais intensos. Entretanto, um outro som se juntou aos anteriores, sendo que este já nos era, também, familiar neste contexto. Tratava-se do rebentamento de granadas de canhão sem recuo, enviadas lá das bandas de Gundaguê Beafada [ver mapa acima] conforme refere a HU [6.º fascículo].

Quando nos apercebemos que estávamos perante um novo ataque ao Xime perpetrado pelo PAIGC, o ritmo cardíaco e as emoções/tensões aumentaram, mas a reacção surgiu espontânea por parte da nossa equipa de artilheiros do 20º Pel. Art., sob a supervisão do Alf.Mil. Maurício Viegas e dos furriéis Manuel Lino e José Pacheco, coordenados pelo meu/nosso Capitão Pereira da Costa. Porém, a dificuldade maior que se colocou na prontidão das respostas das nossas bocas-de-fogo [obuses 10,5] residiu no facto de não ser possível identificar no imediato, com fiabilidade, o que era a claridade provocada pelos raios e a claridade produzida pelo material bélico. Mesmo assim não deixámos de comunicar com o IN.

Decorridos aproximadamente quinze minutos, deixámos de ouvir e/ou sentir os rebentamentos das granadas, todaselas atingindo pontos situados aquém ou alémdo alvo, que era o Aquartelamento do Xime e o seu efectivo militar,com excepção de uma granada que caiu a dez metros da messe de sargentos, situada nas traseiras do edifício da foto 3, sem fragmentar, ou à mesma distância da foto seguinte [7].


Foto 7 – Xime/Set1972 - Espaço envolvente à messe de sargentos reconstruído pela CART 3494, onde é possível identificar a porta e a janela do Bar. A granada, anteriormente referida, caiu a dez metros do local onde me encontro na foto. [Na época das chuvas… uma carecada era uma boa decisão… muito higiénica e saudável].

A partir de então, o alerta manteve-se por mais algumas horas, não havendo, no entanto, danos a registar.

Quanto ao futebol, viemos a saber no dia seguinte, domingo, que o resultado final tinha sido de 4-0, sendo o último golo da autoria de H. Yazalde, aos 75’, que assim bisou na partida. 

Sobre os factos mais relevantes da segunda parte do jogo [que no Xime teve outros jogadores… outro ambiente e diferente dinâmica grupal… e outra excitação…], só tomámos contacto com eles depois da recepção do Jornal Desportivo «A BOLA», da edição de 2.ª feira, 18Set1972, pois este jornal, à época, era trissemanário [2.ª, 5.ª e sábado]. A sua remessa da Metrópole, maioritariamente a edição das segundas-feiras, tendo por objectivo o contacto com o fenómeno desportivo nacional e resultados do fim-de-semana, chegava-nos três dias depois, como aconteceu na situação presente.

Relembro que o tema sobre«o que a malta lia, nas horas vagas», foi já abordado por um grupo significativo de grã-tabanqueiros.

Como testemunho histórico, epara encerrar esta narrativa, aqui vos deixo a crónica escrita pela pena do saudoso e amigo Carlos Pinhão [1924-1993], sobre o jogo em apreço. 


E agora a constituição das três equipas:

SPORTING C.P. – Damas; Pedro Gomes (cap.) (45m - Dinis), Laranjeira, Bastos e Carlos Pereira; Manaca, Fraguito e Vagner; Marinho, Yazalde e Nelson.

U. TOMAR – Nascimento; Kiki, João Carlos (cap.), Cardoso e Barnabé; Pavão, Manuel José, Raul (45m - Pedro) e Fernando (30m - Bolota); Raul Águas e Camolas.

Árbitro – João Nogueira, da A.F.Setúbal.

Porque cheguei ao fim de mais uma curta viagem pelas memórias do Xime envio, a todos vós, um forte abraço.

Um abraço,
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
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Nota de M.R.: 
 

Último poste da série de 3 de dezembro de 2014 > Guiné 63/734 - P13970: História da CART 3494 (3): A ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 3494 (XIME / ENXALÉ–[N]AS DUAS MARGENS DO GEBA) - A única presença no Enxalé (Jorge Araújo)

Guiné 63/74 - P14242: Manuscrito(s) (Luís Graça) (45): A arte lusitana de bem comunicar em toda a parte...



Uma carraca portuguesa em Nagasaki, fins do séc. XVI/princípios séc. XVII. Pintura de biombo nanban. Kano Naizen - Kobe City Museum., Imagem do domínio público (Fonte: Cortesia de Wikipedia)


(...) "O Comércio Nanban (japonês:南蛮貿易, nanban-bōeki, "Comércio com os bárbaros do Sul") ou Período do Comércio Nanban (japonês: 南蛮貿易時代, nanban-bōeki-jidai, "Período do comércio com bárbaros do Sul") na história do Japão compreende o período que vai da chegada dos primeiros europeus, oriundos de Portugal, em 1543, até sua exclusão quase total do arquipélago entre 1637 e 1641, com a promulgação do "Sakoku" - o Édito de Exclusão." (...)  (Fonte: Wikipédia > Período Nanban)



1. A atual geração de gestores das nossas empresas, os putos que fazem gala de exibir o seu diploma de MBA tirado nas melhores universidades europeias e norte-americanas, não sabem o que é a comunicação face a face. Vivem na aldeia global mas só conhecem a comunicação virtual, à distância. São dos que se gabam de despedir trabalhadores por email… As más notícias agora vêm por email. E já não há a pancadinha nas costas, à moda antiga autoritário-paternalista… O tecnocrata não precisa nem sabe nada de comunicação humana... Lembra-me a história de um desgraçado que só soube que tinha sido despedido, quando foi ver o saldo da conta bancária no fim do mês… Era dos que nunca viam a caixa de correio electrónica...


2. Lembro-te também de ter lido que, em 1995, há 20 anos atrás, os trabalhadores portugueses eram, em toda a União Europeia (UE), aqueles que tinham menos probabilidades de ter uma discussão franca, cara a cara, com o seu chefe acerca do seu desempenho profissional… Apenas 23% admitiam que isso acontecia contra 41% no conjunto dos então 15 da UE, segundo os resultados do Segundo Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho, realizado nesse ano pela Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, com sede em Dublin. O português não é(era) treinado para dar notícias, nem boas nem más.

3. E, todavia, os estrangeiros têm (ou tinham, no século passado) um arreigado estereótipo, a nosso respeito: "Les portugais sont toujours gais". Leia-se: os portugueses são… pobretes mas alegretes. Hoje há outra versão que por aí corre: os portugueses veem-se gregos para poder continuar a viver em Portugal, que é(era) a sua terra de origem.


4. Quando chegámos ao Japão no final da 1ª metade do Século XVI, os nativos acharam-nos com “falta de maneiras” porque, além de comermos com as mãos, expressávamos os nossos sentimentos em público, sem ponta de pudor!… Comer com as mãos, era inconcebível para um japonês feudal, em que as relações sociais ainda eram (e continuaram a ser até à era meiji) feudais, as do servo e do suserano… Etnocêntricos, como qualquer povo, chamaram-nos “bárbaros do sul”… Mas exprimir as emoções em público era tabu… Mesmo assim devem ter-nos achado uns "gajos porreiros", ou pelo menos tiveram a santa paciência de nos tolerar durante um século... E incorporaram, no seu vocabulário, mais de 2 centenas de palavras portugueses... A língua, o comércio e os jesuítas foram os principais veículos de intercâmbio entre os dois povos: exemplos de palavras portuguesas de origem japonesa: biombo, catana; exemplos de palavras japonesas de origem portuguesa: amanderu (amêndoa), bauchizumu (batismo), beranda (varanda), bisuketto (biscoito), botan (botão), kapitan (capitão), kappa(capa), koppu (copo), kasutera (castela, bolo tipo pão de ló), kompeitou (confeitos, doces), karuta (carta), pan (pão), shabom (sabão), shabon dama (bola de sabão), tabako (tabaco), etc.


5. Afinal, em que é que ficamos? Haverá uma arte lusitana de bem comunicar ? Comunicar, na verdade, não é fácil… mas é preciso. Muitos dos nossos conflitos em casa e no trabalho começam justamente por falhas no processo de comunicação. Não sei se há uma “arte lusitana de bem comunicar em toda a parte”… Mas somos capazes de exprimir emoções e sentimentos por formas culturais como o fado, que os atuais filhos do “sol nascente” apreciam de sobremaneira, quando vêm a Lisboa, como turistas… São os “toyotas” (outro estereótipo) que enchem (ou enchiam há uns anos atrás) as casas de fado do bairro Alto e de Alfama… Será a atração dos contrastes ? Dois povos que vivem nos antípodas, afinal tão próximos e tão afastados…

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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14241: Blogoterapia (265): Ainda a tragédia do Quirafo, apesar do muito que já se disse e escreveu (Juvenal Amado / João Maximiano)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Fevereiro de 2015:

Carlos e Luís
Não é muito mais do que já se sabia sobre o triste acontecimento mas mesmo assim aqui vai.
Seguem também algumas fotos
Juvenal Amado


Em conversa com o João(1) chegámos à conclusão que entrámos no CICA-4 no mesmo dia para fazer a recruta embora em pelotões diferentes. Findo que foi esse período eu rumei ao RI-6 e ele ao RC-6, no Porto, para a especialidade e finda que foi esta, ele foi para a Figueira da Foz, RAL-2, e eu para Abrantes, RI-2.

Quis a roleta dos números mecanográficos que nos voltássemos a encontrar, eu na CCS e ele na 3491 do Batalhão 3872. Mas ao João tinha o destino reservado uma das mais duras e temidas provas que a vida militar nos podia reservar, ao cair numa emboscada e ver a morte bem na frente dos olhos e sentir o seu bafo.

Em 17 de Abril de 1972 caiu na emboscada do Quirafo que vitimou praticamente todos o que seguiam na viatura da frente da coluna. Ele era o condutor da segunda viatura e foi a rapidez do desenrolar dos acontecimentos que impediu de entrar na zona de morte.

Não foi um combate mas sim um massacre que podia ter sido evitado em última instância, quando foram avisados 10 km antes pela população de Sincha Made Bucô que o IN estava à espera algures na picada. O que leva os homens a dissidirem sobre a sorte e o azar numa espécie de roleta russa? Talvez a vontade de sermos superiores aos comuns dos mortais, ou pensarmos que só acontece aos outros.

Ele hoje só se lembra do fogo, das explosões, do som das armas automáticas, do desnorte e do camarada Azevedo que procurou abrigo junto dele, mas que, já estava mortalmente ferido com pelo menos três tiros. Logo de seguida, o abrigo onde se tinha refugiado foi atingido por uma explosão e confessa não saber o que aconteceu ao camarada que estava junto dele. Lembra-se dos Fiat's aparecerem e bombardearem, mas não sabe se foi o transmissões(2) que antes de morrer os chamou, pois garante que o camarada ainda saltou da viatura e se meteu mato dentro.

Uma coisa é certa, os Fiats apareceram e bombardearam, embora também não saiba quem os orientou para eles fazerem o seu trabalho. O resto, ficamos a saber pelos PelRec que no dia seguinte arrancaram de Galomaro ainda a tempo de levantar uma mina que possivelmente foi lá posta depois.

Aquele dia ficou assim marcado num misto de terror e zona cinzenta na sua memória, talvez como mecanismo de autodefesa, mas com o passar dos anos essa proteção abriu fendas e de lá saíram qual monstros, as insónias e os pesadelos onde revive noite após noite aquela manhã de má memória.

Felizmente está já a ser ajudado com consultas psiquiátricas em Coimbra, após pedido de ajuda no Núcleo da Liga dos Combatentes da Batalha, concelho a que pertence.

Por seu intermédio estou a tentar contactar o Moniz que era o condutor da GMC da qual só ele e o António Baptista(3) escaparam com vida. O Moniz é natural de Reguengo do Fetal mas não está a ser fácil encontrá-lo.

Junto envio umas fotografias cedidas pelo João Maximiano.

Um abraço para todos meu e do João que não tem computador nem sabe mexer-lhe.
Juvenal Amado


S/legenda

Monumento aos mortos da CCAÇ 2406

Ponte do Saltinho

Canhão s/recuo

Condutores: Granja; Gilberto; Maximiano e Moniz, que conduzia a primeira viatura na coluna emboscada e o Mec Auto Joaquim.

S/Legenda

Viatura do Maximiano
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Notas do editor

(1) - Vd. poste de 22 DE NOVEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13927: Ser solidário (174): Vamos ajudar o nosso camarada João Maximiano, que encontrei em Leiria, ex-sold cond auto da CCAÇ 3490 (Saltinho), que continua a sofrer com as recordações da terrível emboscada de que foi vítima no Quirafo, em 17/4/1972... (Juvenal Amado, ex-1º cabo cond auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)

(2) - António Ferreira, 1.º Cabo TRMS da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, morto na emboscada do dia 17 de Abril de 1972

(3) - António da Silva Batista (o morto-vivo), ex-Soldado At da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, dado como morto na emboscada do dia 17 de Abril de 1972. Viria a ser libertado pelo PAIGC em Setembro de 1974.

Vd. último poste da série de 22 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14069: Blogoterapia (264): Infelizmente para mim e para quem me é mais próximo, este Natal não será como dantes (Joaquim Cardoso)

Guiné 63/74 - P14240: Inquérito online: somos um povo de afetos ? Resultados preliminares (n=70): 80 % dos respondentes "concordam totalmente", com a proposição segundo a qual "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...



Um cartoon (ou cartune, como vem grafado nos novos dicionários da língua portuguesa) histórico alusivo ao reconhecimento, por parte do Portugal democrático, da independência da Guiné Bissau, em 10 de Setembro de 1974.

Fonte: Gaiola Aberta. nº8 (1 de Outubro de 1974) © José Vilhena (1974) (com a devida vénia). 

Imagem gentilmente cedida por Jorge Santos, um dos primeiros membros da nossa Tabanca Grande (2005). Foi 1º Grumete Fuzileiro, Companhia de Fuzileiros nº 4 (Moçambique, Metangula, Cobué, Jan. 68/ Abr.70). É DFA, e autor de uma das páginas mais antigas sobre a guerra colonial.

Imagem também disponível  no Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra. Vd. também aqui uma página dedicada ao grande cartunista português José Vilhena (n. 1927, Figueira de Castelo Rodrigo).

I. Mensagem que circulou hoje pelo correio interno da Tabanca Grande;

Assunto: Sondagem > Somos um povo de afetos ? Resultados preliminares (n=70)

Amigos/a, camarada:

É a primeira "sondagem" do ano.... Prometemos, ao pessoal, não o massacrar muito, ao longo de 2015... Mas a tua opinião é importante... Estas sondagens não têm a veleidade de serem "científicas", o seu objetivo é didático, ajudam-nos a conhecer-nos melhor, a nós e aos outros... E animam o blogue. Temos ainda 4 dias para votar. Os resultados preliminares que apresentamos, respeitam a 70 votantes...

Recorde-se a pergunta sobre a qual tens que dar a tua opinião ("concordo", "discordo"...): 

"Em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial" (*)...

O voto é feito diretamente no blogue, "em linha", no canto superior esquerdo... E podes comentar aqui, na caixa de comentários do poste P14234 (*).

Outra coisa: nunca dês a ninguém, estranho ao blogue, a nossa lista de endereços. Por razões de segurança... Há quem ande a usar,  indevida e abusivamente,  a nossa lista de endereços de email. Nas comunicações entre nós mete sempre os destinários com os endereços ocultos (Bcc).

Obrigados. Um alfabravo caloroso. Cuidado com a(s) gripe(s)...

Os editores
_____________

II.  Resultados preliminares (n=70)

1. Concordo totalmente > 56 (80%)

2. Concordo em parte  > 6 (8%)

3. Não concordo nem discordo / Não sei  > 3 (4%)

4. Discordo em parte  > 2 (2%)

5. Discordo totalmente > 3 (4%)


Votos apurados: 70
Dias que restam para votar: 4

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 8 de fevereiro de 2015 >Guiné 63/74 - P14234: Sondagem: opinião "em matéria de afetos, e em relação aos guineenses, levamos hoje a dianteira a russos, chineses, cubanos, suecos e outros que apoiaram o PAIGC no tempo da guerra colonial"...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14239: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (8) - Reportagens da Época (1967): 10 de Fevereiro, ataque a Guidaje

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 8 de Fevereiro de 2015:

Amigo dr. Graça:
Saúde para si, e familiares.
Tomo a liberdade de enviar mais um pequeno cadeado feito de palavras, que poderá publicar .

Um abraço amigo.
Domingos gonçalves


MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1967)   
REPORTAGENS DA ÉPOCA

8 - ATAQUE A GUIDAJE

Binta, 10 de Fevereiro de 1967

Às quatro horas e meia da madrugada o cifra bateu à porta do capitão. Tinha chegado uma mensagem tipo relâmpago.

Desde as quatro horas da madrugada que o destacamento de Guidage estava a ser atacado

Quase de seguida o capitão chamou-me.

Embora já me tivesse apercebido do que se estava a passar, levantei-me e fui perguntar-lhe o que havia de novo.
Ele disse-me:
- Os gajos estão a bombardear Guidage, com bastante intensidade. Apesar da distância escutam-se aqui os rebentamentos.

Efectivamente, o silêncio da noite estava a ser quebrado, lá muito ao longe, pelo detonar das granadas, que as armas, nossas e deles, iam vomitando.
Era uma espécie de trovoada, muito surda, que a aragem branda, que soprava, ajudada pelo silêncio da madrugada, trazia até aos nossos ouvidos.

O capitão continuou:
- Prepare o seu grupo de combate para levar reforço ao destacamento, logo ao alvorecer.

Ainda durante a noite mandei acordar os soldados, e os furriéis, os condutores e os mecânicos, mandei carregar nas viaturas as munições necessárias para o que desse, e viesse, durante a viagem, e para repor o “stock” do destacamento.

Ao alvorecer tudo estava em condições de iniciar o movimento para Guidage.

Ao alvorecer iniciei a caminhada para Guidage, onde cheguei (chegámos) pelas nove horas.
Foi desolador o quadro que nos esperava.

Destacamento de Guidaje
Foto: © Albano Costa

A tabanca da população estava totalmente destruída pelo incêndio causado pelo bombardeamento. Era um panorama dantesco, que estava à nossa espera.

A população perdeu as casas, as roupas, algum dinheiro, que possuía, as reservas alimentares, e tudo quanto necessitava para levar uma vida pacata, despreocupada, e quase feliz.

Homens e mulheres, velhos, novos e crianças, todos estavam profundamente tristes.
Tudo a guerra lhes tinha levado, no escasso período de algumas horas.
Esta guerra, que é feita em nome do povo, e para garantir a liberdade, e o bem-estar desse mesmo povo, vai pouco a pouco destruindo os bens, as fazendas, e as próprias vidas, que a guerrilha diz representar e defender.

A ideia pode mesmo ser bonita.
Mas nada justifica que se destruam pessoas, ou se martirizem populações, em nome de uma ideia, que nunca poderá valer tanto como uma vida.

No rosto de toda aquela gente apenas aflorava um sentimento de revolta, e desespero, e uma tristeza muito grande.
Em escassos minutos, numa noite que nunca chegarão a esquecer, aquelas famílias perderam tudo! E perder tudo, mesmo para quem não tem poucas coisas para perder, é perder sempre muito.
Restou-lhes, pelo menos, a vida.
A vida para poderem continuar a sofrer, e a lutar por um mundo melhor.

Para além dos prejuízos materiais havia ainda a lamentar a morte de duas pessoas, e vários feridos com alguma gravidade.
A tropa que, por cúmulo da sorte, nem um beliscão sofrera, apresentava-se com um aspecto louco.
A guarnição não passava de um conjunto de homens desvairados, cheios de pavor, a deambular entre destroços.

Naquele dia, e àquela hora, apenas o desespero, e o desalento, afloravam no rosto melancólico de cada soldado.
O comandante do destacamento, sem me dizer uma palavra, levou-me ao edifício do comando, uma casa já meio arruinada, cujas portas e paredes estavam esburacadas pelos estilhaços, e mostrou-me um monte de invólucros de granadas de canhão, de morteiro, de munições de metralhadoras pesadas, e de armas ligeiras, que os soldados já tinham recolhido, nos locais de onde tinha sido desencadeado o bombardeamento, e disse-me:
- O ataque foi só isto, que estás a ver. Os tipos estiveram mesmo junto do arame farpado. Isto poderia ter sido um desastre enorme. Apesar de tudo, ainda tivemos muita sorte. Se eles tivessem melhor pontaria tinham arrasado não só a tabanca, mas também o aquartelamento. Assim, limitaram-se a destruir a tabanca, através do fogo que as explosões atearam ao capim dos telhados. Nas nossas instalações apenas acertaram com os primeiros tiros, causando-nos os estragos que estás a ver.

Enquanto se procedia à descarga das munições, que deviam ficar em Guidage, fui com ele dar uma volta pelo meio da tabanca destruída.

- A única palavra que encontro para descrever aquilo que vi chama-se: Desolação.

Depois de, através do sistema de transmissões, que não fora afectado, ter contactado o comando da companhia, e do batalhão, colocando-os ao corrente de tudo o que se passara, mandei a população preparar-se para abandonar Guidage, onde não tinha mais condições de alojamento, nem de subsistência.
Ainda antes do meio-dia, com a tropa a caminhar a pé, e com as viaturas superlotadas de crianças, mulheres e velhos, pus-me a caminho de Binta.
Se toda aquela gente caminhasse a pé, estaríamos perante a imagem um novo êxodo bíblico.
Assim, aquilo era uma caravana de pessoas apavoradas, cobertas de pó, escoltadas por um grupo de soldados receosos e cansados, pessoas que fugiam do inferno, e iam a caminho, talvez, de um purgatório temporário.

Em Guidage ficaram apenas alguns voluntários que, mesmo tendo perdido tudo, preferiram ficar com a tropa, na terra que, afinal, é a deles.

Para além do cansaço provocado por uma longa viagem feita quase sempre a pé, e sob um sol ardente, chegou-se a Binta sem mais problemas.
A população de Guidage, logo que chegou a Binta foi recolhida pelos familiares da mesma etnia.
Esta gente é toda muito solidária.
Enquanto há comida, comem todos.
Quando a comida falta, todos passam fome.

Depois, informei o capitão sobre tudo o que vi em Guidage, e sobre as condições em que a tabanca ficou, e dei por findo o meu trabalha de hoje.

Ao fim da tarde o capitão deslocou-se a Farim, em LDM para falar com o comandante do batalhão sobre as condições em que ficou Guidage, após o ataque.

Domingos Gonçalves
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14033: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves) (7): Guidaje 1967 - Assalto a Cumbamory - Operação Chibata

Guiné 63/74 - P14238: Fotos à procura de... uma legenda (51): Manuel Joaquim dos Prazeres, empresário de cinema e caçador, Cabo Verde (1929/1943) e depois Guiné (1943/73)... Fotos da Praia, ilha de Santiago, Cabo Verde, com amigos (Lucinda Aranha)





Fotos nº 1 e 1A



Fotos nº 2 e 2A



Fotos nº 3 e 3A




Fotos nº 4 e 4A

Cabo Verde > Ilha de Santiago > Praia > c. 1929/43 > O empresário Manuel Joaquim dos Prazeres com amigos.


Fotos: © Lucinda Aranha (2015). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Lucinda Aranha (filha do Manuel Joaquim, empresário  e caçador em Cabo Verde (1929/1943) e Guiné (1943/1973), o homem do cinema ambulante; ela está a escrever um livro sobre o pai) (*)


Data: 19 de janeiro de 2015 às 18:47
Assunto: Fotografias da Praia

Caro Carlos,

Este mail dirige-se ao tabanqueiro Luís Graça e não a si mas como já lhe referi, por diversas vezes, sou muito incompetente nestas andanças de Net. Por isso agradeço lhe faça chegar o meu pedido.

Caro Luís.

Li hoje uma sua mensagem em que refere ter estado o seu pai no Mindelo e ter o Luís um particular apreço por Cabo Verde onde tem amigos. Acontece que o livro que eu ando a escrever,conforme já referi no blogue,está praticamente concluído. Só que estou presa por umas fotografias que gostava de inserir no livro mas tenho tido muitas dificuldades em conseguir identificar a maior parte das pessoas.


Sei que foram tiradas entre 1930/40 na cidade da Praia e consigo identificar o meu pai [. foto direita], o mestre Vicente e, penso, o chefe da polícia, o Ramos Pereira. 

O Branco Vicente, mais velho, que vive na Praia,  não os consegue identificar, mandei as fotografias por mail para o Cacá, filho do dr Carlos Almeida, e que vive nos Açores mas em vão.

Tenho esperança que a Lurdinhas, uma filha do sócio do meu pai, consiga identificar os retratados. Só que apesar de ela viver em Lisboa é difícil, por razões diversas que não se prendem com má vontade, conseguir um encontro com ela nos tempos mais próximos. Assim, tomo a liberdade de lhe enviar as fotografias. Pode ser que o milagre aconteça.

Desde já muito obrigada,

Lucinda Aranha



Guiné > s/l > s/d > Manuel Joaquim dos Prazeres, empresário de cinema e caçador, que conhecia a Guiné como poucos

Foto: © Lucinda Aranha (2014). Todos os direitos reservados.


2. Resposta do editor LG:

Lucinda:

Olá. boa, noite. Sim, o meu pai [, Luís Henriques, 1920-2014,]  esteve 26 meses em Cabo Verde, mais exatamente em São Vicente, Mindelo, entre junho de 1941 e setembro de 1943. Era então 1º cabo, e pertencia a uma força expedicionária (c. de 5 mil homens) que guardava aquele ponto estratégico, no Atlântico, por onde passavam os cabos submarimos e os navios que demandavam o hemisfério sul...

Infelizmente, não a posso ajudar, a não ser através das memórias que o meu pai me deixou, dessa época... Ele já não está entre nós. É boa a sua sugestão de se publicar as fotos (, que foram tiradas na Praia e não no Mindelo) e pedir ajuda para as legendar aos nossos camaradas, amigos e leitores de Cabo Verde. Por aí é possível obtermos alguma pista (*).

Há dias fiz uma referência ao seu pai. Ou melhor, o seu pai é referido no filme Bafatá Filme Clube, de Silas Tiny, produção da Real Ficção... O seu pai ia a Bafatá, dava cinema na casa ou no páteo de um comerciante local... Portanto, competia com o Sporting Club de Bafatá que tinha uma sala de cinema... Devem ter corrido com ele... No Sporting estava a elite local... Tem que ver o filme, passou na RTP2, está disponível em DVD (**)...

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Notas do editor:

(*) Último poset da série > 30 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14097: Fotos à procura de ... uma legenda (50): Fotos de António Fernandes Abreu, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71 (José Manuel Matos Dinis)

(**) Vd. poste de 5 de janeiro de  2015 >  Guiné 63/74 - P14120: Manuscrito(s) (Luís Graça) (43): Notas à margem do documentário de Silas Tiny, "Bafatá Filme Clube", com direção de fotografia da Marta Pessoa (Portugal e Guiné-Bissau, 2012, 78')

(...) (iii) A talhe de foice, também há uma referência à passagem, por Bafatá, do Manuel Joaquim dos Prazeres, o conhecido empresário de cinema ambulante, pai da nossa leitora e escritora Lucinda Aranha. Chegou a fazer sessões de cinema na casa do comerciantes António Marques da Silva. (..:)