terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12585: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (14): Foto aérea, nº 3 (Humberto Reis)






Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Bafatá > c. 1969/71 > Foto nº 3 > Vista aérea, do álbum do fur mil op esp Humberto Reis, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). Foto tirada de helicóptero.


Foto aérea nº 3 (Humberto Reis) > Legendas de Fernando Gouveia

1 – Rio Geba.

2 – Rio Colufe.

3 – Piscina.

4 – Parque infantil e estátua de Muzanty.

5 – Estrada para Bambadinca.

6 – Mercado.

7 – Casa do cinema em construção.


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 12, do álbum do Fernando Gouveia  > Porto fluvial e ponto de encontro das lavadeiras, na margem esquerda do Rio Geba. Ao fundo veem-se três canoas de pescadores. O rio era navegável até aqui. Na foto de cima veem-se três embarcações que regressam a Bissau, via Bambadinca e Xime.

Legendas: 1. Estátua de Muzanty; 2. Piscina.

Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de Dezembro de 2009 > 18h06 > Ao fundo, a fach velho cinema de Bafatá, parado há muitos anos.. Dizem que há um homem que toma conta do velho cinema, abandonado... Da esquerda para a direita: um habitante local, surdo-mudo, fotografado com o João Graça, médico e músico, membro da nossa Tabanca Grande, e o Antero, seu motorista...


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de Dezembro de 2009 > 15h22 > Restos do passado colonial: ao fundo, a antiga Casa Giuveia, hoje, sede do Tribunal Regional de Bafatá; e  antigo  parque infantil com a estátua de Muzante, hoje uma rotunda, ajardinada, tendo ao centro ae estátua de Amílcar Cabral, que é filho de Bafatá...

Fotos: © João Graça  (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]


Foto aérea (em cima): © Humberto Reis (2006).Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]  

[Humberto Reis, foto atual à esquerda]

1. Continuação da publicação do 
"roteiro de Bafatá", organizado pelo
 Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, 
 Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; 
autor do romance Na Kontra Ka Kontra,
Porto, edição de  autor, 2011; arquiteto, residente no Porto]

[Fernando Gouveia, foto atual à direita]

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12584: Blogpoesia (366): Por uma simples questão de aritmética, cheguei à conclusão que o inferno não existe... [Ou, se existe, só pode ser cá na terra, Joaquim!... LG]


1. Por uma questão de aritmética!...

por J. L. Mendes Gomes


Cheguei à conclusão
De que o inferno não existe.
Nem sequer o purgatório,
Como tanto pregaram...

Pois se eu tenho
Quatro filhos,
Jamais seria capaz de os lançar ao fogo...
Que será Deus...
Que quis, de graça, ser nosso Pai?...

Vejam a festa que Ele fez
Ao filho pródigo...
Que pediu a herança
E foi correr mundo...
Fez-lhe uma festa
E recebeu-o de novo,
Sem pedir contas!...

Berlim, 14 de Janeiro de 2014, 14h42m
Joaquim Luís Mendes Gomes


[ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado; autor do livro de poesia "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013, 232 pp., preço de capa;: € 14; encomendar aqui]
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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12537: Blogpoesia (365): 'Receita de Ano Novo', de Carlos Drummond de Andrade, uma prenda do Vasco Pires, um camarada da diáspora , ex-alf mil, cmdt, 23º Pel Art, Gadamael, 1970/72

Guiné 63/74 - P12583: Manuscrito(s) (Luís Graça) (17): À uma e meia da tarde quando o relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, no dia 13 de janeiro de 1971... Homenagem a um grande sobrevivente, António Marques

1. Passou ontem uma efeméride, de triste memória para nós, CCAÇ 12 e CCS/BART 2917: há precisamente 43 anos, no dia 13 de janeiro de 1971, a escassos quilómetros de Bambadinca, à saída do reordenamento de Nhabijões (uma das coqueluches de Spínola e da sua 'Guiné Melhor'), duas viaturas nossas, com um intervalo de 2 horas, acionaram minas A/C. Resultado: 1 morto (da CCAÇ 12) e 6 feridos graves (da CCAÇ 12 e da CCS) foi o balanço, trágico, desse dia...

Ontem às 13h30 em ponto, o meu querido amigo e camarada António Fernando Marques telefonou-me a relembrar esse momento que nunca mais esqueceremos, ele e eu... porque está-nos gravado na carne e na alma... 

Já aqui em tempos o tinha homenageado através de um poema (*) que, de resto,  quero incluir no meu próximo livro de poesia... Fiquei muito sensibilizado pelo telefonema dele, que atendi à porta do consultório do meu médico... Coincidência: ia justamente fazer um exame de vigilância médica periódica, como mandam as regras da arte da boa conservação da saúde...

Confesso que, a princípio, não estava a perceber por que é que ele me estava a dar os parabéns...Pensei cá para comigo: "Bolas, mas  eu só faço anos daqui a 16 dias, no dia 29!"... Muito delicadamente dei-lhe a entender que ainda era cedo... Mas depois fez-se o clique, quando ele voltou a insistir: "Estão a fazer 13h30"...Só então se fez luz na minha mente: ele estava a querer referir-se à mina A/C em que ambos tínhamos caído, mais as nossas duas secções, numa velha GMC do tempo da guerra da Coreia!... Há precisamente 43 anos,  às 13h30, do dia 13 de janeiro de 1971, aos 20 meses de comissão!... Nas nossas barbas, à saída do reordenamento 8e destacamento) de Nhabijões!...

Que merda de memória a minha!... Agora estava a atender!... Desculpa, camarada!... Mas, parabéns, porquê ? Por estarmos vivos, termos sobrevido!'... Só podia ser!... Dois sobreviventes, eu e ele! E ele ainda mais do que eu, que teve uma longa convalescença de 2 anos... Senti que, do outro lado do telemóvel, o Marques estava emocionado. E lembrei-me de quanta sorte tivera eu nesse fracção de segundo que podia ter ditado a minha, a nossa morte...

Pedi-lhe desculpas por não ter, de imediato, associado a sua chamada à trágica efeméride. Sou mau em datas. Esqueço-me dos aniversários de familiares e amigos.  E,  para mais, das efemérides da guerra... São coisas que a gente esquece, recalca, sublima, escamoteia, branqueia, ignora ou faz por isso...

Para, de algum modo,  compensar a sua eventual deceção face à minha involuntária  indelicadeza, disse-lhe que estava a preparar um livro de poesia para publicação e que o poema que eu, em tempos, lhe tinha dedicado, aqui no blogue , sobre a explosão da mina em Nhabijões (*), deveria ser um dos poemas elegíveis para a minha antologia...

Pois aqui fica, em homenagem a um grande, a um digno,  a um teimoso e corajoso sobrevivente, o António Fernando Marques, ex-fur mil at inf, 4º Gr Comb, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71 + 2 de hospital militar)... Extensivo à sua Gina, uma grande mulher que deixou tudo para o ajudar a recuperar e reintegrar-se quando esteve no Hospital Militar Principal... Eles são um casal que eu muito admiro e têm dois filhos maravilhosos, que eu um dia ainda hei-de conhecer: uma comissária de bordo e um comandante da aviação comercial...

Esta é  a última versão do poema, revista ontem. Comecei justamente a escrevê-lo há 43 anos, no meu diário... E ficará para sempre inacabado... É uma espécie de suplício de Sísifo... É também uma homenagem a todos os meus camaradas que um dia, na guerra, conheceram o horror da explosão de uma mina, A/P ou A/C... (**)... Não posso deixar de lembrar quanto este poema (ou melhor, este singelo texto poético, que começou como prosa...)  é devedor ao genial poema de Frederico Garcia (1898 - 1936), Llanto por Ignacio Sánchez Mejías (1935), esse sim um dos poemas mais belos e mais trágicos da história da poesia universal. (***)



2. À uma e meia da tarde...

Ao António Marques

Era uma hora e meia da tarde
quando o relógio parou,
na estrada de Nhabijões-Bambadinca.

... O sol dos trópicos desintegrou-se.
O céu tornou-se de bronze incandescente.
Mil e um pequenos sóis riscaram o ar.
O mamute de três toneladas deu um urro de morte,
ao ser projetado sob a lava do vulcão.
Uma súbita explosão…
Um trovão que ecoa até ao Mato Cão,
a norte...
E depois o silêncio.
O silêncio da morte.

...À uma e meia hora da tarde
na estrada de Nhabijões-Bambadinca.

Sei que gritaste:
– Agarrem-se que a viatura vai despenhar-se!
Sei que foste projetado ao lado do condutor,
batendo violentamente
com a cabeça na chapa do tejadilho.
Sei que conseguiste equilibrar-te
dentro do caixão de ferro.
Sei que não vias nada.
Sei que a espessa nuvem de pó, envolvente,
exalava um forte cheiro a enxofre.
Mas ainda conseguiste pensar:
– O ar está rarefeito,
milhões de partículas de pó barrento
bloqueiam-me os pulmões,
vou sufocar dentro desta maldita cabina!

... Foi quando parou o teu relógio,
à uma e meia da tarde
do dia 13 de janeiro de1971,
à saída do destacamento de Nhabijões.

… Um curto-circuito ocorreu no teu cérebro,
como se tivesses sido eletrocutado.
Ficaste rigidamente colado ao assento,
a G3 entrelaçada nas pernas,
e a estranha sensação
de que a massa encefálica te tinha saltado da caixa craniana.
O olhar vidrado
de quem mergulhou nas profundezas da terra.
O gélido terror
de quem entrou num mundo desconhecido.
A antevisão da viagem pelo Rio de Caronte.
O calafrio da morte, 
trespassando o teu corpo da cabeça aos pés.

...À uma e meia da tarde
na estrada Nhabijões-Bambadinca.

Nunca saberás ao certo
quantos segundos se passaram,
mas houve um solução de continuidade,
essa fração de tempo
em que a tua consciência esteve bloqueada,
e os pulmões falharam,
e o sangue gelou,
e o coração parou,
de puro terror,
escreve, não tenhas pudor,
de puro terror...
até compreenderes que a velha GMC
tinha acionada... uma mina!

– Outra mina, meu Deus!,
que horror!
e instintivamente agarraste-te àquela carcaça de mamute,
mal refeito da surpresa de estar vivo.


...À uma e meia da tarde,
à saída do reordenamento de Nhabijões.

Quando saltaste para o chão,
tinhas, sob o olhar aterrado,
os destroços duma batalha:
corpos por todo o lado,
juntamente com espingardas,
cartucheiras,
cantis,
canos de bazuca e de morteiro,
granadas,
dilagramas,
um rádio,
bocados de chapa e de borracha,
quicos,
botas,
restos de camuflado,
numa profusão indescritível.
Corpos que gemiam,
que gritavam,
ou que talvez já fossem cadáveres.

...No vulcão de Nhabijões,
a oeste de Bambadinca,
Setor L1, 
Zona Leste,
Teatro Operacional da Guiné,
África subsariana,
Planeta Terra!

Mortos! Tudo mortos!
gritava-te o puto Umaru,
os braços abertos,
o pânico estampado no seu belo rosto de efebo,
menino fula feito soldado, 
sem o seu inseparável pequeno cachimbo,
que sempre usava para lhe dar o ar
de falso Homem Grande.

E logo ali o Transmissões,
o primeiro ferido que reconheceste,
todo encolhido junto ao colosso de ferro amalgamado,
numa postura fetal, de defesa,
em estado de choque.

Abeiraste-te depois do comandante da 1ª secção,
teu companheiro de quarto, 
 o Marques,
o teu querido Marquês sem acento circunflexo,
como o tratavas,
mas ele já não reagia à tua voz
nem às bofetadas que lhe davas no rosto,
o olhar vidrado
dos passageiros do barco de Caronte.
Aparentemente não tinha qualquer fratura exposta
mas de um dos ouvidos corria-lhe um fio de sangue.
Um fiozinho, 
vermelho e negro,
rapidamente oxidado em contacto com o ar.
Procuraste desesperadamente
os seus sinais vitais,
mas sua respiração era cada vez mais fraca,
e o pulso escapava-se-te,
entre os teus dedos,
como a areia da ampulheta.

Trágica ironia!,
um minuto antes,
ao subirem os dois para a viatura,
haviam disputado amigavelmente o 'lugar do morto'.
Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...

À uma e meia da tarde de um dia treze,
ao vigésimo mês de Guiné,
em Janeiro de 1971.

Acabaste por ser tu a ir para o 'lugar do morto',
ao lado do condutor.
Mas daquela vez, e para sorte tua,
a mina rebentaria sob um dos rodados duplos traseiros da GMC,
embora do teu lado.
A velha GMC do tempo da Guerra da Coreia,
que gastava cem aos cem...
e que acabava de fazer a inversão de marcha,
de regresso ao quartel,
em Bambadinca.

Outra filha de puta de mina,
não detetada pelos nossos picadores,
fora acionada, na berma da estrada,
às portas do reordenamento de Nhabijões,
a coqueluche do comando do batalhão.
Porra, camaradas, 
a escassos metros da anterior,
já fora da estrada!

… À uma e meia da tarde
de um dia 13, 
que nem sequer era sexta-feira 13,
de azar!

Estavas de piquete,
quando duas horas antes uma viatura nossa
acionara uma mina.
Um frágil burrinho, um Unimog 411.
Ia buscar o almoço para o pessoal do reordenamento.
O condutor, o Soares, teve morte imediata.
O furriel Fernandes, também da CCAÇ 12,
o alferes sapador Moreira e outro militar,
ambos da CCS do batalhão,
ficaram feridos, com gravidade…

Mas só agora reparaste no velho Tenon,
no Ussumane, no Sherifo,
mesmo ao meu lado, a teus pés,
sem darem acordo de si.
E ainda no Quecuta, no Cherno
e no Samba, teu bazuqueiro,
arrastando-se penosamente sobre os membros superiores,
como lagartos cortados ao meio.

…À uma e meia da tarde
na estrada da morte,
com as palmeiras de Samba Silate
e o Rio Geba ao fundo.

As duas secções que seguiam atrás, na GMC,
tinham sido projetadas pelo vulcão de trotil,
como se fossem cachos de bananas.
Caso se seguisse uma emboscada,
então seria um massacre.
Tu eras o único que tinha uma arma na mão,
mas inútil, inoperacional, encravada,
devido ao choque sofrido…
Não deixaste de sentir um calafrio
ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG
e sob o matraquear das 'costureirinhas' e das Kalash.

… Ali, à uma e meia da tarde,
em Nhabijões,
na Guiné,
longe de Saigão,
'far from the Vietnam'.

Tinhas acabado de fazer o reconhecimento das imediações,
detetando o trilho dos guerrilheiros
que, durante a noite,
tinham vindo pôr as minas assassinas…
Eles faziam a guerra deles,
tão cruel e tão suja como a nossa.
Esse trilho, mais fresco,
acabava por confundir-se
com os usados pela população de Nhabijões
que, como tu sabias,
não morriam de amores pelos tugas…
Hoje sabemos os seus nomes,
os nomes dos que nos montaram as duas minas:
Mário Mendes, chefe de bigrupo,
e Mário Nancassá, sapador.

SOS, evacuação Ypsilon,
vais a correr para o heliporto,
sem soro,
sem garrotes,
sem pensos,
sem maqueiro,
sem mala de primeiros socorros!

...Numa luta desvairada contra o tempo,
na estrada Nhabijões-Bambadinca.

Era possível, entretanto, que houvesse mais minas
pela estrada fora.
Ainda hesitaste em mandar picar o terreno,
mais alguns metros em redor,
mas não podias perder nem mais um segundo,
para logo seguires de imediato,
para os helis que aguardavam os feridos mais graves,
em Bambadinca.
Mais até do que a solidariedade
entre camaradas de guerra,
mais até que a tua amizade pelo Marques,
de repente o que te terá movido,
o que te deu força anímica,
o que te deu uma raiva de vulcão,
foi o brutal sentimento do absurdo da morte,
do absurdo daquela guerra,
a raiva contra aquela guerra,
na véspera de fazeres 24 anos!.

… À uma e meia da tarde
nessa maldita picada do inferno.

Foi uma corrida louca, aquela,
na fronteira indefinida
que separava a vida da morte
na estrada de Nhabijões.
No primeiro Unimog 404 que te apareceu à mão,
e que levava um carregamento letal de feridos.
Três deles estavam em estado de coma
e tinham como destino outro inferno:
o hospital de Bissau,
os Alouettes III, roncando como o macaréu,
sobre o Geba, largo e medonho,
a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte
aos vinte e poucos anos de idade.

…No dia 13 de Janeiro de 1971,
num dia que nem era sexta-feira,
mas que foi de terrível azar,
às treze e meia da tarde,
quando o teu relógio parou
à saída da grande tabanca de Nhabijões,
finalmente reordenada
e controlada…

Luís Graça, Bambadinca, 13/1/1971 / Lisboa, 13/1/2014 
[Revisto nesta data]


[Foto à esquerda: António Fernando Marques e Luís Graça. Bambadinca, s/d, c. 1970.  Foto de L.G.]

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Notas do editor:

(*) vd. poste de 28 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5717: Blogpoesia (64): À uma e meia da tarde...Em homenagem ao António Marques, que sobreviveu, dois anos depois, à explosão de um vulcão (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 1 de janeiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12529: Manuscrito(s) (Luís Graça) (16): desejos

(***) Há uma magnífica tradução de José Bento:

vd.  Frederico Garcia Lorca - Antologia poética: selecção, prólogo e notas de José Bento
 Lisboa: Relógio d'Água, 1993, 421 páginas. 

Sinopese:  Esta antologia contém a tradução integral de quatro livros de García Lorca: Romancero Gitano;  Poeta en Nueva York; Llanto por Ignacio Sánchez Mejías;  e Diván del Tamarit. Integra também uma selecção de Canciones e do Poema del Cante Jondo e sete sonetos de um livro inacabado.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12582: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (78): Informação sobre o ex-1º srgt Fernando Brito, da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), que é meu avô, está reformado como major e vive em Coimbra (Cláudio Brito)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CSS/BART 2917 (1970/72) > c. 2º trimestre de 1970 > O então 1º sargento Fernando Brito, na estrada de Bambadinca-Bafatá às voltas, com o condutor e um outro militar, com um problema no motor do seu jipe.


Fotos: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: L.G.]



Coimbra > c. 2013 > Avô e neto, da esquerda para a direita, Fernando Brito e Cláudio Brito.

Foto: © Cláudio Brito (2014). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do nosso leitor Cláudio Brito:

De: Claudio Brito

Data: 12 de Janeiro de 2014 às 15:47

Assunto: Informação sobre o Capitão Fernando Brito



Boa Tarde, Caro Sr. Luís Graça,


Observei com atenção o seu blog, no qual fala, entre muitas outras coisas, do meu avô, o Capitão Fernando Brito, reformado como Major e, na altura da comissão na Guiné, 1º Sargento [, da CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72]. Foi numa pesquisa que encontrei, para minha felicidade, esta página, o poste P9144.(*)

Congratulo vossas excelências pelo magnífico trabalho da História militar que no blog em causa executaram. Eu próprio sou formado em História, licenciatura e mestrado, e muito (se não quase tudo) devo ao meu avô.

Quero então informar, para atualizar o seu blog, que o Capitão Fernando Brito, por quem expressam carinho e saudade na página em causa, está vivo, tem 82 anos, está de boa saúde e continua a morar em Coimbra, no mesmo prédio, só o telefone é que mudou [Endereço a comunicar aos camaradas de Bambadinca, pelo correio interno da nossa Tabanca Grande, incluindo os orgnaizadores dos encontros do pessoal do BART 2917, L.G].

A minha avó, a senhora com o nome russo que falaram na página, Natacha, infelizmente morreu no passado dia 23 de Março do ano 2012. A juntar com a morte do meu pai (seu filho), a 9 de fevereiro de 2001, como devem entender, foram dois duros golpes para o meu avô que, para minha admiração, continua "rijo que nem um pêro", mantendo o físico e o verbo.

Pedia, se quisessem, pois o deixaria muito feliz, que lhe ligassem e falassem um pouco com ele ou mesmo que um dia se pudesse organizar um almoço ou convívio para relembrar algo que ainda o deixa feliz, os dias da tropa (e não da guerra).

Gostaria também de adquirir esse Cancioneiro, de que falam com tanto orgulho no blog :)

Deixo então as informações, aguardando uma resposta. Envio, igualmente, uma foto atual do meu avô comigo. Espero que gostem.

Os meus melhores cumprimentos e saudações

Cláudio Fernando Brito


2. Comentário de L.G.:

Meu caro Cláudio: Como costumamos dizer o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!... Sem imodéstia: somos 636 "amigos e camaradas da Guiné", a maior parte combatentes. Acabei de falar, pelo telefone fixo que me deste, com o teu avô, e meu antigo camarada de armas de Bambadinca, onde estivemos kuntos cerca de 10 meses, entre maio de 1970 e março de 1971. Ele era o 1º srgt da CCS/BART 2917 e eu era o fur mil armas pesadas inf Henriques, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). 

Reconheci-lhe a voz, de imediato, e perguntei-lhe se ainda cantava... Ele tinha uma bela voz de barítono... Continua, de facto, na mesma, em boa forma, pelo que me pareceu, à distância... Quarenta e três anos nos separam. Embora eu soubesse onde ele morava, em Coimbra, nunca mais nos encontrámos. Tentei, em vão, ligar-lhe algumas vezes. Foi graças ao teu mail, que acabo de descobrir o nosso Fernando Brito... E deixa-te tratar-te por tu porque os filhos e os netos dos nossos camaradas nossos filhos e netos são...

Falámos um bom bocado e eu confirmei aquilo que me transmitiste: a morte do seu filho e teu pai, num brutal acidente de viação, em 2001, e a perda, mais recente, da sua querida Natacha, sua esposa e tua avó. Foram dois duros golpes para a família, mas  também fiquei a perceber quanto ele te adora e admira.  Para ti, desejo boa sorte, em termos pessoais, académicos  e profissionais. Sei que gostas de história, como eu, oxalá tenhas oportunidade de trabalhar nessa área, como investigador e/ou docente.

Quanto ao teu avô, não sabia que ele tinha voltado à Guiné, para uma nova comuissão, desta vez em Madina Mandinga, na região do Gabu. onde terá apanhado "manga de porrada",  nos anos terminais da guerra. Também fiquei a saber que, depois da reforma, foi dirigente da Associação Académica de Coimbra – Secção de Futebol.

Para terminar, deixa-me dizer-te que eu convidei  o teu avô para integrar a nossa Tabanca Grande. Disse-me logo que sim, que teria muita honra. Prometeu-me ceder imagens dos seus diapositivos de Bambadinca e Madina Mandinga. Disse-lhe que tinha um lugar, o nº 637, à sua espera, para ele se sentar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande (**). 

Muita saúde longa vida para ti, Fernando Brito.

PS - Quanto ao Cancioneiro de Bambadinca, para já só tem uma letra e uma música, o fado "Brito que és Militar"... Uma homenagem, na época ao teu avô (*)... Temos feito recolha de letras de canções de caserna, que cantávamos  durante a guerra colonial na Guiné. Pode ser que um dia  destes se publique um livrinho com esse material (ou uma seleção)... E nessa altura o fado "Brito que és militar" irá figurar nessa antologia...

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9144: O nosso fad...ário (5): Fado Brito que és militar (Letra de Tony Levezinho, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

(**) Último poste da série > 15 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12297: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (77): Dois antigos camaradas da mesma unidade (CCAÇ 12), mas de épocas diferentes, sem grande tempo para se encontrarem em Lisboa, partem sábado, no mesmo avião, para Luanda, onde vão em trabalho...

Guiné 63/74 - P12581: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (6): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (5): Santarém, Setúbal, Tancos, Tavira, Tomar, Torres Novas, Trafaria, Serra da Carregueira, Vendas Novas, Viana do Castelo, Vila Nova de Gaia, Vila Real e Viseu




1. Conclusão desta série "Fábricas de Soldados", trabalho do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70), enviado ao nosso Blogue em mensagem do dia 18 de Dezembro de 2013:













(FIM)
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Nota do editor

Vd. postes da série de:

2 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12534: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (1): Introdução, Biografia, Índice das Unidades, Estruturas Militares, Órgãos de Comando e Número de Unidades mobilizadas

4 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12542: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (2): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (1): Municípios de Abrantes a Coimbra

6 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12550: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (3): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (2): Municípios de Covilhã a Linda-a-Velha

8 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12558: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (4): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (3): Município de Lisboa
e
10 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12570: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (5): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (4): Municípios de Mafra, Odivelas, Oeiras, Paço de Arcos, Penafiel, Penamacor, Ponta Delgada, Portalegre, Porto, Póvoa de Varzim, Queluz, Sacavém e Santa Margarida

Guiné 63/74 - P12580: Notas de leitura (552): "Mudança Sócio-Cultural na Guiné Portuguesa", dissertação de licenciatura de José Manuel Braga Dias (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Lê-se e fica-se de boca à banda. O ISCPU publicou em 1974 esta dissertação que esmiuça, sem rodeios nem encómios, a análise e comportamento da população guineense face à subversão.
O autor, Braga Dias, fizera a sua comissão na Guiné onde lhe foram dados meios para estudar as razões subjacentes à mudança sociocultural. Se na an
álise da estrutura sociocultural da Guiné anterior à eclosão do terrorismo traça um quadro perfeitamente convencional, no trabalho que desenvolve sobre as atitudes da população face à guerrilha apresenta elementos completamente novos à luz do discurso oficial, não deixando ilusões que a subversão convulsionava a sociedade, de cima a baixo.
Foi graças a uma chamada de atenção do investigador António Duarte Silva que cheguei a esta leitura. No mínimo, é de leitura indispensável para todos os investigadores portugueses e guineenses que pretendam estudar este período. Afinal, num determinado meio académico, e mesmo para consumo do governo da Guiné, Braga Dias desfazia a ilusão de que a luta armada era um “pequeno problema”, resolúvel a prazo.
Tenho muito gosto de emprestar estes 5 kg de papel a qualquer interessado.

Um abraço do
Mário


Mudança sociocultural na Guiné Portuguesa (1)

Beja Santos

José Manuel Braga Dias apresentou como dissertação de licenciatura ao ISCPU um trabalho intitulado “Mudança Sociocultural na Guiné Portuguesa”, que veio a ser publicado pela instituição académica em 1974. Este trabalho de investigação pode ser consultado no ISCP ou na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Braga Dias procura questionar as mudanças sociais registadas na Guiné e resultantes de uma situação de contacto, isto é, de aculturação condicionada por progresso técnico, económico, educacional, moral, político e social, fazendo avultar a natureza das transformações daí resultantes. Braga Dias fora mobilizado e esteve na Guiné dois anos a estudar os problemas da mudança social para compreender e explicar as reações dos indivíduos num contexto de contacto com as autoridades civis e militares.

A situação de contacto torna-se uma realidade não imediatamente após as chamadas guerras de pacificação, concluídas em 1936, mas mais propriamente no consulado de Sarmento Rodrigues, o governador que gizou e pôs no terreno o ideário da Guiné como “colónia modelo” introduzindo uma administração que em tudo mudou a vida da colónia, assegurando o lado moderno na justiça, no quadro administrativo, nas obras públicas, na saúde, na educação, na agricultura e nos negócios.

Braga Dias lançou mão de um amplo leque de entrevistas, fez os seus questionários e apresentou um primeiro trabalho de carácter etnossociológico que apresentou ao Comando-Chefe. Preocupou-se com entrevistas direcionadas em indivíduos integrados nas culturas tradicionais, aculturados ocidentalmente, de origem metropolitana e cabo-verdiana. Como escreveu na introdução do seu trabalho, “O critério de seleção baseou-se na função e estatuto que desempenhavam os entrevistados na sociedade guineense. Deste modo, se queríamos saber a organização tradicional Nalu procurávamos entrevistar um Nalu que desempenhasse funções na hierarquia tradicional e reconhecido pelas pessoas com quem contactávamos e por nós observado. Paralelamente, procurávamos entrevistar alguém ou um grupo de Nalus que nos confirmavam ou não as informações anteriormente recolhidas”. Foram difíceis, adverte, as entrevistas com elementos integrados nas culturas tradicionais, houve que recorrer a um intérprete da mesma etnia e quando as respostas pareciam evasivas havia que complementarmente recorrer à pesquisa documental. A tese de licenciatura de Braga Dias aparece dividida em quatro capítulos: características que definem a sociedade dualista da Guiné (tradicional e moderna); análise da atitude e comportamento da população face ao movimento subversivo; análise às três novas respostas dadas pelo governo da província à subversão e terrorismo (a saber, reordenamentos, congressos do povo da Guiné e o dispositivo militar africano); caraterização da situação de mudança da sociedade global guineense emergente do fenómeno da subversão.

A análise da estrutura sociocultural da Guiné anterior à inclusão do terrorismo procede a um levantamento dos comportamentos da sociedade tradicional, regista os contactos interétnicos, toma em consideração os grupos sociais integradores, caso da família, do clã, da etnia, toma em conta o animismo e as suas manifestações, o islamismo e as suas confrarias, a estratificação social em que se organizam as sociedades tradicionais islâmicas, segundo conceitos que divergem da estratificação social apresentada na documentação do PAIGC (por exemplo, para o PAIGC, na sociedade Mandinga havia que ter em conta as classes dominantes e as classes dominadas), mas também a estrutura linguística, a natureza da economia agrícola, a multiplicidade linguística, a especificidade do crioulo guineense. Quanto à sociedade moderna, Braga Dias faz avultar os “cristãos” e “grumetes”, os “ponteiros”, a variedade de contactos com a sociedade branca e a cabo-verdiana (registando que sírios e libaneses estavam organizados como uma sociedade fechada). Esta sociedade moderna seria constituída por quadros das empresas, alta administração, funcionários públicos médios, profissões liberais, pequenos comerciantes do mato, empregados de comércio, operários mais ou menos classificados e todos aqueles estratos que procuravam integrar-se na sociedade moderna. O local onde esta sociedade conhecia a sua maior vibração pode considerar-se os centros urbanos, hoje, como no passado, condicionados por fatores económicos. No passado, havia as “praças” como Cacheu, Buba e Bolama, que entraram em decadência quando as condições económicas se alteraram, obrigando ao deslocamento dos serviços públicos, eram centros urbanos que se manifestavam por duas povoações próximas, em permanente rivalidade: Canchungo desagregou a velha e nobre Cacheu; Bafatá eliminou a católica Geba, Bolama fez ruir para sempre o grande centro comercial que fora Buba, Cacine não pôde sobreviver à ascensão de Catió e Bissau feriu de morte a vila de grande e incontáveis sacrifícios, a antiga cidade de governadores, Bolama, Fausto Duarte dixit. Ora no limitar da luta armada esta tensão era igualmente evidente. No Gabu, Sonaco decaia a favor de Paunca e no Sul a exploração do arroz alagado provocara a emergência de centros urbanos como Cacine e Catió. Em jeito de síntese, a existência de dois grandes ciclos, o do arroz, que abrange todo o litoral até ao limite das marés, e a mancarra, em toda a Alta Guiné, foram determinantes, cada um em sua área, pelo nascimento ou decadência dos centros comerciais ou urbanos.

Braga Dias refere outros fatores como igualmente importantes para caraterizar a sociedade moderna: a tónica da cultura ocidental ou portuguesa em determinados meios serve de bom exemplo.

Apresentada a estrutura sociocultural da Guiné antes da luta armada, o investigador dirige a sua atenção para a atitude e comportamentos das populações face ao movimento subversivo. Lê-se a exposição e a estupefação é total: numa tese de licenciatura, sem subterfúgios, regista-se a dimensão que atingira a subversão em toda a Guiné, em todas as etnias, ou quase. E questiona-se como é que este trabalho permaneceu no pó das bibliotecas, indiferente à curiosidade dos investigadores, depois do 25 de Abril. Começando pelos Fulas, refere três tipos de comportamentos perante a subversão: franca colaboração com as autoridades e repúdio total ao movimento da luta armada; colaboração com as autoridades nos casos particulares de consumar vinganças e apatia absoluta pelo desenrolar da guerra. A atitude geral de repúdio foi a manifestação principal, os Fulas consideravam-se protegidos pelas autoridades que, sobretudo a partir de 1927, tinham talhado a repartição de poderes no denominado chão fula elegendo ou caucionando régulos de origem fula. Não foi por acaso que o 1º Congresso das Etnias da Guiné teve a finalidade de quebrar as graves tensões entre Fulas e Mandingas. Caraterizando o comportamento dos Mandingas, nota que houve aderentes desta etnia que apoiaram o PAIGC por razões muito claras: tinham aderido porque as terras em que viviam foram envolvidas pela subversão (caso do Oio e Fulacunda) ou acusados injustamente de praticar terrorismo por elementos de outras etnias que lhe invejavam os bens, tendo-se refugiado no Senegal e Gâmbia. O governo da Guiné invertera esta marcha nomeando régulos Mandingas em regulados de tradição ou considerados “chão mandinga”. Para o autor, esta atitude política estaria a reduzir hipóteses do PAIGC em expandir-se no Gabu, em Bafatá, em Farim, em Bissorã e Fulacunda.

(Continua)

O Dr. Eduardo da Costa Dias, do ISCTE, ofereceu-me esta primorosa perspetiva do monumento Ao Esforço da Raça, estou muito contente de a partilhar com a malta do blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12567: Notas de leitura (551): "Antologia da Terra Portuguesa - Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Macau e Timor", por Luís Forjaz Trigueiros (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12579: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (7): Adenda á minha história de "morto-vivo"


Fotocópia da página 5 da caderneta militar  do Mário Gaspar onde se pode ler no final: "Baixa de serviço em 12/10/1967  por Falecimento  b)" [ que é a chamada para outra página e onde está escrito "Sem efeito"].




1. Mensagem do Mário Gaspar, com data de ontem


Data: 12 de Janeiro de 2014 às 21:11
Assunto: Dado como Morto


Camaradas da Tabanca Grande

Como me foi solicitado, envio um texto em Anexo, em que desenvolvo mais o sucedido com a minha morte anunciada  – e tornada pública para a Família e Amigos  – no dia do meu casamento. Tudo isto é anedótico, mas dói e magoa. Não se faz isto a ninguém.

O camarada, também da Tabanca Grande, ex Furriel Miliciano de Atirador de Artilharia, e Especialista de Explosivos de Minas e Armadilhas, Mário Vitorino Gaspar n.º 03163264, que fez a sua Comissão de Serviço no «Cu do Mundo», como costumava escrever nas cartas e aerogramas em lugar de Ganturé ou Gadamael Porto. Isto claro para os amigos, para os familiares tínhamos de ser uns autênticos aldrabões, utilizando frases como "isto é uma maravilha", "estou bem", "parece estar de férias" e outras. Além de termos de matar para sobreviver, éramos uns mentirosos e não cumpríamos quaisquer dos mandamentos. 

As fotos que tirávamos - pelo menos acontecia comigo - sem armas, de calções, tronco nu e chinelos. Muitas vezes à civil. Para ser mais simples: - só trazia calções e chinelos, nem cuecas vestia, até que um dia o Major Médico que nos visitava às vezes, obrigou-me a usar cuecas sobre riscos de arranjar uma doença que podia parecer-se comigo.
Um  forte abraço

Mário Vitorino Gaspar


2. Nota adicional em relação ao documento (página 5 da caderneta militar) acima reproduzido

    
 Consta na minha "Caderneta Militar", e no meu "Processo Individual" – de que possuo uma cópia – que morri na Guiné a 12 de Outubro de 1967.

Só tive conhecimento das mortes do Furriel Miliciano nº 04412863, Vítor José Correia Pestana, natural da freguesia de Abitureiras, concelho e distrito de Santarém e do Soldado nº 00131466 António Lopes da Costa, natural de Cerva, concelho de Ribeira de Pena e distrito de Vila Real, em Bissau após o regresso de gozo de licença na Metrópole de 35 dias, entre Setembro e Outubro de 1967.

Ninguém me havia informado do acontecimento anteriormente. Encontrava-me junto do Hotel Portugal, após o desembarque em Bissau, quando ouvi alguém gritar pelo meu nome. Tratava-se de um camarada da CART 1659, que tinha sido evacuado para o Hospital Militar de Bissau.

Perguntou-me se sabia o que tinha sucedido. Interroguei-o, e disse-me terem morrido numa patrulha o Furriel Miliciano Pestana e o Soldado Costa, que estavam no destacamento de Ganturé.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12578: Parabéns a você (677): Maria Ivone Reis, ex-Capitão Enfermeira Pára-quedista, 85 anos

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12564: Parabéns a você (676): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil da CCAV 3365 e CCAÇ 16 (Guiné, 1971/73)

domingo, 12 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12577: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (9): Novembro de 1966 - Qual guerra?

1. Em mensagem do dia 7 de Janeiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o nono episódio da sua série Fragmentos de Memórias.


FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS

9 - NOVEMBRO DE 1966

Qual guerra?

Erguia-me do leito nupcial... chegava o pequeno almoço de meio quilo de rim cortado ós códradinhos e frito quando não grelhado... a rega com a cervejola preta de 6dcl, café... digestivo... e acima de tudo com a companhia das minhas mulher e filha.

Bissau - Natal de 1966 - Veríssimo Ferreira com a sua filha

O que me era devido estava agora a ser pago, os privilégios continuavam, mas que me sentia mal, sentia, sabendo das dificuldades que a rapaziada ia tendo lá nas matas, donde as notícias continuavam a ser piores do que antes. Notava-se que as coisas não estavam bem, também e porque o IN estava a ser agora ajudado por mercenários cubanos, tendo o próprio Guevara por ali andado. Constava que combatera no Congo e que se oferecera para nos fazer frente, tendo depois desistido quando soube que éramos OS PORTUGUESES, os tais das "ARMAS E OS BARÕES ASSINALADOS".

Meteu o rabo entre pernas e foi pregar para outra freguesia. Mas, nos locais mais problemáticos, o cansaço ia causando estragos e só com muita valentia se ia dando conta do recado. Contudo, nunca a esses heróis se lhes deu a devida importância. Éramos então na Guiné cerca de 22 mil.

Certo dia chega uma comissão de estrategas americanos que vinham estudar como era possível, que com tão poucos ainda conseguíssemos por ali mandar. Ouvi o que disseram no fim e para além dos elogios às Tropas Portuguesas, sugeriam que só nós resolveríamos o conflito que eles mesmo tinham no Vietname e com forças vinte vezes superiores. Se mais não fosse, considerei-me satisfeito e pedi para que isso fosse transmitido para o mato, mas qual quê... iam lá atender ao pedido dum furriel.

O Natal de 1966 chegou e a festa fez-se, só que na hora da distribuição de prendas fui alertado para ir até ao Hospital Militar, e aquela que prometera ser uma feliz noite, transformou-se para mim num verdadeiro calvário.
Cinco dos nossos jaziam na laje fria.

A 28 fiquei de novo só, mas a vida tinha de seguir em frente... o fim do ano estava aí... fizeram-se os bailes... haja alegria... que se lixe se a dor continua... que se lixe se a guerra continua... que importa lá isso!!!
Também dancei... também bebi mais que todos os impávidos e serenos... também me exaltei...

E o ano de 1967, chegou cheio de hip's hip's e copos a transbordar, para aquelas gentes alegres que nem memória pareciam já ter. E eu a um canto chorava de tristeza e dor (e por isso mariquinhas me chamei) mas decidi e amandei-lhe com mais um Vat 69.

Tudo voltou depois à normalidade e eu ao meu trabalho, cada vez maior. Nos mentideros, ia-se ouvindo falar de coisas quase sem nexo, mas que confirmadas eram tão reais, como o facto de que onde estivessem Companhias de Açorianos, não havia mais lutas. Teriam sido zonas de perigo, mas que eles foram pacificando, constando-se até, que na mata se ouviriam gritos IN's de: "Fujam que são os Açorianos."

Mais constava que por isso é que os mandavam logo dali pra fora, pois que não convinha a muito boa gente, que a guerra terminasse. Coisa estranha... não é?
Como é possível admitir que haja a quem não conviesse acabar com a guerra? Maldizentes... pensei eu, qu'até conhecia de quem falavam.

Conhecia eu e conhecemos todos decerto, particularmente os milicianos (furriéis e alferes) que na mata comandaram substituindo quem o devia e ganhava para o fazer. Cala-te boca...
Honrosas excepções existiram também, de gentes dos quadros profissionais, que se enlameavam nas bolanhas... que não abandonavam os seus e qu'até abominavam o ar condicionado.

Entrementes fui-me cultivando desaprendendo. Desaprendendo com aquele gente teórica, que não passara, pelas Mansabás, Manhau's, Bissorã, Guileje, Madina do Boé e quejandos, mas que enchiam o peito, com o pseudo-heroísmo balofo, jamais vivido.

Comecei a conhecer os verdadeiros significados doutras palavras, tais como: Medo... ganância... traição... demagogia... deserção... subserviência... engraxadorismo... lambe-botas... o que convenhamos era demasiado para o labrego que eu era e que só fora habituado a ser honesto.

E como combati para assim me manter!!!
Não foi fácil porque o aliciamento era mais que muito.
Consegui sair intacto embora me tenha tornado mais rude e desesperado com a porca da vida, mas mais que nunca, preparado para a enfrentar e enfrentei.

Azedo fiquei?
Talvez... mas valeu a pena que continuo com uma consciência pura e bela e que jamais me condenou.
Quiseram que entrasse em palhaçadas? Pois quiseram, mão não conseguiram, fiquei apenas pobre, mas isso já era.
Quiseram recalibrar-me? Pois quiseram, só que nessa altura viram a G3.

Estão a querer fazê-lo de novo em 2014?
Pois estão... mas tenham cuidado e sejam carinhosos, que ainda estou assadinho... e nem o talco tem resultado.
Não me codilhem mais, meninos do governo, senão vou-me a vocês e decerto não se salvarão dumas palmatoadas, ou então obrigar-vos-ei a comer uma dobrada liofilizada com feijão branco, à moda do K3.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12518: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (8): Meados de Julho de 1966, O futebol move montanhas e o Natal de 1966 passado com a família

Guiné 63/74 - P12576: Os nossos camaradas guineenses (36): Abdulai, meu irmão!... Recordando quatro valorosos milícias de Guileje: Sátala Colubali, Camisa Conté, Abdulai Silá e Sargento Samba Coiaté (Manuel Reis, ex-Alf Mil Cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã, Colibuia, 25/10/72 - 27/8/1974]


1. Mensagem de Manuel Reis [, ex-Alf Mil Cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã, Colibuia, 25/10/72 - 27/8/1974], com data de 13 de dezembro último:


Caros amigos Carlos e Luís:

Trata-se de um pequeno texto de agradecimento a todos os africanos que, na guerra da Guiné, muitas vezes nos serviram de escudo protector. Fica ao vosso critério a publicação, ou não, deste texto.


2. Abdulai, meu irmão

por Manuel Reis


Por vezes, dou comigo a pensar no destino triste e por vezes dramático dos nossos amigos guinéus, os que partilharam connosco a tortura da guerra e a população anónima, que se acolhia sob a nossa protecção. Muitos já não estão no reino dos vivos, ou porque foram mortos após a nossa retirada, como represália, ou porque a erosão provocada pela guerra insensata causou danos irreversíveis, ou porque as deficientes condições de saúde e/ou alimentação apressaram a sua partida.

Quase todos os ex-combatentes sentem uma dívida de gratidão, por todos os que, estando do nosso lado, se expuseram de modo a salvaguardar a nossa integridade física.

Recordo aqui alguns nomes, desta gente anónima, com quem partilhei alguns momentos e que a memória se recusou a enviar para o caixote do lixo. Não passa de um gesto simbólico de agradecimento a camaradas e amigos que já partiram.

Sátala Colubali, Camisa Conté, Abdulai Silá e Sargento Samba Coiaté eram milícias em Guileje, tendo cada um destes ex-combatentes uma missão diferente a desempenhar dentro do grupo.




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1972/74), "Os Marados de Gadamael" >  "Dois dos melhores soldados milícias que nos acompanharam em Gadamael. O da direita, Camisa Conté, viria a falecer em 1973 quando das batralhas de Guileje e Gadamael". Foto do nosso saudoso  camarada  Daniel Matos [1950-2011, ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74].


Comentário (postetior de Manuel Reis: "É feliz a foto do camarada Daniel Matos. Do lado esquerdo está Camisa Conté e do lado direito o Sátala Colubali, duas referências do meu texto."... E eu (LG) acrescento: "São tão raras as fotos dos nossos camaradas guineenses!"... 

Foto (e legenda): © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Sátala Colubali assumia o Comando de Grupo, na ausência de Samba, e distinguia-se pelo empenho e cuidado que colocava em cada missão, que lhe era destinada. A presença dele, em qualquer missão, era sinónimo de segurança e tranquilidade para todos os combatentes. Sabia o terreno que pisava, fruto da experiência dos muitos anos de guerrilha.

Camisa Conté actuava clandestinamente, entre o cair da tarde e o amanhecer do dia seguinte. A sua actuação residia na colocação de minas e armadilhas junto da fronteira ou dentro do próprio território da Guiné-Conacky. Saía só, pelo cair da tarde, com uma sacola aos ombros e a G3 a tiracolo. Estas surtidas obrigavam a um certo cuidado na desactivação das armadilhas do trilho, que ele utilizava e aos responsáveis pela vigilância do aquartelamento, quando do seu regresso ao romper do dia. Esta tarefa tinha, por vezes, algum êxito, a dar crédito nas informações que nos chegavam. Não era do meu gosto este tipo de actuação, mas o reconhecimento por todo este trabalho está fora de causa.

Estes dois amigos e camaradas vieram a falecer no mesmo dia, finais de Abril de 73, nas imediações do aquartelamento, quando Camisa Conté procedia ao levantamento de um engenho anti-carro, colocado no troço de estrada que ligava ao Mejo, recém-aberto. O Sátala que sempre se recusara a trabalhar com tal material, nesse dia fatídico, resolveu acompanhá-lo. Eram homens estimados e admirados por todos, combatentes e população. Um grito de dor, em uníssono, ecoou pela mata cálida de Abril, quando os restos mortais dos dois nos aparecem embrulhados numa camisa de um dos milícias. Permanecem na memória de todos como símbolos vivos de uma amizade, feita de convívio, luta e sofrimento .

Abdulai Silá, era um dos Homens-Grandes, tinha atravessado todo o período da guerra. Já com idade avançada, acima dos 40 anos, era o nosso guia. Detectava a presença do IN a uma distância considerável, pelo seu olfacto apurado e pela sua experiência de 10 anos de guerrilha. Muitos episódios partilhei com ele, em missões de maior risco, pois só nessas participava, dada a sua idade não se coadunar com um grande desgaste físico.

Vou citar apenas duas dessas acções:

Um dia foi-me atribuído um patrulhamento nas imediações da fronteira, onde o contacto com o PAIGC tinha um grau de probabilidade elevado, por ser um trilho de reabastecimento do PAIGC, que se dirigia a Gandembel e aí inflectia para dentro da Guiné, seguindo o mítico corredor de Guileje. A 100 metros do trilho Abdulai chama-me e comunica-me a presença de grupos de combate do PAIGC. Alerta-me para as possíveis consequências negativas de um confronto, pelo facto de as nossas tropas se mostrarem um pouco inquietas. Conjuntamente com ele e com o comandante do outro grupo de combate decidimos não arriscar. Nunca esqueci as palavras amigas e sábias de Abdulai, nesse momento: “Nós, se morremos, morremos na nossa terra, junto da nossa família, enquanto vós estais longe da família”.

Uma das missões mais complicadas que me foi atribuída, foi a montagem de uma emboscada no Corredor de Guileje. Exigia-se a presença do Abdulai para com ele e com o Alferes Lourenço, o melhor amigo [, de seu nome completo, Vitor Paulo Vasconcelos Lourenço, e  que viria a morrer, por acidente em 5/3/73],  delinearmos o trajecto, dada a densidade da mata e a dificuldade de progressão. O trajecto foi dividido em duas partes, pelo facto de ser necessário abrir um novo trilho, por questões de segurança.

No 1º dia fizemos metade do percurso e no final armadilhámo-lo com uma granada defensiva, o que desagradou a um chimpanzé que resolveu accioná-la. A conclusão do percurso fez-se passados três dias. Chegados ao local, previamente determinado, a detecção da nossa presença foi de imediato assinalada por um tiro de kalachnikov. A situação era delicada, o local era muito bem controlado pelo PAIGC. Abdulai aconselhou-me a retirar do local, dada a previsível violência do embate, fazendo fé nos embates anteriores com as nossas forças especiais, noutros momentos, e sempre ao nível de Companhia ou Batalhão. Era urgente abandonar o local. A emboscada abortou, após prévio reconhecimento do local e uma breve conferência com o Abdulai e o Lourenço. O conhecimento da actuação do inimigo, nesta zona, foi valioso para uma tomada de decisão.

De quando em vez Abdulai vinha a Bissau gozar uns dias férias e, sempre que o fazia, solicitava ao Comandante de Companhia a não atribuição de missões muito arriscadas na sua ausência.

Abdulai morreu em Gadamael, atingido por um estilhaço, no final do dia, com perfuração pulmonar. Foram imensos os apelos para que o helicóptero, que ainda se encontrava em Cacine, o transportasse para Bissau, mas tornou-se impossível, dada a proximidade da noite e o risco do voo.

Do Sargento Samba [Coiaté], lembro o seu espírito de sacrifício, quando no ar já se sentia o cheiro da guerra, que se aproximava com toda a violência. Comandava o seu grupo, já muito reduzido, no dia 18 de Maio de 1973, com a missão de detectar a existência de minas na picada, que ligava Guileje a Gadamael. De repente gerou-se entre eles uma enorme discussão, cuja razão de ser não consegui entender. Falavam em crioulo e a sua conversa até chegou a ser escutada pelo grupo do PAIGC que se encontrava emboscado a 30/40 metros.

Alertei-os para a gravidade de tal atitude e Samba, num gesto repentino de revolta, assume a dianteira dos seus homens e 30/40 metros à frente detecta um fio eléctrico, que as gotas de água, caídas durante a noite, puseram a descoberto. Atingido, com um tiro no pescoço, teve morte imediata. Este sacrifício impediu que os restantes combatentes caíssem na zona de morte, que se estendia ao longo de 100 metros, com os guerrilheiros do PAIGC bem protegidos em valas construídas para o efeito e com a picada bem armadilhada com 20 minas, electricamente comandadas.

A todos o meu Bem-haja. Aos que partiram o meus desejo que Repousem em Paz.

Com as cordiais saudações natalícias.

Um abraço. Manuel Reis

P.S. Segue uma foto mais actualizada.      

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Nota do editor:

Úlotimo poste da série > 8 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10501: Os nossos camaradas guineenses (35): O Dandi, manjaco, natural de Jol, que eu conheci... (Manuel Resende / Augusto Silva Santos)

Guiné 63/74 - P12575: Historiografia da presença portuguesa em África (46): Angola, Diamang, Cmdt Vilhena, gen Norton de Matos, Cunha Leal, Salazar... Tanta coisa que não sabemos (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis, com data de 9 do corrente


Assunto: Diamang, Cmdt Vilhena, Cunha Leal - tanta coisa que não sabemos

Caros amigos Luís, Rosinha e C.Martins

Estive de férias e não vi atempadamente o poste da iniciativa do Mário Vitorino Gaspar (*), que se refere àqueles três ítens, a que poderia junar-se outro sobre Salazar e os negócios de Estado, no caso vertente sobre as colónias. 

Sobre a Diamang [, vd. aqui fabuloso arquivo digital, com mais de 6 mil imagens], convém desde já referir que se tratava de uma empresa público-privada, detida maioritariamente pelo Estado, e que registava uma dispersão do restante capital, tanto por pequenos investidores, como pelas grandes empresas (internavcionais) do trust. Detinha por contrato com o Estado a exclusividade de prospeção e exploração diamantífera em Angola.

Trabalhei na Companhia de Maio/72 a Dezembro/74. Tive lá um tio durante inúmeros anos, que pediu a aposentação em 1973, quando se preparava um atentado ao interesse português, com a cedência de "claims" (áreas de exploração), quando no inicio dos anos setenta foi criada a Condiama, onde se invertia a proporcionalidade de importância dos accionistas: a maioria do capital era detida pelas empresas do "trust", enquanto ao Estado ficava reservada uma posição minoritária.

Mas a questão foi além disto e a promiscuidade era latente para uns poucos funcionários atentos e com oportunidade de constatar a situação. Havia técnicos sul-africanos a cirandar pelos corredores da Companhia, e os diamantes provenientes da actividade da Condiama eram canalizados para a Estação Central de Escolha da Diamang, em Andrada. Na época, eram responsáveis máximos pela Diamang em Angola, os engenheiros Mexia e Matos, respectivamente director-geral, e director-técnico.

Na época, também, o eng Krus Abecasis, administrador-geral, era citado pela revista Paris-Match como beneficiário de um dos maiores rendimentos entre os executivos europeus (ou mundiais?). Como agora, os executivos nacionais impunham-se aos estrangeiros.

Eu trabalhei inicialmente nas explorações mineiras, mas ainda em 1972 fui transferido para a ECE, depois de uma breve passagem pelo MD-5 (central de meio-denso), por uma lavaria de que não recordo o nome, e pela lavaria dos ensaios.

Talvez o Mário se lembre de um colega da Dialap, o João Brás, que fui encontrar na estação. Ali chegado, pedi logo transferência para regressar às minas, o que só veio a acontecer em Setembro/Outubro de 74.

Portanto, e descontando pormenores que não sei, bem como a corrosão da memória, a verdade é que os diamantes, quer da Diamang - o grosso, quer os da Condiama, eram tratados em separado, mas guardados na ECE até às exportações.

Uma ocasião o meu tio cruzou-se com um sul-africano no corredor de acesso ao gabinete, que o indagou provocatoriamente: ainda cá está?

Do que se expõe, não será díficil inferir, que a actividade da Diamang, a prazo, perderia rentabilidade, em favor da Condiama, e que o "trust" passaria a tirar muito mais proveito da riqueza portuguesa. Li alguns relatórios do Banco de Angola, e era curioso que faziam referência às dificuldades de colocação nos "mercados" da produção da provincia, quer de produtos minerais, quer de produtos agrícolas, geralmente tutelados pelos institutos (do café, do algodão,etc). E o valor do quilate angolano (as melhores gemas no cotejo internacional), era comparável a valores de explorações insigificantes, como na Libéria, ou na URSS, relação não dada a conhecer.

O Comandante Ernesto Vilhena [Ferreira do Alentejo, 1876 - Lisboa, 1967; fotos á esquerda, cortesia de  José Adelino Maltez, ] foi um rico colecionador de arte e de antiguidades. Era, obviamente, íntimo de Salazar. As companhias coloniais detinham acervos de administradores oriundos de funções políticas, pelo que representavam excelentes recursos nas relações com o Estado. Por outras palavras, estavam ao serviço dos grandes accionistas, numa promiscuidade idêntica à actual (vide a quantidade de ex-ministros que mexem cordelinhos em administrações de empresas-públicas).



Cunha Leal  [, foto á direita, cortesia da Wikipédia, ] foi sempre lutador, quer por ideais, quer pela defesa dos interesses nacionais, quer pela defesa dos seus próprios interesses. Curiosamente, foi um obstinado opositor de outro português que governou Angola, e concitou o ódio das empresas coloniais (através da actuação da maioria de deputados da A.N: - Assembleia Nacional ), o Gen  Norton de Matos [Ponte de Lima, 1867 - Ponte de Lima, 1955], que tentou repetidamente estabelecer regras de contratação laboral, que dignificassem os nativos.

Depois de se demitir de ministro, Cunha Leal ], Penamacor, 1888-. Lisboa, 1970] não voltou a dar descanso ao poder. São fáceis de adquirir alguns títulos seus, edições de autor, que o comprovam substancialmente. Em "A Pátria em Perigo", 1962, apontava como solução para Portugal, a adopção dos princípios estabelecidos na Carta das Nações que se reportavam à autodeterminação, beneficiando do prazo de 30 anos para incremento da autonomia política, social e económica, que poderia ser objecto de referendo sobre a escolha das populações: independência, ou auto-determinação. O futuro do ultramar poderia ter sido bem diferente, pacífico, e próspero.

Mas Cunha Leal é também autor de outro tìtulo, "Coisas do Tempo Presente", 1957, que se refere a anómalias na gestão da Diamang, de que era um pequeno accionista, que congregava outras minorias, e reproduz alguns mimos trocados em assembleias-gerais com o Cmdt Vilhena. Essas picardias, resultavam da acusação de gestão dolosa/danosa, com relevantes prejuízos que apontava na direcção do interesse público. tema actual, qual ciclo vicioso!

Salazar [Santa Comba Dão, 18989 - Lisboa, 1970], que de tudo isso tomava conhecimento, mantinha-se à parte, não intervinha, e parecia submeter-se ao interesse estrangeiro. No entanto, o ditador parecia - e há quem o garanta, como o seu biógrafo Franco Nogueira - manter apreço pelo antigo ministro. Ainda tenho outros dois títulos: "Ilusões Macabras" e a "Gadanha da Morte". Aparecem nos alfarrabistas. (**)

Com abraços

JD

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12538: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (4): Elementos para a história e a cultura da nossa presença em África: o antropólogo Augusto Mesquitela Lima, refundador do Museu do Dundo / Diamang, e o comandante Ernesto Vilhena, administrador-delegado da Diamang


(**) Último poste da série >  23 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11298: Historiografia da presença portuguesa em África (44): Evolução do estatuto político-administrativo da Guiné, desde 1890 até à independência (José Gouveia, ex-fur mil, CART 1525, Os Falcões, Bissorã, 1966/67)