terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12554: Ser solidário (157): O nosso camarada, lusoguineense, natural de Contuboel, desempregado, a residir em Alfragide, António U. Baldé, pai da Alicinha do Cantanhez, tem um sonho: ser apicultor em Caboxanque...

1. Já aqui apresentámos em tempo o António Ussumane Baldé, nascido  em Contuboel em 1944, de etnia fula (*) [Foto à esquerda, Alfragide, 27/7/2012, na casa do nosso editior Luís Graça]

Foi educado, até aos 12 anos, pelo chefe de posto local, o português José Pereira da Silva, ainda hoje vivo, com residências no concelho de Oeiras. Fez a 4ª classe e isso abriu-lhe outras portas a que outros miúdos da sua tabanca não tiveram acesso. Lembra-se bem da serração do Albano, que ainda existia no meu tempo (junho/julho de 1969, quando Contuboel foi Centro de Instrução Militar, donde saíram, de entre outras, as futuras CCAÇ 11 e 12).

Em 1966, foi chamado para a tropa. Fez a recruta e a especialidade no CIM de Bolama. Ficou lá dois anos. Promovido a 1º cabo, de artilharia, foi instrutor. Lá se formaram diversos Pel Caç Nat. Em 1969 é transferido para o Pel Caç Nat 56, sediado em S. João, frente a Bolama.  Em 1970 é transferido para a CART 11 (e mais tarde CCAÇ 11), que estava em Paúnca. O comandante do seu pelotão era o alf mil Matos, que é de Ovar, e com quem ainda hoje convive e fala ao telefone. Já foi uma ou mais vezes aos convívios da companhia.

Em 1969 casou-se. Será o primeiro de quatro  casamentos. Teve ou tem 15 filhos,  o último dos quais a Alicinha do Cantanhez, filha da saudosa  Cadi Indjai (1985-2013), nalu de Farim do Cantanhez [, foto à direita]. Mais recentemente perdeu um neto.

Saiu da tropa em finais de 1970 ou princípios de 1971. A mulher tinha ficado em Bolama. Assistiu depois à independência. Não tem boas memórias de Bambadinca desse tempo, mas  não teve quaisquer problemas com os novos senhores da Guiné-Bissau. 

Ainda antes da independência tinha começado a trabalhar nos serviços agrícolas da província. Fez formação em floricultura, se não me engano. Foi ele e outros estagiários quem fez o jardim do Bairro da Ajuda, em Bissau, no tempo do administrador Guerra Ribeiro. Depois da independência começou a trabalhar com o engº agr Carlos Scwharz, no DEPA, na região de Tombali. Tem uma grande admiração pelo Pepito e pelo trabalho dele em prol do desenvolvimento da sua terra, através da sua ONG AD.

No princípio deste século, veio a Portugal fazer um curso de apicultura, que é hoje a sua grande paixão. Acabou por ficar. Trabalhou, até há pouco tempo, como segurança numa empresa de construção, no concelho de Cascais. Entretanto, obteve a nacionalidade portuguesa. Tem um filho, de 13 ou 14 anos, o Umaro Baldé, que vive com ele deswde os 6 anos e que está a frequentar o 7º ano de escolaridade obrigatória, em Alfragide, e que ser informático.

De momento o António Baldé está desempregado. O seu sonho é voltar a Caboxanque onde tem casa, junto ao rio Cumbijã, e desenvolver o seu projeto de apicultura no Cantanhez. Está a preparar o seu regresso.  Bom muçulmano, vai todas as sextas feiras à mesquita de Lisboa. É uma homem afável, conhece meio mundo, fala e escreve bem o português, e pediu-me para ingressar na Tabanca Grande em março do ano passado (*). 

2. O António Baldé está interessado sobretudo em partilhar conhecimentos e experiências na área da apicultura, em que fez formação profissional. Está a preparar-se para regressar à sua terra natal e montar o seu negócio em Caboxanque.

Lembrei-me que o podia ajudar, publicando uma lista de materiais apícolas que ele precisar de comprar, uns novos, outros podendo ser em segunda mão. O Natal já passou mas pode ser que haja, entre os nossos leitores, algum Pai Natal, que seja ou tenha sido apicultor, que o queira e possa ajudar.... 

Às vezes ser solidário (**)  não custa muito. E podemos mudar a vida de outro humano, dar-lhe uma grande alegria, pô-lo de novo a sorrir e a ter esperança,  ajudar a construir o seu negócio ... Neste caso, ser apicultor em Caboxanque!

Aqui vai a lista de materiais apícolas que o António Baldé anda à procura. Podem contactá-lo pelo telemóvel 969 262 831 (de preferência) / telef  216 054 667 (noite)

Guiné 63/74 - P12553: Convívios (557): Próximo encontro da Magnífica Tabanca da Linha, dia 16 de Janeiro de 2014, no sítio do costume. Abertas as hostilidades (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 6 de Janeiro de 2014, a propósito do próximo convívio da magnífica Tabanca da Linha, a levar a efeito no próximo dia 16 deste mês:

Viva Carlos!
Hoje volto a pedir-te para publicares o anúncio de mais um encontro da Magnífica, desta vez de Ano Novo, na senda do que já fora decidido e corroborado por S.Exa. o Senhor Comandante Rosales, sobre a realização de encontros na Linha em todos os meses ímpares do ano, medida que pretende dar satisfação a todos os que beberam água da bolanha, e agora desejam dessedentar-se com pinga genuína, enquanto se alimentam de algo mais que bianda com estilhaços.

Mas o próximo encontro, que vai realizar-se na Adega Camponesa, em Cabreiro, Alcabideche, por detrás do novo hospital, no dia 16, com encontro pelas 12H45, ficará marcado pela provável ausência daquele magnífico comandante, que antes do Natal foi sujeito a uma intervenção cirúrgica provocada por um aneurisma. Dessa situação, imediatamente resolvida, não se queixa o nosso Comandante, mas de terríveis dores com origem na coluna, que o afligem inclemente e incessantemente, pelo que já mete empenhos para ser operado. Se alguém conhecer um cirurgião competente e disponível, acudam, que ele não perde a verticalidade, mas estiola-se de dores e limitações físicas horripilantes. No entanto, se ele tiver oportunidade de tomar um medicamento que o alivie, que ninguém duvide, não faltará.

O Comandante Rosales "visto" pela objectiva de Luís Graça

Pois o nosso Comandante, homem ponderado, mas capaz de grandes decisões, determinou-me que desse continuidade à decisão tomada, desde que os senhores Segundos-Comandantes estivessem presentes no desenrolar da acção que for promovida. O Mário Fitas já anuiu, e conto que o Rogério também não tenha impedimentos, para que ambos possam manter a tropa com o elevado espírito e moral que a acção exige,e para que o pessoal não se habitue à auto-gestão de atacar a bel-prazer e aproveitar egoisticamente os despojos, coisa contrária à ética guerreira. É preciso organização! O preço, faço votos, manter-se-á para gaúdio dos mastigantes.

Assim, tudo o indica, no próximo dia 16 vão encontrar-se alguns dos mais representativos dos que palmilharam por bolanhas e matas da Guiné, pelo que solicito, que me confirmem as presenças pessoais e de acompanhantes, tão breve quanto possível, e podem fazê-lo para o meu mail, como para o télélé n.º 913 673 067.

Abraços fraternos
JD
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12521: Convívios (556): Almoço de Natal dos bedandenses do sul, com homenagem ao Tony Teixeira (1948-2013) (Hugo Moura Ferreira / Manuel Lema Santos)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 – P12552: Memórias de Gabú (José Saúde) (37): Que é feito de ti, camarada Rui ?



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.



As minhas memórias de Gabu

Rui, oriundo dos choupais de Coimbra, um afidalgado cavalheiro

Que é feito de ti, camarada?

Mostrava-se um rapaz amigo. Não lhe conheci momentos conflituosos que gerassem mal estar entre os camaradas. A minha cama, durante o tempo de uma comissão que fora entretanto antecipada graças à Revolução dos Cravos que se desenrolou com o 25 de abril de 1974, situava-se mesmo ao lado da sua. Dissecávamos constantemente conversas sobre as nossas vidas. Falávamos das namoradas, dos nossos tempos de escola, dos amigos, do futebol e, como era óbvio, da guerra na Guiné. O Rui era um companheirão. 

Não tenho a certeza da sua verdadeira especialidade, mas julgo que se tratava de um camarada de minas e armadilhas. O outro furriel miliciano desta especialidade era o Santos e disso não me restam dúvidas algumas. Acontece que no momento em que o capitão decidiu atribuir algumas tarefas ao pessoal da Companhia, coube ao Rui abdicar da sua especialidade e ficar como o furriel vagomestre do quartel.

Recordo a azáfama do Rui no princípio da sua novata e primária experiência. A sua roda-viva quotidiana em coordenar a tarefa das compras; na feitura das refeições para o rancho; no cuidar com preceito de todo o material comestível que tinha chegado na coluna do último reabastecimento; se havia, ou não, faltas que obedecessem a uma prévia informação superior; nas suas idas constantes a procurar hortaliças, possíveis, para completar as refeições do rancho, ou na aquisição peças de carne fresca que os militares muito apreciavam; nas contas meteóricas ao dinheiro que o 1º sargento da secretaria diariamente lhe entregava; revejo-o a manusear os pesos (escudos), em notas, para as citadas compras; compras que eram enquadradas com o dinheiro disponível; enfim, um rol de movimentos financeiros, também mentais, que o Rui já tratava com ligeireza.

Esporadicamente deparava-me com o Rui arreliado. O capitão e o sargento imponham-lhe rédeas curtas. Exigiam-lhe o teor das contas tim-tim. Os custos do “material” e o que sobrava das compras. E o meu camarada ficava fulo como uma barata. “Estão a duvidar de mim”, dizia-me um bom do Rui. A dúvida, na minha pressuposta opinião, situava-se nas cúpulas dos comandos da Companhia. Não no furriel miliciano que se limitava a exercer funções para as quais fora chamado já em território guineense. Funções, aliás, que se assumiam como contas de um outro “abastado” rosário, não o dele.

Mas com o evoluir do tempo, o Rui começou a conhecer as manhas do sistema, presumo.   Começou a saber lidar com a “troika” (capitão, 1º sargento e vagomestre) imposta pelos ortodoxos métodos que a guerra ultramarina declarava. Suponho que a sua postura mudou radicalmente. Atravessou um deserto de dúvidas, ergueu-se, iniciou uma peleja de bate-papos com a hierarquia militar e a certa altura a sua voz também se fez ouvir. O toque do clarim que impunha sentido, deixou-o de perturbar.

Com a bandeira branca hasteada no seio da “troika”, o Rui começou a disfrutar de mais tempo para si, deixou de se arreliar com as permanentes chamadas à secretaria para mais um apuro de contas, bem como das possíveis contestações que os profissionais em princípio lhe dirigiam, e eis então o nosso camarada rei e senhor de uma tarefa com a qual se deparou ao longo da nossa comissão.

As minhas memórias de Gabu sugerem momentos irrepreensíveis num território onde a guerra se cruzou, também, com outros pormenores que passavam ao lado do soldado sem medo. Lembro-me da canseira do Rui, e do 1º sargento, a vistoriar à risca a presença de camaradas de outras unidades militares que passavam, ocasionalmente, pelo nosso quartel. Conclui, depois, que cada estadia era faturada e entrava nas contas como uma diária ou como uma meia diária. Dia de partida e de chegada, não obstante a hora constatada, era atribuída a cem por cento para as contas da unidade. Normalmente a presença de um camarada de passagem ser-lhe-ia conferida a percentagem máxima. Era da praxe.

Numa tarde sem stress, e já com as contas de tesouraria feitas, o Rui, homem de Coimbra, pousou para a minha máquina fotográfica Olympus e eis que a sua imagem se mantém inalterável no baú das minhas recordações guineenses. 

Resta concluir e parafrasear o velho fado coimbrão cantado por Fernando Machado Soares: “Gabu (Coimbra) tem mais encanto, na hora da despedida”… Que é feito de ti, camarada?




Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

19 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 – P12475: Memórias de Gabú (José Saúde) (36): Visita à piscina do QG, em Bissau. Uma ida a banhos.


Guiné 63/74 - P12551: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (1): A equipa da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) (Fotos de Arlindo Roda)... E a nossa singela homenagem ao Eusébio, que foi o ídolo da nossa geração (Luís Graça / Cherno Baldé /António Rosinha/ Hélder Sousa / António Carvalho / C. Martins / Tony Borié / J. L. Fernandes)




Foto nº 95 > A equipa da CCA 12, vestida a rigor, com o equipamento a condizer: simbolicamente, camisola preta e calção branco... Esta era a equipa principal...em que tinha lugar o fur mil Arlindo Teixeira Roda (, o primeiro da primeira fila, a contar da direita). Mas, curiosamente, numa companhia em que as praças eram do recrutamento local (c. 100) e os restantes elementos (graduados e especialistas) de origem metropolitana (c. 50), não havia nenhum guineense...

Os soldados, fulas, etnia islamizada, não tinham especial apetência pela prática do futebol... pelo menos me Bambadinca.  Em todo o caso, na Guiné do nosso tempo, e devido à guerra o futebol estava praticamente confinado a Bissau... se bem, que houvesse também equipas de futebol no interior (Bafatá, Mansoa)... È verdade, o futebol era o desporto, por eleição, dos "tugas"...mas também foi um viveiro de dirigentes e militantes do PAIGC...

Recorde-se que havia dois clubes de futebol rivais em Bissau, o Sport Bissau e Benfica, e o UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau). Os seus jogadores formavam, no incío dos anos 60, a base ou a quase totalidade da seleção de futebol da província da Guiné. Um terceiro clube era o Sporting Club de Bissau. E, fora de Bissau, destacava-se o Clube de Futebol Os Balantas de Mansoa, e ainda o Sporting Clube de Bafatá (já aqui referido várias vezes no nosso blogue, e que já existia pelo menos desde o tempo do Governador Sarmento Rodrigues).

Voltando à foto: o capitão, com a respetiva braçadeira, era o alf mil op esp Francisco Magalhães Moreira  (1º Gr Comb), o segundo da primeira fila, a contar da direita. O terceiro desta fila é o alf mil at inf António Manuel Carlão (2º Gr Comb), mais tarde destacado para o reordenamemto de Nhabijões (o maior ou um dos maiores da Guiné, no tempo de  Spínola).  Os restantes elementos eram  praças, uns operacionais e outros condutores. Com tempo e vagar, poderemos depois identificá-los..

Para já: na segunda fila, de pé, da esquerda para a direita, reconheço  o 1º cabo manut material João Rito Marques (se não erro), o 1º cabo aux enf Fernando Andrade de Sousa, o sold inf Arménio Monteiro da Fonseca (2º Gr Comb,  1ª secção), o 1º cabo escriturário Eduardo Veríssimo de Sousa Tavares e o 1º cabo Manuel Alberto Faria Branco (2º Gr Comb, 3ª secção (Do último elemento não me ocorre o nome, embora me lembre dele).



Foto nº 94 > Outtra equpa da CCA 12, não sei se era a C... Mas todos ostenta o cráchá da companhia > Na primeira fila, reconheço, da esquerda para a direita, o 1º cabo cripto Gabriel Gonçalves (que também camntava e tocava viola), o alf mil op esp Moreira, o fur mil Roda, o  Arménio e o João Rito Marques, o nosso cabo quarteleiro. 

Em cima, e da esquerda para a direita, reconheço o fur mil at inf António Manuel Martins Branquinho, o 1º cabo Branco, o sold condutor auto Alcino Carvalho Braga, o sold básico João Fernando R. Silva, um elemento de que não me ocorre o nome (mecânico ? transmissões ?) e , por fim, o 1º cabo aux enf Sousa.


Foto nº 97 > Mais craques da bola... A gloriosa equipa de futebol de onze  da CCAÇ 12 donde se destacam, entre outros os nossos tabanqueiros Joaquim Fernandes (ex-Fur Mil At Inf, o primeiro, de pé, a contar da direita), o Tony Levezinho (ex-Fur Mil At Inf, o terceiro, na primeira fila, a contar da direita), o Arlindo Tê Roda (ex-Fur Mil At Inf, o quinto, na primeira fila, a contar da direita), e o João Rito Marques ( nosso cabo quarteleiro, 1º Cabo Manutençã de Material, que vive hoje em Sabugal)... Ainda na segunda fila, o terceiro a contar da esquerda, em tronco nu, é o 1º Cabo At Inf Carlos Alberto Alves Galvão (, que vive na Covilhã, e continua ligado ao associativismo desportivo). Não consigo identificar o jovem guarda-redes, que era um dos nossos soldados guineense.

Fardados, de pé, na segunda fila, da direita para a esquerda, 1º Sargento Cavalaria Fernando Aires Fragata (que foi depois fazer o curso de oficiais de Águeda, se não me engano; dei-lhe explicações de português; não sabemos se é vivo e onde mora); o 2º Sarg Inf Alberto Martins Videira (, vive ou vivia em Vila Real); 2º Sarg Infantaria José Martins Rosado Piça (,vive em Évora; e ainda pelo Natal falámos ao telemóvel); e o 1º Cabo José Marques Alves (que pertencia à 2ª secção do 2º Gr Comb, a secção do Humberto Reis, que chamava "Afredo" ao Alves:infelizmente, deixou-nos o ano passado)... 

Entre o Videira e o Piça, estão mais dois camaradas da CCAÇ 12, um fardado, soldaddo condutor auto é o Alcino Braga, e um à civil, cujo nome não me ocorre).


Foto nº 113 >  Desta vez, o nosso jovem guarda redes em ação



Foto nº 103 > Uma perigosa jogada do Arlindo Roda, acossado pelo alf mil inf Abel Maria Rodrigues (3º Gr Comb(, se não me engano...


Foto nº 99  > A> legenda podia ser: "A angústia do guarda.-redes antes do penalti"...


Foto nº 98 > O craque Arlindo Roda (1)


Foto nº 115 >  O craque Arlindo Roda (2)


Foto nº 106 > O craque Arlindo Roda (3)


Foto nº 102 > Aspeto parcial do campo de futebol de onze... Havia um outro, para futebol de cinco...


Foto nº 107 > Uma partida no tempo das chuvas (1)



Foto nº 111 >  Uma partida no tempo das chuvas (2)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Fotos do álbum do Arlindo Roda (ex-fur mil at inf, 3º Gr Comb) quem, além de excelente fotógrafo, sempre foi um praticante de desporto, em Bambadinca, e nomeadamente de futebol.... Era também exímio jogador de cartas. E hoje sei que é craque do xadrez e das damas. Infelizmente não o vejo desde 1994...

Apesar da intensa atividade operacional, e das duras condições cimatéricas da Guiné (elevada tempatura e humidade do ar), os graduados e os especialistas da CCAÇ 12 gostavam de jogar à bola. Mais de um terço do grupo metropolitano (que não ultrapassava a meia centena), jogava à bola: que me lembre, todos os oficiais (incluindo o cap inf Carlos Alberto Machado Brito, hoje cor ref) jogavam à bola...

Dos furrieis operacionais, quase toda a gente jogava, até para se manter em boa forma física: lembro-me do António Branquinho (1º Gr Comb), do Tony Levezinho e do Humberto Reis (2º Gr Comb), do  Luciano Severo de Almeida  (já falecido) e do Arlindo Roda (3º Gr Comb), do António Fernando R. Marques e do  Joaquim Augusto Matos Fernandes [ 4º Gr Comb)... Ficavam de fora os não operacionais: o vagomestre (Jaime Soares Santos), o enfermeiro (João Carreiro Martins), o transmissões (José Fernando Gonçalves Almeida)... (Pelo menos não me lembro de os ver equipados e a correr atrás da bola: a única exceção seria talvez o 2º srgt inf Alberto Martins Videira)...

Eu, pelo contrário, acho que nunca dei um simples chuto numa bola, na Guiné... Tenho pena: ter-me-ia feito bem... Também me parece que o Joaquim João dos Santos Pina (1º Gr Comb) e o José Luís Vieira de Sousa (3º Gr Comb) também não eram muito "futebolerios"... Do fur mil MAR Joaquim Moreira Gomes, o furriel da "ferrugem",  também já não me lembro bem se jogava ou não... O 2º srgt inf Piça, que acabou por fazer as vezes do 1º sargento, chefiando a secretaria, também não jogava: tinha já os seus 38 aninhos, tal como de resto o capitão...

Fotos: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendas: L.G.]


1. A morte de um ídolo da nossa geração, e de uma imagem de marca de Portugal, o Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014), levou-me a deitar mão das nossas fotos de arquivo, relacionadas com o futebol e as jogatanas que fazíamos no intervalo da guerra no TO da Guiné.

É também uma forma, nossa, singela, de homenagear,  no blogue da Tabanca Grande, o primeiro futebolista português e africano a ganhar a Bola de Ouro (1965), prestigiado galardão criada pelo jornal desportivo France Football.  Alguém lhe chamou o primeiro herói negro português... Filho de pai branco, angolano, e de mãe, negra, moçambicana, Eusébio acaba de entrar  hoje no Olimpo, espaço etéreo, mitológico, só reservado aos deuses e aos heróis.

Não sou muito dado às emoções futebolísticas, muito menos clubísticas. Em toda a minha vida, vi ao vivo, "in loco", dois ou três jogos de futebol, acompanhando o meu pai ... Uma ou duas vezes no antigo estádio de futebol do Benfica. E outra no estádio atual. Também tenho reservas mentais ao fácil unanimismo que a morte das figuras públicas desencadeia em Portugal, com os meios  de comunicação social (com destaque para a TV) a explorar, sem pudor e até à exaustão, as emoções dos vivos...  Mas ontem fui, de bom grado, ao Estádio da Luz, prestar uma anónima homemagem ao Eusébio, com o meu filho João, e, em espírito, com o "meu pai, meu velho, meu camarada", Luís Henriques (1920-2012)... Fomos lá por ele e pelo Eusébio, o "pantera negra" que deixou ontem de rugir...

Estamos todos de luto, Portugal, Moçambique, a lusofonia, a África e o Mundo. Mas foi bonita a homenagem de despedida que os portugueses lhe fizeram... Independentemente da origem, da cor da pele, da geração,  do clube, do credo religioso, da opção político-ideológica, dos ódios de estimação, dos preconceitos... de cada um. Fizemos, de algum modo, também a catarse de muitas das nossas perdas, nestes últimos anos ou até décadas, a começar pela perda de entes queridos, de amigos, de valores, de memórias, de líderes e de figuras de referência... É para isso também que o luto serve. (LG)


2. Depoimentos de amigos e camaradas (*)

(i) Cherno Baldé:


Caros amigos: Quem não se lembra da imagem do Eusébio, o Pantera Negra, banhado em lágrimas, à saida do mítico e fascinante estádio de Wembley e a legenda de "A Bola" com as palavras cheias de perplexidade e de interrogações sobre a derrota que Portugal e Eusébio acabavam de sofrer, assim nesses termos: "Quando um Homem chora, alguma razão há".

Em 1966, quando isso aconteceu, eu teria mais ou menos 6 anos e, é claro, , na altura, não podia nem ver e muito menos ler estas palavras de "A Bola", mas acontece que este acontecimento foi tao badalado e a imagem tão sacralizada que nos 10 ou 15 anos que se seguiram,  ninguém podia ficar indeferente.

Contou-me um colega de infância que, em 1987,  o Cavaco Silva,  então Primeiro Ministro de Portugal, veio a Guiné e com ele veio o Eusébio. E no decorrer de uma visita que fez ao Clube do Benfica de Bissau, afirmara que a derrota com a Inglaterra,  em 1966, tinha sido, antes de tudo, uma derrota política, isto é, que o regime de então, através da PIDE, não queriam perder um aliado tão importante como a Inglaterra, humilhando-a com uma derrota.

Hoje parece incompreensível que isto tenha acontecido, mas entra perfeitamente na lógica dos difíceis tempos de então, com Portugal cada vez mais isolado e a enfrentar várias frentes de guerra subversiva e com forte cariz ideológico, ao mesmo tempo.

Obrigado aos editores por terem repescado este pequeno naco das minhas lembranças de infância.

O caso de Eusebio serve também para relembrar,  aos que ainda duvidam,  que na altura não era importante e imprescindível nascer na Metrópole (Portugal de hoje) ou nascer branco e Europeu para amar, chorar, lutar e morrer por Portugal e a sua bandeira.

A proposito, há menos de um mês, durante uma viagem à aldeia, gravei a voz de um antigo milícia, meu familiar, iletrado,  que, ainda hoje, passados mais de 40 anos de recruta, consegue reproduzir na íntegra o hino de Portugal e o texto do cerimonial de jurar bandeira. Vou guardar, como diz o nosso amigo Torcato Mendonça.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé

(ii)  António Rosinha:

Eusébio representou a imagem da Selecção de Portugal durante a nossa geração. Mas mais que os simples pontapés na bola, Eusébio para Portugal e para a Europa representou uma mudança no olhar de toda a Europa sobre os africanos.

Eusébio foi uma "lança na Europa".

Eusébio representa uma portugalidade com mais de 500 anos.

Eusébio, embora através da bola, é de um simbolismo que ultrapassa o futebol.

(iii) Hélder Sousa: 

Caros camaradas: A 'magia do futebol' não tem nenhuma culpa do que os 'poderes instituídos' fazem, ou possam fazer, para aproveitar as emoções populares.

Isto vem a propósito de já ter visto escrito por aí, na net, aliás como é costume em situações similares, algumas palavras mais 'azedas' por causa da 'excessiva visibilidade' dada a este caso do falecimento de Eusébio. E o facto do Poder, que tanto descontentamento tem produzido, ter decretado 3 dias de luto nacional também contribui para essas animosidades.

Mas a grande verdade é que o futebol, para além dos grandes negócios e interesses que move, é um desporto ao alcance das grandes massas populares, em qualquer lugar se pode jogar, estreita relações, fomenta amizades e pode ajudar a esbater diferenças. Daí que o poder, em qualquer tempo, em qualquer lugar, tenha sempre a tentação de o utilizar.

Não são raros os relatos que contam como durante os tempos dos grandes jogos, fossem da Selecção, fossem entre clubes com maior visibilidade, não haviam 'ataques' ou 'flagelações' às nossa posições.

E este relembrar do que o Cherno nos dá conta é igualmente uma indicação forte de como o futebol fascina, atrai e consolida relações e recordações.

Que viva Eusébio!

Abraços, Hélder S.

(iv) António  Carvalho:

Caríssimos:b Esta figura muito real do Cherno, nosso amigo muito querido, continua com as suas interessantíssimas crónicas, para nosso regalo e para proveito da história e dos historiadores que a hão de fazer.
Na verdade, o ângulo sob o qual o Cherno narra a "guerra", é de uma importância crucial para a percebermos. Então, como se depreende dos episódios que aqui nos vai narrando, os meninos da tabanca funcionavam como elos de ligação entre nós combatentes e a população, assumindo-se assim como portas netre o espaço do quartel e a comunidade autóctone. É certo que, nalguns casos, a geografia do quartel coincidia com a da comunidade civil mas, mesmo assim, era de grande utilidade a colaboração da criançada no estabelecimento de uma boa relação com a população senior até pela sua rápida aprendizagem da nossa língua. Lembro-me bem da doçura de muitas meninas e meninos e como os seus sorrisos mitigavam o nosso sofrimento.Na verdade, nem sempre retribuíamos essa doçura. O Cherno fala disso com toda a verdade e com alguma diplomacia...ele é um fazedor de paz. Por isso a minha gratidão.

Um abração, Carvalho de Mampatá.

(v) C. Martins:

Estou triste .. muito triste..morreu o meu ídolo de infância.

Conheci-o pessoalmente através de um amigo comum e posso assegurar que era mesmo como dizem.. humilde.. generoso.. companheiro.. preservava a amizade acima de tudo.

Partiu cedo demais..mas como esse meu amigo, infelizmente também já desaparecido, dizia..."foi-se mas gozou a vida".

EUSÉBIO É ETERNO..VIVA O EUSÉBIO.

C.Martins


(vi) Tony Borié

 Olá,  Cherno:  "…nós éramos crianças e naturais da terra, na altura, não sentíamos o efeito do calor…". Era verdade, vocês viviam em redor de nós, lá no aquartelamento, que tínhamos vindo da Europa, com roupa camuflada, sofríamos entre outras coisas o efeito do calor e cá dentro, no fundo, também queríamos brincar à bola, também tínhamos os nossos heróis da bola, pois ainda éramos "umas crianças", mas um pouco mais crescidas.

Cherno, gostei do teu poste, onde lembras os teus amigos e heróis de criança, o Eusébio, não passava despercebido a quase ninguém, também era o meu herói, esteve comigo por duas vezes, uma vez em sentido, na "formatura" na parada de recolher, no Depósito Geral de Adidos, em Lisboa, onde eu estive temporariamente, no final, quando "sargento dia" mandou destroçar, fui junto dele e cumprimentei-o, outra vez aqui na cidade de Atlantic City, onde houve uma festa num Casino, assinalando o "Dia de Portugal".

Era uma figura de Portugal, era um "Embaixador", por sinal muito educado, paz à sua alma.

Um abraço Cherno, Tony Borie.

(vii) J. L. Fernandes:

Caro amigo Cherno Baldé

Os dois últimos parágrafos do teu comentário, atingiram-me o coração e os olhos arrasaram-se de água, água pura... pela dor imensa, de tanto sofrimento em vão.

Que pelo menos nos fique esta certeza;
- A de podermos continuar a ser irmãos.

Um abraço fraterno
JLFernande

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12550: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (3): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (2): Municípios de Covilhã a Linda-a-Velha




1. Terceira parte da série "Fábricas de Soldados", trabalho do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70), enviado ao nosso Blogue em mensagem do dia 18 de Dezembro de 2013:












(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12542: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (2): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (1): Municípios de Abrantes a Coimbra

Guiné 63/74 - P12549: Notas de leitura (550): "O Muro", por Afonso Valente Batista (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Dezembro de 2013:

Queridos amigos,
Para mim, foi um dos acontecimentos literários de 2013.
Diferente de tudo mais e muitíssimo próximo da guerra em que forjámos a nossa camaradagem. Penso que ninguém foi tão longe a indignar-se contra a indiferença reservada aos combatentes. É um livro pícaro, sensual, emotivo, surpreende como estamos ali, ainda adolescentes e depois de cabelos brancos, a sonhar uma viagem para decifrar o que os fios da memória não nos oferecem.
Um livro que é dedicado “A todos quantos por lá andaram, e que de lá vieram, e de quem já nada sabemos porque vivemos os ignorados tempos que os tempos têm”.

Um abraço do
Mário


O Muro: Um livro formidável sobre a indiferença dos outros

Beja Santos

“O Muro”, por Afonso Valente Batista, Glaciar, 2013, é uma das grandes surpresas de um ano que não foi manifestamente fecundo em lançadas sobre África. O que impressiona neste livro é decorrer em Angola mas ter o sopro da universalidade, não há incómodo nenhum em nos revermos naquela viagem de barco, naqueles espantos quando fomos confrontados com os maciços florestais, aquela solidão dentro do arame farpado, as angústias das operações. Mas acima de tudo, este livro é um grito sobre a incompreensão, um apelo à dignificação da nossa memória e um convite soberbo a regressarmos para vermos o “muro” que ali construímos, talvez a metáfora do crescimento que mudou as nossas vidas.

Trata-se de uma arquitetura gramatical e de um engenho do léxico em que se mistura o coevo com o antigo, escrevem-se aerogramas para o futuro, há excessos presumivelmente barrocos para o jargão da caserna, de premeio sente-se latejar a solidariedade e o crescimento das conivências afetivas, as que se prolongam pela vida fora e as que a ocasião determina. Há loucos e há demências intratáveis. Há quem tenha esquecido o muro que os salvou da loucura, há quem organize uma viagem e vá visitar o muro, a última questão a decifrar… o livro deixa a viagem em denso nevoeiro, nunca se conhecerá o desfecho.

Primeiro, há o grito contra a incompreensão, a indiferença, o Cabo Costa que até andou pelos corredores do Miguel Bombarda e que acreditava que nada existia no muro para além do desperdício em que nos transformámos brada uma autêntica catilinária, assim:
“Ainda hoje, passados esses tantos anos que o tempo teve até aqui chegar, com os cabelos tão ralos e brancos, as artrites herdadas das noites de emboscadas com água até à alma, o verdadeiro manicómio dos medos e da solidão; ainda hoje, esbarramos com impotência de quem nada sabe ou quer saber o que aquilo foi, e, por isso, de nada nos valeu, nada nos deu, em nada nos compreendeu.
Para nós, sempre uma revolta. Essa revolta de não saber onde estamos bem, de querer porque já quisemos e não nos deixarem querer – a indiferença dos outros, os que não souberam entender os nossos silêncios é, foi e será a ausência de que mais dói – e choramos por dentro, para acalmar a solidão de luz fria de néon em que nos transformámos, acalmar esta vida de merda.
Chamo incompreensão, a esse desajuste com a história recente deste país que não soube viver culpas nem parir culpados”.

Segundo, há a marca indelével da viagem e há o pós-guerra, os próprios africanos que combateram ao lado dos portugueses vivem atolados na humilhação, amarfanhados, também eles podem dizer no mesmo coro: 
“O buraco da memória é sempre fundo de cavar. Porque as recordações são a pá com que remexemos a memória, misturando-as com o lixo do sofrimento.
Naquele tempo em que se construiu o muro, vivia-se um estado de loucura coletiva, de alerta permanente, de excesso de lucidez, de ataque de cacimbagem, resultante, se calhar daquele lugre calor húmido que ia tomando conta de tudo: ossos, cartilagens, ansiedades (…)”. Porque durante a guerra esses africanos também puderam esclarecer esses soldados brancos que afiançavam vir defender Portugal, dizendo coisas assim:
“Nós somos gente já há muito tempo com os tempos cheios dos nossos antepassados que já andavam por este chão muito e muito antes de vocês cá chegarem e sempre aqui estivemos e não nos fomos embora porque esta é a nossa terra…”, é um texto declamatório estarrecedor, antológico.

Terceiro, há o cais, seguir-se-á viagem, a estupefação pelo encontro com a terra africana, a unidade militar marcha a caminho da guerra, são todos apresentados, um médico alcoólico, um carteirista, alguns matarruanos, todos vão ser identificados, porque há um cronista, de nome João, a ele competirá preparar o regresso, mais de 40 anos depois. A guerra em si aparece superficialmente documentada, o autor privilegia estados de alma, daí o livro cirandar do fim para o princípio, quando tudo parece caminhar vigorosamente para a viagem até ao muro, a obra interrompe-se, é emoção a que os leitores não têm direito a chegar. Por vezes, trocam-se azedas conversas entre os da tropa e os autóctones, a tropa bem procura praticar ação psicológica, cair no goto da população mas há sempre alguém que lembra que os colonos portugueses davam palmatoadas, usavam chicote, lançaram o fermento do ódio.

Quarto, enceta-se a viagem, é necessário reencontrar o muro, é preciso encontrar uma solução para este maldito labirinto em que mergulhamos:
“A guerra colonial, essa medonha espiral em que nos meteram e de que ainda não saímos, acaba, ainda agora, passado que foi tanto tempo, por não ter qualquer culpado. Não são culpados os que a inventaram e para lá nos mandaram. Não somos culpados nós, o que por lá andaram. Não são culpados aqueles que fomos defender. Não são culpados aqueles a quem fomos guerrear a sua terra. Ninguém é culpado. Ninguém.
Somos um país onde a culpa nunca existiu, onde nem culpados seremos ser. Somos um enredo onde a indiferença, a indulgência, a complacência, a desculpa e a misericórdia, em nome de um qualquer santo, ganha sempre à culpa. E um dia, se por acaso um culpado houver, é porque se distraiu ou porque é tão fraco e insignificante que até culpado pôde ser”.

Médico alcoólico, matarruanos, gente de expedientes e tantas outras figuras da galeria são convocados para depor sobre a finalidade daquela viagem até ao muro. A linguagem é eloquente, e ninguém está disposto a embarcar nessa nova aventura. João reencontra combatentes de ambos os lados, há lágrimas, mãos dadas, palavras embaralhadas, sofreguidões de dizer, sentires afogueados. Porque houve outras guerras a seguir à independência, voltou-se a perder, espalharam-se amarguras, de novo se separaram famílias, os que combateram estão mais pobres e os que vieram depois são hoje gente importante e com dinheiro. A viagem praticamente impossível inicia-se, mal a manhã nasceu. O autor diz que partiram como antigamente:
“Empoleirados num potente jipe, rumo ao Norte, à descoberta de um muro que por lá deixaram ia fazer 45 anos, contados dia-a-dia na memória de uma vida lembrada”.

Não sei se algum outro escrito sobre a guerra colonial foi tão longe aos labirintos da memória, aos gritos contra a indiferença pelo facto de se ter sido combatente de tal guerra. Uma obra singular e do melhor recorte literário.

Leitura especialmente indicada para quem queira conhecer os sentimentos de quem foi combatente em tal guerra.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12539: Notas de leitura (549): "Tratado Breve dos Rios de Guiné", por Capitão André Álvares D'Almada (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12548: Parabéns a você (674): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P12543: Parabéns a você (673): João Meneses, ex-2.º Ten FZE, DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Sold Cond Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)

domingo, 5 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12547: (In)citações (59): Homenagem a Eusébio da Silva Ferreira, o "pantera negra" (Lourenço Marques, 1942 - Lisboa, 2014)


1. Excerto do poste de 5 de agosto de 2009  > Guiné 63/74 - P4782: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (9): Futebol, rivalidades, bajudas... e nacionalismos(s)

Cherno Baldé, aliás, dr. Cherno Baldé
(...) O Júllio era um garoto muito estimado entre os colegas do grupo de Sambaro Djau, bem constituído, duro que nem um pau esculpido e ágil como um animal selvagem. No futebol de salão era o mestre no drible de frente a frente. O seu nome verdadeiro era Abibo. Ficámos amigos logo a seguir ao nosso primeiro duelo. Os bons adversários respeitam-se mutuamente, não é?...


Ele trabalhava na caserna de um dos pelotões da companhia, uma construção em betão armado enterrada alguns metros debaixo do solo e onde se alojavam mais de 20 homens e que estava situada nos confins do aquartelamento. Nós, que éramos crianças e naturais da terra, na altura, não sentíamos o efeito do calor, mas muitos anos depois, quando me recoradava daqueles homens brancos metidos naquele buraco, mal conseguia imaginar o tamanho do sacrifício a que estavam sujeitos.

Equipa de futebol de cinco, Fajonquito,  já depois da
independência. Foto de Cherno Baldé.
Ele ficou a ser o Júlio e eu o Chico, nomes emprestados a dois técnicos africanos que tinham vindo a Fajonquito para efectuar a reparação de alguma avaria da rádio de transmissões do quartel. Desse dia para a frente passámos a constituir um duo infernal no futebol juvenil.

Para além da irreverência e alma de desportistas natos, unia-nos o gosto da aventura e a frequência do quartel o nosso palco de actuação predilecto. Ao contrário dos outros rapazes da mesma idade, tínhamos a particularidade de andar sempre de calções em saia, sem ligações entre as pernas, a violencia da prática de futebol e a vagabundagem constante não permitiam tanto aprumo e tambem éramos daqueles que raramente voltavam a casa para o habitual banho da tarde e a troca de roupas, a água lamacenta da bolanha para nós ja era suficiente mesmo se pareciamos mais com porcos de mato com a lama branca da bolanha a cobrir a maior parte do corpo e os olhos cor de tijolo.

Na altura toda a gente queria ser o Pelé ou o Eusébio, sobretudo este último que estava muito em voga. Mas nem tudo era assim tão simples, os mais fortes é que escolhiam primeiro, se o Sambaro era Eusébio, então tínhamos que contentar com outros nomes menos sonantes, o baixinho Simões, por exemplo, quem conhecia o Simões?

Para nós tudo o que era afro era melhor, isto enchia-nos de orgulho contrabalançando assim um pouco a superioridade evidente dos brancos que, mesmo sendo nossos amigos não deixavam de ser diferentes de nós, na verdade, esta fronteira racial nunca deixou de existir e de se manifestar no comportamento dos actores em cena, verificando-se uma espécie de invasão ou interpenetração de comportamentos estranhos, a cultura e educação tradicional de parte a parte e em especial dentro das nossas moranças que a insolência e incontinência dos soldados no baixo do escalão da hierarquia militar, e não só, agudizavam cada dia mais.

Equipa de futebol da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).
Foto de Arlindo Roda
Será que podia ser doutra forma?... Não se esqueçam, estamos no princípio dos anos 70
e já existe no ar uma certa africanizaçao dos espíritos e começa a apontar uma certa confrontação atiçada pelos desafios de futebol entre africanos (que ou são tropas auxiliares em preparação ou serviçais no quartel) contra soldados portugueses, que sempre terminavam em brigas, sem consequencias graves, de resto.

Nós ja tínhamos os nossos atletas preferidos entre os africanos, claro, mesmo se a vantagem era quase sempre do lado dos brancos mais fortes e exímios em jogadas rápidas e golpes traiçoeiros de bola parada. Quando havia briga, os brancos venciam na mesma. Não eram soldados preparados para a guerra?... Os africanos tomavam a sua desforra durante os bailes da noite, com ritmos de Angola e do Congo com a luz de vácuo meio apagada para apalpar, na escuridão, os corpos redondos e suados das bajudas nas coladeiras. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12459: (In)citações (58): Estradas da região de Tombali, Guiné-Bissau, 40 anos depois da independência: o espelho da Nação (AD - Acção para o Desenvolvimento)

Guiné 63/74 - P12546: Facebook...ando (32): "Silêncio de Pedra", um texto de Paulo Costa, ilustrado pelo fotógrafo Rui Pires

1. Incitado pela mensagem do dia 3 de Janeiro de 2014 do meu amigo Fernando Jorge Rocha dos Santos, ex-Alf Mil de Eng.ª que fez a sua comissão de serviço em Angola, aqui fica o texto e a foto que ele me mandou e que encontrei publicados, no Facebook, na página "Aldeias de Portugal":




SILÊNCIO DE PEDRA 

As tuas mãos são as que ainda sinto. 
Nem queria acreditar, o teu olhar, quadro que jamais havia sido pintado. 
Recordo, na saudade, o começo do nosso amor, lá atrás, como se fosse ontem. 
Vida madrasta, aquela que te levou à guerra, aquela que a guerra me roubou, tu. 
Dizias que nem sabias ao que ias, quanto mais para onde ias. 
Hoje ninguém fala, apenas preferem divagar sobre as boas relações com África. 
Pobres coitados, aos milhares, jovens, partiram para o Ultramar, muitos para nunca mais voltar. 
Para morrer ou matar, por uma bandeira que um dia nos havia de abandonar. 
Odeio armas, como odeio! 
Malditas guerras, malditos homens, os que as criam. 
Se soubessem o tamanho do amor que um dia sentimos, muitos suicidavam-se. 
Recordo o beijo que me deste, na face, antes de partires. 
Prometeste-me que regressavas, para pedires a minha mão aos meus pais, para casar. 
Coitadinho, foste, para morrer ou matar. 
Não sei quantos mataste, mas sei que morreste. 
Sei!? Talvez não saiba, pois ainda vives dentro de mim, assim, numa forma abundante. 
Pergunto-me, tantas vezes, quem sou eu? 
Não saberei ao certo, mas sei que sou o que sempre desejei ser: tua. 
E cá continuo, sempre, a amar-te eternamente, só, abraçada a este silêncio de pedra. 

Texto: Paulo Costa
Foto: Rui Pires
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Publicado aqui com os devidos créditos aos autores do texto e foto, a partir da página Aldeias de Portugal no Facebook
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12517: Facebook...ando (31): Fotos de armamento do PAIGC apreendido, em 1973, por forças do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74) (Angelo Gago, ex-sold cond auto, residente em São Brás de Alportel)

Guiné 63/74 - P12545: O segredo de... (14): António Graça de Abreu (,ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74): Também fiz o curso de Minas e Armadilhas, em Tancos, ainda em 1971... E até sonhei um dia em ser... bombista!

1. Comentário, com data de ontem,  de António Graça de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74, ] ao poste P12540 (*):

Também fiz o curso de Minas e Armadilhas, em Tancos, ainda em 1971. (**)

Encartado, licenciado,  nunca mais esqueço uma barras de trotil, amarelinhas, cilíndricas que roubei e escondi na cozinha da minha casa, em Benfica, com uns detonadores e cordão lento guardados no outro lado, na sala, à espera de fazer umas bombas para ajudar a rebentar com o regime. 

Santa e perigosa ingenuidade! Depois do 25 de Abril, o trotil, os detonadores, o cordão lento foram metidos em dois sacos diferentes, com umas pedras de lastro, e lançados por mim para o fundo das águas do Tejo, num barco, a meio do rio, na carreira Belém/Trafaria. 

Nunca contei isto em parte nenhuma. Vai agora. As coisas que um homem faz, ou não faz, na vida!... Abraço, António Graça de Abreu 

 2. Comentário de L.G.:

Vai fazer, em abril próximo, quatro anos que esta série (***) tem estado parada... Publicaram-se até então 13 postes, com pequenos/grandes segredos que camaradas nossos quiseram partilhar connosco... Um deles, o Luís Faria (1948-2013) infelizmente já não está entre nós... Ontem por acaso, tropecei neste pequeno/grande segredo que o nosso camarada António Graça de Abreu quis divulgar... "Nunca contei isto em parte nenhuma. Vai agora. As coisas que um homem faz, ou não faz, na vida!"... O propósito deste série é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo de vida militar que, até então, por uma razão ou outra, guardámos só para nós... 

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que  esses factos pudessem eventualmente, à luz da época,  constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou  ética militar, etc. ...Saibamos ouvir sem julgar.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 4 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12540: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (5): Sou do famigerado XX Curso de Explosivos de Minas e Armadilhas, iniciado a 8 e terminado 17 de Setembro de 1966, na Escola Prática de Engenharia (EPE), em Tancos

(**) Vd. poste de 16 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10809: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (20): Notícias da minha antiga companhia, a CCAÇ 3460/BCAÇ 3863, e do meu substituto, o alf mil Potra

(...) Canchungo, 18 de Setembro de 1972

Entrei para a tropa em Outubro de 1970. Durante seis meses em Mafra, com a recruta e especialidade, fizeram de mim um pequeno aspirante a oficial miliciano atirador de Infantaria. Fui colocado no Batalhão de Caçadores 5, em Lisboa, onde dei instrução a soldados durante um curto espaço de tempo.

Segui para Tancos, para a Escola Prática de Engenharia e em dois meses tirei um curso de Minas e Armadilhas. Fui mobilizado para a Guiné e colocado no Regimento de Infantaria 1 na Amadora, para formar Batalhão, exactamente este Batalhão 3863 que veio para o chão manjaco. A minha companhia 3460 foi parar ao Cacheu, mas eu não parti para a Guiné juntamente com estes homens.

Uma operação a uma velha luxação crómio-clavicular no ombro direito, resultado de uma cena de pancadaria em que fui o personagem principal quando tinha dezassete anos, devidamente explorada, possibilitou-me a passagem aos serviços auxiliares. Fui reclassificado com a especialidade de Secretariado e desmobilizado. (...)

(***) Vd. postes anteriores desta série O Segredo de...

30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3543: O segredo de ... (1): Mário Dias: Xitole, 1965, o encontro de dois amigos inimigos que não constou do relatório de operações

(..) Estando com o meu grupo de comandos no Xitole, sensivelmente em meados de 1965, fomos fazer uma patrulha de reconhecimento pois o inimigo há muito mostrava sinais de intensificar a sua actividade na região. Porém, as informações eram escassas. Desconhecia-se com precisão por onde andavam os guerrilheiros e as possíveis localizações dos acampamentos. Por tal facto, foi-nos dada a missão de efectuar um reconhecimento ofensivo, tentando localizar o destruir o inimigo. (...)
30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos Oliveira: Encontros imediatos de III grau com o IN

(...) Tinha acabado de receber notícias trágicas acerca da morte dos meus dois amigos de infância.Isolava-me e chorava e este sentimento de perda prolongou-se por alguns dias.O poiso escolhido era o topo da paliçada, onde fingia estar a fazer a vigilância habitual, embora perfeitamente exposto. Apetecia-me morrer. Foi terrível. P3143: Blogoterapia (62): A minha vida morreu; morreram os meus amigos (Santos Oliveira) (...) 

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3578: O segredo de... (3): Luís Faria: A minha faca de mato

(...) Tinha-a comprado no Porto. Era equilibrada adaptava-se muito bem à minha mão, éramos inseparáveis e até dez passos o lançamento não falhava o alvo. Levantou 1032 minas, mas nunca chegou a ser usada em/contra alguém. Um dia, numa operação na zona de P. Matar, embrulhei (amos) forte e feio. (,,,)


11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

(...) Numa das saídas das explorações que nos eram confiadas, foi apanhado um guerrilheiro e feito prisioneiro. Quando o pessoal chegou, já era noite. Não eram horas de entregar o prisioneiro à PIDE. Então o capitão lembra-se da brilhante ideia, como o Colaço está de serviço permanente ao posto rádio, fica a guardar o prisioneiro. Ordens são ordens e não há que contestar. (...)


4 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4461: O segredo de... (5): Luís Cabral, os comandos africanos, o blogue Tantas Vidas... (Virgínio Briote)

(---) Das nossas lides bloguísticas eu sabia, talvez há mais de dois anos, que o meu amigo e camarada Virgínio Briote acalentava a secreta esperança de um dia poder entrevistar (ou ter uma conversa franca com) o Luís Cabral... Fez várias tentativas. Em vão. Até que a morte do histórico dirigente do PAIGC, ocorrida há dias em Lisboa, veio fechar-lhe a última porta (...) 

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

(...) Amigos e Camaradas Editores, há muito que quero contar um facto real que se passou comigo e o grupo do PAIGC da minha zona de guerra que era Bajocunda, mas como é um facto que pode ser sensível a alguns Camaradas de blogue. (...)

(...) Apesar de me terem advertido para a eventual polémica a propósito da revelação da entrega de gasóleo ao PAIGC , surpreendeu-me a quantidade e agressividade dos comentários produzidos. Vou tentar clarificar as coisas. (...)


(...) Eu era um simples Aspirante a Oficial. Não tinha culpa de levar a sério a minha posição. Já tinha estado no RII 19 no Funchal nos meus primeiros meses de activo depois do curso de Oficiais Milicianos em Mafra. Destacado para Évora para preparação da Companhia que me iria levar para o Ultramar, eu levava as minhas responsabilidades muito a sério. Se era para ser Oficial de Dia ao Batalhão, era mesmo Oficial de Dia.(...) 


(...) O meu irmão, José dos Santos Moreira, [Fur Mil,] fez parte da CCAV 2483, Cavaleiros de Nova Sintra, BCAV 2867 [, Comando e CCS em Tite]. Em 1969 feriu a tiro de G3 o Cap Médico do batalhão.Regressou a Portugal em 28 de Dezembro de 1969. Teve baixa de serviço por incapacidade física em Março de 1970. Foi julgado no Tribunal Militar Territorial do Porto, em Novembro de 1973. Libertado depois do 25/4/74. (...)


(...) Desde há algum tempo tenho vindo a pensar que nem sempre éramos correctos no nosso relacionamento com os civis e que essa faceta raramente ou nunca tem sido aqui objecto de qualquer relato. Parecendo-me que esta perspectiva da nossa (con)vivência com a população também faz falta à verdadeira história da guerra do ultramar ou colonial, eis-me aqui a falar de mim, falando dos meus pecados (...)



(...) Vou contar a história real dum ataque a Bissau feito em 1971. Um dia, eu e o meu amigo Julião Pais dos Santos (o Django), pensámos em atacar Bissau... Dito e feito. Mas faltava a estratégia. Depois de alguns dias a pensar na estratégia, finalmente chegou a luz ao fundo do túnel. (...)

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6257: O segredo de... (12): O meu sobrinho Malan Djaló, aliás, Malan Nanque, o rapazito de 8 ou 9 anos anos, apanhado pelo Grupo Fantasmas, do Alf Mil Comando Saraiva, em 11 de Novembro de 1964, em Gundagué Beafada, Xime... (Amadú Djaló)

(...) Uma das primeiras operações (a segunda, depois de uma ida ao Óio) que o Amadú fez, integrado no Grupo Fantasmas, do Alf Saraiva, foi no meu conhecido Buruntoni, no Xime, em 11 de Novembro de 1964. Na véspera, o grupo deslocara-se de barco, de Bissau até ao Xime. A 11, andaram toda a noite, a corta-mato, com um guia local. Como era quase inevitável, nas matas do Xime, o guia perdeu-se. O objectivo era um acampamento da guerrilha. Chegaram ao Buruntoni por volta das 7h00, quando o sol já ia alto… Deparam-se, entretanto, com um “rapazito de 8 ou 9 anos” (...)

Guiné 63/74 - P12544: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (6): Armadilhe-se tudo à volta!... Ou as malditas granadas vermelhas que mataram turras, tugas e macacos-cães...



Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > O Fado da Guerra ou... das Minas e Armadilhas ? Os Fur Mil Guimarães (tocando viola) e Quaresma, ambos sapadores...



Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) >  Mina antipessoal PDM-6 reforçada com uma carga de trotil de 9 kg (as barras do lado direito). Detectada e levantada na estrada Bambadinca-Xitole pelo furriel de minas e armadilhas Guiimarães da CART 2716 ("Bem, lá ia uma GMC ao ar, isso sim!!!".)

Fotos: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados.




Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 4612/72  > Sistema de defesa de um destacamento


Foto: © Carlos Fraga (2011). Todos os direitos reservados.



1. Texto do David Guimarães, residente em Espinho (ex-fur mul, at inf, minas e armadilhas, da CART 2716, Xitole, 1970/1972), um dos primeiros camaradas a aparecer, a dar cara, a escrever no nosso blogue, nos idos anos de 2005. O primeiro poste que temos dele é de 17 de maio de 2005, e era o nº 20 (Foi você que pediu uma Kalash ?). Este que reproduzimos a seguir foi o  75, de 23 de junho de 2005 (*).

É mais uma das suas estórias do Xitole, escritas no seu português castiço, e que retratam bem o quotidiano de um operacional de uma unidade de quadrícula, mais sendo ele um dos especialistas em minas e armadilhas:


2. Estórias do Xitole (6) > Armadilhe-se tudo à volta!... Ou as malditas granadas vermelhas que mataram turras, tugas e macacos-cães...

por David Guimarães

Quando ocupámos o Xitole, em substituição da CART 2413  que lá se encontrava [, no período de1968/70], procedemos de imediato ao armadilhamento da zona limítrofe do quartel. Foram colocadas muitas minas antipessoais, de fabrico português, com espoletas de pressão, reforçadas com mais cargas explosivas ou não, conforme a maior ou menor importância do local. O objetivo era impedir a aproximação e a infiltração do IN, criando um zona de segurança à volta do quartel...

Também era frequente serem pendurados, no arame farpado, objetos diversos desde latas de coca-cola até garrafas de cerveja, que ao menor movimento tocariam umas nas outras, dando sinal pelo som de que o arame estava a ser mexido... Isto era importante especialmente de noite...

Este processo de alarme e prevenção efetivamente só ajudou a, de início, apanhar-se alguns sustos, pois que não funcionava na prática, como devia de ser. Enfim era a fé de cada um… Um sistema de segurança altamente falível, pois que todos os dias tínhamos barulhinhos esquisitos, o que era natural....

Quanto às minas e armadilhas, essas, sabíamos que estavam muito bem colocadas e, essas sim, davam uma certa segurança... Apesar de tudo eventualmente fazíamos armadilhamentos temporários, a mais longa distância, usando para isso a granada armadilha instantânea que qualquer combatente da Guiné conhecia.

Todas as granadas eram formadas por cápsula fulminante, 3 cm de cordão lento e um detonador que fazia explodir a carga base... Todos nós nos lembramos da mina defensiva, de composição B, e do seu uso, bem como das ofensivas, cilíndricas, de carga de trotil (TNT).

A que estou a referir era exactamente cilíndrica, como a ofensiva, só que enquanto as outras tinham a cor verde azeitona, esta era vermelha e mais de metade era envolta com espiral de metal. A maior diferença, e por isso se chamava instantânea, era não ter os três cm de cordão lento. O percutor, acionado, logo fazia explodir o detonador e a carga base. Esta mina era altamente mortífera devido ao seu poder de fragmentação, provocado pelas espiras em aço.

Bem, mas isto não é uma aula sobre minas e armadilhas. Serve apenas para contar uma estória, do início também da nossa comissão.... Uma estória de guerra ou uma contrariedade.

Um camarada nosso, o [fur mil minas e armadilhas] Quaresma, lá foi para o mato com um pelotão para colocar uma dessas granadas instantâneas num trilho. Tudo feito como devia ser, a mina colocada estrategicamente na base de uma árvore de copa frondosa e arame de tropeçar a atravessar o trilho. Era a assim que mandavam as regras aprendidas, teoricamente, em Tancos...

Bem, pelas 4 da manhã (e na Guiné, a essa hora, ouvia-se tudo), há um grande rebentamento para aqueles lados da armadilha... Não há dúvida, a guerra fez-nos ser tipo animais:
─ Alto, alguém caiu, alto, alto!!!... ─ Já todos nos mordíamos para ir ver o sucedido.

Pela manhã, bem cedo, aí vai o pelotão de reconhecimento. Aproximação cautelosa ao local, sangue no chão...
─ Boa, que isto funcionou!

Mais sangue ali e acolá e eis que surge a vítima.... Um grande macaco, já morto... E não tinha camuflado!...
─ Ora, foda-se!

A guerra tinha disto...

David J. Guimarães


Em tempo: ironia do destino, o nosso camarada Quaresma acabou por morrer pela acção de uma granada dessas, a instantânea.. [Como já aqui foi contado, na estória do Xitole nº 1]

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Nota do editor:

Postes anteriores da série > 

26 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11982: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (5): Uma noite em Tangali com ataque ao Xitole, o quico do furriel Fevereiro e o meu baptismo de... voo em 1971

(...) Era costume nós irmos fazer protecção nocturna à tabancas. Era também uma forma de acção psico... Um dia lá fui eu e o [furriel] Fevereiro a comandar uma secção do 3º grupo de combate. Tangali era o nome da tabanca, a última que estava à guarda do Xitole. Ficava na estrada Xitole-Saltinho (os da CCAÇ 12 muitas vezes passaram por ela). (...)



(...) Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN. (...)

12 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11556: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (3): Era do caraças o paludismo

(...) Nós sabemos o que era uma coluna logística, uma operação de reabastecimento, mas outros nem calculam o que seja... O vai haver coluna já era uma grande chatice... Andar até ao Jagarajá, à Ponte do Rio Jagarajá, a pé e a picar, não era pera doce... E depois? Se acaso acontecia mais algo a seguir? (...)

24 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11456: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (2): Nem santos nem pecadores

(...) Até que enfim!... Acho que sim — não poderá haver tabus e ainda bem que o Zé Neto, o Zé Teixeira, o Jorge Cabral e o Luís são, afinal, os responsáveis por quebrarem o tabu... Falaram de algo que também é guerra... Foi e marcou a nossa guerra: a lavadeira, o cabaço, etc, etc... Ai, ai, ai, que começo a falar demais, ou talvez não... Creio que nunca houve grandes abusos nesse sentido, nunca foi preciso apontar a G3 a nenhuma bajuda, já uns pesos, enfim ... Que mal fazia, se era dinheiro de guerra?!...(...)

(...) Sempre me preocupei, durante a guerra, em contar cá para a Metrópole (era assim que então se dizia) não propriamente as peripécias da nossa vida militar mas as coisas mais belas que encontrava na Guiné: os mangueiros carregados de mangas, os milhares de morcegos que povoavam o céu ao escurecer e ao amanhecer e que dormiam nas árvores, os macacos, as galinhas de mato, etc. Eu achava que deveria poupar a minha família e que esta não teria que ouvir e até viver a guerra em directo: bastava para isso o sofrimento de saber que eu andava por lá (...).

Guiné 63/74 - P12543: Parabéns a você (673): João Meneses, ex-2.º Ten FZE, DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Sold Cond Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12532: Parabéns a você (672): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)