terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9543 : As novas milícias de Spínola & Fabião (3): Comandante de Companhia de Instrução de Milícias, no CIMIL de Bambadinca, em set/out de 1973 (Luís Dias)



 Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Centro de Instrução de Milícias (CMIL) > Setembro/outubro de 1973 > Formatura de inspeção. O Cmdt da Companhia de Instrução era,  na altura, o Alf Mil At Inf Luis Dias, da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), tendo como adjunto o Fur  Mil Gonçalves, do seu pelotão dorigem, e como comandantes dos pelotões os seus 1ºs cabos atiradores.

Foto: © Luis Dias (2012). Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > CCAÇ 3491 (1971/74) > "Chegada a Galomaro da CCAÇ 3491 [, pertencente ao BCAÇ 3872,] no dia 9 de Março de 1973. No jipe podemos ver o Alf Luís Dias, atrás o Fur Baptista, do 1º Gr Comb, e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que, no dia anterior, se tinha entregado a uma patrulha nossa na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSH 41, no calibre 7,62 mm Tokarev, mais conhecida por 'costureirinha' e com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do habitual tambor de 71".

Foto (e legenda): © Luis Dias (2012). Todos os direitos reservados.

1. Texto do Luís Dias, com data de 26 do corrente:Caros Camaradas,

Conforme foi referido no post P9526 pelos editores, eu fui um dos comandantes da Companhia de Instrução de Milícias, no CIMIL de Bambadinca, administrado pelo Comando do BART 3873 [, Bambadinca, 1971/74,] nos meses de Setembro e Outubro de 1973.

No meu tempo, a companhia tinha como comandante 1 alferes (Luís Dias), como 2º comandante 1 furriel (Gonçalves) e como comandantes de pelotão 1º cabos atiradores. O chefe de secretaria era um sargento do BART 3873.

A Instrução administrada era razoavelmente rigorosa e os milícias mostravam-se interessados nas informações técnicas recebidas e aplicados nos exercícios configurados para adaptar a teoria à prática.

A espingarda automática, FN, de origem bela (produzida pela Fabrique National), inicialmente na guerra colonial, em Angola, em 1961, antes da G3.


O único e grave problema que tivemos foi o de praticamente toda a instrução ter sido efectuada com a espingarda automática HK G3 e perto do fim foram estas armas substituídas por espingardas automáticas FN FAL, o que originou alguma confusão (os milícias não conheciam a arma e ficaram desconfiados que era inferior à G3). Isso obrigou a treino extra de adaptação à arma que, como sabemos, funciona de forma diferente da G3.

Também houve alguma discussão com o responsável pela distribuição das armas ligeiras (Tenente-coronel da Engenharia), porque este referia que as armas distribuídas aos milícias eram novas e nada inferiores à G3, tendo eu retorquido que as armas não eram novas, mas recicladas, para parecerem novas, como lhe mostrei, ao exibir algumas delas que não obstante terem as coronhas de madeira pintadas de novo, conseguia-se perceber: "Angola tantos de tal", ou nomes diversos, etc. (tudo escrito por canivete ou objecto semelhante na coronha das armas), além de que sofriam bastantes interrupções de tiro, devido ao regulador de gases.

As milícias eram essenciais na defesa imediata das tabancas onde se encontravam instaladas, bem como no acompanhamento em operações das unidades operacionais aquarteladas nas suas zonas. Dado o seu contacto diário com a população forneciam informações bastas vezes sobre as deslocações do IN na zona.

Na nossa área de intervenção, o armamento individual das milícias era composto por espingardas automáticas HK G3, morteiros 60mm, granadas de mão ofensivas e defensivas e dilagramas. Julgo que em uma ou duas das tabancas onde eles estavam instalados e para defesa da mesma, estava atribuído um morteiro 81mm.

Devo salientar a grande bravura de muitos destes elementos dos pelotões de milícias (elementos das etnia fula), porquanto os ataques que sofriam do IN eram, normalmente, ataques directos nocturnos, efectuados já muito perto do arame e a sua resposta era quase sempre muito eficaz e acabado o ataque perseguiam o grupo do PAIGC. Enquanto o ataque se produzia era normal outros pelotões de milícia, das tabancas mais perto, tentarem interceptar e emboscar o IN na sua retirada, ou auxiliar a tabanca atacada.

Estes ataques produziam, normalmente, baixas entre a população e às vezes também nas milícias, mas também produziam baixas significativas nas forças do PAIGC, como a do ataque à tabanca de Campata.

Em Março de 1973 o Batalhão de Caçadores 3872 [Galomaro, 1971/74], tinha o seguinte dispositivo:

CCS – Galomaro (Sede do Batalhão);
Pel Mil 256 – Deba;
Pel Mil 289 - Umaro Cossé;
Pel Mil 304 - Contabane;
Pel Mil 315 – Cansonco;
Pel Mil 316 – Pate Gibel;
Pel Mil 317 – Cansamba;
Pel Mil 318 – Campata;
Pel Mil 353 – Bangacia;
Pel Mil 354 – Sinchã Maunde Bucô;
Pel Mil 368 - Dulô Gengele

CCAÇ 3489 – Cancolim;
Pel Mil 290 – Cancolim;
Pel Mil 347 - Anambé;

CCAÇ 3490 – Saltinho;
Pel  Caç Nat 53 – Saltinho;
Pel Mil 287 - Cansamange;

CCAÇ 3491 – Dulombi/Galomaro;
Pel Mil 288 – Dulombi;
Pel Mil 373 – Dulombi.

Um abraço.
Luís Dias

 2. Comentário do editor

Para um batalhão (c. 500 homens, metropolitanos) havia 15 pelotões de milícias e 1 Pel Caç Nat,  ou seja, perto de outros 500 homens,  guineenses, em armas... Grosso modo, a proporção era de 1 para 1 no setor de Galomaro, ao tempo do  BCAÇ 3873. Isto dá uma ideia do elevado grau de "militarização" do chão fula (grosso modo, zona leste, do Xime a Buruntuma), bem como do esforço de "africanização" da guerra...

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Nota do editor:

Postes anteriores  da série:

24 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9526: As novas milícias de Spínola & Fabião (1): excerto do depoimento, de 2002, do Cor Inf Carlos Fabião (1930-2006), no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida (Arquivo de História Social, ICS/UL - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) 

25 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9532: As novas milícias de Spínola & Fabião (2): O CIMIL (Centro de Instrução de Milícias) de Bambadinca, criado em 5 de Agosto de 1971, ao tempo do BART 2917

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9542: In Memoriam (112): Lembranças de Cherno Suane, falecido em 24 de Fevereiro de 2012 (Mário Beja Santos)

IN MEMORIAM

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Fevereiro de 2012, lembrando a memória do nosso camarada Cherno Suane falecido recentemente em Lisboa:

Lembranças de Cherno Suane

Em 24 de Fevereiro, nos cuidados intensivos do Hospital de Santo António dos Capuchos, Cherno Suane, depois de 20 dias em coma induzido, tudo produto, ao que parece, de uma infeção respiratória que o prostrou, fartou-se de lutar com as máquinas e deu a alma ao Criador.

Era cidadão português, grande deficiente das Forças Armadas, antigo soldado da 2ª Companhia de Comandos Africana e pertencera ao Pel Caç Nat 52, foi formado pelo nosso confrade Jorge Rosales, no CIM de Bolama, teve como 1º Comandante o nosso confrade Henrique Matos Francisco, andou por Porto Gole, Enxalé, Missirá, Bambadinca e Fá Mandinga. E percorreu toda a Guiné enquanto Soldado Comando.

Dei pelas qualidades deste soldado valoroso em 6 de Setembro de 1968, na primeira flagelação que sofri em Missirá, tinha chegado há pouco, todo aquele foguetório me escapava um pouco ao lado, procurava atinar com as melhores medidas na resposta ao fogo, corria entre abrigos e apercebi-me que havia um apontador de morteiro 60, perlado de suor, que percorria o perímetro sem desfalecimento, fazia o espetáculo sozinho, transportava prato e tubo e uma fieira de granadas ao pescoço. No final da refrega, pedi explicações ao Saiegh sobre tal procedimento e a resposta foi incisiva: o Cherno não tem medo de nada, não precisa de instruções debaixo de fogo.

Em meados de Outubro, Ieró Baldé, conhecido por Nova Lamego, que voluntariamente se propusera a intendência de ser meu guarda-costas, anunciou que ia pedir transferência para a região do Gabu e informava-me que encontrara a pessoa mais idónea para defrontar a Binta Sambu, a temível lavadeira destruidora de roupa de todas as cores, para limpar a G3, para arejar a morança e vir chamar nosso alfero a qualquer hora do dia ou da noite, estava assegurado que onde andasse nosso alfero Cherno Suane colava-se à sua sombra. Começava uma estima profundíssima que vem retratada nas memórias que escrevi neste blogue e que passaram a livros. Foram, tais livros, também dedicados a Cherno Suane. Quando nos separámos, em Agosto de 1970, o Cherno alistou-se na 2ª Companhia de Comandos Africana, se bem que tivesse sequelas de um duplo traumatismo craniano, por obra e graça do acionamento de uma mina anticarro dentro do Cuor (Canturé), a sua folha de louvores e condecorações era impressionante, foi prontamente incorporado.

Com a independência da Guiné-Bissau, iniciou-se o calvário do Cherno, preso sem culpa formada no Cumeré, foi sujeito a humilhações e atrocidades até ao golpe de Nino, em Novembro de 1980, conseguiu depois regressar ao Cuor, onde tinha constituído família e laços profundos ligavam-no aos Soncó e aos Mané. Trabalhou na região de Gambiel na empresa Socotram, unidade de corte e processamento de madeira, um daqueles empreendimentos ruinosos que vinham da era Luís Cabral. Em 1990, volto a Missirá e aí o encontro. Trabalhei depois mais de quatro meses na Guiné, em 1991, consegui tratar dos papéis, o Cherno veio e aqui se radicou. Todo o dinheiro que juntava era para a família, vivia permanentemente à míngua, tiranizado pelas obrigações familiares. Visitávamo-nos regularmente, para ele era sempre um prazer um almoço numa tasca na região de S. Paulo, era ali que comíamos polvo panado. Nos grandes eventos, dava-me a alegria da sua presença, ele, o Queta Baldé, o Mamadu Camará e o Abudu Soncó.

Não sei o que devo escrever para gritar esta ausência. Ele era zeloso, dedicado e grande companheiro. Estou a vê-lo a procurar aplacar o meu choro convulsivo, na minha morança, quando o Cabo Paulo Ribeiro Semedo ficou estropiado na região do Chicri, “Alfero, tem paciência, é a vontade de Deus!”, retirou-me a camisa com pastas de sangue do Paulo e abraçou-me. O que se passou na mina anticarro foi um verdadeiro milagre, basta ver a fotografia e perceber que com o fragor da explosão desapareceu o guincho, onde ia sentado o Cherno. No fim daquela tormenta, quando apontei um foco à procura dele e não o encontrámos, suspeitei que se tinha volatizado, a verdade é que foi descoberto quase a 20 metros de distância, como nos números do circo o sopro atirara-o para bem longe, teve sorte em cair em cima de vegetação, mas veio completamente destroçado, rasgado, demorou meses a recompor-se. E estou a vê-lo na hora da despedida, no Xime, onde fui tomar a LDM para Bissau. O Cherno desapareceu e alguém comentou: “Não gostamos que nos vejam a chorar. O Cherno não voltará a ser guarda-costas de mais ninguém, nosso alfero era para ele um irmão, ele vai ficar à espera que o chame”.

E assim estes homens valorosos vão desaparecendo, deixando buracos negros na consciência de quem perde o seu afeto, fica a memória, a recordação de uma dignidade e postura irrepreensíveis.

Peço desculpa de partilhar convosco esta mágoa sem fim.

Mário
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9516: In Memoriam (111): Joaquim Fernando Ferreira Martins, ex-Fur Mil Inf.ª de Armas Pesadas que cumpriu a sua comissão de serviço no CTI da Guiné entre 1961 e 1963

Guiné 63/74 - P9541: Nós da memória (Torcato Mendonça) (12): Cabeça Rapada - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 12
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

8 – CABEÇA RAPADA

Sentado, saboreava a sombra e um cigarro, num fim de tarde na Tabanca de Mansambo, fascinado com a perícia dos movimentos que volteavam e batiam uma faca, de cabo metálico, na palma da mão esquerda de um “artista barbeiro”.
Parou. Colocou com cuidado a faca sobre um banco e, só então retirou o pano molhado, que se mantivera por bastante tempo, sobre a cabeça do cliente. Trocaram breves palavras em Fula. Eu observava o ritual.

A faca começou, então, a rapar a cabeça em movimentos certeiros, lentos e hábeis.
Fiz uma ou duas fotos. Nunca vira uma cabeça ser tão rápida e habilmente rapada.
O barbeiro disse algo ao cliente, já rapado e ambos Picadores em Mansambo. Olhou-me e sorria enquanto passava o pano molhado sobre a cabeça rapada.
Tirei do fio de cabedal uma faca igual e disse:
- Afia-a como essa.
Rimos todos.

Vida nas Tabancas > O barbeiro

Não é de assuntos de barbearia que venho falar. Não.
Vou tentar contar-vos, sem grandes pormenores, a maior operação de Acção Psico Social – chamemos-lhe assim – a que assisti.
Bem planeada e meticulosamente preparada por quem sabia.

Tudo com o aval do Comandante-chefe e teve o nome de “Operação Cabeça Rapada”. Desenrolou-se de finais de Março a meados de Maio de 69, talvez por seis fases ou seis operações.

O objectivo era capinar – cortar e desmatar – toda a vegetação numa faixa de trinta ou quarenta metros, talvez mais, para lá do arame que delimitava o perímetro de Mansambo e igualmente, em largura, uma faixa similar para lá das bermas das estradas (picadas) de Mansambo a Bambadinca e daqui até ao Xime. Só nas zonas mais propícias a emboscadas.

Outras desmatações menores à volta de algumas Tabancas, por exemplo Amedalai e outros locais, sofreram igual corte.

Estas Operações queriam vincar três pontos:
- Dizer que o IN tinha sido derrotado na Operação Lança Afiada;
- Mostrar que as populações estavam com as NT;
- Fortalecer o slogan “Por uma Guiné Melhor”.

Análise despretensiosa e sem petulância minha. É uma não análise… talvez.

As populações envolveram-se fortemente depois do excelente planeamento. Muitas centenas, talvez um ou dois milhares de civis, muitos militares e uma logística enorme: - viaturas civis e militares, alimentação e uma bem montada segurança, próxima e afastada, para dissuadir ou minimizar o efeito de qualquer ataque e, também, colaborar activamente com apoio rápido á resolução de algum acidente e incidente.

Não seria difícil ao IN disparar umas morteiradas e provocar o pânico. Uma ou duas granadas eram suficientes. Não o fez e nós não sabíamos, quantos daqueles homens eram simpatizantes deles e trabalhavam naquela desmatação para obterem informações. Havia certamente.

Lembro-me da enorme confusão da manhã do primeiro dia. Eram muitas centenas e centenas de homens e suas catanas a chegarem a Mansambo. Organizar tudo seria tarefa difícil mas foi conseguido.

A nossa missão, a do meu Grupo, era outra e rapidamente saímos do aquartelamento para a segurança.

No fim de toda esta Operação, faseada e por tanto tempo, quando acabou uma dúvida, em mim, se levantou. Aquela desmatação não iria abrir o campo de tiro ao IN?

Operação "Cabeça Rapada"

Caí, em meados de Maio, numa forte emboscada no Pontão do Almami e, em inicio de Abril, já tinha havido outra no mesmo local. Felizmente as árvores que ladeavam a estrada foram poupadas.

No dia 28 de Maio/69 a Sede do Batalhão, em Bambadinca, foi atacada pela primeira vez. As tabancas de Taibatá, Moricanhe e Amedalai, sofreram igualmente ataques.

Era a represália do IN. Teve auxilio vindo do Sul e do Norte? Certamente. Mas provava que estava vivo e não fora aniquilado na Lança Afiada e esta não respeitara certas regras básicas de contra guerrilha. O IN não foi aniquilado. Tanto assim que começou a bater forte, a tentar infiltrar-se e a exigir um esforço maior de contenção das NT.
Só em meados de Agosto veio a sofrer um forte revés e ficou decapitado - como sinónimo de sem comando.

Nada de relevante ou muito grave aconteceu até ao fim da nossa Comissão, em finais de Novembro de 1969. Emboscadas, ataques a Tabancas e aquartelamento, umas baixas sempre lastimáveis e uma ou outra operação igual a tantas outras. A rotina habitual com ou sem desmatações.

Embarcamos em 4 de Dezembro.

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9521: Nós da memória (Torcato Mendonça) (11): Vida nas Tabancas - Culturas - Fotos falantes IV

Guiné 63/74 - P9540: Notas de leitura (337): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
Proponho-me saudar esta longa, rigorosa e utilíssima incursão de estudo histórico que consagrou o nosso confrade Leopoldo Amado como doutor em História pela Faculdade de Letras de Lisboa. Leopoldo Amado, naturalmente sujeito às contingências das regras que acompanham os procedimentos de um doutoramento, espraia-se sobre um pano de fundo onde já não pode haver mais novidades, é vincadamente original na investigação a que procede sobre a fase embrionária no nacionalismo, carreia enorme documentação sobre os acontecimentos bélicos dos primeiros anos, com enorme suporte documental e vai por aí fora até a uma reflexão desassombrada sobre o legado de Amílcar Cabral.
Esta edição patrocinado pelo IPAD merece estar nas bibliotecas de todos nós.

Um abraço do
Mário


Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (1)

Beja Santos

Temos finalmente a tese de doutoramento do Leopoldo Amado em formato de livro. São 400 páginas espessas, trata-se de uma obra que obedece a requisitos específicos, um doutorando é orientado e negoceia com o mestre a tessitura das áreas a investigar e a exploração dos objetivos, desse longo debate resulta imperativamente um texto organizado com o enunciado de teses e conclusões. Por isso a obra de Leopoldo Amado tem um pano de fundo que abraça os conceitos de guerra revolucionária e contrarrevolução, explora o tema das origens do conflito, a ideologia colonial do Estado Novo e a as atitudes da população guineense face ao eclodir da guerra; segue-se a apresentação dos movimentos em presença, é um historial riquíssimo, temos aqui uma peça incontornável sobre os alvores do movimento de libertação a etapa seguinte abraça a evolução e consolidação da guerrilha, o estudioso como quase põe ao espelho as forças em campo, fica-se com uma ideia da assessoria cubana ao PAIGC, o trabalho da DGS e o quadro de agravamento progressivo da situação político-militar; o duelo de titãs, o confronto entre Cabral e Spínola, é outra investigação com marcas de singularidade, de facto foi o confronto político e militar mais poderoso, foram dois adversários à altura; a chegada dos mísseis Strella rompem todos os equilíbrios, a sua chegada ao teatro de operações faz latejar um novo desfecho, diante do fantasma do colapso militar a resposta foi a constituição, na própria Guiné, do Movimento dos Capitães, é um processo que culminará com as negociações entre o PAIGC e Portugal e a descolonização da Guiné e Bissau; e esta poderosa obra de investigação encerra com uma análise do legado político de Amílcar Cabral e as respetivas conclusões face aos pontos de partida: a aguda perceção que os efeitos desta guerra continuam a marcar a atualidade da Guiné-Bissau; e a necessidade de continuar a estudar a guerra da Guiné não tanto na perspetiva da história militar mas sobretudo pela confrontação das teses que se afrontaram a nível dos Estados-Maiores, privilegiando os seus fundamentos ideológicos, as suas perspetivas estratégicas e táticas. Tanta substância não se pode confinar ao alinhavo de umas notas quaisquer. A investigação de Leopoldo Amado merece ser tratada com respeito e consideração. Por isso a repartimos por diferentes textos.

O livro vem prefaciado por outro historiador, Peter Karibe Mendy, antigo diretor do INEP e atualmente professor de História e Estudos Africanos no Rhode Island College. Ele destaca a investigação feita nos arquivos da PIDE/DGS e o tratamento de documento cruciais para o conhecimento do período em apreço, bem como as entrevistas a militantes que tiveram cargos preponderantes no PAIGC e outras fontes igualmente relevantes. Peter Mendy considera que este contributo conduz a uma reapreciação tanto da liderança de Cabral como para análise dos dois contendores, dentro da cronologia dos acontecimentos.

Leopoldo Amado lança um olhar sobre guerras revolucionárias a partir do século XIX, destaca as formas de guerrilha e os processos de contrainsurreição a elas associados. É com os êxitos da consolidação do marxismo-leninismo na China que Mao lançou bases teóricas para dar corpo teórico e justificar o sucesso dos cerca de 20 anos de luta de guerrilhas, a sua obra “Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionária na China” tornou-se uma obra de referência, dela ou de estrategas como o vietnamita Vo Nguyen Giap e o cubano Che Guevara vão procurar fundamentos para as guerrilhas e futuras doutrinações. Cabral conhecia tais doutrinas, a sua estratégia subversiva era tributária destas teorias da guerra revolucionária mas foi-se adaptando às realidades geográficas, sociais e sociológicas guineenses. Quanto ao Exército Português, como observa Amado, a estratégia utilizada derivava das grandes premissas do pensamento estratégico ocidental quanto à contrassubversão. Amado ilustra estas teses e no tocante à estratégia de ação direta lembra como as forças que se encontravam nos territórios coloniais, dependentes do Ministério das Colónias, passaram para a defesa do Ministério da Defesa Nacional, a partir de 1961. O contingente militar, no início da década de 60 era de 4700 homens na Guiné, quando foram encetadas ações subversivas em Janeiro de 1963 houve que montar um aparelho de suporte logístico e deslocar tropas praticamente impreparadas para aquele tipo de combates. As grandes prioridades da doutrina militar portuguesa contra subversiva ficaram plasmados no título “O Exército na Guerra Subversiva”, nele se desenhava uma adaptação a uma nova conceção de guerra.

O autor procede à caracterização do teatro de operações que de tão conhecido nos escusamos a qualquer referência. E depois lança-se em considerações sobre as origens longínquas do conflito, enumera detalhadamente sublevações de toda a ordem, particularmente a partir do século XIX até às guerras de pacificação. E observa: “A colonização portuguesa na Guiné não foi de molde a criar condições para o surgimento de uma elite local que fosse capaz de assegurar a administração dos negócios coloniais”. Mostra como as importações continuaram a ser feitas por outros Estados, por incapacidade da parte portuguesa. As origens próximas do conflito, Amado não podia ter uma visão diferente da existente na historiografia mundial, decorrem da natureza descolonizadora que está implícita à Carta das Nações Unidas e à ascensão do pan-africanismo, que ele documenta minuciosamente. E assim chegamos às independências da Guiné-Conacri e do Senegal, toda a movimentação que aí ocorreu inevitavelmente que se repercutiu no interior da Guiné. Entretanto, a rogo dos países afro-asiáticos, o Conselho de Segurança das Nações Unidas começou a ocupar-se de Portugal e da sua política colonial. Em simultâneo, Cabral chega a Conacri. Em Outubro de 1960 é aprovada a Resolução 1514, a política portuguesa fica-se sujeita ao crivo das apreciações do Palácio de Vidro. Em termos diplomáticos, a política portuguesa nunca mais se recompôs e o isolamento internacional cresceu gradualmente.

Chegamos a um ponto fundamental da reflexão que é o estudo da negritude e da consciencialização africana, indispensáveis para se compreender a contestação colonial e o quadro de apoios que a mesma obteve, sobretudo nos meios intelectuais progressistas norte-americanos e europeus ocidentais.

O pano de fundo da ideologia colonial aparece bem arrumado, bem documentado e claramente exemplificado como se exercia na Guiné, fundamentalmente até à chegada de Sarmento Rodrigues: a submissão ao imposto palhota e ao trabalho forçado, a natureza dos estatutos dos civilizados e dos assimilados, por exemplo. E por último, o autor dá-nos um esboço da organização da sociedade portuguesa em face de guerra e como se organizava a sociedade guineense e de que modo os grupos étnicos, sobretudo na fase de arranque da guerra, apoiaram os guerrilheiros ou a entidade colonizadora.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9528: Notas de leitura (336): Os Últimos Guerreiros do Império (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9539: (In)citações (37): O topónimo fula Tabassai (e não Tabassi)... e a lealdade dos fulas, aliados dos portugueses (Cherno Baldé / José Manuel Dinis)



Carta da Colónia da Guiné (1933) > Escala de 1 / 500 mil > Localização de Tabassá  

Fonte: Portugal. Ministério das Colónias, Comissão de Cartografia,  1933




Guiné > Zona leste > Carta de Pirada (1957) (Escala 1/25 mil) > Localização de Tabassi (ou Tabassai ?)


Guiné-Bissau > Mapa, 1981 (Escala 1/500 mil) > Edição do Instituto Geográfico Nacional de França (1981) > Detalhe > Posição de Tabassi (a vermelho)



1. Comentário de Cherno Baldé, técnico superior da administração pública da República da Guiné-Bissau [, foto a seguir, com os filhos, na festa do Tabaski], com data de 24 do corrente, ao poste P9522

Caro José Dinis e prezados Editores,



(i) Eu presumo que houve um erro de grafia [na carta de Pirada, de 1957], pois a fonia "Tabassai" é a mais conhecida. A palavra ou a junção das palavras (Taba e Say)é seguramente de origem mandinga como é o caso de quase todas as localidades da zona norte e leste (p.ex. Farim, Kaabu, Bafatá, Badjucunda, Kuntuba, Fadjunkito, Paunca, Tabató). 

De uma forma geral, todos os topónimos que começam com o prefixo "Can/kan/Gan", "Ba/Fa", "Man" e os que terminam com o sufixo "to/ta", "do/din", "cama/cunda",[ referem-se a localidades] conquistadas pelos fulas na segunda metade do séc. XIX.
(ii) Mudando de assunto, foi com alguma curiosidade que li as notas de apresentação do José Dinis relativamente à sua zona de atuação durante a sua comissão na Guiné e sobre o conhecimento que pretendia ter sobre as populações locais, fulas na sua maioria, penso que, certamente, já teve tempo e oportunidade para mudar de opinião em alguns aspectos.

Embora esteja de acordo com ele sobre as suas observaçõ
es em relação ao apego dos fulas à religião muçulmana, que não tem, nem hoje nem ontem, nada de reprovável em si a não ser do ponto de vista etnocêntrico de quem quer impor a sua ordem e sua lógica das coisas, que na altura se chamava "colonialismo" . 

Infelizmente, não concordo com ele quando diz que "as populações manifestavam colaboração mas assumiam uma posição neutral em relação ao IN, de maneira a, agradando a uns, não desagradar aos outros".

Caro José Dinis, o comportamento das populações camponesas em todos os teatros de guerra é quase sempre a mesma, ou seja,  de quase neutralidade com o conflito em si. Isto é válido tanto em África como na Ásia ou América-latina, o grande Che Guevara também observou e escreveu sobre o mesmo assunto.

Não obstante, a posição das populações fulas durante a guerra era muito clara, tão clara que ficou escrito nos anais da história do PAIGC, de Cabral e da Guiné; tão clara que, logo depois da independência, a primeira medida que tomaram foi cortar a cabeça, aniquilar as chefias tradicionais e militares que lideraram a oposição e tomaram o partido da aliança com os portugueses. 

Durante a guerra, eu vivi sempre na charneira entre a população nativa e os militares portugueses e sempre pressenti esta desconfiança latente da tropa em relação às populações, e quase sempre, de forma absolutamente injustificada.

Os fulas, à semelhanca dos portugueses, foram ingénuos e não conseguiram fazer a leitura correta do sentido da história e pagaram por isso. No caso especifico dos fulas pode-se mesmo dizer que vão pagar, ainda, por muito mais tempo, incluindo várias gerações, por uma aliança onde nem sequer tinham o crédito que mereciam pela sua fidelidade.

Um grande abraço a todos,

Cherno Baldé 


2. Resposta de José Manuel Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71) [ na mesma data, em comentário no mesmo  poste P9522 :

Caro Cherno, Camaradas,

Muito obrigado pelo teu comentário esclarecedor em duas vertentes.



A primeira parte tem a ver com a grafia toponómica de Tabassai, geralmente expressa nas cartas geográficas por Tabassi.

Concordo com a tua ilação sobre um erro gráfico nas cartas (serão só as de origem portuguesa?) , hipótese que já me tinha colocado, e por essa razão tem-se perpetuado. Assim, talvez se deva chamar a atenção, não só para o Instituto Geográfico e Cadastral, como para o Departamento congénere do Exércto, e a autoridade da Guiné.

Quanto à segunda parte do teu comentário, apesar da tradicional colaboração, ou pretensa proteção dos Fulas em relação à antiga autoridade portuguesa, tive essa experiência por via de diferentes contactos, mas também me lembro de termos sentido alguma dificuldade em relação a alguns elementos da população, apesar de, no geral, serem de grande alegria e afabilidade as relações da tropa com a população. 

Por acaso, reporto-me a Tabassai, para referir que for transformada em aldeia em auto-defesa e, para o efeito, recebeu algumas armas G-3, praticamente novas. Todavia, apercebi-me de que as armas não eram vistas. Nunca observei algum popular com a sua arma. E tive até uma chatice com o chefe da tabanca, porque, mostrando-se solícito em busca dos elementos da auto-defesa, nunca encontrou algum, nem armas. 

Um dia, que tínhamos aprazado para o efeito,mostrou-se desdenhoso comigo, pelo que lhe retirei duas granadas que, na ocasião, ostentava à cinta. Dei conhecimento do facto ao capitão e desinteressei-me do caso. Sei que desautorizei uma autoridade, mas constava que as armas tinham levado sumiço, e contavam com a tradicional displicência dos portugueses. 

Seria de considerar, neste caso, pelo menos, uma atitude de diplomacia na aceitação das armas para a prática da auto-defesa, que nunca se concretizou enquanto lá estive.

Também sei que havia tropa que roubava bens à população, pelo que admito que houvesse diferentes estados de espírito nas relações da população com os portugueses.

Além disso, havia aldeias mescladas de raças, ou condicionadas por factores assistenciais ou de ordem económica e social, mais ou menos determinantes de emoções que condicionavam as relações. 

Mas registo a informação que prestaste, e afirmo a minha repugnância pelos actos de vingança gratuita que incidiram sobre famílias tão sofridas.

Um grande abraço
JD



3. Comentário do editor:


3.1. Na carta da "colónia da Guiné", de 1933, de que se publica acima um detalhe, o topónimo que está grafado é Tabassá... Em 1957, ficou grafado Tabassi, possivelmente por gralha tipográfica... A ser erro, como se deduz depois da convincente e erudita explicação do nosso amigo Cherno Baldé, a grafia tem-se mantido até hoje (nos mapas da Guiné-Bissau, nos mapas do Google...). Seri abom que alguém tomasse as necessárias porvidências para corrigir este erro.


Encontrámos duas fotos, com referência à Tabanca de Tabassi (sic), da autoria do nosso camarada Luís Guerreiro, publicados no blogue do Batalhão de Artilharia nº 2857 (Piche, 1968/70), a cujos editores (Pereira da Costa, Francisco Pereira e José Rocha) mandamos um fraternal abraço, extensivo ao Guerreiro, fotógrafo. (Recorde-se que o Luís, hoje a viver em Monte Real... do Canadá,  foi Fur Mil, CART 2410,  Gadamael, Ganturé e Guileje, e Pel Caç Nat 65, Bajocunda e Buruntuma, 1968/70).



Tabassai, 1970: uma terra de belas mulheres

Fotos: © Luis Guerreiro (2010). Todos os direitos reservados. (Por cortesia do blogue do Batalhão de Artilharia nº 2857 )

3.2. Sobre eventuais brechas na aliança dos fulas com os portugueses, leia-se o que escreveu o comando do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na história da unidade:
Nota do editor:

(...) "As facilidades de transporte, o contacto íntimo com o militar europeu começa a desenvolver na juventude fula (os nossos milícias, os nossos soldados) uma certa atitude de contestação contra a sua situação de subalternidades no grupo social, apesar de constituir a principal fonte de recursos desse mesmo grupo social. E, na medida em que, por conveniência, apoiamos as suas estruturas, pode tal juventude de hoje, seus dirigentes de amanhã, acusar-nos de travar o seu progresso, apoiando o despotismo a que as estruturas a sujeitam, e criando assim uma brecha potencial por onde o PAIGC pode penetrar na lealdade Fula".(...) [Vd.  poste P6437]
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Último poste da série > 30 de novembro  de 2011 > Guiné 63/74 - P9117: (In)citações (36): Para melhor compreendermos a África... (Artur Augusto Silva, 1963)

Guiné 63/74 - P9538: Parabéns a você (389): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9533: Parabéns a você (388): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa, 1979/82

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9537: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (30): Velhice, uma aprendizagem dos sinais dos homens e da guerra

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 27 de Fevereiro de 2012:

Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Não tenho estado afastado do nosso blogue e muito menos dos amigos. Apenas menos activo.

Junto mais uma pequena história da minha passagem pela Mata dos Madeiros. Como sempre fica ao teu dispor a sua (ou não) publicação. Como as anteriores é uma história simples. Certamente que trará à memória de alguns dos nossos camaradas situações em tudo muito semelhantes.

Para ti e para os nossos camaradas um abraço amigo,
José Câmara


Memórias e histórias minhas (30)

Velhice, uma aprendizagem dos sinais dos homens e da guerra

Os dias que se seguiram à nossa chegada a Teixeira Pinto foram aproveitados por nós, cada um à sua maneira, para aliviar a alta pressão psicológica a que tínhamos estado sujeitos, nos últimos meses, na Mata dos Madeiros. O descanso, as incursões pela vila e os seus locais de diversão fizeram parte desse alívio bem merecido.

Como gostava de trabalhar na secretaria da Companhia, era ali que passava muito do meu tempo. Também tive a oportunidade de assistir a uma missa dominical e a um casamento entre gente da mesma etnia Manjaca. Destas coisas fiz referência muito superficial numa carta que então escrevi à minha madrinha de guerra.

Hoje, a esta distância no tempo, o Coro da Capela formado por jovens em idade escolar, constitui a imagem que ainda retenho da missa que me foi possível atender, no dia 27 de Junho de 1971, na Vila de Teixeira Pinto. Do casamento, lembro-me que foi feito durante a noite. A noiva, natural da zona do Pelundo e acompanhada de muitos familiares, veio de urbana buscar o noivo que morava em Teixeira Pinto. No regresso juntou-se o batuque. Na verdade, é muito pouco o que recordo e sinto pena de não ter escrito mais sobre esse casamento.

Outro acontecimento de extrema relevância para nós foi a saída de algumas tropas de Teixeira Pinto, que nos permitiu deixar as tendas de campanha e ocupar as instalações muito razoáveis do quartel de Teixeira Pinto.
Foi nesse ambiente, não constituindo qualquer surpresa para nós, que fomos informados de que a nossa Zona de Intervenção continuaria a ser a Mata dos Madeiros. O facto dos nossos camaradas das Transmissões continuarem ali instalados deixava antever isso mesmo. A missão é que seria diferente, bem mais perigosa.
Até ali a protecção do acampamento era feita à distância por dois grupos de combate da CCaç 3327 e ainda de uma outra força de intervenção do CAOP1. A defesa imediata do acampamento era também assegurada pela nossa Companhia. Com a nova estratégia as forças de defesa afastada foram eliminadas e passámos apenas à defesa imediata do acampamento, cujas condições de defesa eram exíguas. As valas eram extremamente abertas e os obuses do Bachile não tinham o alcance suficiente para nos ajudar em caso de flagelação. Contávamos com o nosso Morteiro 107.

Em contrapartida, o moral dos nossos soldados era bastante alto, pois sabiam que o dia 25 de Junho seria o do adeus definitivo da CCaç 3327 à Mata dos Madeiros. Pelo menos assim pensávamos.

No dia 22 de Junho de 1971 escrevi assim à minha madrinha de guerra:

“O tempo que disponho (para escrever) é bastante escasso. Durante o dia estive a trabalhar na Secretaria da Companhia e agora a noite já vai adiantada. Amanhã, pelas 6:30 horas da manhã, vou para o mato e tenho que descansar. Irei passar 24 horas no acampamento onde estivemos. Contudo, deve ser a última vez.” 

Certamente que me referia ao meu grupo de combate.

Aspecto da Mata dos Madeiros 
Foto de José Câmara

No dia 23 de Junho de 1971, estávamos nós no acampamento quando vimos passar alguns bombardeiros em direcção a Ponta Costa, área do Cacheu. Foram lá deixar naquela zona a sua carga mortífera. As explosões eram enormes. O fumo e o pó subiam nos ares, a terra estremecia debaixo dos nossos pés e os corações tremiam perante tamanha bestialidade. Pessoalmente, pela primeira vez assistia a uma acção directa da nossa Força Aérea.

Os bombardeamentos, a meia dúzia de quilómetros do nosso acampamento, pareceram-nos normal naquela zona. Foram as repetições durante o dia que nos chamaram a atenção. Era evidente que aquilo não era mais que o pronúncio de uma grande operação militar e a CCaç 3327 iria estar de, algum modo, envolvida nela.

Estava explicada a razão do nosso posto de transmissões manter-se em actividade no acampamento, enquanto o Morteiro 107 descansava preguiçosamente no seu espaldar. Aos poucos também aprendíamos a ler os sinais dos homens e da guerra. Da experiência se fazia a velhice.

Na manhã do dia 24 de Junho, quando fomos substituídos no acampamento e regressámos a Teixeira Pinto, tínhamos a certeza de que voltaríamos a ouvir as vozes e os ruídos que aprendemos a distinguir na Mata dos Madeiros.

Só faltava mesmo saber como, onde e quando.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9214: O meu Natal no mato (35): Um Santa Claus na forma de um barquinho (José da Câmara)

Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9088: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (29): Quando o destino cruel desabafa a sua ira

Guiné 63/74 - P9536: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (50): Bula, uma nova missão

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 22 de Fevereiro de 2012:

Amigo Carlos Vinhal
Cá vai mais um passo na “Viagem…” acompanhado pelo meu agradecimento ao teu labor disponibilidade e amizade.

Ouvi um destes dias na TV, que finalmente a Guiné tinha ficado expurgada das minas malditas, ainda bem, fico muito satisfeito. Não de propósito mas curiosamente ao mesmo tempo que a minha ”Viagem…” chega até elas!!

Será que as plantadas pelas NT foram todas levantadas ao tempo ou a saída à pressa, pressionada ou não, inviabilizou de todo essa missão? Gostava na verdade de saber.

Pela parte que nos (me) toca, nesse grandíssimo campo em que trabalhamos não terá ficado uma única dessas miseráveis armas cegas, no mínimo estropiadoras e desmoralizadoras! Custou e de que maneira, mas foi conseguido.

Para ti e para todos um abraço
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (50)

Bula – uma nova missão

A canícula de finais de época das chuvas aperta. De pé e talvez a fumar uma cigarrada para descomprimir observo o céu e o meu olhar fica preso num “jagudi” que volteia, talvez a “tirar azimute” a um qualquer petisco cá em baixo na planura. Qual T6 (?) a certa altura lança-se em voo picado e segundos depois, nas proximidades uma explosão atroa nos ares. O meu grito de “foi abutre”, já foi em destempo.

Estava em Bula e já nos “finalmente” da estadia por aquelas terras rubras e verdes de África, cores de sangue e de esperança.
Sem que minimamente o imaginasse são-me trocadas as voltas ao libertarem-me das noitadas aliciantes ao mosquito em emboscadas nocturnas e das longas e cansativas passeatas em grupo, por aquelas matas movimentadas pela concorrência.

Talvez como prémio pelo anterior desempenho, são-me oferecidos descanso aos fins-de-semana e folga nas tardes da semana. Fixe e talvez de meter inveja a muitos, só que e em contrapartida teria de começar a aplicar os conhecimentos adquiridos em aprendizagem anterior e reconhecidos em curso diplomado de nota razoável!

Assim a minha actividade recai de novo no extenso campo de minas, legado do antecessor BCAV 2868 e acrescentado ano e meio antes em cerca de 2 quilómetros (se não erro) pelo nosso BCAÇ 2928. Enquanto que da primeira vez por lá andei a plantá-las, agora a tarefa seria a inversa e “cú-de-boi”: levantá-las!

Nessas lides andei – integrando um pequeno grupo de Alferes e Furriéis “eleitos”, escolhidos não sei com que critério – até antevésperas do final da comissão, altura em que rumei ao Cumeré (de que pouco recordo) e onde há já umas semanas estava estacionada a “FORÇA”, aguardando embarque para regresso à Metrópole num “Boeing” dos TAM.

Para mim e julgo que para todos os “eleitos”, esta fase da desminagem foi talvez a mais desgastante por que passei em toda a comissão. E não era “piegas”como agora se ousa dizer!!! Nem eu nem os que por lá escorrermos suor e dor a que alguns, infelizmente muitos, acrescentaram sangue e partes do seu corpo, da “Razão” e até da Alma!

Tanto e tanto sacrifício para, ao que julgo saber, atrás de nós virem a montar novo campo!

Diz-se e julgava eu que este tipo de campos se passavam, como aconteceu para nós. Isso não aconteceu, talvez por validade ou segurança, não sei. Três ou quatro anos pelo menos, são bastante tempo na verdade, ainda para mais naquelas condições climatéricas e animais passíveis de alterar a morfologia do terreno, podendo deslocalizar por vezes significativamente os engenhos. Pessoalmente tive disso a prova nesse e em especial num outro campo de muito menor dimensão, nas proximidades do rio Cacheu (talvez a contar mais tarde, não sei!)

Nunca me passou pela cabeça que o Comando fosse capaz de nos envolver numa operação dessas, ainda para mais nos finais de comissão, sem forte motivo para tal, sabendo na certa que baixas iriam ser contabilizadas! Foram…e não poucas!!

A propósito veio-me à lembrança um “briefing” a que assisti no Comando do CAOP 1 aquando da preparação de uma operação (em que o comando do GCOMB seria meu). A dada altura ouço, dito de maneira natural pela “hierarquia mandante”, que eram expectáveis DOIS MORTOS nessa operação!!! Recordo que fiquei”gelado” e a pensar no valor que se atribuía a uma vida! Era (é) uma permuta contabilística no jogo das guerras: vidas por objectivos! Graças a Deus não se confirmou o expectável!

Tínhamos passado por muitos apertos, alguns dos quais bem “apertados” onde o receio e medo que se pudesse sentir, era dominado. Honestamente não seria talvez de morrer que sentia medo mas, isso sim, de ficar estropiado e dependente de terceiros, situação que não suportaria nem suporto… era esse o meu “medo real”, que por vezes aflorava em especial antes de saídas e que tinha de controlar e ultrapassar.

No levantamento das minas, em principio a morte não seria tão expectável mas em contrapartida, o estropiamento estava por norma latente e à espera da menor falha, distracção, facilitismo, euforismo, cansaço... até por vezes a reacção instintiva a umas abelhinhas ou um “meter os cornos no chão” ao som de um qualquer rebentamento ou tiro de proximidade relativa devia ser dominado, não fosse uma”maldita ferrar-nos”. Assisti a algumas situações que só por Graça não descambaram em desastre!

Ora como atrás referi, o insuportável para mim e na certa comum, era o estropiamento que me deixasse dependente. Talvez esse receio, esse medo me tenha feito actuar sempre, mas sempre mesmo com extremo cuidado, calma, concentração, segurança e autodomínio nos manuseamentos, aplicando o conhecimento adquirido, não facilitando e abstraindo-me por completo do que me rodeava nesses momentos.

Os cigarros “Português Suave” sem filtro, por vezes fumados de seguida, eram a minha panaceia nos momentos em que precisava de descontrair, de descomprimir até sentir de novo que estava em condições de continuar o trabalho. Só nós próprios podíamos sentir esse estado de espírito, não deixando lugar a influências, pressões e muito menos a imposições! Esta era a verdade, pelo menos a minha verdade!

Muito estava em jogo e não queria fazer parte do “espectável”, justamente agora em final de tempo dessa “jogatina de vida” que se arrastava há quase dois anos!

O “jagudi”, avistado mais à frente no campo, jazia estraçalhado. Prenúncios?!

Luís Faria

Uma equipa de Minas e Armadilhas da CART 2732 neutralizando uma mina anticarro no Bironque
Foto de Carlos Vinhal
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Nota de CV.

Vd. último poste da série de 13 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9478: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (49): Bula - Um acto de coragem

Guiné 63/74 - P9535: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (3): A Retirada Final: os últimos militares portugueses a abandonar o TO da Guiné (Luís Gonçalves Vaz / Manuel Beleza Ferraz)

1. Mensagem do nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), com data de 21 de Fevereiro de 2012:

Caros Editores:

Conforme o prometido, segue em anexo finalmente, o meu artigo sobre "OS ÚLTIMOS MILITARES PORTUGUESES A RETIRAR DA GUINÉ (Dia 14 de Outubro de 1974)" -“RETIRADA FINAL DO TEATRO DE OPERAÇÕES DA GUINÉ”.

Para este artigo, além de consultar as notas pessoais do meu falecido pai, também entrevistei um primo meu, que era na altura Marinheiro Radiotelegrafista da Guarnição do Patrulha Lira (LFG Lira), com quem estive ainda na Guiné, mas que ficou lá até ao último dia, o dia 14 de Outubro de 1974, juntamente com muitos outros militares, um deles, o meu falecido pai, o último CEM/CTIG.

Este meu primo, Manuel Aurélio de Araújo Beleza Ferraz, relatou-me na primeira pessoa as últimas horas da retirada para o navio UÍGE, dos militares portugueses ainda presentes nesse dia em terra, para assegurarem a última cerimónia, o "Arrear da Bandeira Portuguesa", bem como me forneceu um conjunto de fotografias, que ilustram o poste e que poderão ser publicadas.

Espero que não tenha "distorcido muito" estas últimas horas da nossa "Retirada Final" da Guiné, se o fiz, foi sem intenção. Por outro lado, peço desculpa não "elencar o nome" de todos aqueles militares que nesse mesmo dia, "deram o seu máximo" para não manchar o Bom Nome da Nação, numa altura difícil da nossa longa história... se um de vós lá estava, então deixe aqui "o seu depoimento", pois assim enriquecerá este relato de mais um dos "episódios históricos da descolonização portuguesa".

Grande Abraço
Luís Gonçalves Vaz
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Em 26 de fevereiro o Luís Vaz mandou-nos um outro mail, complementar,  com o seguinte teor:

(...) Como recebi mais informações do camarigo Magalhães Ribeiro, sobre este dia histórico e também do dia 9 de Setembro de 1974, aquando da Cerimónia OFICIAL da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC, em Mansoa, onde fiquei a saber que o meu falecido pai não esteve, pois em representação do chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente da Guiné (CEM do CTIG), esteve o tenente-coronel Fonseca Cabrinha, como tal fui naturalmente compelido, a corrigir e complementar este artigo, que almejo que se transforme num "agregar de vários testemunhos, daquele dia 14 de Outubro de 1974", dia histórico para os portugueses, e que representa simultaneamente o FIM do Império Português nestas paragens. Espero que tenha qualidade para ser publicado nos nossos Blogs (...)-

Guiné > Bissau > Forte da Amura > Entrada do lado sul (frente à ponte-cais). Era aqui que estva instalado o QG/CCFAG (Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné)

Foto: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


OS ÚLTIMOS MILITARES PORTUGUESES A ABANDONAR A GUINÉ

(Dia 14 de Outubro de 1974)

“RETIRADA FINAL DO TEATRO DE OPERAÇÕES DA GUINÉ”

Os últimos Aquartelamentos a serem entregues ao PAIGC foram o Complexo Militar de Santa Luzia, onde se encontrava o QG/CTIG (Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné), e o QG/CCFAG (Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné) instalado no histórico Forte da Amura (vd. foto acima), que se localiza mesmo em frente à ponte-cais em Bissau.

A entrega destes dois últimos redutos das Forças Armadas Portuguesas na Guiné foram “negociados” em 11 de Outubro (apenas 3 dias antes da saída dos últimos militares portugueses deste território), numa reunião no Forte da Amura com os comandantes do PAIGC, Gazela, Bobo Keita e o comandante Correia, sob a coordenação do então CEM/CTIG (Chefe do Estado-Maior do CTIG),  coronel Henrique Gonçalves Vaz.

Os “Planos de Entrega destes Aquartelamentos” foram realizados pelo Coronel CEM/CTIG, coronel Henrique G. Vaz com a colaboração do sr. Major Mourão, e entregues ao Brigadeiro Fabião  no dia 10 de Outubro de 1974, um dia antes da reunião com os comandantes do PAIGC. A entrega do Complexo Militar de Santa Luzia  foi efectuada no dia 13 de Outubro, pelas 15 horas, enquanto o Forte da Amura, o último “reduto militar português” a ser entregue, foi entregue apenas no dia 14 de Outubro, o dia previsto para a “retirada final”, e reservado para o embarque do que restava das tropas portuguesas na Guiné.

Como tal foi concentrado aí, na véspera da partida, o último contingente do Exército Português . No entanto a cerimónia OFICIAL da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC, já tinha decorrido em Mansoa, em 9 de Setembro. Estiveram presentes nesta cerimónia:

(i) a CCS (Companhia de Comando e Serviços) do Batalhão 4612/74, comandada pelo major Ramos de Campos:

(ii) o comandante do batalhão, tenente coronel Américo Costa Varino;

(iii) um bigrupo de combate do PAIGC;

(iv) um grupo de pioneiros do mesmo partido;

(v) Ana Maria Cabral (viúva de Amílcar Cabral) e seu filho;

(vi) o comissário político do PAIGC, Manuel Ndinga;

e, em representação do chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente da Guiné (CEM do CTIG), (vii) o tenente-coronel Fonseca Cabrinha (informações dadas pelo próprio militar que arriou a nossa bandeira em Mansoa, o nosso co-editor Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Operações Especiais/RANGER do BCAÇ 4612/74 ).


A Lancha de Fiscalização Grande (LFG) Lira, atracada na ponte cais, poucos dias antes da “retirada final” em 14 de Outubro de 1974.


Fotografia do Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz

O que vos vou passar a relatar será uma pequena narrativa, dos últimos momentos da nossa “retracção do dispositivo militar”, deste último reduto de militares portugueses, para os navios da Armada Portuguesa e para o navio Uíge (o navio Niassa já se encontrava ao largo de Bissau) , que se encontravam frente à ponte cais, mas a alguns metros do cais, com os motores ligados (pairavam todos os navios).

Esta descrição foi-me feita pelo meu primo e ex-Marinheiro Radiotelegrafista da Armada Portuguesa, Manuel Aurélio de Araújo Beleza Ferraz, que fazia parte da guarnição da LFG (Lancha de Fiscalização Grande) Lira, um dos navios que fez a segurança de retaguarda, durante o embarque dos últimos militares portugueses na Guiné.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista , Manuel Beleza Ferraz, (da Guarnição do Patrulha Lira), testemunha da Missão “Retirada Final” da Guiné, em 14/10/1974

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz

Evacuação de pessoal civil de Jemberem ou de Gadamael (?), passagem dos civis de uma Lancha de Desembarque, para a LFG Lira, em pleno Rio Cacine, muito abaixo da “marca lira”.

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz


4 Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG), uma pequena, e uma LDM na Ponte Cais em Bissau, no ano de 1974, poucos dias antes da “retirada final” do dia 14 de Outubro do mesmo ano. É visível o navio Uíge ao fundo, preparado para transportar os últimos militares portugueses da Guiné. 


Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz.

No dia 14 de Outubro, decorreu a última cerimónia de “Arriar da Bandeira Portuguesa”, ao qual se seguiu o “Hastear de Bandeira da República da Guiné-Bissau” (a última bandeira nacional em Bissau só foi retirada 4 ou 5 semanas depois de 14 de Outubro de 1974, sem cerimónia oficial) como tal nesse mesmo momento, todo o que restava do contingente militar português (há excepção de dois pequenos destacamentos de tropa portuguesa, da Marinha e da Força Aérea, esta na já ex-BA 12 - em Bissalanca, mas ainda com helicópteros AL-III, e o destacamento da Marinha nas suas antigas instalações, para colaborarem na transição e transmissão de técnicas/procedimentos, conhecimentos e experiências de navegação aérea e marítima, com elementos do PAIGC), encontrava-se agora em território estrangeiro.

Nessa cerimónia encontrar-se-iam o Governador (Brigadeiro Carlos Fabião), o Comandante Militar (brigadeiro Galvão de Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (coronel Henrique Gonçalves Vaz), outros oficiais, alguns sargentos e praças. Os primeiros depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios que se encontravam ao largo no estuário do Rio Geba, seguiram para o Aeroporto, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

Mal acabou a cerimónia referida anteriormente, e segundo testemunho do ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Aurélio A. Beleza Ferraz, que se encontrava nesta altura na LFG LIRA, todas as guarnições dos nossos navios que se encontravam na zona, estavam por ordens superiores, em posição de combate (para qualquer eventualidade), estando todos os operacionais equipados com coletes salva-vidas, capacetes metálicos e as Bofors (peças de artilharia antiaéreas de 40 mm) sem capa e municiadas, prontas a realizar fogo de protecção à retirada das nossas tropas, que ainda se encontravam em terra. Segundo o ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, os navios que se encontravam a realizar a “segurança de rectaguarda” mais próxima às tropas que iriam retirar-se para os navios ao largo no Rio Geba, eram a LFG Órion e a LFG Lira.



Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que decorreu em 9 de Setembro de 1974, aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao PAIGC, e troca de cumprimentos entre o Comandante do BCAÇ 4612/74 - Tenente coronel Américo da Costa Varino e os Comandantes do PAIGC presentes na cerimónia.


Estas fotografias fazem parte do acervo pessoal de Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Operações Especiais/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974.

Encontravam-se também ao largo em missão de Segurança um patrulha (NRP Cuanza) e o navio NRP Comandante Roberto Ivens, este último a comandar as operações navais desta missão de “Retirada Final”. No próprio navio Uíge estava montado discretamente um dispositivo de segurança pronto a abrir fogo, caso o PAIGC se lembrasse de abrir alguma hostilidade contra o último pessoal militar a abandonar a Guiné, com algumas metralhadoras HK-21, além de todos os militares estarem armados com as suas G-3 e as respectivas munições.


Tropas portuguesas em viagem no Paquete Uíge.

Fotografia retirada de: http://pelotaoreconhecimentofox8870.blogspot.com/p/partida.html, com a devida vénia...


Ponte cais de Bissau com duas Lanchas de Fiscalização Pequenas (LFP) e uma de desembarque ( 

LDM ) ao fundo do lado direito, no mês de Setembro de 1974. Algumas destas lanchas foram deixadas na Guiné.

Fotografia do Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz.

Após o “Arriar da Bandeira Portuguesa”, as tropas portuguesas dos três Ramos das Forças Armadas, presentes na referida cerimónia, logo de seguida, foram transportadas em zebros e LDM (lanchas de desembarque médias) para o navio Uíge, que os aguardava no meio do Rio Geba, a cerca de 400 metros afastados do cais, onde se encontrava já com as máquinas em pleno funcionamento (pairavam) por razões de segurança.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, fonte destes testemunhos históricos, aqui relatados, informou-me ainda de que as ordens vindas do Comando Naval, com apenas 24 horas de antecedência, foram entregues em mão aos Comandantes das duas LFG (Orion e Lira) e do patrulha Cuanza, presentes ao largo do cais, no caso do seu navio, o patrulha Lira, recebeu directamente o seu Comandante, 1º Tenente Martins Soares. Como tal, os Comandantes destes três navios que constituíam nesse dia, a “força naval” em frente ao cais de Bissau, receberam ordens expressas “para se posicionarem em postos de combate”, com todas as peças Bofors de 40mm, devidamente municiadas e preparadas para realizarem fogo, como apoio de retaguarda à retirada das nossas tropas, de terra para os navios, nomeadamente o Uíge.

Felizmente tudo correu bem, não sendo preciso fazer fogo nenhum, já que a retirada se desenrolou como o previsto, sem altercação de qualquer natureza. De seguida, no final dos transbordos, os zebros e as lanchas (LDM) foram presas numa boia em frente ao cais (abandonadas), e imediatamente a flotilha portuguesa escoltou os navios Uíge e Niassa (este já navegava mais à frente) até águas internacionais, seguindo a maioria dos navios da Armada para Cabo-Verde, de onde alguns deles partiriam pouco depois, em direcção a Angola.

O Patrulha Lira (LFG Lira) depois de abandonar o Rio Geba na Guiné, a escoltar os Navios Uíge e o Niassa até águas internacionais.

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz.

O Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, ainda informou que a flotilha que rumou em direção a Cabo-Verde, além dos navios já referidos (NRP Comandante Roberto Ivens, LFGs Orion e Lira e patrulha Cuanza) faziam parte também as LDGs Ariete, Alfange e Bombarda, tendo estes navios da Armada atracado em 20 de Outubro no porto de Mindelo na ilha de S. Vicente, Cabo Verde.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista Manuel Beleza Ferraz, no navio Lira, à espera da missão da “Retirada Final"

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz

Elementos da guarnição do NRP Lira, em convívio na sala comum/refeitório. Foram estes os marinheiros que no dia 14 de Outubro de 1974, nos seus lugares de combate e outros, asseguraram a operacionalidade da NRP Lira, no que diz respeito ao apoio e segurança na evacuação do último contingente militar do território da Guiné.

Estima-se que seriam algumas centenas de militares dos três Ramos das Forças Armadas Portuguesas. Neste grupo estavam representadas as várias Especialidades do navio, nomeadamente, Artilheiros, Eletricistas, Telegrafistas e Manobras. Este navio, o NRP Lira, sob o comando do 1º Tenente Martins Soares, teve um papel importante na missão de “Retirada Final”, já que era o navio de apoio de retaguarda que se encontrava mesmo em frente à Ponte cais de Bissau, como tal o navio mais próximo do Forte da Amura. O Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz é o que está a olhar para o fotógrafo.

Fotografia do ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz

A comitiva constituída pelo Governador (Brigadeiro Carlos Fabião), o Comandante Militar (Brigadeiro Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (Coronel Henrique Gonçalves Vaz), bem como alguns outros oficiais do Estado-Maior, sargentos e praças, depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios, que se encontravam ao largo do estuário do Rio Geba, e assegurando-se que tudo tinha corrido sem problemas e de acordo com o previsto nos “Planos de Retirada”, elaborados pelo CTIG/CCFAG que nesta altura se afirmava como o único Comando das Forças Armadas Portuguesas neste TO da Guiné, seguiram directamente para o Aeroporto de Bissalanca, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

Às 2h30m do dia 14 de Outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné. Nesse momento estiveram presentes alguns Comandantes do PAIGC, que quiseram despedir-se dos “seus antigos inimigos”, e assim foi o fim da colonização da Guiné com cerca de 500 anos.

Mas antes de finalizar este artigo, gostaria aqui de referir o árduo trabalho atribuído ao último CEM/CTIG, Coronel Henrique Manuel Gonçalves Vaz, já que foi o responsável, por “despacho escrito do Brigadeiro/Governador”, Carlos Fabião, pela elaboração dos “Planos de Retirada do nosso Exército”, da “Carta sobre a Redução de Efectivos e Comissões Liquidatárias”, dos “Planos de entrega dos Aquartelamentos da Ilha de Bissau”, do “Estudo da Comissão Liquidatária do QG/CTIG em Lisboa”, das "Cargas dos aviões", entre outras responsabilidades.

Enfim o Brigadeiro Carlos Fabião, determinou que este oficial do Corpo do Estado-Maior e Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG, Coronel Henrique Gonçalves Vaz, se responsabilizasse por todos estes assuntos, como tal fica aqui a minha homenagem a ele, bem como a todos os oficiais, sargentos e praças, que sob o seu comando, o ajudaram a realizar essa importante tarefa, nomeadamente o senhor Tenente-Coronel de Art.ª Joaquim José Esteves Virtuoso, o senhor Major Mourão, o senhor Capitão Lomba, e outros oficiais, sargentos e praças, que colaboraram nesta última missão militar no TO da Guiné, a “Retirada Final”, a todos eles, a minha homenagem, o meu respeito e uma grande admiração, pois ficaram neste episódio da longa história portuguesa.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista 812/70 Manuel Beleza Ferraz, testemunha da Missão “Retirada Final” em 14/10/1974. Local: Guiné

Mansoa, 9 de Setembro de 1974, aquando da Cerimónia OFICIAL da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC. Na foto, Eduardo Magalhães Ribeiro, Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 procede ao arriar da Bandeira Nacional Portuguesa.

Fotografia de Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Op. Esp./RANGER do BCAÇ 4612/74.


20 de Fevereiro de 2012
Luís Filipe Beleza Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530 e filho do último CEM/CTIG)

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Nota do Autor:

Um agradecimento especial:

(i) ao meu primo e ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, marinheiro da guarnição de um dos últimos navios a abandonar as águas da Guiné, o Patrulha Lira;
e também 

(ii) ao Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Operações Especiais/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974, pois sem os seus testemunhos, não poderia ter dado parte importante das informações, relatadas nesta minha pequena narrativa sobre a “retirada final da Guiné”. 

Aos dois, que foram testemunhas deste momento histórico, o meu muito obrigado.
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Notas de CV:


Guiné 63/74 - P9534: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande - Monte Real 2012 (4): Abertura de inscrições e informações diversas (A Organização)

VII ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE

PALACE HOTEL MONTE REAL

21 DE ABRIL DE 2012


Camaradas e amigos tertulianos, estão a partir de hoje abertas as inscrições para participar no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande. Vamos considerar o dia 14 de Abril como data limite para a recepção das mesmas.

Como poderão ver na Ementa, abaixo publicada, mantêm-se os preços do ano passado, a saber:

- Almoço e Lanche - 30,00€ por pessoa
- Quarto duplo com pequeno-almoço - 60,00€
- Quarto single com pequeno-almoço - 50,00€

Chama-se a atenção aos interessados em pernoitar no Palace Hotel para esta chamada de atenção do nosso camarada Mexia Alves:

Em relação ao alojamento temos duas situações:

1 - Na noite de 21 para 22 há disponibilidade, mas sendo fim de semana é necessário fazer as reservas o mais depressa possível, pois obviamente não podemos ter quartos reservados para "possíveis" ocupações.

2 - Na noite de 20 para 21 o Hotel está bloqueado para um grupo, que apesar de tudo julgamos não ocupará todo o Hotel nessa noite.
Então, e se alguém estiver interessado nessa noite, faremos uma lista de espera e obviamente uns tempos antes confirmaremos, ou não, a possibilidade de ocupação dessas reservas, pelo que é importante essa lista ser feita com ordem de reserva dos primeiros para os últimos.

A exemplo dos anos anteriores serei o fulcro das inscrições no meu endereço carlos.vinhal@gmail.com. Sem prejuízo do envio das mesmas para o camarada Mexia Alves no seu endereço joquim.alves@gmail.com, convém que me seja também dado conhecimento para que as listas se mantenham actualizadas.

Não esquecer de no acto da inscrição mencionar o nome da vossa companheira/acompanhante, necessidade ou não de alojamento, para que dias, e o local de onde se deslocam.

Os camaradas que inscrevam ex-combatentes da Guiné não pertencentes à tertúlia, devem-nos identificar com o nome e apelido, se possível indicando os seus contactos telefónicos ou electrónicos e local de onde se deslocam.


Ficamos então a aguardar as vossas inscrições atempadas para ajudar o camarada Joaquim Mexia Alves a organizar este VII Encontro que queremos tenha o êxito de satisfação dos anos anteriores.

Pela comissão organizadora,
Carlos Vinhal

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8913: VII Encontro da Tabanca Grande - 2012 (3): O nosso Convívio será no dia 21 de Abril de 2012 no Palace Hotel de Monte Real (A Organização)

Guiné 63/74 - P9533: Parabéns a você (388): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo Especialista da Força Aérea Portuguesa, 1979/82

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9530: Parabéns a você (387): Gumerzindo Silva, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CART 3331 (Guiné, 1970/72)