terça-feira, 19 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8571: Álbum fotográfico de Manuel Coelho (6): Beli, Madina do Boé e Convívio 2011

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) com data de 13 de Julho de 2011:

Caro Carlos Vinhal,
Agradecido pelo email que me deixou emocionado, logo fui consultar as imagens e vi que as legendas estavam corretas menos a da saída da Companhia de Madina (com o carro blindado à frente) não é regresso de patrulha, mas o primeiro passo para regresso a Nova Lamego depois de a Companhia 1790 ficar instalada.

Quanto aos nativos presentes enquanto lá estivemos, seriam 3 militares. Armando, Faté e Júlio, uma dúzia de milicias que usavam a Mauser, e uma vintena de civis com famílias completas, onde (dentro do perímetro) plantavam milho, mandioca etc, e algumas mulheres eram as nossas lavadeiras, obtendo alguns proventos com isso.

Tinham outras actividades, lembro-me concretamente de um civil que era o alfaiate do local, e de outro que autorizado a usar uma Mauser, saía regularmente à caça de porco do mato ou de gazela para nós e era uma festa na dificuldade de obter alimentos frescos.

Os três militares que nos acompanhavam, um deles está na foto de grupo da encosta, depois do 25 de abril foram mortos.

Não sei se o mesmo aconteceu ao Marabú, nome por que eram designados os chefes religiosos, e neste caso também chefe de tabanca.

Não me parece que tenham regressado a Nova Lamego connosco, decerto lá ficaram, podem no entanto contatar alguém da CCAÇ 1790 que vos esclareça.

Manuel Coelho


Quotidiano de Beli

Fotos: © Ex-1.º Cabo Machado (2011). Todos os direitos reservados.


Coluna auto de Madina para Gabu

Os corajosos picadores

Convívio 2011 da CCAÇ 1589 > Foto de família e lindo pôr-do-sol

Fotos: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8568: Álbum fotográfico de Manuel Coelho (5): Diversas fotos

Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): "Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano", por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
O livro de Julião Soares Sousa bem merece uma análise mais detalhada, tal a riqueza de pormenores e a investigação aturada que ele levou a cabo. Este primeiro doutor guineense pela Universidade de Coimbra supera as melhores expectativas, tal o rigor e equidistância que soube manter na sua investigação, do princípio ao fim. Propõe teses novas sobre a formação de Cabral, as bases da construção do PAI/PAIGC, analisa a ideologia socialista do líder do PAIGC sem tabus. Como é desassombrada a sua análise quanto ao assassinato que ocorreu em 20 de Janeiro de 1973, matéria a que dedicaremos a terceira e última recensão.
Estou à vontade, não conheço Julião Soares Sousa, posso propor sem hesitação a sua leitura como indispensável para a compreensão da guerra que todos nós travámos.

Um abraço do
Mário


"Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano"

Amílcar Cabral: à volta do projecto de unidade Guiné e Cabo Verde

Beja Santos

Um dos aspectos mais relevantes do livro de Julião Soares Sousa sobre Amílcar Cabral é o de permitir um estudo desapaixonado e rigoroso em torno do contexto africano de unidade, a par da génese e evolução do projecto federalista entre Guiné e Cabo Verde que o líder carismático do PAIGC desenvolveu e que estará certamente na base dos maiores sucessos alcançados na luta de independência mas que comporta, de igual modo, o gérmen da destruição dessa mesma unidade.

O autor recorda-nos que o conceito de unidade africana fez fortuna e apareceu associado à ideia pan-africana de unidade do continente: Guiné e o Gana manifestaram a sua intensão de se unir, logo em 1958; Nkrumah defendia que a força do continente africano radicava na união; Nierere, da Tanzânia, advogava que apenas com a unidade se poderia assegurar que os africanos governavam realmente a África. Foi um movimento que culminou com a organização da unidade africana. No percurso, assistiu-se a várias tentativas de uniões regionais e sub-regionais: Gana e a Guiné Conacri; Daomé (actual Benin), o Sudão, o Alto Volta (actual Burkina Faso) e o Senegal formaram a Federação do Mali, etc. Como se sabe o projecto que se tornou mais duradouro na África Austral foi a união entre o Tanganica e Zanzibar que deu origem à Tanzânia, os outros foram simplesmente efémeros.

No final dos anos 50, Cabral estava atento a estes projectos de uniões regionais. O contexto africano era de superar os nacionalismos particularistas. Julião Soares Sousa está convicto de que o projecto federalista de Cabral surgiu em 1959, é a partir de Setembro desse ano que se começa a falar da unidade entre Guiné e Cabo Verde. Nos estatutos do PAI diz-se claramente que é uma “organização política das classes trabalhadoras da Guiné dita portuguesa e de Cabo Verde” e que a sua actividade será exercida nos dois países; esses mesmos estatutos previam a criação de comités e conferências para cada um dos territórios em questão. De acordo com alguns testemunhos da época, a começar por Luís Cabral, Amílcar destacava a origem ancestral comum e facto da Guiné e Cabo Verde dependerem da mesma potência colonial; e argumentava de que a separação da luta das duas colónias seria aproveitada pelo colonizador que poria os cabo-verdianos a dominarem guineenses. Cabral estava pois convencido que o projecto de união tinha solidez histórica e cultural, referia o tráfico de escravos transportados do continente para as ilhas, falava na paridade do crioulo e até na união orgânica ao longo de séculos. Contudo, não deixa de causar perplexidade não ver, por parte dos estudiosos e biógrafos de Cabral, nenhum exame a este conceito francamente voluntarista da unidade histórica e cultural, nem os investigadores cabo-verdianos ou guineenses têm mostrado iniciativa em desmontar esta confabulação montada em elevado conceito; nem se conhece nenhuma reacção, a partir desses anos 60 e até mesmo à independência, de assembleias internacionais ou políticos africanos, parece ter descido uma cortina de silêncio ou aceitação sobre as teses de Cabral acerca da unidade Guiné e Cabo Verde.

Julião Soares Sousa vai destacando reacções desfavoráveis quer de cabo-verdianos quer de guineenses, ela será uma constante no fraccionamento dos diferentes grupos e grupúsculos oposicionistas, sediados no Senegal, na Guiné-Bissau e na Guiné-Conacri, isto para já não falar da contestação em certas elites cabo-verdianas. O discurso de Cabral passará a ser rebarbativo e assumirá quase uma toada mágica: seriam povos irmãos, mesmo com problemas específicos; Guiné e Cabo Verde eram do ponto de vista histórico, étnico, económico, social e cultural, um só povo; ele falava em “o nosso povo do continente e das ilhas” como se houvesse uma única comunidade nacional. Obviamente que este discurso dogmatizante ganhava carga contraditória quando ele próprio aludia às diferenças na situação económica, social e cultural dos dois povos, eram diferenças que ele considerava suficientes para consolidar a unidade.

Como toda esta concepção ideológica era destituída de rigor histórico e político, Cabral foi usando de argumentação de elevada plasticidade até ao seu assassínio, sempre que invocava a unidade. Como é evidente, o conceito acabou por funcionar como uma peça estratégica ao serviço de outros movimentos de libertação, e foi inegavelmente um factor no combate às tentações étnicas que se foram camuflando dada a capacidade de manobra e a oratória de Cabral.

O líder apercebeu-se que tinha que passar para o terreno, interiorizar a subversão graças a quadros preparados. O seu conceito revolucionário foi aceite pelos diferentes movimentos independentistas das colónias portuguesas, a começar por dirigentes de alto coturno como Viriato da Cruz, Lúcio Lara e Mário de Andrade, com quem Cabral tinha excelentes relações. Em Maio de 1960, Cabral chega a Conacri onde se fixam o PAI e o MPLA. Começa um longo percurso até assumir a liderança do movimento de libertação, desarmando gradualmente os grupos opositores. A sua capacidade de trabalho é enorme, na elaboração de documentos teóricos e de comunicados, na correspondência trocada com outros líderes, na participação em reuniões internacionais e na organização do PAIGC, no acompanhamento da subversão ao nível de Bissau, o líder parece incansável, uma onda gigantesca em movimento. Acresce que foi necessário superar desconfianças mesmo dentro da Guiné Conacri e uma suspeita de Senghor quanto aos propósitos políticos de Cabral. Aos poucos, os quadros foram sendo formados no exterior, na Guiné-Bissau. Rafael Barbosa comportava-se como um impetuoso revolucionário, os grupos de oposição desagregaram-se. Sem que as autoridades portuguesas se apercebessem do alcance subversivo, encetou-se a mobilização junto dos camponeses, preparando-os para a hostilidade contra os portugueses. Mas os revezes também chegaram cedo: as prisões em 1961 e 1962, sobretudo as últimas que levaram Rafael Barbosa à detenção. Mas nesse ano o quadro revolucionário encontrara terreno para a prática subversiva: a região Sul é praticamente desmantelada, destroem-se pontes e embarcadouros, isolam-se localidades, aniquilam-se as comunicações.

Em Janeiro de 1963, com o ataque a Tite, é dado o sinal do desencadeamento da luta armada. No final desse ano, há grupos de guerrilheiros e populações apoiantes por praticamente toda a região Sul, no Corubal e no Morés. Cabral é um teórico, um diplomata, um organizador, um estratega. Quando se lê esta biografia política de Julião Soares Sousa não deixa de impressionar a distância colossal que o separa quer dos seus pares dentro do PAIGC quer dos outros líderes independentistas: criou uma doutrina socialista especifica e vai ditar regras dessa originalidade em areópagos onde o pensamento soviético primava por ser o único; usa a unidade Guiné-Cabo Verde como contribuição indispensável para a união africana; é um pensador e um agitador sempre em movimento. A sua obra teórica é de grande valor, toda ela escrita num português exímio.

O seu calcanhar de Aquiles, ver-se-á na próxima e última recensão, residiu na incapacidade de dar resposta ao contencioso entre guineenses e cabo-verdianos que, de um modo geral, não se reviram completamente na construção do Estado proposta por Cabral. No auge do seu prestígio, será assassinado: a criação revoltou-se contra o criador. E, como é por todos sabido, a criação ainda não ganhou identidade.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8559: Agenda Cultural (143): Cartas de Amor e Saudade, por Manuel Botelho, no Centro Cultural de Cascais até ao dia 28 de Agosto de 2011 (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8549: Notas de leitura (256): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8569: Fotos à procura de... uma legenda (2): Carlos Miguel (Fininho), e Carlos Alberto Maravilhas Soares, do Comando de Agrupamento nº 1980 (Bafatá, 1967/68): Álbum de Amaro Oliveira António



Foto nº 1 - O ex-Fur Mil Carlos Miguel (Fininho), de pé, ao lado do 1º cabo Amaro Oliveira António, sentado, no Comando de Agrupamento nº 1980 (Bafatá, 1967/68)...




Foto nº 2 - "Homenagem ao Carlos Alberto Maravilhas Soares (guarda redes, já falecido) do Comando de Agrupamento nº 1980" [Bafatá, 1967/68]...

Fotos: © Amaro Oliveira António 2011). Todos os direitos reservados.


1. As fotos são do nosso leitor (e camarada de armas) Amaro Oliveira António (AOA), que pertenceu ao Comando de Agrupamento nº 1980 (1967/68), e onde trabalhou com o Alf Mil Ribeiro e com o Fur Mil Carlos Miguel...

São de fraca qualidade, mas merecem uma legenda... Foram enviadas no princípio do ano corrente... Com estas escassas legendas (*)... Aguardavam uma oportunidade para saírem no nosso blogue... Não temos mais informações sobre o nosso camarada Amaro Oliveira Amaro (AOA), que não pertence, formalmente, à nossa Tabanca Grande...(Fica aqui o convite para, doravante, se juntar ao nosso blogue, sentando-se debaixo do nosso secular, frondoso, fraterno, mágico, encantatório poilão, que abriga os nossos irãs, tanto os bons como os maus...).

Sobre o Carlos Miguel (actor de teatro popularmente conhecido como Fininho, que se retirou no final dos anos 90 para Salvaterra de Magos, depois de ter sido diagnosticado um cancro nas cordas vocais, obrigando-o a  abandonar a sua carreira no teatro de revista e na televisão), já aqui fizemos pelo menos duas referências (**)... Numa delas, o nosso camarada José Corceiro lançava, há um ano atrás,  um apelo para se recuperar fotografias do Carlos Miguel, do seu tempo de Guiné (1968/69), estando em curso a elaboração de um livro biográfico sobre o actor (que se popularizou sobretudo  com o Programa de televisão "Um dois três", da RTP1,  que teve várias séries, entre 1984 e 1998,  com o apresentador Carlos Cruz mas também com o António Sala; entre os actores cómicos que por lá passaram, conta-se o Carlos Miguel, o Raul Solnado e a Marina Mota):

(...) Tinha dois álbuns com fotografias da sua passagem pela Guerra, que guardava carinhosamente, mas já há uns anos que lhe desapareceram durante uma mudança de residência, pelo que neste momento não tem uma única foto desse período da sua vida.

Na Guiné esteve em Canjadude nos Gatos Pretos [, CCA 5,], mas também esteve algum tempo em Nova Lamego, em Bafatá, em Bissau e mais outros locais que visitou, que não pode precisar (...)
.

O nosso camarada Fernando Gouveia, ex-Alf Mil do Comando de Agrupamento nº 2957 (Bafatá, 1968/70) ainda o conheceu, em Bafatá. Tal como o ex-Fur Mil do BENG 447, José Manuel Fresta de Carvalho (**).

Sobre o falecido Carlos Alberto Maravilhas Soares, também não temos qualquer informação adicional.

Sobre o COM AGR 1980, 1967/68, temos a seguinte nota do nosso colaborador permanente José Martins:

(i) Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, em Lisboa;

(ii) Desembarcou em Bissau em 6 de Fevereiro de 1967;

(iii) Deslocou-se para Bafatá, aí  assumindo o comando e coordenação dos batalhões instalados nos sectores de Bafatá, Nova Lamego e Bambadinca em 7 de Fevereiro de 1967;

(iv) Foi rendido em 18 de Novembro de 1968 pelo Comando de Agrupamento nº 2957, recolhendo a Bissau e regressando à metrópole em 19 de Novembro de 1968.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste anterior desta série > 17 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8565: Fotos à procura de... uma legenda (1): Álbum de Torcato Mendonça (CART 2339, Mansambo, 1968/69)

(**) Vd. postes de:

2 de Junho de 2010 >Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné: Canjadude, Nova Lamego, Bafatá, Bissau (José Corceiro)

29 de Março de 2011 Guiné 63/74 - P8012: O Nosso Livro de Visitas (110): João Manuel Fresta de Carvalho, ex-Fur Mil Engenharia, que esteve 4 meses em Bambadinca e a maior parte do tempo no Saltinho, cujo aquartelamento ajudou a construir, ao tempo da CCAÇ 2406 (1968/70)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8568: Álbum fotográfico de Manuel Coelho (5): Diversas fotos




1. Quinta página do Álbum fotográfico do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) enviado em mensagem do dia 28 de Junho de 2011.


ÁLBUM DE MANUEL COELHO (5)

Diversas


Vistas de Bafatá

Vista aérea de Bambadinca

Binta

Rio Corubal

Emblema da CCAÇ 1589

Olhar de criança

Saudade

Um T6

Tabanca

Tocador de kora

Vaqueiro

Regresso > Cais de embarque

Regresso > Niassa

Regresso > Recepção

Regresso > Atracação

Fotos: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8561: Álbum fotográfico de Manuel Coelho (4): Bissau

Guiné 63/74 - P8567: Estórias avulsas (55): O tio Quim Quim (Felismina Costa)



1. Mensagem da nossa amiga e tertuliana Felismina Costa *, com data de 18 de Julho de 2011:

Caro Editor e Amigo Carlos Vinhal, muito Boa-noite!
Recordando o passado, veio-me à memória esta pequena história de gente da minha aldeia, que a saudade aviva, e que tem o condão, de me fazer regredir à minha infância e juventude.

A foto anexa, é a casa de meus avós maternos, donde guardo as melhores recordações da infância e que envio apenas para colorir a história, ligando-a a esse tempo distante, onde cada habitante era parte integrante do clã.

Se entender publicar... o meu obrigada.
Felismina Costa


O tio Quim Quim

Felismina Costa

Lendo há tempos uma história do nosso amigo Juvenal Amado, O homem que certo dia teve três mães, trouxe-me à memória lembranças de gentes e factos da minha pequena Aldeia, e prometi a mim própria contar um dia uma história, também ela verdadeira, a que “Baco” não é alheio, cujo protagonista recordo nitidamente, mesmo com uma certa saudade, porque nos meios pequenos, estabelece-se entre os conterrâneos uma amizade muito próxima à dos laços familiares, até porque acabam todos por ter entre si, distantes, mas reconhecidos laços de sangue. Não seria este o caso, mas era com certeza uma pessoa que prezava e respeitava.

Já faleceu há muito e espero que ninguém se sinta ofendido com o que vou contar, que é apenas um apontamento, uma referência do próprio, ao seu “estado normal”.

O Tio Quim Quim, era um respeitado pedreiro da terra, chefe de uma digna família.
Recordo a esposa claramente, e os filhos.
Recordo a casa limpa, extremamente limpa, o jeito calmo e algo triste da esposa.
Recordo do citado, o seu jeito pacato, contudo revelando inteligência e comportamento social impecável.

Acontece porém, que o tio Quim Quim, não permitia que outros bebessem a sua parte e todos os dias, quando terminava o seu dia de trabalho, era ainda tempo de agasalhar as taças, que generosamente o inebriavam.

Como tão boa gente no tempo, os homens tinham apenas a taberna como forma de distracção, sobretudo nos meios rurais, e era ali, ouvindo as histórias do dia e do mundo, lidas no jornal diário, e as histórias tristes dos habitantes da terra, onde o pão para os filhos dependia única e simplesmente da sorte de ser escolhido para trabalhar uns dias para as grandes casas agrícolas, que de copo em copo, a vertical ia a pouco e pouco oscilando para caracterizar o estado.

Consciente de que todos os dias atingia uma cota razoável no estado de torpor, provocado pelo excesso etílico, respondia invariavelmente ao cumprimento normal de qualquer conterrâneo que o cumprimentasse dizendo: - Olá Ti Quim Quim, como vai isso?

Assumindo a realidade, respondia tranquilo, abanando a cabeça: - Não tem melhoras nenhumas!

Eu era adolescente ao tempo que isto se contava, mas sempre que recordo este assumir de um estado, que muitos negam, pese embora a evidência, provoca em mim uma gargalhada salutar, pela frontalidade, pela dignidade de assumir sem alardes, talvez mesmo contrito, uma realidade de que não se orgulhava, mas que era a sua.

Esta é uma personagem que povoa a minha memória, que recordo frequentemente, e que me arranca sempre um sorriso franco.
Que me faz regredir no tempo, que me leva à minha aldeia, à minha gente, que me faz recordar caminhos, vozes, pessoas, afectos.
E eu acabo também por ficar embriagada de lembranças felizes.

Felismina Costa
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8451: Blogpoesia (151): De manhã, sentindo o tempo (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8534: Estórias avulsas (113): Patrulhamento e captura de um elemento do PAIGC no OIO (Jorge Lobo)

Guiné 63/74 - P8566: Blogpoesia (152): Uma parte de nós ficou para sempre lá (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, (Galomaro, 1971/74), com data de 16 de Julho de 2011:

Caros Luís,Carlos, Magalhães, Briote e restante Tabanca Grande
Uma pequena recordação dos nossos regressos, quando pensávamos que tudo faríamos por esquecer.
O nosso horizonte tinha sido tabelado pela guerra como se fosse um ritual de passagem à idade adulta. Agora regressados rasgaríamos as nossas fronteiras e o Mundo poderia ser nosso.

Bem sabemos que não foi assim para todos.

Hoje a dura realidade é que muitos dos nossos camaradas sofrem de degradante abandono. As famílias sofrem pois por muito tempo não compreenderam o modo errático deles se comportar e sem ajuda, optaram pela a resignação. Hoje é tarde para muitos ou para todos, que no regresso não alcançaram a Paz.

Será que ainda poderemos ajudar alguns?

Um abraço
Juvenal Amado

Terceiro Natal na Guiné


UMA PARTE DE NÓS FICOU PARA SEMPRE LÁ

A luz fere-me os olhos
O mar que me embalou na viagem
Quebrou-se manso na barra
Lá está a ponte no seu vai e vem
Ainda guardo a imagem da partida

Para trás ficaram as águas barrentas
O calor sufocante
O cacimbo
O Céu de chumbo
Os dias e noites de insónia
A insanidade afogada num copo
O rosto, que duvido se terá existido

Tão ansioso da partida
Mal posso esperar pela chegada
O Sol resplandece na manhã fria
A maresia invade-me o peito
Voltam os cheiros adormecidos
No cais a molhe de sorrisos cresce

Lisboa maravilha-me
O ar fresco e límpido
Mal posso esperar pelos braços que me aguardam
Haverá lágrimas, serão de alegria

Deito o cigarro fora
Fico a vê-lo rodopiar até tocar na água
Finalmente caminho no passadiço
Vim para ficar
Pensei que o passado ficara para trás

Como pude ser tão cego
Pensar que esquecia tudo
Que uma parte de mim não ficaria lá para sempre
Na ânsia da partida
Neguei-me a olhar para trás

E agora, que a saudade me corrói
Sei que nunca regressei na totalidade

Galomaro > Abrigo da "Ferrugem"

A caminho do Dulombi
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Notas de CV:

(*) Vd. poste 8 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8528: (Ex)citações (142): O espaldar do morteiro 81 de Cancolim estava no meio da parada (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 20 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8451: Blogpoesia (151): De manhã, sentindo o tempo (Felismina Costa)

domingo, 17 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8565: Fotos à procura de... uma legenda (1): Álbum de Torcato Mendonça (CART 2339, Mansambo, 1968/69)



Foto nº 1 - Legenda...  Periquito vai no mato...

Foto nº 2 - Legenda:  Quando não há bananeiras, não há sombras...


Foto nº 3 - Legenda.... Em tempo de guerra também se cortam... cabelos



Foto nº 4 - Legenda: É na cara dos pobres (soldados) que os barbeiros (da tropa) aprendem...


Guiné > Zona leste > Sector L1  (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Fotos Falantes II... Do álbum fotográfico do nosso querido amigo e camara Torcato Mendonça, português por inteiro, com costela alentejana e algarvia...

Fotos: © Torcato Mendonça (2011). Todos os direitos reservados.

1. Neste verão do nosso descontentamento, o tempo está bom para fazer charadas, passatempos, palavras cruzadas... Que tal esta sugestão: legendar fotos que andam  por aí à procura de quem as legende ?! Temos muitas, em arquivo,  umas mais falantes do que outras... Mas todas falam do nosso quotidiano, em geral nos bu...rakos por onde andámos...

Estas por exemplo foram tiradas em Mansambo, mas podiam ser referentes a outros lugares similares da Guiné... Mansambo tinha uma particularidade: tal como Gandembel, foi um quartel construído de raíz, por gente heróica que tanto empunhava a G3 como a enchada, a pá ou a pica... Também não tinha população local, nem história...

Amigos, camaradas, leitores: Aceitam-se legendas... As que vêm acima são apenas sugestões... As melhores legendas (com as respectivas fotos) serão publicadas no blogue, com honras de caixa alta. Haverá um júri, competentíssimo e selecto, para escolher as 10 melhores... legendadas.

Os nossos leitores poderão comentar os postes desta nova série (que começa hoje), dentro das regras que estão estabelecidas no nosso blogue: por exemplo, os comentários não podem ser anónimos...

Vamos aproveitar o período de férias, em que há, todos os anos, uma quebra nas visitas, no envio de textos e fotos, nos pedidos de entrada de novos membros da Tabanca Grande... O desafio é também à nossa imaginação, criatividade, humor, memória... Esperamos que estas fotos possam incluive dar origem a pequenos contos, histórias, etc. Ajudem-nos a manter, vivo, activo, produtivo, saudável, bem humorado e bem recheado... o nosso blogue. Que é de todos e para todos... (LG)

PS - Os autores das fotos podem também dar uma ajudinha...

Guiné 63/74 - P8564: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (26): A minha primeira vez

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 17 de Julho de 2011:

Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pequena história sobre as minhas andanças pela Guiné. Tenho a certeza que a sua leitura despertará reacções e emoções desencontradas. Isso é precisamente o meu objectivo ao abrir um livro que é por demais íntimo.
Deste episódio e do seu desenlace último nunca me arrependi. Preparou-me para outras oportunidades bem mais difíceis que esta. Um dia, se possível, lá chegarei.
Ainda hoje, quando lembro deste desencontro sexual da minha vida na Guiné, dá para um sorriso. Afinal já sou um sexa e posso dar-me ao luxo deste tipo de indulgência.

Um abraço muito amigo para ti e para os camaradas que tiram o seu tempo para lerem estas pequenas coisinhas.
José Câmara


Memórias e histórias minhas (26)

A minha primeira vez

Nos anos sessenta, a juventude açoriana, cercada por princípios de ordem moral e religiosa e ainda pela pequenez do meio onde toda a gente sabia tudo, tinha que ter muito resguardo sexual. Nas ilhas, raparigas namoradeiras ficavam quase sempre solteiras e os rapazes sujeitavam-se a nunca serem pais.
Era na tropa que muitos mancebos, saídos do seu ambiente habitual, tinham a sua primeira experiência sexual com elemento do sexo oposto. Para os que o conseguiam era o esvaziar de um sonho tantas vezes recalcado ao longo das suas vidas ainda jovens.

Como açoriano prezado que era dos meus princípios sociais e religiosos também passei por essa sede recalcada durante os anos da minha juventude. Já na tropa nem Tavira, Funchal ou Angra do Heroísmo me proporcionaram as oportunidades de saciar a sede sexual. Confesso que também não as procurei.

Foi na Guiné, mais propriamente em Teixeira Pinto, que surgiu a grande oportunidade. E que oportunidade!
Andava eu pela Mata dos Madeiros quando tive que me deslocar a Bissau para ser vacinado contra a febre-amarela e marcar a minha passagem para ir de férias aos Açores.

Por motivos alheios à minha vontade tive que desistir desta passagem. No ano de 1971 acabei por não gozar as férias a que tinha direito.

A escolta a Bissau para além de ser muito perigosa, sobretudo o troço entre os quartéis do Pelundo e Bula, era extremamente cansativa. Tínhamos que pernoitar em Teixeira Pinto encostados a uma parede qualquer ou no assento do unimog, um luxo para quem estava habituado a dormir na terra todos os dias. No regresso conforme a hora da chegada a Teixeira Pinto podíamos pernoitar ali, mas quase sempre íamos fazê-lo ao quartel do Bachile. Este ficava muito mais perto do acampamento. Isso facilitava a vida daqueles que tinham que avançar para o mato logo à chegada.

Sobre a deslocação a Bissau escrevi um aerograma à minha madrinha de guerra:

“Mata dos Madeiros, 7 de Junho de 1971
Este aerograma será para umas breves notícias. Hoje de manhã vim do mato e daqui a pouco vou para Bissau. Devo regressar depois de amanhã. Vou ao hospital civil levar a vacina contra a febre-amarela; preciso de a ter para quando for de licença. Também irei à Agência de Viagens.”

Chegados que fomos a Teixeira Pinto, enquanto aguardávamos pela hora do recolher para um merecido descanso, eu e o Fur Mil APes Manuel Lopes Daniel fomos dar uma volta pela avenida principal desta vila. Foi durante esse passeio que surgiu a ideia de irmos à procura de mulher que quisesse partir catota.

Se bem pensamos, só haveria que saber onde. Não faltaria quem nos informasse o que de melhor podíamos ter por aquelas paragens.

Beldade manjaca junto a um poilão (Edição da Confeitaria Império - Bissau)

Um dos nossos informadores apontou-nos uma casa que ficava para além de um café muito frequentado pela tropa, que ficava ao fundo da avenida e no enfiamento para Bassarel. Segundo a informação as frutas eram um pouco verdes, lindas, doces. Rematou que eram de gritos, apitos e de se chorar por mais.

Estava lançado o ambiente que nós, quais bezerros cheios de testosterona, desejávamos e precisávamos.

Tratava-se de duas irmãs jovens segundo a nossa informação. Para azar meu apenas estava uma e o Daniel tinha-se adiantado à porta. Desapareceu por ela, enquanto me preparei para aguardar.

Raios! O Daniel já de volta assim como quem entra por uma porta e sai pela outra. Nem à mão, sem menosprezo algum para esta anciã ferramenta, se conseguiria ser tão rápido. Logo compreenderia o porquê de tamanha façanha.

Ao entrar à porta deparei com uma mulher, a mãe da jovem, a cobrar o capim. Não me lembro quantos pés do dito me pediu. Na escuridão da casa era possível ver-se a um canto uma porca a amamentar bacorinhos; crianças dormiam profundamente numa cama e debaixo desta estavam cachorrinhos às turras com as mamas da mãe cadela.

A jovem, a grande razão de eu estar ali, disse-me que tinha apenas 16 anos; manjaca, negra luzidia, linda, convidativa, disposta ou obrigada à prostituição, num ambiente impressionante.

Rapariga Manjaca lavando roupa (Bassarel)

O peito encheu de ar, latejante o coração falou mais alto.

Meu Deus, eu ainda tinha princípios morais que nada conseguira destruir até então. Bem presentes estavam os conselhos maternos de afectividade e conduta social: nunca esquecer que tinha irmãs, não fazer pouco das filhas de ninguém, que os homens usavam calças por alguma razão.

Foi então que me apercebi que nada do que estava ali a viver tinha a ver com os meus sonhos tantas vezes acalentados. Voltei as costas. Ainda não seria desta vez que me iria prostituir.

Com o Daniel segui em direcção ao quartel. Cada um de nós embrenhado no pensamento da experiência acabada de viver.

No dia seguinte, muito cedo pela manhã, seguimos para Bissau. Nesta cidade fui tratar dos assuntos que ali me levaram. Para além disso, eu tive a oportunidade de visitar o meu grande amigo do Liceu Nacional da Horta, o Alf Mil Art. Eduardo Manuel da Silva Camacho, acabado de chegar à Guiné com a esposa Filomena. Como não podia deixar de ser, este casal, fresquinho da boda, andava, disseram-me eles, apanhadinho pelo clima.

Pudera, eu também andava, só que por uma razão muito diferente: a falta dele. Do clima pois claro!
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8479: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (25): Abençoada chuva que tanto tardaste

Guiné 63/74 - P8563: Parabéns a você (292): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492/BART 3873 e José Manuel Pechorro, ex-1º. Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Tertúlia / Editores)


Com um abraço do camarada Miguel Pessoa



PARABÉNS A VOCÊS

DIA 17 DE JULHO DE 2011

E

NESTE DIA DE ANIVERSÁRIO DOS NOSSOS CAMARADAS ÁLVARO BASTO E JOSÉ MANUEL PECHORRO, A TERTÚLIA E OS EDITORES VÊM POR ESTE MEIO DESEJAR-LHES AS MAIORES FELICIDADES E UMA LONGA VIDA COM SAÚDE, JUNTO DE SEUS FAMILIARES E AMIGOS.
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Notas de CV:

Álvaro Basto foi Fur Mil Enf na CART 3492 (Xitole) do BART 3873 (Bambadinca), 1971/74.

José Manuel Pechorro foi 1.º Cabo Op Cripto na CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8547: Parabéns a você (291): António Tavares, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912 e Rogério Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905 (Tertúlia / Editores)