quarta-feira, 1 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8356: Parabéns a você (266): Agradecimento de Mário Beja Santos

1. Mensagem de hoje, 1 de Junho de 2011, do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), que ontem esteve de parabéns:

Meus queridos camaradas,
Tive ontem um dia muito feliz, começou logo com as vossas trombetas no blogue. Trabalhei, participei nas jornadas da Comissão Portuguesa de História Militar onde o Dr. Carlos Valentim, oficial da Armada, e que prepara o doutoramento sobre a obra o do almirante Teixeira da Mota me deu a saber que encontrara numa das caixas da correspondência do distinto historiador um maço de correio que eu lhe enviei do Cuor, com poemas e tudo. Fiquei tão emocionado que a minha intervenção reflectiu depois essa notícia. E no final recebi um abraço do Humberto Reis, ele é um dos principais responsáveis por eu ter chegado ao blogue, aquela fotografia com a capela de Bambadinca mudou o curso dos acontecimentos da minha vida, em 2006.

Agradeço oferecendo-vos a todos este textinho que saiu assim, de rajada e que passa a pertencer-vos a todos.

Agradeço o telefonema do Luís e a mensagem do Carlos Vinhal, pelo ânimo que me deram, preparando o caminho para a alegria dos vossos cumprimentos.

Não sei meter este texto no comentário, o Carlos faça como entender.

Com gratidão,
Mário


Guiné-Bissau > Zona Leste > Bambadinca > 1997 : A velha Capela de Bambadinca.
Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do (Braima Samá)


Nós, os que viemos depois de Nuno Tristão

Beja Santos

Nuno Tristão chegou numa barca de 40 toneladas, saída de Lagos, em Junho de 1446, ia abrir caminho à primeira colónia moderna do mundo, a última que os portugueses julgavam ter pacificado, em1915. Dobrou o Cabo Verde, numa região que durante séculos foi conhecida por Senegâmbia, estava uma manhã soalheira e calma, as águas tinham uma coloração verde amarelada, o vigia, no cesto da gávea, gritou: almadias à vista!

Não eram embarcações, eram tufos de vegetação, a barca singrou por entre essa vegetação luxuriante, ladeou a costa, progrediu para sul, apontou para um rio largo, aproveitando uma maré favorável, num estuário amplo o tripulante descobriu dois rios. Apontou para a esquerda, foi nisto que se ouviu o fragor de trovões, era Junho o mês dos tornados e dos dilúvios tropicais, ouviam-se estrondos medonhos, estarrecida a marinhagem olhava para um céu umas vezes escuro outras vezes glauco, coriscos e trovões sucediam-se ininterruptamente. Depois tudo acalmou, o rio entrara na vazante, seguiu-se imprevistamente uma ondulação rumorosa, o macaréu. Nuno Tristão chegara ao Geba estreito. O Geba estreito onde vivi dois incomensuráveis anos. E definitivos.

Nós fazemos parte daquela falange que em noites de calor húmido, dentro de rolos de serpentina de vapor, ou no Geba de prata escura, pela manhã, aportámos num local chamado Pidjiquiti e daqui partimos para essa vegetação luxuriante, para aqueles tornados, talvez para ilhas, múltiplos pontos ermos numa Guiné que se transformara, na sua beleza labiríntica de tufos luxuriantes, de florestas tropicais, numa densíssima plataforma de guerra.

Viajámos, acampámos, serpenteámos entre lalas e bolanhas, chapinhámos no lodo viscoso, conhecemos gentes de sorriso largo, de pele escuríssima ou acobreada, subimos e descemos nas peças do mosaico etnográfico mais surpreendente do mundo, conhecemos povos tatuados, adornados de contaria, braceletes em alumínio e ferro, com anéis, amuletos, trabalhando a ráfia, as madeiras perfumadas, imolando animais para aplacar as fúrias dos irãs. Ouvimos tocar o korá, fomos picados por biliões de insectos, vimos os anos reduzidos a duas estações, vimos homens a caminhar como reis e mulheres a saracotearem-se como deusas de um olimpo vegetal. Olhámos a arrozais, campos de mandioca, de fundo, de feijão, vimos viajar as perdizes, as chocas, os flamingos. Dentro do arame farpado ouvimos hienas e onças, até javalis, dizem mesmo o brado dos elefantes. E combatemos rodeados pelas geobotânica mais frondosa dos jardins botânicos que África dispõe. Com espingardas metralhadoras, bazucas e morteiros, cirandámos entre o pau-conta, o pau-sangue e o pau-incenso, rasgámos a pele na alfarroba de lala, subimos e descemos caminhos de saibro assente em laterite pura, daí a Guiné ser um misto de verde que desponta num solo incendiado fendido por água enlameada.

Fomos os últimos viajantes depois de Nuno Tristão, este fora precedido por Gil Eanes, que dobrara o Cabo Bojador, deitando por terra a lenda do mar tenebroso. Fomos intrépidos, lacrimejámos, pusemos cruzes nos dias do calendário, ouvimos o grito dos moribundos e o trovão dos palavrões dos últimos adolescentes da nossa geração. Hoje estamos aqui, confraternizando numa mesa que reunirá mesmo depois do último de nós fechar os olhos. Porque esta mesa é a história e há deveres de memória que não morrem. Ponto final.

[Negrito da responsabilidade do editor do texto]
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Nota de CV:

Vd. postes de 31 de Julho de 2011:

Guiné 63/74 - P8348: Parabéns a você (264): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Tertúlia / Editores)

Guiné 63/74 - P8349: Parabéns a você (265): Pedido de livro emprestado... ou a fome de livros do nosso camarada Beja Santos, em dia de aniversário (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P8355: Memória dos lugares (156): Cutia em 1966, aquando do alcatroamento da estrada Mansoa-Mansabá (José Barros)

1. Mensagem de José Ferreira de Barros* (ex-Fur Mil At Cav, CCav 1617/BCav 1897, Mansoa, Mansabá e Olossato, 1966/68), com data de 26 de Maio de 2011:

Caro amigo Carlos:
A Vida em Cutia não foi fácil.
A construção da estrada Mansoa-Mansabá deu-nos o suor pela testa.
O IN não nos largava.
As condições de habitabilidade também foram bastante difíceis.

Envio algumas fotografias de Cutia que farás com elas o que muito bem entenderes

Um grande abraço
José Barros


CUTIA, 1966 - ALCATROAMENTO DA ESTRADA MANSOA-MANSABÁ

Cutia, 1966 > Barreira de Controle de passagem de colunas de Mansabá-Mansoa, com vista do aquartelamento.

Cutia, 1966 > Cozinha de campanha

Cutia, 1966 > Forno onde se cozia o pão para a Companhia ali instalada

Cutia, 1966 > Lado da estrada para o abrigo

Cutia, 1966 > Visita do Comandante Chefe e Governador da Guiné ao aquartelamento. General Arnaldo Schulz acompanhado pelo Capitão Torres Mendes, CMDT da CCAV 1617

Cutia, 1966 > Traseiras do abrigo

Cutia, 1966 > Pavilhão do Refeitório. Ceia de Natal. O Comandante da CCAV 1697, Capitão Torres Mendes a dirigir algumas palavras de ocasião

Cutia, 1966 > Hora da refeição. Bicha de pirilau para ir à cozinha de campo buscar a paparoca porque ainda não tínhamos barracão para refeitório

Cutia, 1966 > Vista parcial da tabanca de Cutia. Do lado contrário ficava o aquartelamento. O alcatrão ainda aqui não tinha chegado.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8148: Convite (9): Amigo Frade junta-te a nós para partilhares, lembrares e reviveres histórias por que passamos naquela saudosa terra (José Barros)

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8243: Memória dos lugares (155): Bedanda 1972/73 - A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (2) (António Teixeira)

Guiné 63/74 – P8354: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (12): Baile de Fim de Ano na Associação Comercial, mesmo ao lado do Palácio do Governador

1. Mensagem de Rui Silva* (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 26 de Maio de 2011:

Caríssimos Luís e Vinhal:
Recebam as maiores saudações, extensivas ao amigo Magalhães Ribeiro e outros co-editores e colaboradores deste extraordinário e insuperável Blogue.

Destas vez vai um “salpico cor-de-rosa” das minhas memórias.

Um abração
Rui Silva

Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

- Uma história de “Guiné minha”-

-Dos tais Salpicos cor-de-rosa das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”-

Baile de fim d’Ano (1966/67) na Associação Comercial em Bissau, ali na Praça do Império mesmo ao lado do Palácio do Governador.

Eu e um amigo meu do Porto, militar também, bem enfarpelados, entramos logo atrás do Schultz, pois então!

Estávamos em 31 de Dezembro de 1966 e havia passagem de Ano na UDIB e na Associação Comercial, pelo menos; também no Benfica e no Sporting. Deste ficaram as saudades das Verbenas e o “Penalty” na barraca, ao altifalante, sempre a dizer e a malhar no mesmo, até dizer chega: “Gatão é um gato com uma bengala na mão”. Vendia ou sorteava o vinho Gatão. Sala para um pezinho de dança também, e bem frequentada. A loira do Taufik Saad também.

O edifício da Associação Comercial, era um edifício de linhas modernas com um bom salão de jogos no rés-do-chão, do lado direito, e, atrás, virados para a estrada que ligava o Quartel da Amura cá em baixo junto da marginal para Santa Luzia lá em cima, onde estava o Quartel General, serviço SPM e outras instalações militares, estrada alcatroada e marginada de mangueiros, havia 1 ou 2 bons campos de ténis.

Fachada principal da Associação Comercial, vista do lado da Praça do Império e de junto ao Palácio do Governador
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia

Vista da Associação Comercial do lado de trás, isto é, do lado da estrada que ligava o quartel da Amura, cá em baixo, até Santa Luzia onde estava o Quartel General e outras instalações militares. Campo de ténis em primeiro plano.
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia

Quando se passava lá era olhar e andar. Aquilo era tabu para nós. A nossa vida era no mato aos tiros.
Só que na passagem de ano eu e o meu conhecido há pouco, armamo-nos em finos e apostamos no baile na Associação.
Boas instalações. Vida boa para o colono e militares de patente super. Também se viam lá negros, mas… a servir à mesa.

Então eu e o meu amigo do Porto, como já disse, conhecido (há pouco), do Hospital Militar de Bissau, onde estávamos internados, eu por uma lesão no joelho, vestidos a rigor, camisa branca “casca d‘ovo” que muito se via por lá, brancas e azuis clarinhas, diziam que vinham de Macau, gravata à maneira e fato tirado do fundo da mala, com vincos saturados nas dobras, agora bem disfarçados com a ajuda dos joelhos, e então escolhemos tentar a sorte na Associação. Era mais chique.

Tanto eu como o meu amigo apostamos com parada alta.

Cerca das 23 horas aproximamo-nos da entrada, um pouco timidamente e era só saber como é que havíamos de entrar, o que se antevia difícil. Fardados bem à civil estávamos nós, mas isso podia não chegar.

Até que chega de automóvel o dono da Ancar. Estabelecimento e fabricante (?) de artigos de livraria ali em Bissau, julgo que nas imediações do mercado. Parecia-me ser cabo-verdiano e como era empresário… devia ser mesmo.

“Alto (!)” é agora, pensei. Eu quando vinha a Bissau defendia as cores da Ancar em Andebol de Sete e portanto era aqui a grande chance. E ali o meu presidente mesmo à mão.

Dirigi-me a ele a dizer que era uma atleta da Ancar o “grande” guarda-redes de andebol e ele, sim, disse que me conhecia bem, mas, mais palavra menos argumento, “mandou-me prá bicha”, que não era ele que mandava, etc. e tal, que tivesse paciência, que era afinal o que nós tínhamos menos na altura, digo eu.

As equipas da Ancar e do Benfica antes de um jogo. Sou o 2.º em pé e a contar da esquerda. Ringue nas instalações do complexo desportivo Sarmento Rodrigues em Bissau, onde também se jogava o basquetebol. E ao lado o campo de Futebol, onde os Fuzileiros e os Páras eram assistentes com muita rivalidade. Não raras vezes havia refrega…

Recorte de um jornal, julgo que trissemanário, na época (1966) na Guiné. Este recorte jornalístico é posto à evidência, apenas para que algum nome nas equipas recorde com saudade o evento.

Pronto, gorada aquela que me parecia ser uma grande hipótese!

Passa-se mais alguns minutos e já pertinho da meia-noite eis que chega um grande carro (Mercedes?) preto e sai de lá Arnaldo Schultz, o Governador, com comitiva e com grande pompa.

Entrou com as devidas honras. Recebido, julgo, por elementos da Comissão organizadora, um casal de brancos, muito elegante, meia-idade. Subiram os degraus para o piso superior (Salão de Festas) e tudo voltou ao normal, isto é, o porteiro indígena, de luvas brancas e uma secretária (mesa) à sua frente e ali perto dois maduros desenfiados do HM 241, que não desarmavam.

- Vamos dar qualquer coisa ao preto e ele deixa-nos entrar.

- Não, isso pode ser pior - respondeu o outro.

- Carago, o que havemos de fazer?

Estávamos ali a cogitar quando nos saiu a taluda!

O porteiro dirige-nos e pergunta se nós éramos os convidados do Sr. Virgílio.

- Somos, somos - dissemos a uma só voz.

- Já podiam ter dito. Façam o favor de entrar.

Antes que houvesse alguma dúvida galgamos os degraus de acesso ao salão sem antes termos esbarrado no porteiro que queria a nota, e entramos no Salão de Festas com aparente calmaria e de peito inchado.

Caiu a meia-noite!

Ainda hoje estou por saber quem era esse Sr. Virgílio, ou se foi uma bela jogada do preto que viu ali uma rara oportunidade para ganhar algum, pois mal ele nos abordou e ao ver-nos passar por ele como flechas teve tempo de estender a mão e não era para nos cumprimentar, sabíamos nós. Lá que ficamos os três bem na fotografia lá isso foi verdade e ninguém saiu a perder.

Olha que dois! Ou que três!

Passado o reconhecimento do terreno já estávamos a dançar, cada um com o seu par, claro.

No salão, encostada a uma das paredes laterais, estava um mesa bem decorada com leitão, cabrito e mariscos variados com a lagosta a sobressair de diversos comes bem apetitosos.

Era para nós o segundo golpe de mão!

Vista do Salão, no 1.º andar, na Associação Comercial. Ao fundo o palco aonde actuou um conjunto jovem cabo-verdiano cujo nome (sugestivo) me escapa, na dita Pasagem d’Ano (1966/67)
Foto reproduzida do ACTD (Arquivo Científico Tropical Digital, com a devida vénia

À hora da mesa, aproximamo-nos e um pouco timidamente comecei então a puxar pelas barbas de um camarão fazendo-o aproximar da minha zona, e para dentro do arame farpado, a que ele logo gentilmente acedeu. O meu amigo, noutro ponto estratégico, fazia-se rogado, mas por pouco tempo. Vencidas as “sentinelas” comemos bem a nossa parte. Lá no hospital o rancho era bem diferente.

Bela noite. Um sonho realizado em palco de guerra.

Saímos já madrugada alta e viemos por a Avenida abaixo. Passamos por a UDIB e o baile também estava a terminar. Ainda deu para ver porrada à porta. Afinal a porrada estava na moda por toda a Guiné.

E pronto, foi regressar ao HM e tudo voltou à normalidade. Aí, farda branca, de algodão fininho, e havaianas. Rancho do hospital, servido à mesa, mãos no pão, na fruta, e todo o mais, (não me esqueço que na altura que o soube andei com náuseas uns dias) nada mais nada menos que servido pelo Cabo que na morgue, atrás do Hospital, lavava os mortos e os punha nas urnas. E esta!

No HM241 um grupo de camaradas (Furrieis) de ocasião, ali internados por várias razões - cada um com o seu problema -, no terraço no 1.º andar daquela unidade hospitalar. Eu estou sentado no muro.
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 11 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8257: Convívios (329): Convívio da CCAÇ 816, dia 7 de Maio de 2011, em Barcelos (Rui Silva)

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2011 > Guiné 63/74 – P7887: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (11): Operação Gamo à base inimiga do Biambe

Guiné 63/74 - P8353: Notas de leitura (243): Província da Guiné, 1972, publicado por Agência-Geral do Ultramar (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio de 2011:

Queridos amigos,
Isto de difundir informação fingindo que os territórios só estão a ser perturbados por meras acções de policiamento, acarreta dislates e informações cómicas ou completamente desfasadas da realidade.
O que gosto mais neste documento monográfico da Agência-Geral do Ultramar são as ilustrações a preto e branco: o Pidjiquiti, os vestígios da derradeira sumptuosidade de Bolama, o dispensário do Mal de Hansen, a Sacor, as pontes sobre o Mansoa e o Geba.
Verdadeira preciosidade é o centro telegráfico de Bissau, bem como o Grande Hotel, hoje reduzido a escombros.

Um abraço do
Mário


Província da Guiné, 1972: entre a realidade e a ficção

Beja Santos

Com regularidade, a Agência-Geral do Ultramar difundia sínteses monográficas das províncias ultramarinas ou documentos mais elaborados. Há distância de cerca de 40 anos, poderá ter utilidade apreciar o conteúdo do que se entendia ser mais pertinente para difundir juntos dos leigos: a história, a geografia, a administração, a educação, o ensino e a cultura, saúde e assistência, actividades económicas, nomeadamente.

O resumo histórico referia haver pouco conhecimento da Guiné antes da chegada dos portugueses, o que era inteiramente verdade, mesmo sabendo-se da ligação do território aos antigos impérios sudaneses, mais tarde ao império do Gana e depois o do Mali. A resenha histórica alude às etnias, populações localizadas mais ou menos como na actualidade de há 40 anos atrás: Balantas, Felupes e Baiotes, Banhuns e Cassangas, Cobianas, Manjacos, Brames e Papéis, Bijagós, Beafadas, Nalús, Bagas e Landumãs e Mandingas. A grande novidade que irá ocorrer com a chegada dos europeus é a presenças dos Fulas, que irão ter uma presença predominante no Leste.

A exposição sobre os elementos físicos e humanos é irrepreensível, dá o devido destaque à especificidade hidrográfica e a natureza do clima, descreve as vulnerabilidades do solo e subsolo (as couraças inertes de Boé, a erosão mecânica, a pobreza de grande parte dos solos, o endurecimento da camada superficial, a lateritização e cimentação ferruginosa; nada a dizer sobre a fauna e flora. Passando para a demografia, silêncio total sobre tudo quanto se passava com a chegada da guerra. A desigual concentração populacional é atribuída a factores geográficos, humanos e económicos e as migrações devem-se ao tipo de culturas itinerantes, à cultura da mancarra no Senegal e na República da Guiné.

Enuncia-se o enquadramento administrativo, omitindo como a administração estava profundamente cruzada pela presença militar e como esta invadia as esferas do ensino, da investigação, da saúde e da difusão cultural. Os dados sobre os planos de fomento e rendimentos não afloram nem ao de leve, tudo quanto estava a acontecer nomeadamente a partir de 1963. Uma curiosidade no tocante à caça. Escreve-se o seguinte: “A caça grossa é rara, como sucede com o elefante e o leão. Abundam as onças e os pequenos antílopes. No Sul encontram-se, em pequenas manadas, os búfalos. De entre os animais cuja caça é proibida contam-se: abutres, corvos, serpentários, mochos, corujas, cegonhas, garças, noitibós, andorinhas, etc. São ainda protegidos: chimpanzé, elefante, alguns macacos, jabiru”.

No mapa das estradas, Beli e Madina do Boé (abandonadas depois da chegada de Spínola) aparecem ligadas a Nova Lamego. Na rede de navegação fluvial, diz-se que o maior movimento se verifica no troço Bissau-Bafatá, era por ele que passava grande parte da mancarra de Geba e Bafatá (como é de todos sabido, o Geba estreito só era navegável até Bambadinca, daqui até Bafatá estava completamente interdito por razões elementares de falta de segurança). A única nota dissonante aparece em torno do turismo: “A província tem magníficas condições para certo tipo de turismo, sobretudo o que se processa a partir da caça e das praias e das manifestações folclórico-etnográficas. No entanto, o interesse que ultimamente as potencialidades turísticas estavam a despertar depara-se agora com a perturbação provocada pelo terrorismo desencadeado a partir dos territórios vizinhos”.

Para que conste, para que os estudiosos tomem em consideração esta difusão de informações na Guiné de 1972.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8335: Notas de leitura (242): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8352: Blogpoesia (150): A todas as crianças do mundo (Felismina Costa)





Guiné-Bissau > Bissau > 17 de Dezembro de 2009 > 17h46 > Crianças de um tabanca dos arredores de Bissau, numa tarde em que o João Graça foi ouvir (e tocar com) os Supercamarimba, um grupo de música afrio-mandinga que está ligado a tabanca de Tabatô, perto de Bafatá, e que tem actuado em Portugal. (Merece ser melhor conhecido e divulgado).



Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


 1. Mensagem da nossa tertuliana Felismina Costa* , com data de 1 de Junho de 2011:


Caro Editor e amigo Carlos Vinhal!
Resolvi, à última hora, enviar umas palavras às nossas crianças, visto ser hoje, "o seu dia".
Sei que o mundo em que vivemos, não oferece grandes condições à maioria, mas, em cada um de nós, existe capacidades infindáveis para revolucionar.
Acreditar, é crescer feliz!


Um abraço
Felismina Costa




A todas as crianças do Mundo…


Acredito em ti, criança!
Acredito em ti!
E, em quem mais poderei acreditar?
Pois se os jovens já se perdem de intemperança
Dos adultos… nem é bom falar!


Dos velhos, o que podemos esperar?
A experiência, o conhecimento
Que chegam no fim da vida?
Muito importantes… tão importantes…
Que é com eles, que deves governar…


Aceita, criança de hoje,
O vivido conhecimento de teus avós,
Feito de enganos e desenganos,
Feito de uma sucessão de dias e de anos
Que compõem os manuais da sabedoria…


Procura, neles, a melhor forma de viver
E partilha com outros o teu saber.
Faz com que o mundo, seja mais belo,
Faz com que a vida valha a pena ser vivida…
Criança, quando nasces… nasce a vida!


Pára, criança, para ouvires
O que a vida ensinou a teus avós,
Escuta a voz da dor, da alegria,
A voz da esperança a renascer,
Do saber, aprendido, em cada dia.


Ouve-o falar do que viveu.
Do que sofreu e aprendeu.
Ouve-o falar do tempo atrás.
Segue em frente na luta por um mundo melhor!
Sei que se quiseres… és capaz!
Sei que se quiseres… conseguirás!


E deixa-me ser também, essa criança…


Felismina Costa
Agualva, 1 de Junho de 2011
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Notas de CV:


(*) Vd. poste de 26 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8330: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (12): Tão sinceras e tão ingénuas as minhas cartas de madrinha de guerra, entre os meus 15 e 19 anos (Felismina Costa)


Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8325: Blogpoesia (149): Hino à Terra (Felismina Costa)


terça-feira, 31 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8351: Tabanca Grande (290): Aura Emília Rico Teles, ex-Tenente Enfermeira Pára-quedista (1963/1984)

1. Com a preciosa ajuda do casal Giselda e Miguel Pessoa contamos na tertúlia com mais três Enfermeiras Pára-quedistas, além da nossa veterana Giselda, claro, a Rosa Serra, a Maria Arminda, e a Aura Teles que agora se apresenta.

É para nós uma subida honra contar entre a tertúlia com quatro representantes de um grupo generoso de senhoras que, parecendo não ter mais nada para fazer na vida, se lembraram um dia de que podiam pôr ao serviço dos militares que combatiam em Angola, Guiné e Moçambique, os seus conhecimentos e sua capacidade de ajudar nos momentos de infortúnio, quando mais precisavam de uma palavra meiga para além do tratamento das feridas corporais.

Levantemo-nos pois, porque vai entrar uma senhora. Mais um Anjo da Guarda.

[Acrescente-se que a Aura Teles é também um das oito ex-enfermeiras pára-quedistas que entra no filme Quem Vai  à Guerra, da realizadora Marta Pessoa, a estrear em Lisboa, Porto e Aveiro, no próximo dia 16].


Aura Emília Rico Teles
Ex-Tenente Enf.ª Pára-quedista
Natural de Vendas Novas
Profissão: Enfermeira (Aposentada)
Ingresso na Força Aérea Portuguesa no curso de Enfermeiras Pára-quedistas em Agosto 1963.

Datas precisas e concisas ao rigor do dia e do mês como têm a Maria Arminda, isso eu não tenho assim tão prestigiada memória, mas prometo dar o meu melhor.


1963 — Fui para Tancos e ingressei no curso de pára-quedismo.

Em Novembro fui para o Hospital da B.A.4 (Terra Chã) Ilha Terceira, Açores com todas as enfermeiras que acabaram o curso de pára-quedismo.

Eu por acidente fracturei uma clavícula a oito dias do primeiro salto em pára-quedas “com recruta terminada” não acabei o curso claro.

Estive nos Açores um ano.

1964 — Em Setembro regressei a Tancos para finalizar o curso.

1965 — Colocada na Guiné-Bissau na B.A. 12.

No dia seguinte comecei logo a fazer evacuações na província e todas as semanas uma enfermeira transportava feridos para Lisboa.

1967 — Voltei aos Açores, Hospital da Força Aérea para trabalho nas enfermarias, quarto de queimados e bloco operatório.

1968 — Guiné-Bissau, colocada novamente.

Nessa altura já ia muito mais à vontade e segura do que ia encontrar e contente por voltar à Guiné-Bissau. Foi a unidade onde mais gostei de trabalhar. Era lá que me sentia útil e era muito gratificante quando trazíamos militares, civis e até “os chamados inimigos” para Bissau, Hospital Militar.

1969 — Angola onde estive seis meses no B.C.P. em Belas e os outros seis meses na Direcção dos Serviços de Saúde em Luanda.

1970 — Moçambique onde fui colocada na 3ª Região Aérea.

Destacada de seguida para Nampula, onde fiquei seis meses e os outros seis meses trabalhei na Direcção dos Serviços de Saúde em Lourenço Marques.

1971 — Guiné-Bissau novamente. Estive lá um ano e meio.

1973 — Angola, colocada na Direcção dos Serviços de Saúde em Luanda.

1975 — Regressei ao Hospital da Força Aérea Portuguesa, Lumiar Lisboa.

1984 — Passei à reforma por incapacidade física.

No fim de uma década de vai e vem, saltitando de província em província, graças a DEUS que terminou o sofrimento de muitos jovens, pais, filhos, esposas e até avós, com o regresso a casa dos seus entes queridos.

Os que lá tombaram, esses estão de pé nas nossas memórias para sempre.

Foi duro demais para nos esquecermos DELES e de uma colega nossa CELESTE [PEREIRA] (*). PAZ ÀS SUAS ALMAS.

De facto vivemos situações muito frustrantes, querer salvar todos mas era impossível, resta-nos o conforto que trouxemos a muitos camaradas vivos do mato para o hospital militar de Bissau.

Essa sim é a nossa glória, sentir que cumprimos o que nos propusemos, utilizando todo o nosso saber com humanismo, carinho para que cada situação a tratar fosse menos dolorosa, procurando não só cuidar do corpo mas também do espírito.

Os nossos cuidados estenderam-se a todos que deles precisavam, nomeadamente os militares das forças armadas, seus familiares, populações civis e repito até o “ inimigo”.

Bem…. é uma alegria interior tão grande que só por quem lá passou pode senti-la.
Mas nem tudo foi mau e stressante, também tivemos momentos inesquecíveis com amizades que fizemos e que ainda hoje perduram.

Com verdade vos digo camaradas… sinto-me orgulhosa de todo o trabalho que fiz, “porque fiz o meu melhor” e muito em especial na Guiné.

Foi na Força Aérea que cresci e me orgulho de pertencer a esta organização e tenho “vaidade” de ter sido enfermeira pára-quedista e muito amor à minha boina verde.


Tenente Enf.ª Pára-quedista Aura Emília Rico Teles

Curso de Pára-quedistas de 1964


Guiné 1965 > Uma evacuação

Luanda 1967


PÁRA-QUEDISTAS

Se o ter asas simboliza a liberdade
Que a vida nega e a alma precisa
Olhai Pára-quedistas, tendes tudo
Lá no céu elevai vossas almas
Que cá na terra a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem
Tendes ao menos a força de não a
Mostrardes a ninguém.

Aura Rico Teles
Tenente Enfª Pára-quedista


2. Comentário de CV:

Cara enfermeira Aura, com muito prazer a recebemos nesta Caserna Virtual. Tem lugar junto das suas camaradas: Giselda, Rosa Serra e Maria Arminda.

Agora que faz parte desta comunidade, onde são maioria os infantes que atravessavam bolanhas e rios da Guiné na esperança de que nunca fosse necessária a vossa presença junto deles, sinal de que nada de mau havia acontecido.

Agora, afastados esses tempos, é com o maior carinho que as recebemos, porque apesar de muitas preces, muitos foram os que necessitaram do socorro dos nossos anjos da guarda, que se não guardavam, estavam presentes sempre que necessário, porque o azar nos batia à porta.

Anjos que vinham do céu, que nas horas de horror aplicavam o seu saber tentando aliviar a dor, fazendo alguns milagres, ao mesmo tempo que davam uma palavra meiga e amiga, qual mãe, irmã ou namorada.

Diz o Miguel que a Aura tem uma memória prodigiosa, pelo que ficamos à espera das suas narrativas que não terão a ver forçosamente só com a Guiné.

Permita que no fim destas palavras de agradecimento, lhe envie um abraço colectivo da tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, e por que não, de todos os militares que fizeram a guerra colonial nos três teatros de operações.

Bem hajam.

Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8334: Tabanca Grande (289): António Luiz Figueiredo, ex-Fur Mil TRMS TSF (Pirada, Teixeira Pinto e Bissau, 1972/74)

(*) Vítima de acidente mortal, ocorrido  na Guiné, em fevereiro de 1973.  Segundo se lê no poste nº 1668, de 17 de Abril último, a Celestet Pereira "ao correr para uma DO que se preparava para levantar voo a fim de proceder a evacuação,  foi morta pela hélice da avioneta que lhe cortou a cabeça, no aeroporto de Bissalanca" (Nota de rodapé do autor de Diário da Guiné, António da Graça Abreu, p. 64).

Guiné 63/74 - P8350: In Memoriam (81): Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, Presidente do Movimento Nacional Feminino (30 de Maio de 1921 - 25 de Maio de 2011) (Teresa Almeida / José Martins)

Teresa Almeida
A propósito do falecimento, no dia 25 de Maio passado, da fundadora do Movimento Nacional Feminino, D. Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto (Lisboa, 30 de Maio de 1921 - 25 de Maio de 2011), publicamos dois depoimentos, um de autoria da nossa amiga tertuliana Maria Teresa Almeida e outro do nosso camarada José Martins.

1. Teresa Almeida [, foto à direita:

Hoje dia 31 de Maio de 2011, ao abrir o "site" UTW, li a triste notícia do falecimento da Sra. D. Cecília Supico Pinto*, grande Senhora, que lutou e deu a cara, por um ideal, o bem-estar dos nossos Soldados, tão jovens , e longe das suas Famílias, se encontravam numa guerra em defesa deste País. Estou muito abalada.

D. Cecília Supico Pinto foi a Mãe, mas sobretudo a Amiga, para todos os Combatentes que privaram com ela. Colocou em risco a sua própria vida, e uma das vezes teve um acidente em pleno mato, que ao longo da vida lhe trouxe grandes problemas de saúde. Era uma Mulher sem medos, determinada, fosse em lugar de risco, ou não, era preciso levar AMOR àqueles JOVENS.

Visitou os três Teatros de Guerra e a todos os Combatentes, levava, sempre, um carinho, um sorriso, uma lembrança. Os afectos que era to preciosos, naqueles momentos. E ela estava sempre presente, no meio dos nossos Rapazes.

Como Presidente do Movimento Nacional Feminino*, editou o AEROGRAMA, tão conhecido de todos nós, para facilitar a correspondência entre os Combatentes, e seus familiares.

Tive o privilégio, de a conhecer e de falar a "D. Cilinha", falava-me sempre da Guerra, e dos "seus Meninos", que tinha feito tudo, por eles, com muito Carinho e Amor.

Tenho a certeza que,  no seu eterno descanso, junto de Deus, tem junto de SI, os Combatentes do Ultramar - "OS SEUS MENINOS". Não posso, nem devo esquecer, os meus sentimentos por esta Grande Senhora, que faz parte integrante da GUERRA DO ULTRAMAR.

Tinha tanto para dizer... mas. Foi muito agradável falar e conviver com a Sra. D. Cecília Supico Pinto. Já sinto a sua AUSÊNCIA.

Assim, quero, deixar aqui, o meu profundo sentir pelo falecimento desta tão GRANDE SENHORA

A todos os Combatentes, deixo também o meu profundo sentir, pela notícia

A TODOS QUE JÁ PARTIRAM, PARA JUNTO DE DEUS, E, ESTIVERAM NA GUERRA DO ULTRAMAR, A TODOS TENHO NO MEU CORAÇÃO.

ADEUS CILINHA
PAZ Á SUA ALMA

Da Amiga
Teresa Almeida



Zemba, Angola, 1974 > "Visita da Presidente do Movimento Nacional Feminino, Drª Cecília Supico Pinto

Foto e legenda: Quanto Mais Quente Melhor > Blogue do ex-Cap Cav Fernando Vouga, comandante do Esquadrão de Reconhecimento FOX 2640 — Bafatá, Guiné (1969/1971) (1). (Com a devida vénia...)


2. Jose Martins


Há noticias que, por muito que sejam esperadas, de certa forma nos custam a aceitar, já que em nós reside um resquício de imortalidade.

Todos temos a “nossa hora”, não sabendo apenas, como e quando chega.

O texto abaixo, retirado (com a devida vénia) da Wikipédia, lembra-nos uma mulher que, independentemente das ideias que tinha, sendo coincidentes ou divergentes com a nossa, fez parte da nossa vida, quer pessoal quer colectiva.

À sua maneira, foi uma mulher que esteve na guerra, ajudando os militares e suas famílias, no momento em que mais necessitavam.

Não conheci a D. Cilinha. Conheço o que fez através da “visão alheia”. Usei os aerogramas, a forma mais fácil de comunicar com a família, noiva e madrinhas de guerra. Se mais não fizera. Era suficiente.

Para Cecília Supico Pinto, a nossa gratidão e o nosso respeito. É mais uma Portuguesa que parte, pouco antes de festejar os 90 anos.

Descanse em paz e, que cada um de nós a recorde de acordo com o seu sentimento e forma de pensar.

© Foto retirada de ultramar.terraweb.biz.


Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto (Lisboa, 30 de Maio de 1921 — 25 de Maio de 2011)[1], conhecida popularmente como Cilinha, foi a criadora e presidente do Movimento Nacional Feminino, uma organização de mulheres que durante a guerra colonial prestou apoio moral e material aos militares portugueses. Nesse cargo atingiu grande popularidade e uma considerável influência política junto de Oliveira Salazar e das elites do Estado Novo. Visitou as tropas em África e promoveu múltiplas iniciativas mediáticas para angariação de fundos.

(Com a devida vénia à Wikipédia)

José Martins
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Notas de CV:

(*) Sobre a D. Cecília Supico Pinto e o Movimento Nacional Feminino, vd. postes de:

18 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2362: O Movimento Nacional Feminino no filme em DVD Natal de 71, de Margarida Cardoso, que recomendo (Diana Andringa)

9 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2514: Convite (2): Lançamento da biografia de Cecília Supico Pinto, a líder do MNF: 12 de Fevereiro, 18h30, na Sociedade de Geografia

11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2524: Notas de leitura (7): Não se pode estudar a Guerra Colonial ignorando o MNF e a sua líder carismática (Beja Santos)
e
12 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2528: O papel do Movimento Nacional Feminino (1): Mais meritório no apoio às famílias dos soldados (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 19 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8298: In Memoriam (80): Teresa Reis (1947-2011). A minha homenagem ao Humberto Reis (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8349: Parabéns a você (265): Pedido de livro emprestado... ou a fome de livros do nosso camarada Beja Santos, em dia de aniversário (Luís Graça)

1. Mensagem do nosso amigo e camarada Beja Santos [, foto à direita, ao centro, sentado no Unimog 411, algures no Sector L1, Bambadinca, a caminho do Xime... Op Pato Rufia, Setembro de 1969. Foto do próprio]


De: Beja.Santos@dg.consumidor.pt
Data: 27 de Maio de 2011 12:34


Assunto: Pedido de livro emprestado


Meu caro Luís, caso tenha sido enviado, ou tenhas adquirido, o livro do Julião de Sousa sobre Amílcar Cabral (*), peço-te a amabilidade de mo emprestares.

Dou voltas à cabeça como é que devemos instituir dentro da Tabanca uma atmosfera de informação sobre publicações, incluindo matéria informativa pertinente que circula em blogues. Aqui te deixo um tema para as reuniões que deves promover com co-editores e conselheiros próximos.

O nosso blogue devia caprichar por ser uma vanguarda em acervo documental e fotográfico inéditos, uma biblioteca não pública de excelência e um repositório informativo de consulta obrigatória. Haverá, pois, que disponibilizar o que temos uns aos outros. Como sabes, tenho permanentemente pedinchado ajudas, de um modo geral colho silêncio, ou não há livros ou os proprietários terão medo da sua alienação, não sei. A sugestão fica feita. Aguardo as tuas notícias e recebe a estima do Mário.

2. Comentário de L.G.:

Não posso deixar de apaludir a ideia e a a sugestão do Mário. Muita a gente conhece (ou dá conta de) a invulgar capacidade de trabalho do Mário. Desde a morte da sua querida Locas, ele atacou, qual Sísifo, a tarefa hercúlea de fazer o levantamento sistemático e a recensão crítica de toda a produção bibliográfica sobre a "guerra colonial" (e em muito em particular no que se refere ao antigo teatro de operações da Guiné). As suas "notas de leitura" têm saído, no nosso blogue, a um ritmo de impressionante regularidade. Muitos leitores estão lhe gratos por este trabalho, único, na nossa blogosfera, de sinalização e de avaliação crítica de obras, da ficção à historiografia, da memorialística à poesia, que falam da "nossa" Guiné e da guerra que nos coube na lotaria do espaço e do tempo em que nascemos e vivemos.

O seu estilo e a sua frontalidade não deixam ninguém indiferente. Ou se gosta ou não se gosta do Mário e do que ele escreve. Como crítico literário, tem os seus os seus fãs e os seus críticos. Felizmente que o blogue não cultiva o unanimismo e, como poucos, tem um sistema (livre, sem moderação prévia) de comentários, permitindo que os leitores das "notas de leitura" do Mário também tenham uma palavra a dizer... umas vezes a favor, outras contra.

De um modo geral, tem-se privilegiado a frontalidade, o espírito crítico, a troca de pontos de vista, a procura de abordagens e de fontes complementares, a crítica com elevação, tolerância e elegância... Só raramente temos descambado para o insulto gratuito ou torpe. O que me apraz registar. Mas, hoje em dia de festa (porque o Mário faz anos, como qualquer ser humano) (**), queria muito simplesmente poder responder ao seu desafio e poder estar à altura da sua proposta de criar, na nossa Tabanca, um sistema de empréstimo de livros e outros documentos...

Eu próprio sou já o "fiel depositário" de uma pequena biblioteca e de um "arquivo pessoal", livros, areogramas e outros documentos que me tem sido confiados, e nomeadamente por parte do Mário (mas também de outros camaradas, como por exemplo, o Juvenal Amado que há tempos me surpreendeu com uma "espada de régulo"!)...

Na ausência de "instalações físicas", não é fácil à nossa Tabanca Grande (que é uma realidade virtual) pôr rapidamente em marcha um "sistema de empréstimo" de livros, incluindo os livros que nos são oferecidos por editores, para não falar já de montar um núcleo museológico ou um centro de documentação e informação (CDI)...

Ainda ontem falei com o Carlos  Alvim, da editora Nova Vega, a quem solicitei um exemplar da obra recentemente editada, sobre o Amílcar Cabral, da autoria do investigador guineense e nosso amigo Julião Soares Sousa (*). Expliquei a génese, a natureza e a especificidade do nosso blogue, e forneci alguns números sobre a nossa actividade...

Gostaria de ter já em mãos o livro para o poder remeter hoje ao nosso recensor-mor (que, garanto-vos, não é mais o Tigre de Missirá que alguns de nós conheceram em Bambadinca; ele não precisa de livros para forrar as paredes, apenas para os ler e escrever sobre eles; de tempos a tempos, lá vem ele, carregado de sacos com livros, para os entregar ao "fiel depositário" da Tabanca Grande).

De qualquer modo aqui fica o endereço postal do Mário para o envio de livros ou outros documentos, em regime de empréstimo ou de oferta:

_________________________________________

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
a/c MÁRIO BEJA SANTOS 
Direcção-Geral de Defesa do Consumidor
Pr Duque de Saldanha, 31
1699-013 Lisboa
Telefone: + 351 21 356 4686 (directo)
_________________________________________


Por fim, e não menos impORtante: Sei que ele, Mário,  acha que já não tem idade para lhe cantarem os Parabéns a você... Mas quem é que não gosta que os outros se lembrem de nós neste dia, celebrando a efeméride da nossa vinda ao mundo ? Mário, um xicoração dos teus amigos, camaradas e camarigos da Guiné. E daqui até aos cem, que seja sempre em linha recta! Como eu costumo dizer ao meu velhote, que está a chegar ao fim da picada, "mais vale andar neste mundo em muletas do que no outro em carretas" (o provérbio não é meu, é do povo)...

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8337: 25 de Maio de 2011, lançamento do livro Amílcar Cabral (1924-1973) - Vida e Morte de um Revolucionário Africano, de Julião Soares Sousa, na Biblioteca Municipal D. Dinis - Odivelas (José Martins)


(...) Título: Amílcar Cabral

Autor: Julião Soares Sousa
Nova Vega – Edição e Distribuição de Publicações, Lda.
Rua do Poder Local, n.º 2 - sobre loja A
1675-156 PONTINHA - Odivelas
Tel. 217 781 028 # Tel./Fax 217 786 295
E.mail: info@novavega.mail.pt
Horário de atendimento: 9:00 às 13:00 h e das 14:00 às 18:30 h.
Custo € 31,80 (IVA incluído).

(**) Vd. poste de 31 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8348: Parabéns a você (264): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Tertúlia / Editores)

Guiné 63/74 - P8348: Parabéns a você (264): Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Tertúlia / Editores)

Postal de aniversário de Miguel Pessoa




PARABÉNS A VOCÊ

31 DE MAIO DE 2011


NESTE DIA DE FESTA, A TERTÚLIA E OS EDITORES VÊM POR ESTE MEIO DESEJAR AO NOSSO CAMARADA MÁRIO BEJA SANTOS AS MAIORES FELICIDADES E UMA LONGA VIDA COM SAÚDE JUNTO DE SEUS FAMILIARES E AMIGOS.

Mário Beja Santos tem no Blogue, neste momento, 562 entradas, correspondentes na sua maioria à recensão de livros, dos mais antigos que descrevem  a Guiné do tempo colonial, aos mais modernos escritos por naturais daquela ex-Província Ultramarina que falam da guerra de libertação que travaram contra Portugal, que são documentos, muitos deles, contraditórios do nosso ponto de vista e dos relatos oficiais de então.

Beja Santos tem-se dedicado também à recensão da numerosa bibliografia de autoria dos ex-combatentes portugueses, que de acordo com as patentes e funções exercidas, contam simplesmente as suas memórias ou entram em pormenores estratégicos e justificações para determinadas acções bélicas mais ou menos conseguidas.

Mário Beja Santos é autor de dois livros que compõem o seu Diário da Guiné, que atravessa os anos de 1968, 1969 e 1970, enquanto Alferes Miliciano, Comandante do Pel Caç Nat 52. 

Recentemente lançou o romance Mulher Grande, dedicado a uma heroína anónima, Benedita, nascida em 1920, que nos anos 50 acompanhou o seu marido Albano, Administrador, por terras do norte da Guiné, onde assistiu às primeiras acções de guerra contra a ocupação portuguesa. 
Está já a terminar o seu próximo romance.

Caro Mário, recebe um abraço da tertúlia e dos editores, e os votos de que continues com a tua tarefa de nos dares a conhecer a bibliografia da guerra travada na Guiné.
____________

Notas de CV:

Mário Beja Santos foi Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52 em Missirá e Bambadinca nos anos de 1968 a 1970

Vd. último poste da série de 26 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8327: Parabéns a você (263): Camaradas: Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista da FAP; Carlos Nery, ex-Cap Mil CMDT da CCAÇ 2382; Gabriel Gonçalves, ex-1.º Cabo Cripto da CCAÇ 12 e jovem amigo João Santiago (Tertúlia / Editores)

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8347: VI Encontro da Tabanca Grande, dia 4 de Junho em Monte Real (6): Sondagem em cima... do fecho do prazo das inscrições... Resultado: A certeza de que o Mundo é (cada vez mais) Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!



1. Resultado da sondagem (4/2011), que realizámos através do nosso blogue, portanto 'on line', entre os dias 24 e 30 de Maio de 2011... A pergunta era sobre a intenção de ir (ou não) ao nosso encontro, o VI Encontro Nacional da nossa Tabanca Grande, a realizar no  próximo fim de semana em Monte Real. Tiveram a amabilidade de responder 89 dos nossos leitores. A grande maioria (n=70) era membro do nosso blogue.

Quase metade (49.5%) dos respondentes tenciona vir ao encontro (muitos deles provavelmente acompanhados). Dois em cada cinco gostariam muito de poder vir mas, por qualquer razão (que não sabemos:  agenda, doença, acessibilidade), não virão...

Apenas 8 num total de 89 disseram que não tinham interesse em vir ao encontro.

Agradecemos  a todos a sinceridade das opiniões manifestadas bem como a vontade em participar nesta sondagem. O número de respondentes a esta sondagem está dentro do que é habitualmente esperado, não tendo a ver com o movimento diário de visitas (ou visualizações de páginas do nosso blogue) correspondente a este período... Como curiosidade, aqui ficam os números desta semana (atenção que um leitor pode fazer mais do que uma visita):

Domingo, 29 de Maio > 2237
Sábado, 28 > 1900
Sexta-feira, 27 > 2681
Quinta-feira, 26 > 2968
Quarta-feira, 25 > 2791
Terça-feira, 24 > 2515
Fonte: Bravenet


Lembramos que amanhã, 3ª feira, dia 31 de Maio, termina o prazo para as inscrições (*).

A organização deste evento está a cargo  do nosso co-editor Carlos Vinhal e dos nossos colaboradores permanentes, os tabanqueiros  Joaquim Mexia Alves e Miguel Pessoa, uma "equipa ganhadora" que já vem detrás... (E como se diz na gíria futebolística, em equipa ganhadora não se mexe)...

Os pedidos de inscrição de última hora devem-se ser canalizados para o Carlos Vinhal:  carlos.vinhal@gmail.com  e/ou para o outro membro da comissão organizadora, mais directamente encarregue da logística, o Joaquim Mexia Alves: joquim.alves@gmail.com (joquim e não joaquim...). (O MIguel Pessoa faz a cobertura... área: ou melhor, é o nosso artista plástico, responsável pelos cartanitos...).

O custo da inscrição é de 30 aéreos (preço especial para... amigos, camaradas e camarigos da Guiné, e seus acompanhantes), o que inclui o seguinte serviço do Palace Hotel Monte Real (i, ii e iii) (**):

(i) Aperitivos, Terraço Sala D. Diniz, 13h

(ii) Almoço, Sala D. Dinis, 14h

(iii) Lance-buffet, Sala D. Dinis, 17h30/18h

Por último, mas não menos importante,  (iv) o privilégio de todos e de cada um se sentarem no bentém da Tabanca Grande, sob o nosso secular, frondoso, mágico e fraterno poilão... [Há coisas que não têm preço, e uma delas é... a informação de que o Mundo é (cada vez mais) Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande].

Até hoje temos 115 incrições, um terço das quais (n=39) são companheiras nossas... Das três camaradas de armas que estão atabancadas, só temos para já a inscrição da Giselda Pessoa.

___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8339: VI Encontro da Tabanca Grande, dia 4 de Junho em Monte Real (5): As inscrições terminam no dia 31 de Maio

(**) Vd. poste de 22 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7840: VI Encontro da Tabanca Grande, dia 4 de Junho em Monte Real (1) Marcada a data para 4 de Junho de 2011 (A Organização)

domingo, 29 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8346: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (18): Não se brinca com coisas sérias...

1. Mensagem José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 26 de Maio de 2011:

Caro Vinhal

Junto nova história para integrar nas "Memórias boas da minha guerra".

Trata-se de mais uma das muitas ligadas ao meu amigo Furriel Faria, mais conhecido pelo Berguinhas.

Junto também fotos de um "Casamento" em Canquelifá, de onde destacamos a "noiva" (Berguinhas), o seu "pai" (Branquinho) e o rapaz que segura a cauda do vestido (Massamá).

Um grande abraço do
Silva da Cart 1689



Memórias boas da minha guerra (18) >  Brincar com coisas sérias? Parece, mas não é

Vivia-se pacatamente em Canquelifá nos últimos tempos da nossa comissão. Não havia guerra (só uns patrulhamentos de rotina). A alimentação era razoável, o que não tinha acontecido até então. Tudo era pretexto para brincadeira, enquanto se esperava calmamente a viagem do regresso.

Todavia, havia uma excepção. O “Dôtô” Faria, era o Furriel Enfermeiro, conhecido também por “Pastilhas” e, essencialmente, por “Berguinhas”. Era um indivíduo excepcional: humilde, solidário, humano e… bastante divertido. Dava gosto lidar com ele. Mas quem mais gostava dele era a população local e a… senegalesa, a quem se dedicava religiosamente.

Prestava assistência médica permanente e como fazia autênticos milagres, estava sempre extremamente ocupado. Dormia na Enfermaria e, quando acordava, já tinha uma fila de dezenas de metros - doentes vindos, durante a noite, de distâncias até 70 Km do outro lado da fronteira.

Porém, também gostava de se divertir e, para isso, tinha que acamaradar com o grupo de amigos mais chegados. Ele, que jogava bem às cartas (nunca vi melhor na sueca), era o primeiro a prolongar o almoço, com a jogatana.

Várias vezes tínhamos que interromper o jogo para ele poder dar indicações aos cabos enfermeiros ou, até, ter que intervir de imediato. Recordo-me de uma mulher que se aproximou de nós e, como se expressava mal, abriu o pano que a envolvia, a fazer de saia, e mostrou o cordão umbilical pendendo, pedindo, por gestos, para ser cortado.

Um dia jogávamos numa mesa, junto à vedação. Uma bajuda aproximou-se da rede e chamou-o:
- “Dôtô, Dôtõ, pingo pa mi pai”?

O “Doutor Berguinhas” jogava, entusiasmado, mais uma sesta de Ramy.
- Eu vou lá, mais logo, lá para as 4 ou 5 horas – respondeu o Berguinhas.

A bajuda estendeu o braço, fazendo um ângulo de, aproximadamente, 45º e perguntou:
- Quando o sol está lá?

O Berguinhas confirmou ser a essa hora. Passado um pouco, voltou a bajuda, agora mais preocupada:
- “Dôto, Dôto, pingo pa mi pai. Ele manga di doente”

O “Berguinhas” respondeu que iria lá já de seguida. Logo que a rapariga se afastou, o Santana, coadjuvado em coro pelos outros colegas de jogo, interpela o Berguinhas:
- Que merda é esta, pá? O velho não escapa e andas aqui a estragar o jogo, todos os dias, por causa dele. Resolve a situação, porque isto assim não pode continuar.

O Berguinhas pediu para chamarem o cabo enfermeiro. Logo que este chegou, disse-lhe:
- Pegas naquela caixinha de cor alaranjada que está na última prateleira, do lado direito e vai dar uma injecção ao velhote Sali, o pai da bajuda Salem.

Depois do jantar, a malta voltou a reunir-se na esplanada, debaixo das mangueiras. Entre bebida, anedotas e provocações, lá se ia matando o tempo da melhor maneira. Surge então, pela boca do Amed, que estava de passagem, a informação de que o velhote Sali havia falecido.

Logo os mesmos que haviam atacado o “Berguinhas” ao principio da tarde por estar sempre a interromper o jogo, agora o acusam:
- Ó meu caralho, não me digas que mandaste matar o velho?... Só porque te incomodava à hora do jogo?... Tiveste coragem para fazer uma coisa dessas?... Tens a mania que és religioso e fazes uma merda destas! Francamente, há gajos que não têm consciência nenhuma!

O Berguinhas, afectado pela surpresa, não sentia forças para reagir àqueles “velhos apanhados do clima”. Deitou os olhos para o céu, benzendo-se repetidamente e exclamou em voz alta:
- Ó Virgem Santíssima, mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, que mal fiz eu a Deus para ter que aturar estes filhos da puta... Vós sabeis que se eu os aguentar até ao fim, irei ao Sameiro de joelhos desde cá do fundo, da curva das Madalenas! E vou também a Fátima a pé, onde andarei à roda da Basílica, de joelhos, até não poder mais. Por favor, dai-me mais uns meses de vida, para eu poder cumprir as promessas.

Casamento em Canquelifá > Ao fundo, a noiva (Berguinhas) acompanhada de seu pai (Branquinho). Mais à frente o noivo (?) acompanhado pela mãe (?). Em primeiro plano o Padre e o rapaz da caldeira.

Casamento em Canquelifá > Os noivos, provavelmente já (mal) casados. A jovem que segura no véu, generosamente decotada, é o Massamá

Casamento em Canquelifá > Fotografia de conjunto

************

Nota: O Berguinhas era esmeradíssimo no tratamento dos doentes. Era um autêntico milagreiro e, por isso, era respeitado e adorado pela população como um santo. Os diálogos que aqui se reproduzem são verdadeiros, mas, da parte de quem o interpelava e, depois, acusava, não passavam de “provocações” de quem muito o respeitava e apreciava, mas que ele tomava como autênticos.
Veio a morrer em acidente de viação poucos meses depois de regressarmos.

Silva da CART 1689
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8267: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (17): O Cabo velho