domingo, 2 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6302: Estórias do Jorge Fontinha (10): Uma noite muito mal passada

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Fontinha* (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 30 de Abril de 2010:

Carlos Vinhal
O Luís Faria pede-me que te dê trabalho.
A pedido, fui ao Baú das recordações e encontrei mais esta "Estória".

Aquele abraço para ti e em geral para toda a Tabanca.
Jorge Fontinha


A NOITE MAIS MAL PASSADA, DA MINHA VIDA

Nestes conturbados dias de trovoada, relâmpagos e chuvas fortes, veio-me à memória, os temporais a que fomos obrigados a passar.

Há dias, aqui perto da Régua, nomeadamente numa das encostas, comuns com o concelho de Mesão Frio, houve estragos terríveis. Aqui, de minha casa, vivo junto à marginal, senti todo o temporal, com relâmpagos, trovões e chuva torrencial intensa. No outro dia algumas pessoas questionaram-me, se eu tinha tido medo de tamanho temporal. Só respondi:

- Estava dentro de casa e o único transtorno, foi a luz ter ido abaixo e de ter de descer e subir as escadas do 6.º andar ao R/C. Já passei bem pior.

Na verdade, já me não lembro ao certo se foi na zona do BURNÉ, se na do BALANGAREZ, foi certamente entre Teixeira Pinto e Caheu.

Numa das saídas em bi-grupo, calhou ficarmos, como em dezenas de outras vezes, emboscados, para passar a noite, algures no mato. Durante o dia, foi sempre debaixo de intenso calor, onde o quico que já cheirava mal, era o único protector e simultaneamente servia para limpar a transpiração da testa e do pescoço. A determinada altura, até nos molhamos até à cintura e enchemos as botas e as cuecas das frescas águas lamacentas da bolanha, que tivemos de atravessar. Claro que o “ónus” de o fazer, teve de recair sobre mim. Era sempre a secção do Furriel Fontinha que tinha o encargo de guiar o pessoal até ao local previamente escolhido. Cabia-me sempre tal tarefa. Havia sempre quem não gostasse das minhas opções mas se o caminho que o meu azimute indicava, era aquele, não valia a pena contestar. No final, toda gente acabava por concordar.

Quando a hora de nos instalarmos se aproximou, toda a gente escolheu o lugar mais aconchegado e adequado às suas características. De preferência, junto a uma árvore, onde me encostar e soerguido, a fim de pôr a leitura em dia, enquanto havia sol ou luz que o permitisse, era o da minha preferência. Nesses momentos, era normalmente o Furriel Chaves que se entretinha a fazer a escala de sentinelas, antes de se sentar também junto a uma árvore, mais na retaguarda do Grupo, sacar do seu bem afiado canivete e esculpir, uma qualquer escultura em madeira. Confesso que me não recordo de nenhuma das esculturas produzidas por ele. Depois de nos banquetearmos com um lauto jantar da ração de combate que gentilmente os Fuzileiros nos haviam presenteado, (um abraço para eles e em especial para o então 1.º Tenente Teixeira Rodrigues), procuramos sítio para passar a noite.

Aí começa o festival de relâmpagos, de trovões e uma espécie de tromba de água, sem fim à vista. Não dá, para estar sentado e muito menos deitado. Aos relâmpagos sucedem-se quedas de árvores muito próximo de nós, os trovões são ensurdecedores e a chuva entra pelo nosso corpo como se estivéssemos nus. A acrescentar a tudo isto, os mosquitos são aos milhões e implacáveis. Por vezes, ao afastá-los da cara, chegamos a agarrar algumas dezenas deles, duma só vez. Não me lembro do tempo que estivemos assim, foi todavia uma eternidade. Quando a chuva terminou, lembro-me de me ter sentado na base da árvore e ter ficado com o “Poncho” sobre a cabeça e descontrair, pensando já não sei em quê.

A coisa que me lembro depois disso, foi alguém abanar-me e dizer:

- Furriel, acorde, está cheio de água.

Aí acordo e vejo já o sol a raiar, todo coberto de água até a meio do peito, só com meio corpo fora de água.

Então como agora, felizmente, há duas coisas que nunca me faltou. Sono e vontade de comer. Não há nada que me tire o sono. Nem as máquinas da Central da Mãe D’Agua, em Bissau, quando em Agosto de 1971 fui convidado… e ir guardar.

O que mais nos faltou fazer, Luis Faria?

Aquele abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha
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Nota de CV:

Vd. 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5892: Convívios (107): Visitei a Tabanca Pequena de Matosinhos e quero homenagear os seus mentores (Jorge Fontinha)

Vd. 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5354: Estórias do Jorge Fontinha (9): Homenagem a Fernando Barradas, ex-Fur Mil Fotocine e ex-jornalista de "O Comércio do Porto"

Guiné 63/74 - P6301: Convívios (228): Encontro dos Gatos Negros da CCAÇ 5 ocorrido dia 24 de Abril de 2010 (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 29 de Abril de 2010:

Caros amigos Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães

Venho com estima relatar um pouco sobre o convívio dos Gatos Pretos que se realizou o dia 24 e contar um episódio que me aconteceu em Canjadude em 1970.

Deixo ao vosso critério a publicação, ou não, dos mesmos, assim como a inclusão das fotos.

Um Abraço
José Corceiro


CONVÍVIO DOS GATOS PRETOS

Amigos tertulianos, tenho estado menos presente no nosso Blogue, que me merece estima e dedicação, mas esta minha ausência foi por uma boa causa, de importância crucial para mim. Foi a preparação e organização do Convívio dos GATOS PRETOS.

Os Gatos Pretos realizaram o seu encontro no dia 24 de Abril de 2010.
Participaram, no convívio, mais duma centena de pessoas, que muito nos estimularam. É de realçar a presença, de Cinco ex-Comandantes da CCAÇ 5, num total de Sete que a Companhia teve, durante a sua existência. Estiveram presentes: o Sr. ex-Capitão Sá Barros e Silva, o Sr. Coronel Gaspar Borges, o Sr. Coronel Silveira Costeira, o Sr. Coronel Figueiredo Barros e o Sr. ex-Capitão Silva de Mendonça, presenças que muito honrou os Gatos Pretos.

Não estiveram presentes, o Sr. Coronel Manuel de Oliveira, que infelizmente já faleceu e o Sr. Coronel Pacífico dos Reis, que devido a problemas de logística, não lhe foi possível regressar de Londres, porque o espaço aéreo estava encerrado devido à problemática das cinzas vulcânicas.

Foi uma festa simples, mas linda, carregada com muitas e variadas emoções. Houve animação, convívio salutar, tudo com muita dignidade e elevação, por vezes algumas lágrimas na face e,”assanhadelas” de GATOS quando se encontraram frente a frente.

Tentei no convívio, com projecções de fotos, que se relembrassem os acontecimentos marcantes da CCAÇ 5, enquadrados no período temporal em que existiu, desde 1967 a 1974. Éramos uma Companhia Independente, formada essencialmente por Nativos. Esteve um Nativo Presente e, cujos metropolitanos éramos tão só as chefias e alguns especialistas.

Estive 40 anos sem ter contacto nenhum com Gatos Pretos, que tenham coexistido comigo em Canjadude. Quando em Janeiro passado começo tibiamente e com certa timidez a estabelecer alguns contactos telefónicos, que já existiam numa lista de alguns Gatos Pretos que me foi fornecida pelo nosso amigo José Martins, constato que há um desejo desmedido para que se realize um encontro convívio, dos Gatos Pretos. Exigia-se determinação e aplicação e, à medida que vou descobrindo mais uma morada, ou um telefone, dava-me um gozo de “êxtase,” porque era mais um que apanhava e assim com a conivência de todos, se tem vindo a estruturar uma listagem, com dados de cada um, que já tem uma ninhada de mais de cem Gatos Pretos. Fui ouvindo desabafos e desalentos, de uns e outros, que me diziam frases tais como:

- Todos os Batalhões e Companhias, tem anualmente o seu dia de festa e convívio, não compreendo como é que nós CCAÇ 5, não conseguimos ter essa alegria;

- Era o maior sonho da minha vida e, podê-lo complementar com uma ida a Canjadude, sentir-me-ia realizado;

- Estou a ver que vou morrer sem ver concretizada a realização dum convívio dos Gatos Pretos, se o quiserem fazer em Canjadude desde já podes contar comigo;

- Todos os anos vou assistir, como convidado, ao convívio da Companhia do meu compadre, que também esteve na Guiné e fico-me a roer de inveja, por não poder estar neste convívio em pleno direito, e tão só como convidado, ainda que todos me acarinhem;

- PREOCUPA-TE com o Convívio e despreza a alimentação, cada um que leve uma ração de combate de casa, eu o que quero é rever e conviver com os meus antigos camaradas, Gatos Pretos;

- Eu, todos os anos, vou a um convívio da Companhia que esteve em Angola, dum amigo meu e penso se não haverá um Gato Preto, que tenha a feliz ideia de fazer um convívio da Companhia da CCAÇ 5.

E muitos, muitos mais desabafos e incentivos, me foram transmitidos para que começasse a ganhar forma e, se pudesse organizar o convívio.

Foto 1 – Bolo da festa dos Gatos Pretos, que foi partido em simultâneo pelos 5 Comandantes da CCAÇ 5, que estavam presentes.

Foto 2 - Preparação para partir o bolo ao som do Violino do ex-Alf Mil Anibal de Sousa, que já era trovador na CCAÇ 5, e tem continuado ligado à música ao longo dos anos.

Foto 3 - Ao prepararem-se para partir o bolo, os nossos Comandantes estão a planear um “Golpe de Mão”.

Eu, perante a responsabilidade de me sentir portador de tantos incentivos e confidências, consciencializei-me de que não podia mais recuar, ou decepcionar a esperança e desejo, daqueles que estavam a depositar em mim a possibilidade da organização do convívio, pois também eu os começava a recordar, a cada um com saudade. Sou periquito nestas áreas de organizar eventos, mas foi desafiante e lá fui estruturando ideias para a elaboração dum programa simples, mas integrado, onde todos se sentissem envolvidos, embora todos os dias fosse surpreendido e ultrapassado pelos acontecimentos com novas possibilidades, ao serem-me enviadas fotos e mais fotos, que eu pedia. Provavelmente, algo poderia ter corrido melhor, mas já passou…

Porventura quer a Sociologia, quer a Psicologia terão muitas teorias, para explicar estes sentimentos efervescentes que levam o comportamento humano a desejar realizar estes convívios de antigos camaradas de armas, mas isto fica para os estudiosos do fenómeno.

Idealizei um programa que consistia essencialmente na projecção de imagens das fotos recebidas, onde cada um se revia à época, em diferentes contextos, com musicalidade um pouco nostálgica da década dos anos 60 e 70, segundo a minha sensibilidade.

Assim, consegui juntar cerca de um milhar de fotos, que organizei cronologicamente desde 67 a 74, juntando-as por temas distintos, de acontecimentos da CCAÇ 5, tais como:

Guerra, Operações no Mato, Colunas de Abastecimento, Rebentamentos de Minas, Lazer, População Civil, Lavadeiras, Noitadas de Copos, Simulações Teatrais, Noites de Nostalgia, Futebóis, Ordenamento, Rituais Indígenas, Comemorações de Natal e passagem de Ano e muitos outros…

Foto 4 - Tive o prazer de reunir no convívio, 10 amigos da Secção de Transmissões que coexistiram comigo em Canjadude. Nesta foto em último plano de pé, lado esquerdo está o Silva, no meio estou eu e do lado esquerdo o Viriato; sentado à minha frente está o Alex, e lado direito sentado, o ex Furriel de Transmissões Alberto Antunes com a esposa. Tudo atento às projecções que estavam a passar.

FOTO 5 - O Sr. Coronel Silveira Costeira a dirigir o coro que entoava, para a assistência, o Hino dos Gatos Pretos, ladeado pelos ex-Furriéis José Martins, Caetano, Penha, Alves, Carvalho, Felizardo e tantos outros…


Foto 6 - Gatos Pretos a assistir à projecção.

Para todos os tertulianos, muita saúde e um abraço.
José Corceiro
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6188: José Corceiro na CCAÇ 5 (9): Resposta a comentário ou eu e os meus registos

Vd. último poste da série de2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6298: Convívios (141): Encontro da "Magnífica" Tabanca da Linha (Mário Fitas/José Dinis)

Guiné 63/74 - P6300: Notas de leitura (100): Paraíso Verde - Contos de Francisco Valmoura (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
O Francisco Valoura terá sido porventura um funcionário colonial que amou Bolama, as suas gentes, viu chegar a guerra que lhe levou um filho. Diria que estas histórias são sinceras no cultivo do respeito pela cultura do Outro, na sua noção de transcendente e na vontade do contador mostrar as profundas riquezas das chamadas culturas nativas. Valoura não foi o único neste afã de descer à floresta e ao mundo das tabancas, escalpelizando o exótico e o incompreensível ao nosso olhar ocidental.

Terá sido o último, pelo menos fará parte dos derradeiros testemunhos coloniais que nos quiseram transmitir compreensão por estes fascínios verdes.

Um abraço do
Mário


Francisco Valoura e as suas estórias etnológicas e etnográficas

Beja Santos

Terá sido funcionário da administração colonial, publicou os seus trabalhos no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, são verdadeiros documentos etnológicos e etnográficos de quem soube captar, com profundo afecto e com olhos de “civilizado”, importantes aspectos sentimentais, religiosos e étnicos da Guiné, do lado “indígena”. “Paraíso Verde” (Editora Pax, Braga, 1973) é uma recolha de histórias que envolvem a crença nos feiticeiros, a justiça nativa, os sentimentos de hospitalidade, a natureza esplendorosa dos trópicos. Quem escreve é um branco de cultura ocidental que se mostra desvanecido com esses usos e costumes, que se terão recolhido em múltiplos pontos da então província da Guiné: velhos poderosos que querem comprar lindas bajudas; chás miraculosos que salvam brancos, a padecer da biliosa; funcionários coloniais que perseguem criminosos; o temor dos irãs, deuses tumultuosos que invadem até o coração dos muçulmanos... Francisco Valoura tudo regista com disciplina e método e com grande sentido de divulgação. Basta ver o que ele escreve no conto “O Balanta e a Bolanha”:

“O balanta é trabalhador, audaz e inteligente. É ainda muito alegre e talvez o maior bebedor de aguardente de cana. É, no entanto, de uma ingenuidade infantil. É uma das raças que nos últimos tempos tem evoluído de forma considerável, por forma da grande rede de escolas e de postos de ensino dispersos pelo interior da província. Levando em conta o facto de jovens balantas que tenham concluído a instrução primária jamais poderem pegar num arado ou numa enxada (o que na realidade seria ofensa grave para a família) o certo é que a tribo balanta é mais devotada à causa da agricultura, em especial no que diz respeito à formação de bolanhas e cultura de arroz, sem dúvida uma das maiores riquezas da terra.

Vamos dar uma ideia muito aproximada como o balanta do Sul amanha a bolanhas e cultiva o arroz.

Bolanhas são terrenos de uberdade incalculável, que, nos vários sectores do território, têm sido a fonte de riquíssimos celeiros das gentes da Guiné. Os terrenos para a cultura do precioso cereal são trabalhados de duas maneiras distintas, até porque a bolanha de lala difere da bolanha de tarrafe ou profunda.
Para a cultura da bolanha de lala, o agricultor balanta prepara planícies de maior ou menor extensão, por vezes cobertas de capim exuberante, começando por queimar essa vegetação na área que pretende cultivar. Finda esta primeira fase de trabalho, ergue em volta do terreno uma barreira, construída de paus, tarrafe, lama e torrões, a que se dá o nome de ouriques, os quais permitem regula a entrada e a saída das águas.

Se o terreno escolhido for húmido, procedem à lavoura com arados primitivos, em jeito de remos de embarcações, com uma ferragem ponteira em forma de ferradura. Essa operação é feita para que os raios solares que incidam sobre a terra lavrada não só acabem de inutilizar as ervas daninhas mas também beneficiem a terra”. E ficamos por aqui, porque o que importa ilustrar é a ânsia de informar o que se passa na Guiné e nas suas gentes: o que são belufos, guardas de corpo, paus de purgueira, as diferentes danças, como vivem as tribos da Guiné, coisas da fauna e da flora, os cerimoniais do casamento, os enterros dos poderosos e os respectivos soros, os modos alimentares, os tipos de embarcação, as lutas inter-étnicas que precederam a pacificação, a natureza dos vestuário. Só no final das suas histórias é que Francisco Valoura poisa na guerra de libertação graças ao conto “Um Balanta nos Comandos”, Joaquim dos Santos Balanta, soldado n.º 1847/64, dos Comandos.

Com imensa ternura e dor contida, estes contos de “Paraíso Verde” são dedicados ao filho José Luís Valoura, nascido em Bolama a 20 de Janeiro de 1949 e morto ao serviço da Pátria em Pirada a 11 de Maio de 1972. Foi graças ao Armor Pires Mota que pude ler estas histórias que me falaram ao coração, houve momentos em que calcorreei aquelas terras rodeado das minhas gentes e exactamente no meu paraíso verde.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6272: Notas de leitura (99): Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6299: Ser solidário (66): A minha homenagem à jovem Marta Ceitil, cooperante na Guiné-Bissau (Paulo Salgado)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado* (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 28 de Abril de 2010:

Para a Jovem Marta

Li com muita curiosidade o texto da jovem Marta Ceitil**.
Leiamos, companheiros e camaradas da nossa Tertúlia, com atenção.
A jovem demonstra, como outros jovens que encontrei nas minhas andanças pela Guiné-Bissau depois da guerra, e durante alguns anos, abnegação, coragem, amor, solidariedade, sacrifício. Admiro-os, àqueles que vão em demanda do outro, daqueles que sofrem, mas que sofrem e têm sempre um sorriso de esperança e de gratidão. Vi jovens professores, enfermeiros, psicólogos e outros, caminharem pelas picadas, para Mansoa, Bula, S. Domingos - que sei eu? E no fim-de-semana vinham à capital cheios de canseira, mas sempre com um sorriso nos lábios…e lá estava a D. Berta para os receber como filhos ou netos.


A D. Berta – ela que me perdoe muito, pois fiquei de lhe escrevinhar… não sei fazer história… algumas das sua belíssimas e antigas aventuras e algumas desgraças na terra onde derramou a sua vida e saúde. Para Si, Mãe Berta, Dona da Pensão Central, um abraço…porque sempre recebeu estes jovens com carinho…

Para Si, Marta, a minha homenagem. Por tudo de belo que fez e que viveu. Para os mansoenses uma palavra de muito carinho…
É que me fez lembrar os jovens que comigo calcorrearam as matas e as bolanhas, perdidos numa guerra fratricida, imposta – jovens que gostaríamos de ter ajudado a construir, não a destruir… Ainda que fôssemos generosos, a guerra era terrível…

Marta, já imaginou o que era estar num aquartelamento com algumas dezenas ou centenas de homens que, mal saíam o arame farpado, estavam a levar no corpo, jovens que tinham sangue na guelra e que sofriam… ali num qualquer buraco construído para protecção…

Obrigado pela sua abnegação. Eu sei o que isso representa.

Paulo Salgado
Ex-Alf Mil Op Esp
CCAV 2721
1970-72
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6218: O 6º aniversário do nosso blogue (14): Homenagem ao Blogue e aos Mendes que nos acompanharam (Paulo Salgado)

(*) Vd. último poste de Marta Ceitil de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6260: A Guiné aos olhos das actuais gerações (3): Estou feliz e estou grata por esta oportunidade (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

(*) Vd. último poste da série de 28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6263: Ser solidário (65): Solidariedade não é caridadezinha (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P6298: Convívios (227): Encontro da "Magnífica" Tabanca da Linha (Mário Fitas/José Dinis)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 10 de Abril de 2010:

Camaradas,

Junto envio um texto do José Dinis sobre o encontro da "Magnífica" Tabanca da Linha, subsidiária da nossa e grandiosa Tabanca Grande, com algumas fotos descritivas do referido evento.

Como havia tabanqueiros amantes de diversos rios guineenses, aí vai um abraço do tamanho de toda a Guiné.

Em nome (julgo permitido) de todos os presentes.
Chegada dos convivas ao objectivo
Zé Dinis define estratégia da operação
Mário Pinto faz surpresa ao Mário Fitas trazendo um "Lassa", com o Jorge Canhão a testemunhar
Rogério Cardoso e Fernando Marques pensando na próxima com fados
Ao ataque! Sob o olhar de Zé Carioca o nosso advogado dispara o primeiro tiro
Miguel Pessoa cogita: Será que a aeronave levanta com este peso todo?
Aqui temos o casal Maravilha (queria dizer Pessoa... desculpem-me)

Zé Carioca pronto para recolher a dolorosa
Comandante Rosales faz balanço do estrago
Um abraço,
Mário Fitas
Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763

2. Texto do José Manuel Matos Dinis, com data de 10 de Abril de 2010:

Os noticiários têm sido férteis sobre notícias de gente desavinda, abusos de poder, tribunais desajuizados, e outras de teor que nos causam preocupação.
Hoje, porém, faço um brevíssimo relato sobre um encontro de velhos (talvez soe melhor veteranos) combatentes da Guiné, agregados pelo Luís Graça (cuja ausência se regista inclementemente), e mobilizados pela Magnífica Tabanca da Linha.
Uma hora antes do evento, já chegavam os primeiros mastigantes, nervosos para cumprir o horário, impulsionados pela vontade de trocar abraços e piadas, de aferir das capacidades mastigantes de cada um, de brindar à vida. Até às treze horas estavam quase todos os previstos, que, depois daquelas formalidades, decidiram abancar e passar à resolução do problema.
Disse quase todos, porque lá de longe alguém fazia alerta no meu telefone: era o imprescindível Hélder que, ainda na outra banda, perguntava se não havia azar que comparecesse. Qual azar?!! Passados alguns minutos chegava o dito com um sorriso de quem se sente entre amigos.
Na mesa, para não enfartar, havia umas gambas e pedacinhos de presunto para entreter. Estive quase para ir buscar um reforço de rações de combate, e tenho a certeza de que o pessoal gostaria.
Já meio tristonhos, a pensar no pior, chegaram uns nacos de carne, umas travessas de bianda, salada e batatinhas, que refrearam a conversa.
Nada de excessos porque estava previsto uma refeição liofilizada, para contrariar as mazelas de que o pessoal já vai dando conta.
Ah! Havia uma quantidade parcimoniosa de vinho, que isto na linha é para afinar (do dicionário do Vasco da Gama, editorial Buarcos, para Pi-Pis ou gente fina).
Ainda houve uma escassa sobremesa ou fruta, conforme os desejos, cafés, e alguns, para desenvolvimento da conversa, provaram do licor da casa.
Registe-se a seriedade geral, pois não houve notícia de quem pregasse o calote. No final, o Diamantino, o senhor da guerra lá em Bissau, referia admirado que a malta, afinal, come pouco. Vá lá a gente perceber as coisas.
Já se fala num jantarinho seguido de faducho, para aproveitar os dotes artísticos de alguns contemporâneos.
Se calhar, será avisado levar um leitor e alguns cd's, não vá o caruncho pôr-nos em contacto com alguma realidade imprevista.
Mas também me ripostaram a essa observação que, se calhar, também já os tímpanos não registam grande coisa.
Pronto (ou será prontos?), chegados ao fim, lá derivámos para os diferentes azimutes, certamente convencidos de termos enganado a forma física, ainda a sonhar com grandes cometimentos para o futuro. Ora, isto é que interessa, a motivação, e como dizia o Marquês, há que cuidar dos vivos, e como dizia o poeta, pelo sonho é que vamos.
Apresento especiais saudações às senhoras que gostam e podem acompanhar os maridos. Elas também foram e são importantes para que eles gozem a sobrevivência.
Por fim, alerto os invejosos para que fiquem atentos ao anúncio de próximas iniciativas.

Um abraço,
José Dinis
Fur Mil da CCAÇ 2679
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

1 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6287: Convívios (140): 25º Encontro da CART 3494 do BART 3873, em Vizela, dia 12 de Junho de 2010 (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 - P6297: Controvérsias (71): Contemos as nossas experiências e deixemos as especulações para quem não esteve lá (Carlos Vinhal)

3.º Pelotão da madeirense CART 2732



Comentário de Carlos Vinhal*, ex-Fur Mil, CART 2732 (Madeirense), Mansabá, 1970/72, na qualidade de tertuliano:

Alguns considerandos em relação ao poste 6292** de hoje, 2 de Maio de 2010

Camaradas
Este blogue está a deixar-me deprimido.

Julgava eu que nós, os portugueses, somos um povo de brandos costumes, hospitaleiros, afáveis, amantes da paz, amigos dos vizinhos, etc., e afinal somos (ou fomos) um bando de assassinos na guerra colonial. Posso excluir-me? Muito obrigado.


1. Escreveu em tempos o Alberto Nascimento, que foi só e apenas Soldado Condutor Auto, logo menos interventivo em operações de grande envergadura:

Contar com pormenor o que se passou no decorrer da operação é impossível, já que fui colocado num posto de onde só podia abarcar uma pequena parte da povoação, que ocupava uma área enorme, mas o constante matraquear das auto-metralhadoras e G3 deixavam antever um morticínio.

Quando a meio da tarde o Comando deu por terminada a operação é que fui, pelo caminho, vendo a destruição provocada pelos lança-chamas, auto-metralhadoras e G3. Samba Silate estava, na sua maior parte, destruída. Num largo da povoação estavam concentrados um grande número de prisioneiros, um dos quais, talvez movido pelo desespero e terror, intentou a fuga, tendo sido abatido. Os outros foram divididos entre Bafatá e Bambadinca, de onde poucos ou nenhuns saíram.


Posso ajudar o Nascimento com umas contas rápidas para calcular o tal morticínio.
Se 20 militares levarem cada um, uma G3 com 5 carregadores e se aproveitar uma em cada quatro munições disparadas, matar-se-ão ali num intantinho... vamos lá ver:

20 militares X 5 carregadores X 20 munições = 2000 munições X 1/4 = 500 mortos.

Estamos ainda a desprezar a metralhadora de fita (MG47), mais eficaz, o lança granadas e o lança-chamas. Isto sim, é morticínio, nem o Shelltox mataria com tal eficácia.

Nascimento, afinal quantos mortos viste quando chegaste ao local da operação?


2. Quanto ao Armandino, que em comentário, diz o seguinte:

Quando cheguei a Bissau em Outubro de 66 comentava-se que houve uma Companhia de Madeirenses que teve que ser embarcada à força, pois eles recusavam-se a embarcar para a Metrópole. Diziam que tabanca por onde eles passassem deixava de existir. O lema deles era que quanto menos pretos houvessem mais depressa acabava a guerra.
Não faço a mínima ideia que companhia era mas sei que regressou em fins de 66


Vamos lá ver Armandino.

As primeiras Companhias insulares a irem para a Guiné, tirando as Berlengas, foram:

Do BII17 – Angra do Heroísmo - Açores - a CCAÇ 1438 que chegou à Guiné no dia 18 de Agosto de 1965 e regressou a 18 de Abril de 1967. Em Outubro de 1966 estava em Quinhamel.

Do BII19 – Funchal – Madeira - a CCAÇ 1439 que chegou à Guiné a 02 de Agosto de 1965 e regressou a 18 de Abril de 1967. Em Outubro de 1966 estaria em Enxalé.

Podes precisar?

Diga-se em abono da verdade que qualquer Companhia que se prezasse não aceitaria vir embora antes de terminado o tempo normal de comissão, ainda por cima sendo madeirense e gostando de matar. É de homem.

Caro Armandino, recentemente, cerca da 1 hora da madrugada, fiz com outro amigo, o percurso entre a Sé e o Casino do Funchal (alguns quilómetros) e não fomos atacados por nenhum madeirense, nem vimos cadáveres na berma da estrada. No Funchal vive-se lindamente, anda-se de noite com mais segurança do que no Porto ou em Lisboa.

Já agora uma achega, não seria uma Companhia de algarvios, ou alentejanos, ou transmontanos, ou de militares dos arredores do Porto, gente que até apedreja os autocarros do Benfica?

É conveniente não se meterem rótulos nas embalagens de que não se conhece o conteúdo, olha o que aconteceu no Hospital de Santa Maria, de Lisboa.

Não esqueças Armandino que as Companhias madeirenses e açorianas tinham no seu Comando Oficiais e Sargentos oriundos do Continente, e um ou outro insular, que também os havia e bons.

Não podemos dizer que não cometemos proezas de que nos envergonhemos hoje, mas alimentar morticínios por estimativa, e alegar que houve uma Companhia daqui ou dali que fez isto ou aquilo segundo se ouviu dizer, é pura especulação e não é importante para a história que aqui queremos deixar.

Matar e morrer faz parte da guerra. Contemos os factos que vivemos, e mesmo assim esperemos que alguém, na mesma hora e no mesmo lugar, tenha visto o filme doutra maneira diferente da nossa.

OBS:-Negritos da minha responsabilidade

CV
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6194: Convívios (133): Encontro comemorativo da ida da CART 2732 para a Guiné, Funchal 10 de Abril de 2010 (Inácio Silva/Carlos Vinhal)

(**) Vd. poste de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6292: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (10): Samba Silate

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6261: Controvérsias (70): Os peões das Nicas (Mário G. R. Pinto)

Guiné 63/74 - P6296: PAIGC: Como se vivia nas regiões libertadas (1): Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados... (António Graça de Abreu, Alf Mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa, Cufar, 1972/74)


Guiné > PAIGC > 1970 > Algures, numa região libertada. Guerrilheiros e população. A guerra de libertação teve muito pouco de romântico. Os militares portugueses que combateram o PAIGC na Guiné, sabem quão duras eram as condições de vida, tanto dos seus combatentes como da população sob o seu controlo, nas regiões libertadas, ou seja, dentro das fronteiras do território da antiga província portuguesa da Guiné ... A foto é do fotojornalista húngaro Bara István (n. 1942) que visitou, a partir de Canacri,  algumas dessas regiões, no sul, em 1970, embebbed nas fileiras do PAIGC.

Foto: Foto Bara (com a devida vénia...; em princípio, a sua fotogaleria é do domínio público)


1. Vamos dar início a uma série sobre as condições de vida nas chamadas regiões libertadas do PAIGC. Vamos começar por relatos, documentos, testemunhos do lado dos que combatiam o PAIGC, os portugueses e os seus aliados. Infelizmente, falta-nos a versão do outro lado. Vamos fazer um esforço por reunir também aqui fotos e outros documentos do PAIGC, bem como dos seus amigos internacionais. Vamos começar com um excerto do livro de memórias do nosso camarada e amigo  António Graça de Abreu, que foi Alf Mil do CAOP 1 (Canchungo, Manosa e Cufar, 1972/74).




António Graça de Abreu > Mansoa, 3 de Maio de 1973

Na região de Mansoa, as NT capturam mais elementos IN, ou aparentados com os guerrilheiros, do que em Canchungo. Normalmente chegam ao nosso CAOP com um aspecto lastimável, a subnutrição, as doenças, a miséria têm tomado conta deste pobre povo que vive nas regiões libertadas.

Os prisioneiros são quase sempre mulheres que se deslocam às povoações controladas pelas NT, a fim de venderem por exemplo mancarra (amendoim), óleo ou vinho de palma, e são capturadas nas estradas ou nos caminhos em volta dos nossos aquartelamentos.

Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados. Dói, só de olhar. São interrogadas, é-lhes pedido todo o tipo de informações sobre os acampamentos, o armamento, as aldeias controladas pelo IN onde vivem os seus maridos, os seus familiares. Como é natural, estas mulheres falam muito pouco e também magoa o coração ver como são tratadas. É minha tarefa comprar-lhes uns trapinhos novos para tapar o corpo, umas sandálias de plástico para protegerem os pés.

Também se capturam elementos IN dos sexo masculino. Há dias um deles, que gozava de um regime de semi-liberdade, foi apanhado a fugir do quartel, já do outro lado do arame farpado, Deu a desculpa de que ia cagar.

Alguns prisioneiros são utilizados como guias nas operações das NT contra os santuários IN. Quando começa o tiroteiro, têm o hábito de escapar e de se refugiar na mata, por isso, às vezes seguem à frente das NT levando uma corda grande amarrada em volta da cintura. Se tentam a fuga procurando desligar-se da corda, são por norma abatidos.

Fonte: António Graça de AbreuDiário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz, Editores, SA, 2007, p. 94.

Guiné 63/74 - P6295: Banco do Afecto contra a Solidão (9): Victor Tavares internado nos HUCoimbra, para uma operação à coluna 2 (Paulo Santiago)

1. O nosso Camarada Victor Tavares, que foi 1º cabo pára-quedista, da CCP 121 /BCP 12 (Guiné, 1972/74), encontra-se hospitalizado em Coimbra, onde foi submetido a uma melindrosa intervenção cirúrgica. 

Em 29 de Abril de 2010, o Paulo Santiago foi visitá-lo e transmitiu-nos para divulgação a seguinte comunicação: Boa Noite, Fui hoje a Coimbra, aos HUC, visitar o nosso camarada Victor Tavares, submetido ontem, 4ª feira, a uma delicada cirurgia à coluna, operação que esteve agendada para 2ª feira, mas à última hora apareceu uma urgência de um implante (?) que levou ao adiamento da cirurgia. O Vitor, na 3ª feira, à noite, já no hospital, passou pela net onde viu o poste que lhe foi dedicado e os respectivos comentários a desejar-lhe boa sorte, mas a ansiedade da espera não propiciou uma resposta. Pediu-me para transmitir o agradecimento a todos os camaradas que escreveram.
Hoje ainda se encontrava naquela fase de meio sedado, mas o cirurgião que o operou, praticante de BTT, tal como eu e o Victor, informou-o que a delicada e demorada cirurgia, correu muito bem.
Espero ir com ele a Monte Real em 26 de Junho, falámos desse encontro hoje à tarde. Abraço, P. Santiago 

Guiné 63/74 – P6294: Estórias do Tomás Carneiro (2): De Binta a Jugudul


1. O nosso Camarada Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor da CCAÇ 4745/73 - Águias de Binta (Binta, Cumeré e Farim – 1973/74), enviou-nos dos Açores onde vive, uma mensagem com data de 27 de Abril:


Olá camaradas e amigos,

Hoje envio-vos a última parte da minha história da guerra.
Como já havia dito noutro texto anterior, tinha que dormir em Jugudul para fazer o transporte do pessoal, para os trabalhos na frente da estrada Jugudul/Bambadinca.
Debaixo de fogo INNo dia 9 de Maio de 1974, em Jugudul formamos a coluna como de costume e arrancamos estrada fora. Ele chegou-se para mais perto de mim
e disse-me: “Isso não é nada!”

Entretanto apareceram os enfermeiros que começaram a tratar-me. Não tenho mais estórias, nem histórias, para escrever. Fotos: © Tomás Carneiro (2009). Direitos reservados.____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 de Janeiro de 2010 >
Guiné 63/74 – P5659: Estórias do Tomás Carneiro (1): De Binta a Jugudul


O IN havia preparado bem esta emboscada, porque, ao mesmo tempo, atacaram também o quartel no intuito de não deixar sair socorros à nossa coluna.
Atacaram em toda a zona da frente do quartel e conseguiram colocar uma morteirada certeira no espaldão do morteiro de 81 mm, onde morreu um furriel miliciano e feriu com gravidade um 1º cabo.
Quando o combate acalmou puseram-me na caixa de um Unimog 404 e transportaram-me para Mansoa.
Ali chegado e a bater os dentes de frio (sinal evidente de febre), deitaram-me numa ambulância, que logo de seguida partiu para o Hospital Militar de Bissau.
No HMB, fui directo para o bloco, onde fui visto por dois médicos e um 1º sargento enfermeiro (creio que o seu nome era Santos), tendo-me preparado para uma cirurgia, com anestesia de meio corpo.
Disseram-me que não era grave, mas quando estavam a operar, alertaram-me para a necessidade de me extrair o testículo direito.
Meus amigos, aqui é que começou o meu maior drama, eu, um puto de 21 anos cheio de vida, estava a ver-me privado de uma coisa tão importante do meu corpo.
Chorei silenciosamente a pensar no que seria meu futuro assim mutilado.
Finda a intervenção fui para a enfermaria, permanecendo aí em estado de recuperação. Uma semana depois alguém me disse que tinha um colega numa outra enfermaria e fui vê-lo.
Era o 1º cabo que tinha sido ferido no espaldão e estava crivado de estilhaços, mas consciente. Falamos sobre o sucedido e então é que soube que o furriel tinha morrido no ataque, que acima acabei de descrever.
Entretanto tiram-me a algália e quando fui urinar verifiquei, com enorme espanto, que estava a urinar para trás e para a frente. Conclusão, tinha a uretra “partida”.
Fui então evacuado para o HMP à Estrela, em Lisboa, por avião, no dia 13 de Junho à noite.
Chegado ao aeroporto, meteram-me numa Morris com capota e segui para as urgências, após o que me mandaram numa ambulância, para um quartel na Graça tendo aí passado a noite.
De manhã, falei com o oficial-de-dia, contei-lhe a minha situação e ele mandou-me de volta para o hospital, ficando lá internado na enfermaria de urologia.
Um dia ou dois depois, estava eu encovado na cama e chegou junto de mim um médico, que começou a consultar-me.
Como entretanto comecei a chorar, ele perguntou-me o que se passava e eu contei-lhe as minhas preocupações quanto ao futuro, dizendo-lhe que me tinha sido retirado um testículo.
Ele começou a sorrir e explicou-me: “A partir de agora, você tem que fazer com um, o que os outros fazem com dois… mais nada!”
Senti-me mais aliviado a partir daí.
Fui submetido a muitos exames e a 4 operações, duas delas duplas, pelo que fiquei no hospital 23 meses.
Sofri muito nesse tempo sem ter a família perto, que me prestasse algum apoio e carinho.
Fui sempre bem tratado pelo pessoal que ali trabalhava e familiares de outros doentes, que lá se encontravam hospitalizados, tendo ganho algumas boas amizades.
Quero aqui agradecer, justa e sentidamente, a um Homem - o Doutor Barcelos Vaz -, que me ajudou muito, física e psicologicamente, e deixar-lhe aqui, caso ele tenha conhecimento desta mensagem, um grande abraço Amigo e um Muito Obrigado por tudo.
Outro grande abraço meu, vai para o 1º Sargento Lopes que sempre bem-disposto e brincalhão, comigo e com os outros Camaradas que com ele trabalhavam, me transmitiram ânimo e disposição, que muito me ajudaram a ultrapassar os piores e mais dolorosos momentos da minha vida.
Foi assim que terminou a guerra para mim.
Daqui para afrente, continuarei a ler este grande blogue, enquanto a saúde e o discernimento mo permitirem.
A partir deste momento passo novamente à condição de silêncio, sobre esta fase da minha vida, porque eu não gosto de falar muitas vezes sobre o que passei então.
As fotos foram tiradas no HM de Bissau.
Um abraço daqui do meio do atlântico com muita amizade para todos vós e até breve no nosso V Encontro, em Monte Real.
Tomás Carneiro
1º Cabo Cond CCAÇ 4745


Decorria tudo bem, com uma Daimler à frente, um Unimog 411 logo atrás (penso que nesta segunda viatura viajava o Cap. Contreiras, que vinha a comandar o pessoal) e depois vinha eu, numa Berliet repleta de trabalhadores, uns apeados e outros sentados.
Quando nos faltava cerca de 600/800 metros para chegar ao quartel, eis que rebentou um “fogachal” tremendo que não consigo descrever por palavras.
De imediato travei a viatura, que se colou de imediato ao piso da estrada e, como é de prever, o pessoal que eu transportava projecta-se para a frente, caindo uns por cima dos outros, tocando-me uma parte deles em cima.
Livrei-me rapidamente deles e lancei-me para o chão, rastejando para debaixo/frente do carro e fiquei, agora eu, ali colado ao asfalto da estrada.
Como a estrada tinha uma pequena inclinação, reparei que a Berliet começou a deslizar na minha direcção e como eu estava deitado entre os rodados, levantei-me de repente e desatei a correr para o mato, em busca de alguma protecção.
Corria agachado, como mandam as regras, quando senti uma queimadura na nádega esquerda. Lancei-me para o mato que estava num plano mais baixo que a estrada, para me tentar abrigar do fogo do IN e senti uma nova dor, na parte frontal (zona inguinal direita), onde coloquei a mão e senti qualquer coisa quente e viscosa.
Olhei para a mão e vi sangue. Fiquei aterrado e pensei: “Estou ferido!”
A meu lado estava um trabalhador que olhou para a minha mão e perguntou se eu estava ferido. Disse-lhe que sim.
Tirou o seu quico e pô-lo em cima da ferida para estancar o sangue.
Depois continuou a falar comigo, continuadamente, a transmitir-me confiança e “força”.
Este Guineense dava-se muito bem comigo e, habitualmente, andava sentado ao meu lado nas viaturas.
Não sei quanto tempo demorou o tiroteio, mas, para mim, foi muito tempo e, ainda por cima, no estado em que eu me encontrava.

Guiné 63/74 - P6293: Em busca de... (129): Valente de Sousa, ex-Fur Mil da 3.ª Equipa do Grupo Comandos "Os Centuriões" (Luís Rainha)



1. Mensagem de Luís Rainha, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo "Os Centuriões", com data de 27 de Abril de 2010:

Caro Vinhal
Já por várias vezes tenho tentado tudo para encontrar um Grande, muito grande amigo e camarada de Armas da Guiné, o Furriel Miliciano Comando Valente de Sousa, Chefe da 3.ª Equipa do meu Grupo - os "CENTURIÕES".


Como sabes estou a montar e a elaborar o Blog - comandos-guine-1964a19*66.blospot.com.

Para com ele tentar acabar com muitas coisas que se dizem e não são verdades e no fundo a minha ideia principal era que o VALENTE DE SOUSA se ainda fosse vivo, entrasse em contacto comigo.

Tal ainda não aconteceu, por isso, venho pedir-te que lances um apelo no nosso BOLG para ver se encontro o meu Amigo.

NÃO INTERESSA O QUE FAZ, COMO ESTÁ E ONDE ESTÁ. NECESSITO DE SABER DELE E DIZER-LHE QUE SE PRECISA DE MIM NÃO TENHA VERGONHA E ESCREVA A DIZER.

EU, ESTOU CÁ PARA O AJUDAR SE FÔR CASO DISSO.

AMIGO DESTES SÃO ATÉ À MORTE.

Vinhal, por favor pública também a sua foto que junto te envio.

Recebe um abraço do amigo sempre ao dispor
Luís Rainha



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(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6192: Blogues da nossa blogosfera (34): Comandos-Guine 1964 a 1996, de Luís Raínha, o centurião-mor

Vd. último poste da série de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6270: Em busca de... (128): Alferes Miliciano da 2.ª Companhia de Instrução do CIM de Bolama, Agosto de 1971 (Braima Djaura)

Guiné 63/74 - P6292: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (10): Samba Silate


  1. Mensagem de Arsénio Puim, com data de 30 de Abril último: 

Luis:  Envio um novo trabalho, ao teu critério.
Um abraço.
Arsénio Puim 


RECORDANDO... (10):  SAMBA SILATE (*)


Um dos lugares tristemente célebres da guerra da Guiné, que eu tive oportunidade de visitar nos princípios de 1971, chama-se Samba Silate. Fica a poucos quilómetros de Amedalai, para o lado do Geba, entre Bambadinca e o Xime. Na continuação da tabanca estende-se, até ao rio, uma grande bolanha, tida como das melhores da Guiné. Para lá do Geba, fica Mato Cão e Madina.

Dantes, Samba Silate foi uma grande tabanca balanta e um importante centro de produção de arroz. Mas na altura em que lá estive, era  uma terra desabitada e completamente inculta. Dizia-se que qualquer tentativa dos Fulas para o seu aproveitamento seria gorada pelos Balantas.

Neste chão balanta, o Pe. António Grillo, missionário italiano, desenvolveu uma actividade pastoral florescente, reconhecida por muitas pessoas. Lá estava ainda, a testemunhá-lo,  uma grande cruz de cimento erguida no local, assim como uma campa, também de cimento, perto da cruz, com a inscrição de Mateus Iala, balanta, que havia falecido em 1958, apenas um mês depois de ser baptizado.

Ao rebentar a guerra houve um forte movimento de adesão e apoio, em Samba Silate, à guerrilha. A tropa, porém, acudiu atacando e matando indiscriminadamente. Mancaman, do Xime, de quem já falei anteriormente (**), disse-me que só em Samba Silate  morreram mil pessoas (***), incluindo mulheres e gente muito nova. Os que escaparam, uns foram para o mato, outros para Nhabijães, Enxalé, etc..

Pe. António viu-se implicado nos acontecimentos e, depois de preso, foi expulso, sem qualquer julgamento, para a Itália, donde não voltou mais. Constou que, mais tarde, Spínola autorizou o seu regresso, mas que a PIDE não o permitiu.

Infelizmente, os massacres nesta zona central da Guiné, perpetrados por tropas portuguesas nos começos da guerra, não se cingiram a Samba Silate. Mancaman relata  acções de extermínio também em Bafatá, Mansoa, Bissorã e Bambadinca. «Mais de 10.000 mortos. A Guiné quase ficou sem gente», referiu.

Em relação a Bambadinca, ouvi, muito casualmente, um outro nativo falar de  acções de extermínio praticadas pelas nossas tropas. Sem referir nomes, não deixou, porém, de mencionar a naturalidade e o número militar (ou um número por que era conhecido, não sei bem)  de um soldado que costumava abrir as covas das pessoas antes de as matar.

Com tristeza e espanto, constatei ainda que a palavra que denomina os habitantes naturais da minha região não era benquista em Bambadinca e incutia mesmo um sentimento de horror, pela associação que as pessoas ainda faziam de acções desta natureza a antigos militares identificados como tal.

Perante tudo isto, não posso deixar de perguntar: onde estavam, então, os capelães militares, vinculados ao Exército com uma missão de Igreja? Porventura, não existiriam ainda nessa altura e nessas zonas?

Também sei, e não podemos ignorar, que os guerrilheiros do PAIGC  cometeram igualmente acções de extermínio em situações diversas. Tenho de forma especial em mente, neste momento, as execuções sumárias de combatentes e outros nativos que estiveram nesta guerra ao lado de Portugal, designadamente elementos dos Comandos de Fá, cometidas em Bambadinca (e outras localidades) já depois do regresso das tropas portuguesas.

É triste que Portugal tenha abandonado os seus aliados africanos à sua sorte, a qual seria previsível em face do lado da guerra por que haviam optado e os moldes por vezes desregrados e sanguinários das suas acções armadas, publicamente comentados, para além da conjuntura conturbada e dificilmente controlável que se seguiria.

Intervim uma vez, na qualidade de capelão, relativamente aos Comandos africanos, por causa do lamentável e bem conhecido caso da cabeça dum homem que foi cortada (desconheço as circunstâncias do acto, embora ouvisse mais que uma versão), numa operação que esta Companhia realizou  para os lados de Madina em princípios de Outubro  de 1970. Trazida para Bambadinca e exposta, como um troféu - diga-se, com escândalo da população civil e dos nossos militares - houve um soldado português que fotografou esta cena macabra, unicamente com intuitos comerciais.

As fotos, que circularam no Quartel até ao dia em que foram superiormente mandadas recolher com as respectivas chapas – de facto,  seriam uma exposição inconveniente para a causa portuguesa se chegassem ao exterior - mostravam um homem negro ainda novo, magro, de cabelo curto e crespo, com os olhos semiabertos. Pela boca fora introduzido um lenço que saía num buraco na nuca, o qual, atado nas pontas, servia de alça para o seu transporte na mão. O autor desta acção foi um furriel felupe [, João Uloma, mais tarde graduado em alferes, e também executado em 1975, pelo PAIGC] que – dizia-se - costumava cortar e guardar as cabeças das pessoas que matava em operações militares, por razões de crenças étnicas.

Nesse dia, o referido furriel aumentava a sua colecção de 27 crânios para 28.

Como muitos companheiros militares, e na qualidade de capelão, mostrei de imediato a minha repulsa por esta acção ignóbil. E, bem poucos dias depois, quando aquela Companhia se encontrava na parada de Bambadinca, achei que devia abordar o assunto ao comandante da mesma, lamentando que tais actos pudessem ser praticados num exército que tem obrigação de ser civilizado. O graduado, referindo este ser um costume tradicional da etnia felupe, remeteu-me para a nossa acção durante 400 anos na Guiné.

Em relação aos crimes de guerra, onde quer e quem quer que sejam os seus autores,  estou totalmente de acordo com aqueles que, sem admitir a pena de morte, defendem que no mundo civilizado os homens julgam-se nos Tribunais e, através destes, os criminosos são condenados.

Arsénio Puim


2. Quem era (ou é) o Padre António Grillo ?


António Grillo é um missionário italiano, do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores). Nasceu em 1925, em Acerenza. 

Recorro aqui ao Sítio de Paolo Grappasonni que, em finais de 1988, fez uma visita às missões italianas na Guiné-Bissau e evoca a figura do padre Anmtónio Grillo. Reproduzem-se excertos do texto "Notas de viagem à Guiné-Bissau", com a respectiva tradução em português

  Padre Antonio Grillo, di Acerenza, ha vissuto per diversi anni e con alterne vicende tra i Balanta di Bambadinca. Ha pubblicato un opuscolo nel maggio 1988 dal titolo: “I miei Balantas” dal quale traggo le sue esperienze più significative. 

O Padre Antonio Grillo,  de Acerenza, viveu durante vários anos e em diferentes períodos entre os Balanta de Bambadinca. Publicou um opúsculo em Maio de 1988 intitulada: "Os Meus Balantas" de que retiro algumas das suas experiências mais significativas.

Aveva 26 anni padre Antonio Grillo quando, il 12 settembre 1951, partì dal PIME di Milano insieme a tre missionari su una jeep americana alla volta del Portogallo e della Guinea in Africa.  Faceva parte della seconda spedizione missionaria del PIME in Guinea. Bambadinca è il distretto missionario al quale padre Grillo viene inviato insieme a padre Biasutti il 31 gennaio 1952. Dopo un anno di attesa per avere il visto dal governo portoghese, e dopo un viaggio avventuroso su una jeep e via mare, finalmente possono cominciare. 

Tinha 26 anos quando a, 12 de setembro de 1951, partiu do PIME de Milão, com três missionários num jipe americano,  a caminho de Portugal e depois da Guiné, em África.  Fazia parte da segunda expedição missionário do PIME à Guiné. Bambadinca é a região missionária para a qual o padre Grillo é enviado juntamente com o  padre Biasutti, em 31 de Janeiro de 1952. Depois um ano de espera para obter visto do Governo Português, e depois de uma viagem aventurosa por terra e mar, finalmente podiam começar.

“Purtroppo - scrive padre Grillo - abbiamo dovuto accettare di fissare la nostra residenza a Bambadinca, villaggio dove erano anche le autorità amministrative portoghesi, perché queste volevano tenerci sotto il loro continuo controllo. Già a quei tempi non permettevano facilmente neppure a noi missionari che ci addentrassimo nella foresta per entrare in contatto con le varie tribù. Avremmo preferito un grosso agglomerato abitato dai Balantas come Sambasilate perché questi erano animisti mentre la quasi totalità degli abitanti di Bambadinca era mussulmana”.
In lingua mandinga “Bamba” significa “coccodrillo”, “Dinga” significa “tana”: e veramente negli anni ‘50 il vicino fiume Geba era pieno di coccodrilli. 

"Infelizmente - escreve o padre Grillo - nós tivemos que aceitar estabelecer a nossa residência em Bambadinca, a povoação onde estavam também as autoridades administrativas portuguesas, porque eles queriam manter-nos sob o seu controle constante. Já naquele tempo não nos permitiam com facilidade, mesmo a nós, missionários,  que entrassemos na floresta para contactar  as várias tribos. Teríamos preferido uma grande aglomerado populacional de Balantas como Samba Silate porque estes eram animistas, enquanto quase todos os habitantes de Bambadinca eram muçulmanos. "

Em língua madinga, "Bamba" significa "crocodilo", "Dinga" significa "cova": e na verdade, nos anos 50 o vizinho rio Geba estava cheio de crocodilos.

Il villaggio di Sambasilate nel 1955 contava già 1750 abitanti in maggioranza della etnia Balanta, con pochi Papeis e alcuni musulmani. Sambasilate, che vuol dire “risaia”, fu la prima stazione missionaria del distretto di Bambadinca. Il motivo che spinse soprattutto padre Grillo verso questo villaggio fu proprio il numero dei suoi abitanti che, se convertiti, potevano attirare i villaggi minori
.

A aldeia de Samba Silate, em 1955, já tinha 1750 habitantes, na sua maioria do grupo étnico Balanta, com poucos Papéis e alguns muçulmanos. Samba Silate, que significa "campo de arroz", foi a primeira estação missionária na zona de Bambadinca. O motivo que levou o padre Grillo a optar por esta aldeia, foi apenas o número dos seus habitantes que, se se convertessem, poderiam atrair as outras aldeias mais aldeias. (...)

http://www.webalice.it/paolo.grappasonni/Guinea_Bissau:_appunti_da_un_viaggio.html

2.2. De um outro site, italiano, sobre os 150 anos do PIME (Pierio Gheddo - PIME 1850-2000: 150 Anni dei Missione)  retiro a seguinte informação sobre o conflito do Padre Grilo com as autoridades portugueses, em 1963, bem sobre as crescentes dificuldades dos missionários italianos na sequência da escalada do conflito militar:

(...) Pime in prima linea: l’arresto di padre Grillo (1963)

Il superiore generale p. Augusto Lombardi visita la Guinea (10 dicembre 1959 — 26 febbraio 1960) e richiama i missionari ad impegnarsi ancor più nell’aiutare il popolo guineano, evitando però accuratamente ogni gesto o giudizio politico: l’imperativo è di restare sul posto senza farsi mandare via: proprio ora i missionari stranieri possono giocare un ruolo importante a difesa dell’uomo.


(...) O PIME debaixo de fogo: a prisão do padre Grillo (1963)

O Superior Geral, padre Augusto Lombardi visita a Guiné (10 de Dezembro de 1959-26 fevereiro 1960), e incita os missionários a empenharem-se mais para ajudar o povo da Guiné, mas evitando cuidadosamente qualquer gesto ou opinião política: o imperativo é permanecer no local sem se fazerem expular: os missionários estrangeiros podiam desempenhar um papel importante na defesa do homem.

All’inizio degli anni sessanta la Guinea entra decisamente nel clima di guerra. Prima vittima è il p. Antonio Grillo (22), apostolo dei balanta a Bambadinca, per un’accusa risultata poi del tutto falsa (amico di un capo guerrigliero). 

No início dos anos sessenta, a Guiné entra significativamente em  clima de guerra. A primeira vítima é a padre Antonio Grillo, o apóstolo dos Balantas em Bambadinca, sob a acusação, que se soube mais tarde ser completamente falsa, de ser amigo de um líder da guerrilha.

Arrestato dalla polizia politica portoghese (la Pide) il 23 febbraio 1963, incarcerato prima a Bissau e poi a Lisbona, viene liberato il 4 luglio come atto di omaggio del Portogallo al nuovo Pontefice Paolo VI.

Detido pela polícia política portuguesa (Pide), a 23 fevereiro de 1963, encarcerado primeiro em Bissau e depois em Lisboa, acabou por ser libertado em 4 de julho em homenagem de Portugal, ao novo pontífice, o Papa Paulo VI.

Le missioni del Pime, nelle regioni più periferiche, sono in prima linea. Quella di Suzana è occupata dai militari portoghesi, i missionari debbono ritirarsi per non essere compromessi agli occhi dei locali (visitano i cristiani ogni mese partendo da Bafatà); Catiò è al centro della guerriglia perché vicina alla Guinea- Conakry da cui venivano armi e guerriglieri: i padri non possono più visitare i villaggi senza permesso della polizia e in città sono sottoposti a stretti controlli; Farim rimane isolata per lunghi mesi; le strade sono interrotte e si percorrono solo con i convogli militari; attacchi notturni dei partigiani e ritorsioni dell’esercito con villaggi bruciati, torture, massacri.

As missões do PIME nas regiões mais remotas, estão na primeira linha da frente. A de Suzana é ocupada pelo exército Português, os missionários têm que retirar-se para evitar ficar comprometidos aos olhos da população local (os cristãos passam a ser  visitados todos so meses a partir de Bafatá). Catió, por sua vez, está no centro da guerrilha por causa de sua proximidade com a Guiné-Conacri, de onde vêm as armas e os guerrilheiros: os padres já não podem visitar as aldeias sem a permissão da polícia e na cidade estão sujeitos a controlos rigorosos. Farim, por seu lado, permanece isolada durante longos meses, as estradas estão cortadas e só se pode viajar em colunas militares;  ataques nocturnos dos guerrilheiros e represálias do Exército, com incêndios de aldeias, tortura, massacres.

Il 10 giugno 1963 un nuovo prefetto apostolico: mons. João Ferreira, giovane entusiasta e con bei progetti, ma purtroppo resiste due anni e mezzo al clima della Guinea: ritorna in Portogallo nell’agosto 1965. Il suo successore, mons. Amãndio Neto, è anche lui su una linea moderatamente innovativa: lascia lavorare i missionari, difendendoli sempre dai sospetti dei militari e della polizia politica portoghese. 

Em 10 de junho de 1963 um novo Prefeito Apostólico: Monsenhor  João Ferreira, jovem,  entusiasta e com bons projetos, mas infelizmente resistiu apenas dois anos e meio ao clima da Guiné: Volta a Portugal em Agosto de 1965. O seu sucessor, Mons. Amândio Neto, também está numa linha moderadamente inovadora: deixar trabalhar os missionários, defendendo-os sempre a suspeita dos militares e da Pide. (...)

2.3. Recentemente, no início do ano, o Padre António Griillo  (agora com perto de 85 anos, vd. foto à direita, com a devida vénia ao blogue ) voltou a Bambadinca, com uma delegação da sua diocese de Acerenza para inaugurar uma escola a que foi dado o nosso nome... Voltou a Samba Silate, aos seus balantas. Foi recebido com grande entusiasmo, alegria e espírito ecuménico.

3. Comentário de L.G.:


É doloroso para a nossa memória, mas não podemos ignorar, esquecer, branquear, desculpar o que se terá passado em Samba Silate (e noutros locais do CTIG)... 1961, 1962, 1963... foram anos de chumbo... Não sabemos exactamente qual foi o envolvimento dos militares (****)... A Pide costuma ficar com o odioso (bem como a polícia administrativa local que fazia o "trabalho sujo")... Mas  a tropa e as autoridades administrativas  também não  ficam bem na fotografia...

Não posso quem quero generalizar, prefiro que apareçam relatos,  documentados,  circunstanciais, com datas e factos, sobre violência exercida tanto pelas NT como pelo PAIGC (ou a FLING, em 1961) sob as populações indefesas, ou sob prisioneiros... Em 1969, seis anos depois, os meus soldados da CCAÇ 12 falavam-me destes acontecimentos, com naturalidade... E eles eram insuspeitos, eram fulas, nossos aliados... Samba Silate, Poindon: são dois topónimos da Guiné que ainda hoje não esqueço e que me incomodam...

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Notas de L.G.:


(***) Estes números, baseados na memória oral da população local, têm que ser lidos com reserva... Em 1955, segundo o Padre Grillo, Samba Silate tinha 1750 habitantes, quase todos de etnia balanta.  

Na história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), HU-Cap II, p. 19, pode ler-se o seguinte Samba Silate, e a propósito dos balantas:

"Julgamos que o único modo de conseguir retirar ao controlo IN um substancial número de Balantas será criar condições de segurança nas ricas bolanhas que se encontram abandonadas; de entre todas essas, ressalta a de Samba Silate em virtude de ser uma bolanha rioca e muito grande, econtrar-se completamente deserta, ser a sua população recenseada antes do início do terrorismo superior a 1200 pessoas, saber-se que os seus antigos ocupantes se encontrarem sobre controlo IN, na área de Incala [, será a mesma, a da região de Bedanda ?, se sim, ficava claramente  fora do sector L1...], e desejarem para ali voltar"

Sobre o alegado massacre de Samba Silate, em 1963, só temos o testemunho de Alberto Nascimento (ex-sold condutor auto, CCAÇ 84, que esteve no CTIG entre 6/4/61 e 9/4/63, tendo o seu pelotão estado em Bambadinca justamente na altura em que foi preso o padre Grillo, entre Novembro de 1962 e 7 ou 8 de Abril de 1963, Bambadinca, às ordens de Bafatá)., e conversas minhas com alguns soldados da CCAÇ 12, entre eles o Abibo Jau, que seria fuzilado pelo PAIGC em 1975, juntamente com o Cap Comando Graduado Jamanca (e que já reproduzi na I Série do Blogue).

Recorde-se o que o Alberto Nascimento (que era um simples soldado condutor auto) escreveu:

(...) Sem conseguir precisar o mês,  um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca  [,  sabemos agora que foi em 23 de Fevereiro de 1963],  para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana [, ou melhor, missionário do PIME,] acusado - não sabíamos se por denúncia se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate.

Este episódio motivou a intervenção militar do Comando de Bafatá (****) com uma força equipada com as já na altura obsoletas auto-metralhadoras e lança-chamas. Essa força foi reforçada em Bambadinca com grande parte dos efectivos aí destacados [ , um pelotão da CCAÇ 84, pelo mneos,] e seguiu para Samba Silate.

Contar com pormenor o que se passou no decorrer da operação é impossível, já que fui colocado num posto de onde só podia abarcar uma pequena parte da povoação, que ocupava uma área enorme, mas o constante matraquear das auto-metralhadoras e G3 deixavam antever um morticínio.

Quando a meio da tarde o Comando deu por terminada a operação é que fui, pelo caminho, vendo a destruição provocada pelos lança-chamas, auto-metralhadoras e G3. Samba Silate estava, na sua maior parte, destruída. Num largo da povoação estavam concentrados um grande número de prisioneiros, um dos quais, talvez movido pelo desespero e terror, intentou a fuga, tendo sido abatido. Os outros foram divididos entre Bafatá e Bambadinca, de onde poucos ou nenhuns saíram.

Poindom foi o outro alvo de uma operação militar de Bafatá e Bambadinca, com o apoio da força aérea. O avanço militar terrestre fez-se pela bolanha enquanto os aviões despejavam bombas e rockets sobre a povoação e a mata que a antecedia, para anular eventuais grupos de elementos do PAIGC que poderiam impedir o avanço terrestre. Um dos aviões sobrevoava o rio [Corubal], metralhando tudo o que tentasse a travessia.

Quando consideraram que a mata estava "limpa", avançámos para a povoação que estava quase totalmente arrasada, sendo visíveis muitos corpos sob os escombros das palhotas. No interior de uma delas que ficou de pé, encontrámos um grupo de homens aterrorizados: já não me lembro se os fizemos prisioneiros ou deixámos ficar a chorar os mortos. Desta operação guardo bastantes recordações, quase todas na mente, apenas uma física, uma colher de madeira que encontrei no chão. (...)

(****) Unidades que estão em Bafatá na altura dos acontecimentos: de Samba Silate

(i) Talvez a CCAÇ 90... Mobilizada pelo R1 7, partiu para a Guiné em 2774/1961 e regressou a 12/4/1963. Esteve em Bafatá. Comandante Cap Inf Manuel Domingues Duarte Bispo, e Cap Mil Inf João Henriques de Almeida.

(II) Seguramente o BCAÇ 238. Mobilizado pelo BCAL 8, partiu em 28/6/1961 e regressou em 24/7/1963. Esteve em Bafatá. Comandante: Maj Inf José Augutso de Sá Cardoso; Ten Cor Inf Luís do Nascimento Matos.

(iii) Seguramente o EREC 385. Mobilizado pelo RC 8. Partiu a 27/7/1962. Regressou a 23/7/1964. Esteve em Bafatá. Comandante: Cap Cav José Olímpio Cajda da Costa Gomes.