segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5782: José Corceiro na CCAÇ 5 (3): A primeira saída para o mato (2ª parte)


1. O nosso Camarada José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71), enviou-nos em 4 de Fevereiro de 2010, a 2ª parte das suas memórias da primeira saída para o mato, complementando assim a narração iniciada no poste P5745:
Camaradas,

É com agrado e estima que a vós me dirijo, com esta narrativa da “Primeira Saída Para o Mato, 2ª Parte”.

A todos os tertulianos, ou visitantes do “Blogue”, que se dão ao trabalho de ler este artigo, que o leiam com o espírito de quando, como nós, tinham 21 anos, se for possível.

Era a idade que eu tinha quando escrevi o substrato que deu origem a este relato, ao qual retirei algum colorido, ainda um miúdo (repito, com 21 anos), mas muito responsável, curioso e analítico, que amava valores muito distintos dos imbróglios belicistas.

Sentia que me estavam a mortificar e a ceifar os meus sonhos exequíveis, assistia ao desmoronar dos projectos que ordenadamente tinha idealizado e estava a construir, sentindo-me impotente para travar tamanha injustiça.

PRIMEIRA SAÍDA PARA O MATO - 2ª PARTE

Com tudo isto, ainda não disse nada na 1ª parte da minha primeira experiência de mato. Pois é, um belo dia devia ter saído às 07.00h para o mato, estava pronto a essa hora, mas não saí. Eu que estava impaciente de desejo e com ansiedade incontida, para vestir o meu camuflado novinho e descorá-lo no mato, para não me chamarem periquito e ficar todo catita. Não tive essa gratificação nesse dia. A “desculpa” que recebi (informação de caserna), foi que os padeiros se esqueceram de fazer o pão, para entregar com as rações de combate.

Mas, a excitação foi efémera, às 12.00h, o meu Furriel Martins, disse-me:
- Às 14.00h vai sair para o mato, pode ir levantar as rações de combate.

Toda a euforia da manhã, se desvaneceu, e às 14.00h, lá estava eu todo boneco, com camuflado sem mácula e sem engelhamentos, embaraçado, pois parecia ser a primeira vez doutros tempos, com postura algo estranha, que mais parecia estar com descoordenação de movimentos, as mãos desajeitadas e constrangidas, não comportavam tanta coisa como eu tinha para levar.

Era a sacola com coisas diversas (até ligadura de gaze hidrófila eu levava), a G3 que nem sabia ainda aconchegar, cartucheiras, cinturão, carregadores de munições, cantil da água, oleado para dormir, rede mosquiteira, rações de combate tipo E e a máquina fotográfica (a minha Olimpus Pen FT que levara da Metrópole), que ainda hoje guardo religiosamente. Tenho também uma Canon (que comprei na Guiné) e a minha inseparável agenda, para os registos de memorização imediata.

A máquina e a agenda eram as grandes prioridades e preocupação para mim, pois temia que a chuva as danificasse, embora estivessem protegidas com plásticos. Envolta em plástico ia também a folha A 4 (chave de autenticações), para validar comunicações de transmissões das diversas entidades e unidades envolvidas na operação.

Às 14.00h, ouvi o som do baquetear do “gongo”, o que achei estranho, pois julguei que fosse começar um filme. O “gongo” estava montado num tronco de palmeira espetado no chão, colocado junto à porta que fazia a ligação entre o aquartelamento e a Tabanca. Nada mais era do que um bidão cilíndrico, ao qual se extraiu uma das bases e que estava enfiado no topo de um tronco, que, por sua vez, estava espetado no chão. O som resultava de marteladas com uma baqueta, improvisada de um tubo metálico, no dito bidão.

Para mim tudo isto era inovação, pois não conhecia os sinais de chamamento, que se estavam a fazer ouvir: Booom, booom, booom, booom, booom, booom… intervalo… booom… intervalo… booom, booom… intervalo… booom, booom, booom… silêncio. Estas pancadas eram o código para chamar os 1º, 2º e 3º pelotões.

Não passaram dois minutos e já todos os militares que sabiam descodificar o sinal, acorreram apressados e desembaraçados, com os apetrechos necessários para cumprir a missão que lhes estava destinada. Vieram da Tabanca todos briosos, com aprumo e à vontade, e formaram, cada grupo no seu lugar, para os seus superiores os poderem contar. Depois foi dada a voz para as saltarem para as viaturas, e, logo de seguida, arrancamos.

Lá estava eu pronto, seguindo a orientação do Carvalho, tomei lugar na viatura de transmissões, que tinha um rádio instalado e na qual ia o Rogério.

As viaturas partiram intervaladas, na cabeça da coluna ia o capitão e em terceiro lugar ia a de transmissões, rumo a Oeste (para o lado da pista aérea).

Progredimos pelo meio da floresta (para mim tudo era flora estranha), com o terreno plano e o arvoredo frondoso que ladeava os trilhos e que existiam graças à “teimosia” dos pneus das viaturas. Embrenhamo-nos no matagal não mais de 5km. Junto a uma clareira as viaturas pararam e o nosso capitão, que como disse ia na frente, deu ordem para o pessoal se apear e tudo em uníssono saltou para o chão. Os transportes regressaram ao aquartelamento com a guarnição de segurança.

Os que íamos para a operação ordenamo-nos céleres, em fila espaçados uns dos outros, e começamos a avançar (três pelotões e os carregadores civis, pelas minhas contas seria uma centena de homens). Convenci-me, pelo que vi, que cada elemento sabia antecipadamente o lugar que devia ocupar e evidenciou-se tudo muito bem organizado e disciplinado. Começamos a caminhar no terreno, inflectindo para o lado esquerdo, obliquamente. O pessoal de transmissões ocupava as posições, entre o 10º e o 15º lugar da fila, juntamente com pessoal de enfermagem, que seguia atrás do Capitão. Á frente, abria caminho, um grupo constituído por 5 ou 6 militares, “comandos ou guarda-costas” do Capitão (todos eles nativos, com muita bravura, completo destemor, desembaraço na condução e todos eles usando lenços pretos de cetim ao pescoço).

Quando nos apeamos fiquei agradecido, por um lado, mas apreensivo e surpreendido, por outro (é a lei das ambiguidades, ninguém está contente com aquilo que tem, só desejamos uma coisa enquanto a não alcançamos), ao constatar, que haviam dois carregadores para transportar os aparelhos de transmissões, que mais não eram que dois rapazes (pela fisionomia aparentavam ter uns 14 ou 15 anos de idade) e, por isso, ainda crianças para andarem nestas lidas.

Quis dialogar com eles, para lhes agradecer o esforço, não sei se me entenderam, ou não? Haviam as evidentes dificuldade linguísticas, mas eu percebi, por meias palavras, que faziam aquele trabalho praticamente a troco de alimentação (gente humilde e sem rebeldias). Fiquei muito reconhecido, porque me deram a sua amizade e solidariedade. Sempre que me viam na Tabanca, vinham ter comigo, para me falar e dialogar. Foram-me muito prestáveis, enquanto estive na Guiné, logo que soubessem, que havia algum mimo na Tabanca, para vender (cachos de bananas, papaia, ananás, leite, galinha de mato ou doméstica, gazela ou javali) vinham-me comunicar. Esta preocupação deles nunca a consegui pagar.

Progredimos entranhados no mato, como disse num terreno plano, de quando em vez serpenteado de arvoredo cerrado e, a certa altura, atravessamos uma picada no sentido de Poente para Nascente, que tinha a orientação de Norte para Sul, disseram-me que ligava Canjadude ao Cheche.

Logo mais à frente, deparamo-nos com uma clareira, que intui, pelos indícios, que fosse em tempos uma Tabanca habitada, pois havia árvores de fruto, confirmei que era Fariná. Após termos caminhado, três horas, três e meia, chegamos a Fariná, onde o pessoal se instalou, formando um círculo, de segurança, em todo o perímetro da clareira.

Estávamos em Fariná e íamos ficar por aqui, pois o anoitecer não demoraria muito a chegar. O Sol declinava aceleradamente, querendo beijar com sofreguidão lasciva a linha do, aparentemente, não longínquo horizonte. Avizinhava-se o luar, que prometia serenidade e o firmamento apresentava um azul lívido estrelado, que eram sinais de prenúncio maus conselheiros para os amantes alucinados, que libertavam as suas musas inspiradoras e lhes
fertilizava a imaginação e os projectava do telúrico para o espacial.


Aqui chegados montamos arraiais para passar a noite e eu comer a minha primeira ração de combate no mato. O pessoal de transmissões, assim como o pessoal de saúde, onde se incluía o sargento enfermeiro, ficou muito próximo do Capitão Pacífico dos Reis, que pernoitou numa parte mais central rodeado de 4 ou 5 comandos. À ordem do Capitão, foi enviada mensagem para Canjadude, a dizer que estava tudo OK e que estávamos no ponto Delta.

Foi a minha primeira experiência de transmissões em operação, orientado pelo Silva com a supervisão do Carvalho. Montar antena de árvore a árvore, ligar equipamento, enviar a mensagem e retirar a antena.

Começou na Guiné para mim a missão deslocada, no espaço e no tempo, que à luz da minha razão, nunca compreendi. Como foi possível deixar arrastar os acontecimentos, até à via da irresolução (sem possibilidades de solução com dignidade), quando tinha havido tanta fonte histórica, para beber conhecimento e colher experiência, que poderiam ter servido de mote, inspiração, modelo e exemplo, para dar rumo diferente, de forma que trouxessem benefício a todos, colonizadores e colonizados, evitando a questão da problemática guerra do Ultramar.

Ainda que diferente, tínhamos mais um suporte, a lembrança do sucedido com o Brasil. Ou será que a teimosia da Guerra do Ultramar, foi uma inconsciência adormecida, ou uma dificultação birrenta para compensar o “facilitismo” concedido ao Brasil!?

Em Fariná andei, observei, acampei, dormi acordado, sonhei, imaginei e desejei, que a paz chegasse para todos fazer felizes e calmos. Emocionado não chorei, para não magoar os meus restantes Camaradas.

Dormi a minha primeira noite no mato em operações, de 14 para 15 (sábado para domingo) de Junho de 1969. Não me lembro do nome da operação…

Dia 15 de Junho de 1969, por volta das 06.00h ao lusco-fusco, quando surgiam os primeiros raios matinais de claridade, espairecendo e espreguiçando-se com raios der lassidão e envergonhados, já o pessoal estava todo activo. Numa mão a lata de leite achocolatado e, na outra, uma ”nacada” de pão com cheirinho a manteiga e triângulo de queijo flamengo.

Isto, pensava eu:
- Para matar as saudades de quem está lá longe, que bem poderá estar a observar a mesma estrela que eu via ali, nesse momento, e para que os meus desejos se fundissem telepaticamente, com os de alguém, e nos pudéssemos acarinhar deliciosamente, com enlevo e volúpia (um ao outro).

O naco do pão, serviu também para minimizar as amarguras e a dureza da vida, a crespidão e aspereza da cama, que não me deixou dormir, nem revigorar e descansar, nem sonhar, aqueles que bem poderiam ter sido sonhos libidinosos, para me confortar, deleitar e extasiar. Quiçá tais fantasias imaginativas de quem não conseguiu pregar olho, naquela noite, e viveu desejos lúdicos, que, obviamente, não conseguiu materializar.

Horas passadas em “branco”, ouvindo o sibilar da brisa húmida e refrescante, a afagar e a agitar o denso e desmaiado capim, que, ao ser apanhado e tocado, se torna crepitante exalando um odor muito diferente do cativante jasmim, só porque a água lhe falta e não estava vicejante, por aqui tão abundante.

O tempo urgia e não podíamos parar, eram 06.15h e o nosso comandante deu a ordem:
- Vamos avançar!
Ainda deu, para eu, num relance instantâneo, poder dar uma última olhadela e a minha retina registar, para poder melhor memorizar em todo o meu existir, aquele arejado e puro lugar, dizendo-lhe adeus e, talvez, um até nunca mais aqui voltar.

Em Fariná, tive o mais grato prazer porque me deu gozo ver, tocar e sentir, o perfume e o sabor acre de uma laranjeira, com os seus frutos esféricos e esverdeados ainda por amadurecer. Timidamente arranquei um dos seus frutos de aparência adocicado, apalpei a sua casca e rasguei-a, mas fiquei desolado e desconsolado quando provei um dos seus gomos!

Com a mesma disciplina e organização do dia anterior, progredimos em caminhada, segundo a minha percepção de orientação, para Sul, ora mais “enselvados” ora mais “encapinhados”. Entramos numa zona onde o capim era crescido e seco, formando uma flora muito uniforme, excluindo uma ou outra palmeira. O terreno começava a ser mais irregular, acidentado, com elevações, e, a determinada altura, surgiu como que uma montanha (não muito elevada).

Neste ponto, deu-se a separação do grupo, ficando um pelotão emboscado no morro a dar protecção à retaguarda e outro grupo que avançou. O Silva ficou a assegurar o serviço de transmissões e eu continuei, com o Carvalho, em direcção ao Cheche.

Mais à frente, depois de termos passado uns ribeiros, que deviam ser afluentes do Corubal e em cujas margens se via uma flora encantadora e viçosa, quais nichos ecológicos e fulgurantes, que deviam a sua exuberância, ao efeito benéfico dos regueiros de água que corriam debilmente nos seus leitos sinuosos. Mais o meu ego ficou grato, por terem os meus olhos sido prendados com tão deslumbrante e apavorante visão, dum jacaré aninhado (que outros diziam ser crocodilo).

Continuamos a avançar e eis que perante nossos olhos receosos, vislumbramos o tão falado rio Corubal. Caminhamos cerca de meia-hora, não muito longe da margem do rio e quase paralelo a este, atalhando os seus contornos, e, finalmente, chegamos ao prometido, enigmático e fantasmagórico Cheche, com o rio Corubal a nossos pés.

O rio caudaloso, tranquilo e imponente, apresentava-se sem complexos de culpa alguma do terrível e nefasto drama que ali ocorrera, pois as suas águas mais pareciam estagnadas a dizer que não estavam envergonhadas de nada, do que delas se dizia e que a ninguém intimidavam, estando prostradas em sinal de paz, sossego e aconchego, com todo o pudor.

Segundo os meus cálculos, a largura do rio, da margem direita onde estava até à outra margem, devia rondar pouco mais de 100m (tendo como referência o campo de futebol) e sabendo eu que o erro de paralaxe, numa superfície plana sobre água, tem outra variável de engano.

No Cheche, onde muito meditei, estive a ver e analisar o rio Corubal de águas que se diziam serem turvas, escabrosas e traiçoeiras, e que, a mim, se mostraram serenas, tranquilas, fiéis, silenciosas e calmas. Ali parei com muita dignidade, respeito e rezando em memória daqueles que dali partiram, e a Deus.

Pelos falecidos orei com fervor e dor, viajando pelo etéreo onde o meu pensamento se diluía, criando imagens do que em tempos por ali acontecera e partindo do pouco que sabia sobre o apocalíptico drama, tentei construir e consolidar os meus pensamentos, no meu infindável desejo de sempre mais saber e aprender em busca da verdade, para homogeneizar as minhas ideias e o meu criterioso juízo de obedecer a determinadas ordens.

Não comungo a opinião, dos que querendo culpar do acontecido a Natureza, declinam a responsabilidade do ser humano, no qual a culpa está com toda a certeza…

Foi com muita ingenuidade e devoção, que a todos lembrei que aqui pereceram, enviando-lhes a minha mensagem de oração e saudação, pedindo-lhes desculpa e perdão, por aqueles que na hora derradeira, nada por eles fizeram por se terem sentido impotentes.

A todas as vítimas dedico a minha nostalgia e delas me despeço com imensa gratidão, pois no meu íntimo serão lembrados sempre com glorificação.

É necessário atender ao meu estado de espírito, em que eu na época me encontrava, pois tinha tombado em combate em Fevereiro desse ano um tio meu, com 22 anos, e ainda não tinha sido realizado o seu funeral.

Com cautelas redobradas o grupo abraçou toda a área circundante do outrora Cheche, com honras de aquartelamento já abandonado. Reflexo da conversa há duas noites atrás, tive desejo de entrar no Cheche.

Curiosidades dum periquito, para encontrar alguns vestígios de presença humana, como que para auto-afirmação, teste e confirmação, de que o lugar tinha sido em tempos habitado.

Foram porém outros camaradas, os determinados para a missão a executar, eu fiquei à distância de 200 ou 300 metros, tendo-me sido dado observar que algo se ia minar, ou armadilhar, ou verificar o anteriormente “ardilado”.

Estivemos por ali, cerca de meia hora. Eu interrogava-me se não seria fácil um ataque, naqueles momentos, vindo da outra margem, onde a mata era muito cerrada!

Abandonamos o Cheche no sentido paralelo à picada, que ligava a Canjadude e caminhamos ao encontro do pelotão, que tinha ficado emboscado na montanha, que entretanto já tinha recebido comunicação, para se deslocar para sítio determinado.

Encontrámo-nos novamente e acampamos, onde eu comi a minha 2ª ração de combate no mato, algures entre Canjadude e Cheche. Entrámos em contacto com a base e pediram-se viaturas, para local e horas combinados.

Após estarmos acampados cerca de uma hora, encetamos novamente a caminhada com rumo a Norte, direcção a Canjadude, através de um tipo de paisagem praticamente idêntico, caracterizado pela planura no terreno.

Era desolador constatar o abandono a que aqueles terrenos, que me pareceram ser férteis, estavam há anos sem serem aproveitados.

Chegamos ao sítio previamente definido e tivemos que aguardar, pela vinda das viaturas, cerca de meia hora. Tudo foi feito com muito calculismo, mesmo nesta espera, só se notou descompressão (não descontracção ou laxismo), organizado com todo o rigor, o que me inspirou confiança e segurança.

Quando as viaturas aportaram, o pessoal ordeiramente ocupou os seus lugares nas viaturas, um pouco amontoados, cada um ciente das tarefas que lhe competiam e para a qual estava incumbido.

Atendendo aos meios disponíveis, em função do número de elementos envolvidos na operação, não se tomaram, de forma alguma, todas as condições ideais de segurança.

No entanto, pesando prós e contras, comecei a sentir uma ténue réstia de orgulho e esperança, por começar a ser um elemento deste grupo: OS GATOS PRETOS.

Chegámos a Canjadude ao fim da tarde e eu sentia que tinha desempenhado as minhas funções como me competia. Comecei a sentir que se estava a esvair a tibieza da minha primeira ida para o mato e exultei de alegria interior.

Depois desta operação, dezenas vieram, ou… centenas?

FOTO 1: O “Gongo”, vendo-se no chão, junto à base do tronco, a baqueta para o martelar. Em primeiro plano está o militar que tocou o “Gongo” nesse dia.

FOTO 2: Eu, todo equipado e pronto para partir para a aventura da 1ª operação no mato. Em 2º plano vê-se o Figueiredo.
FOTO 3: Eu, prestes a apear da viatura, tendo por trás, de costas, o Rogério. De frente, a olhar para a objectiva está o Marques (condutor e mecânico), muito competente (do velho fazia novo). Do lado direito está um maqueiro.


FOTO 4: Os dois jovens carregadores que transportaram o material de transmissões (foto tirada na Tabanca após a operação).

FOTO 5: Eu e o Silva, em Fariná, a enviar uma mensagem para Canjadude.

FOTO 6: A tabela elaborada mensalmente, por Entidade de Comando competente, que era distribuída às respectivas unidades do Território, via mensagem. Servia para validar mensagens de transmissões, pedindo às respectivas Entidades ou Unidades envolvidas, em teatros de acção, com os respectivos apelidos, a senha correspondente. A tabela tinha duração, mais ou menos mensal, sendo a validade das chaves semanal, ou quinzenal. O grau de segurança era, no mínimo, confidencial.

FOTO 7: Fariná, como eu o vi na despedida.

FOTO 8: O Rio Corobal uns 200 ou 300 metros a montante do Cheche. A margem à vista, pertencente à zona de Medina do Boé.

FOTO 9: O Rio Corubal visto de local próximo da foto anterior (com zoom diferente), notando-se as águas tranquilas, sem corrente, parecendo ter um açude a jusante, apresentando uma ténue ondulação.

FOTO 10: Regresso das viaturas a Canjadude. A picada é a que liga Canjadude ao Cheche e podemos ver os dois carregadores civis com o nosso equipamento à cabeça.


FOTO 11: Eu, com felicidade radiante e sorriso efusivo, depois do regresso da operação e já em Canjadude.
A todos, os tertulianos, o meu apreço, com um abraço e muita saúde para todos.

José Corceiro
1º Cabo Trms da CCaç 5

Fotos: © José Corceiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5781: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (6): Rondas e sentido de solidariedade na 643

1. Mais umas notas soltas da CART 643, enviadas por Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem com data de 2 de Fevereiro de 2010:


RONDAS À VOLTA DE BISSORÃ EM MEADOS DE 1964

Como todos os ex-combatentes sabem, as rondas eram serviços com algum perigo, senão vejamos:

Na Cart643 saía um jeep com o condutor, normalmente um Furriel Miliciano e duas Praças, sentados no banco trazeiro e que era virado para fora. A volta era um pouco complicada porque Bissorã era cruzada por diversas estradas, assim descriminadas:

Partindo do Largo dos Correios, que era paredes meias com o chamado Quartel, saía a estrada para Mansôa com muitas moranças com uma extensão considerável.
Para Mansabá, estrada que na altura não tinha circulação, mas continha também muitas moranças.
Para o Olossato, que pelo menos tinhamos de rondar até ao "campo de aviação", que ficava talvez entre 2 a 3km, também com moranças nos dois lados da estrada.
Havia ainda a estrada para Encheia ou a chamada outra banda, e outra para Norte em direcção a Barro.

Além destas estradas um pouco difíceis, havia a ronda à Central Eléctrica que tinha uma torre com 2 homens, a Agro-Pecuária com sentinelas nativas, algumas residências de funcionários civis e comerciantes, como a Casa Gouveia, Barbosa & Comandita, Casa Alves, Casa Gardete, alguns libanêses como Michel Ajouz, Miguel Heni, etc. e também cabo-verdianos, funcionários dessas casas.

Não era tarefa fácil e isenta deperigo, as rondas foram diversas vezes apanhadas entre dois fogos, do IN e de quem defendia, visto Bissorã, pelo que descrevi, ser uma povoação complicada na sua defesa.

Estrada de Mansoa/Bissorã

Na Cart 643 havia um espírito de confiança muito elevado, não existiam muitas Companhias em que o pessoal fosse tão unido. Posso contar que quando o nosso 1.º Cabo Antonio Melo morreu em combate, no dia 16 de Agosto de 1964, não havia urna e o local indicado para o funeral era Bissorã. Houve mobilização geral, o Soldado Pinheiro construiu a urna e todos nós trouxemos o nosso querido camarada até ao cemitério de Bissau. A Cart643 ultrapassou todas as dificuldades, até do nosso Comando, fizemos a nossa obrigação com muita mágoa.

O espirito de solidariedade era enorme. Uma noite o Capitão Ricardo Silveira vei-nos dizer que tinha de estar no outro dia de manhã em Bissau, porque tinha de embarcar para Lisboa e naquela noite teria de estar em Mansôa. Como e quem iria fazer esse serviço, pois precisava de voluntários? Rápidamente aprontou-se um jeep, eu no volante e 2 homens atrás, entre eles o 1.º Cabo Carlos Alberto, e lá fomos depressa num pé e voltámos no outro.

Rogério Cardoso
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5718: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (5): Um Guerreiro desdentado

Guiné 63/74 - P5780: Agradecimento pelos votos recebidos em dia de aniversário (Fernando Franco)

1. Mensagem de Fernando Franco, (ex-1.º Cabo Caixeiro do PINT 9288, Guiné, 1973/74), com data de 7 de Fevereiro de 2010:

Amigo Vinhal.
Venho pedir que publiques no nosso blogue estas linhas de agradecimento a todos os nossos camaradas, que se lembraram de mim no dia do meu aniversário*.

Aproveito para informar que apesar de andar a substituir peças do meu motor e mandar algumas fora, nesse dia não deixei de regar uma bela pá de porco assada, com umas belas cervejinhas de que tanta saudade já tinha.

Admito que foi um crime pois uma vinhaça calhava melhor, mas como sabem aqueles que me conhecem, nunca fui admirador de vinho seja ele qual fôr.
De todas as formas o almoço foi bem regado e neste dia lembro-me sempre do jantar que tive com alguns camaradas meus no restaurante PELICANO em Bissau, que saudades...

Amigos só vos posso dizer que foi uma daquelas bubas colectivas de ficar na memória, de tal forma que quando entramos no BIG lá para as 2 da manhã, acordámos a caserna inteira para o resto da comemoração.

As consequências disso foram de tal forma, que no dia seguinte fui chamado ao Conselho de Justiça, pois dois camaradas meus pegaram no carro que era pertença de um sargento nosso e espatifaram-no contra um muro. Agora deixo ao vosso pensamento o que se passou naquela noite memorável.

O meu comandante de pelotão João Lourenço e o enfermeiro Baia devem-se lembrar disso, pois essa noite deu muito que falar, ainda um dia escreverei sobre esse assunto.

Amigos e camaradas a todos um muito obrigado pela vossa lembrança.

Um grande abraço
Fernando Franco
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Nota de CV:

Vd. poste de 6 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5771: Parabéns a você (75): Fernando Franco, ex-1.º Cabo do Pel Int 9288, Guiné 1973/74 (Editores)

Guiné 63/74 - P5779: Ser solidário (54): Ajuda Humanitária à Guiné 2010 (Carlos Silva)


1. O nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, enviou-nos com data de 5 de Fevereiro de 2010, notícias da próxima acção da Ajuda Humanitária à Guiné:


Ajuda Humanitária à Guiné 2010

Amigos e Camaradas,

Acompanhem a par e passo a Ajuda Humanitária à Guiné pela nossa Associação Ajuda Amiga cujo contentor de donativos irá partir do Porto de Setúbal a 22-02-2010 e uma equipa de dirigentes da Associação partirá de avião em 2-3-2010 por sua conta, tendo em vista o acompanhamento da distribuição dos bens.

Se quiserem acompanhar-nos é só comunicar para:
carsilva.advogado@sapo.pt, ou pelo telemóvel: 966 651 820

Basta clicar no link e nos sombreados que virem:
http://carlosilva-guine.com/

Podem ver também o Site oficial da Ajuda Amiga:
http://ajudaamiga.com.sapo.pt/

Com um abraço amigo
Carlos Silva
Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879
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Nota de M.R.:

Vd. primeiro poste desta série em:

31 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5734: Ser solidário (53): Que muitas Runas se levantem (José Martins)

Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

Guiné > Zona Leste > Região do Boé > Cheche > 6 de Fevereiro de 1969 > A jangada, de reserva, com sobreviventes da tragédia de Cheche, no Rio Corubal, na retirada de Madina do Boé (*)

Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados

Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > CCAÇ 2405 > 1969 > Dulombi > Na messe, os alferes milicianos Raposo (à direita) e Rijo (à esquerda); de costas, os furriéis milicianos Cândido e Magno. Os Alf Mil Paulo Raposo e Jorge Rijo estavam, em Cheche, no dia de 6 de Fevereiro de 1969.

Foto: © Paulo Raposo (1997). Direitos reservados

Jantar a bordo do Uíge, a caminho da Guiné > Finais de Julho/princípios de Agosto de 1968 > Os quatros alferes milicianos da CCAÇ 2405: David e Raposo, do lado esquerdo; Felício e Rijo, do lado direito.

Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados


 Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2405 (1968/70) > Embora pertencente ao BCAÇ 2852 - cujo comando e CCS estavam sedeados em Bambadinca -, a CCAÇ 2405 não teve grandes contactos com o pessoal da CCAÇ 12 (a quem eu pertenci: Contuboel e Bambadinca,Maio de 1969/Março de 1971).  Daí que só no I Encontro Nacional do nosso blogue, na Ameira, Montemor-O-Novo (organizado pelo Paulo Raposo e pelo Carlos Marques dos Santos), em 14 de Outubro de 2006, é que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente o Rui Felício, a par de outros dois baixinhos de Dulombi, o Paulo Raposo e o Vitor David.

Esta foto do Rui, sentado num abrigo - em princípio, de uma  tabancas em autodefesa do sector L5, em 1969 - , foi-nos enviada pelo Victor David, seu camarada, outro alferes da companhia e nosso tertuliano, que também terá servido de fotógrafo de ocasião, segundo presumo. Não tenho informações precisas sobre a data nem o local. (LG)

Foto: © Victor David (2006). Direitos reservados. 


1. Reprodução do poste, da I Série, de 12 Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

Texto do Rui Felício (ex-Alf Mil da CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70) (**). (Vd. poste anterior desta série  Efemérides ***.).

1. Comentário a propósito do post escrito pelo camarada José Martins sobre o desastre na travessia do Rio Corubal em 6 de Fevereiro de 1969 (1)

Preâmbulo

Acabei de ler um texto escrito pelo camarada José Martins onde relata a sua experiência na zona de Madina do Boé.

Embora tenha reconhecido que não assistiu directamente ao que se passou no célebre e lamentável desastre do Cheche, ocorrido no fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969, o José Martins conheceu bem o local e a região e desenvolveu a sua descrição socorrendo-se de relatos e documentos alusivos ao sucedido.

E nota-se pelo seu relato que sofreu muito, e que ainda hoje sente as marcas do desastre, passados 37 anos sobre a sua ocorrência.

Ninguém, bem formado e sensível, poderia nunca, de resto, ficar indiferente a semelhante tragédia, ainda que, como o narrador José Martins, não tenha dela sido testemunha ocular.

Imagine-se então a ferida profunda que aquele desastre deixou a quem, como eu e muitos outros, foi não só testemunha ocular mas também, e principalmente, interveniente e vítima do colapso da artesanal jangada que servia de transporte aos militares e equipamentos que participaram na complexa, perigosa e cansativa operação de resgate da Companhia de Caçadores que se evacuou do célebre aquartelamento de Madina do Boé.

Desastre onde pereceram, segundo as estatísticas oficiais, 47 militares, onze dos quais, do pelotão que eu comandava… Permito-me destacar dois deles pelas relações especiais de amizade e de confiança que neles depositava, sem esquecer obviamente a dor causada pela morte de todos os outros:

(i) um, o furriel Gregório Rebelo, açoriano de sotaque cerrado e quase ininteligível que assumia as funções, embora não protocolares, de meu substituto em todas as circunstâncias, no comando do pelotão, e que mantinha a orgânica disciplinar e operacional da pequena unidade militar;

(ii) o outro, o soldado Octávio Barreira, transmontano de gema, homem rude, de uma só palavra, de têmpera sã, de antes quebrar que torcer, mas capaz de morrer para salvar a vida do seu amigo, e a quem eu atribuira as funções, também não protocolares, de meu guarda-costas.

Quem passou pela guerra colonial sabe que a escolha do guarda-costas recaía invariavelmente no soldado em que o alferes depositava maior confiança e amizade.

Aliás, como também é sabido, a designação de guarda-costas não tem a mínima conotação com a ideia que na vida civil se faz de alguém com este titulo ou funções. O guarda-costas era, acima de tudo, o soldado às ordens, o confidente, o amigo…. E muito menos, ou quase nada, o protector da integridade fisica do alferes, ao contrário do que se possa pensar.

A perda destes treze homens, que recordo com saudade e dor, sempre que a memória da Guiné me vem à lambrança, e que ajudei a formar para a guerra, em Abrantes e Santa Margarida, após oito meses de convivência próxima nas diversas tabancas onde o pelotão esteve destacado, foi um choque tremendo, inolvidável, cuja lembrança ainda hoje me faz arrepiar a alma e assomar as lágrimas.

Sobre o desastre do Corubal

Feito o preâmbulo, entro de imediato no motivo que me levou a servir-me do espaço disponibilizado pelo camarada Luis Graça a quem, sem o conhecer pessoalmente [, conhecemo-nos deopois no nosso I Encontro Nacionala, na Ameira], desde já transmito o meu aplauso pela feliz e dinâmica iniciativa da criação deste blogue.

É que é importante que seja a nossa geração, aquela que interveio, por obrigação ou por convicção ou por ambas as coisas, na guerra da Guiné, que tem que dar testemunho o mais exacto possível daquilo que por lá se passou.

Se assim não fôr, corremos o risco de a história ser deturpada, porque feita com base em documentos ou relatos nem sempre seguros, nem sempre fiéis… É por isso que, correndo o risco de desencadear alguma polémica, que não pretendo, achei que devia esclarecer alguns pontos do relato feito pelo José Martins a que atrás aludi.

Deduz-se daquele relato, publicado no blogue, que o desastre teria acontecido essencialmente devido a três factores:

(i) Os militares descomprimiram e tentaram encher os cantis com água do rio, o que terá provocado, depreende-se, o desiquilíbrio da estabilidade da jangada;

(ii) Teria sido ouvido um som abafado, semelhante a uma morteirada, que teria provocado agitação entre os militares e, em consequência, desiquilibrado a jangada;

(iii) Que, após o acidente, a água do Rio Corubal terá tomado um tom avermelhado, querendo com isso dizer-se que os crocodilos que habitavam as águas do rio, teriam consumado a morte dos militares que cairam à água.

A versão dos acontecimentos, veiculada pelo José Martins, assenta, como já se disse, em relatos e documentos sobre os factos, dado que este camarada, como ele próprio confirma, não assistiu ao que se passou. Mas, não obstante a presumível credibilidade das fontes a que recorreu, posso garantir que não foi exactamente assim que as coisas se passaram.

E digo isto com a mais profunda convicção e a mais inabalável certeza de alguém que estava na jangada, caiu à água, nadou durante uns cinco minutos e a ela retornou após a mesma se ter de novo equilibrado.

São factos que não se apagarão jamais da minha memória, por mais anos que viva, e apesar de não estar de posse de documentos que os comprovem...


2. O fime da SIC sobre o desastre do Rio Corubal

O mais curioso é que no filme, da autoria de José Saraiva, realizado por Manuel Tomás, que foi visto há uns anos atrás, por muitos milhares de portugueses através da sua transmissão pela SIC e pela distribuição de um vídeo feita na mesma altura pelo Diário de Notícias, são apresentadas aquelas mesmas razões como causas imediatas do desastre.

Já nessa altura contestei as conclusões do filme, e fi-lo por escrito e em reunião pessoal com o Director de Informação da SIC, Dr. Alcides Vieira, estando presente o realizador Manuel Tomás, que dirigiu a realização do filme.

Refiro que a carta entregue na SIC foi subscrita não só por mim mas por dezenas de ex-militares da CCAÇ 2405 que, por coincidência nessa mesma altura, no almoço de confraternização anual, a leram e assinaram.

A contestação dos factos descritos no filme foi feita nessa reunião na SIC, com a prévia concordância do Comandante da Operação, Brigadeiro Hélio Felgas, e estando presentes, além de mim próprio, o Capitão Miliciano José Miguel Novais Jerónimo e o Alferes Miliciano Paulo Enes Lage Raposo [ ambos da CCAÇ 2405].

E ela foi por nós solicitada à SIC em virtude do impacto que a exibição do filme teve nos ex-militares que a ele assistiram e que tinham estado presentes na jangada naquele dia do desastre. Com efeito, no próprio dia da exibição do filme comecei a receber telefonemas de antigos camaradas, um tanto decepcionados e alguns até revoltados, pela inexactidão dos pormenores que ali eram descritos.

Todos nós três, presentes na dita reunião, participámos na operação de evacuação de Madina do Boé, e todos estavamos presentes no local do acidente no Cheche naquele dia 6 de Fevereiro de 1969.

O Capitão Jerónimo, comandante da CCAÇ 2405, e eu próprio, estávamos na jangada no momento do acidente, onde se encontrava também o Alferes Miliciano Jorge Rijo, oficial da CCAÇ 2405, com o seu pelotão.

O Alferes Miliciano Paulo Raposo, também oficial da CCAÇ 2405, já tinha feito a travessia do rio na viagem anterior, e encontrava-se na margem norte do Corubal com o seu pelotão, observando a tragédia.

Na referida reunião da SIC, o realizador Manuel Tomás argumentou que o filme fora realizado com fundamento em entrevistas e em documentos oficiais militares a que tinha tido acesso, pelo que considerava o filme suficientemente documentado.

E disse que esses documentos atestavam as razões acima referidas, isto é, que a jangada se virou porque, no essencial, teria havido disparos de morteiro que, supostamente vindos do IN, teriam criado o pânico nos militares, os quais, ao agitarem-se, teriam provocado o desiquilíbrio da jangada.

Perante a irredutível posição da SIC em manter a versão veiculada pelo filme, nada mais nos restou do que desistirmos do pedido que lhe fizémos para que fosse proporcionado esclarecimento público sobre as conclusões desse filme.

Foi dito, nessa reunião, ao Dr. Alcides Vieira e ao Sr. Manuel Tomás,  que, por muito credíveis que pudessem parecer os documentos militares em que fundamentaram a versão filmada, nenhum deles jamais desmentiria ou apagaria da minha memória e dos meus camaradas o que realmente se passou.

Mais importante que os documentos preparados no silêncio dos gabinetes militares, sabe-se lá com que inconfessados motivos, era a indesmentível memória daqueles que tinham sido protagonistas e vítimas do desastre.

É com o mesmo espírito de esclarecimento da verdade dos factos que volto hoje ao assunto, desta vez no ambiente mais acolhedor de um blogue criado e gerido por alguém como o Luis Graça que, tendo estado na Guiné, sabe melhor que ninguém que não queremos honrarias, distinções ou protagonismo público.

Queremos tão só que a história seja o mais verdadeira e exacta possivel... Esse é o legado que queremos deixar aos vindouros, para que jamais seja ignorado o sacrificio de uma geração inteira, retirada à sua despreocupada juventude para fazer uma guerra em longínquas terras, em nome dos seus deveres e obrigações para com a sua Pátria.


3. A verdade do que sucedeu

Mas então, o que se passou realmente naquela manhã de 6 de Fevereiro [de 1969]?

A CCAÇ 2405, comandada pelo Cap Mil Inf Novais Jerónimo, integrava a coluna militar que tinha partido na manhã do dia anterior de Madina do Boé, rumo ao Cheche, e tinha como missão escoltar a Companhia de Caçadores [1790] evacuada daquele aquartelamento e que era comandada pelo Cap Inf Aparício (que, após o 25 de Abril, veio a assumir a função de Comandante Geral da PSP de Lisboa).

Ao fim desse dia a coluna chegou às imediações do rio Corubal, junto ao local de cambança para o Cheche. E durante toda a noite a jangada fez contínuas viagens transportando pessoal de apoio e, sobretudo, equipamentos militares e de transporte.

Ao amanhecer, as viagens de transporte entre as duas margens continuaram consecutivamente, até que chegou o momento em que na margem sul do rio Corubal já só restavam quatro grupos de combate, todos eles comandados pelos respectivos alferes, bem como os capitães Aparício e Novais Jerónimo. Além destes, encontrava-se o 2º Comandante da Operação [Mabecos Bravios], um major cujo nome já não recordo.

Segundo a rotina estabelecida e as instruções recebidas pelo responsável pela condução da travessia (Alf Mil Diniz), esperávamos na margem do rio que este responsável mandasse entrar metade do pessoal ainda ali estacionado, ou seja, dois dos quatro pelotões acima referidos.

É que a jangada, segundo bem explicou o alferes Diniz, tinha uma lotação de segurança de um máximo de 60 homens (2 pelotões). E o alferes Diniz assim fez, à semelhança do que tinha já feito dezenas de vezes ao longo da noite, zelando para que a carga da jangada não excedesse os limites de segurança estabelecidos.

Mandou entrar o meu pelotão e o do Alferes Rijo, ficando na margem para a viagem seguinte, os dois pelotões da Companhia do Capitão Aparício. Subitamente porém, assisti a uma conversa entre o 2º Comandante da Operação e o Alferes Diniz, em que este foi intimado pelo referido 2º Comandante a mandar embarcar os dois pelotões restantes, dado que não se podia atrasar mais a operação.

Apesar dos argumentos do Alf Diniz, tentando que em vez dos 4 pelotões embarcassem apenas dois, prevaleceu a autoridade da patente militar mais alta e assim acabaram por embarcar os 4 pelotões, para a derradeira viagem da jangada...


E foi de facto a sua derradeira e trágica viagem... Ainda não estavam percorridos 10 metros e já a jangada submergia e, de seguida, se virava projectando para a água quantos nela seguiam... E não me recordo de ter ouvido qualquer disparo de morteiro, antes do desastre... E não me lembro de ter detectado antes qualquer sinal de pânico entre os soldados... Aliás, a sua experiência operacional no teatro de guerra era já apreciável e não entrariam em pânico por um simples disparo de morteiro que estou seguro que não existiu.

Houve alguns disparos de morteiro, é verdade, mas após o desastre e feitos pelas NT, no intuito de prevenir qualquer aproveitamento do IN que eventualmente estivesse emboscado nas imediações.

Exceptuando os militares que infelizmente pereceram afogados no Corubal, passados poucos minutos, todos restantes retornavam à jangada que, pouco depois, se reequilibrou e retomou a sua viagem para a margem norte do rio. E eu fui um deles... Depois de me ter libertado da espingarda, das cartucheiras, das botas e das granadas, cujo peso me puxava inexoravelmente para o fundo...

Em nenhum momento descortinei qualquer tipo de pânico quando regressei à jangada e, talvez nervosos ainda do desastre, todos sorriamos e aceitávamos o banho forçado como uma dádiva divina depois de vários dias de sede e calor.

Ninguém se apercebeu de nenhum camarada em aflição ou pedindo socorro. Ninguém sequer sonhou que a tragédia tivesse atingido as proporções que tomou. Só na margem norte do rio, quando mandei formar o meu pelotão e o vi reduzido a quase metade é que tive consciência da desgraça que tinha acontecido.

E foi então que, algo descontrolado, me dirigi à margem do rio que engolira os meus soldados na esperança de ainda ver alguém... Mas a tragédia estava consumada de forma silenciosa, definitiva e rápida.

Em resumo e concluindo:

(i) O desastre do Cheche ficou a dever-se, em minha opinião, ao excesso de peso entrado na jangada;

(ii) E ela é corroborada por todos aqueles que, como eu, viajavam na jangada e que em conversas a seguir ao desastre manifestaram a mesma opinião;

(iii) Note-se que a mesma jangada tinha já feito dezenas de travessias sob as ordens directas do Alf Diniz sem nunca se ter detectado qualquer problema;

(iv) Esse problema surgiu de forma trágica na última travessia, ou seja, naquela em que o responsável Alf Diniz não pôde efectivamente proceder segundo o que estava estabelecido, deixando entrar na jangada o dobro da sua capacidade, por ordem do 2º Comandante da Operação a que, pela natureza da hierarquia militar, não poderia opor-se;

(v) Mas fê-lo, e disso dei testemunho no âmbito do inquérito que se seguiu, advertindo previamente o seu superior hierárquico para o facto de estar a infringir as determinações que tinha sobre a forma de fazer a travessia do rio e da lotação definida para a embarcação;

(vi) E estou convencido que a rapidez do desaparecimento das vítimas nas águas calmas, escuras e profundas do Corubal, se ficou a dever ao facto de todos transportarem consigo pesado equipamento de guerra que lhes tolheu os movimentos e os conduziu para o fundo do rio, de forma tão rápida, com a agravante de que a maior parte deles não sabia nadar;

(vii) Finalmente, não posso deixar de fazer referência ao que o José Martins diz ter ouvido de "alguém que esteve no centro do acontecimento" de que as águas tomaram um tom avermelhado.

(viii) Sei da existência de crocodilos naquele troço do rio Corubal.

(ix) Sei que alguns dos corpos de soldados encontrados dias mais tarde, apresentavam sinais de terem sido dilacerados por crocodilos.

(x) Mas sei também que as águas, naquele dia, e após o acidente, apenas apresentavam o tom natural verde escuro de um rio calmo e profundo e tenho dúvidas que os crocodilos tivessem estado presentes naqueles momentos, com o ruído de helicópteros sobrevoando as águas a baixa altitude, na tentativa de encontrar e socorrer algum soldado em dificuldades.

(xi) Não devemos dramatizar mais o que só por si já foi suficientemente dramático (2)...


4. Breves dados sobre a CCAÇ 2405 (1968/70)

Composição da CCAÇ 2405:

A CCAÇ 2405, à data dos acontecimentos, tinha a sua sede em Galomaro (3).

Comandante: Cap. Mil. José Miguel Novais Jerónimo

1º Grupo de Combate – Alf Mil Jorge Lopes Maia Rijo
2º Grupo de Combate – Alf Mil Vitor Fernando Franco David
3º Grupo de Combate – Alf Mil Rui Manuel da Silva Felício
4º Grupo de Combate – Alf Mil Paulo Enes Lage Raposo


O 2º Grupo de Combate, comandado pelo Alf Mil Vitor David, não integrou a Companhia na operação de evacuação de Madina do Boé, ficando na sede da Companhia em Galomaro, onde porém a acompanhou através dos meios rádio.

As baixas resultantes do desastre do Cheche foram sofridas pelos 1º e 3º Grupos de Combate, que viajavam na jangada na altura do acidente.


Rui Felício
(Ex-alf mil inf CCAÇ 2405

[ Fixação / revisão de texto / bold a cores / título: L.G.]
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Notas de L.G.

(1) Vd. post do José Martins > 6 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - D: Madina do Boé, 37 anos depois

(2) Vd os posts anteriores sobre este tópico:

17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)

(...) "Apresentação do livro de Gustavo Pimenta, sairómeM - Guerra Colonial (Palimage Editores, 1999), no Porto, Cooperativa Árvore, em 10 de Dezembro de 1999. Autor do texto: José Manuel Saraiva, jornalista do Expresso" (...)

2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre do Cheche, na retirada de Madina ...

(...) "Este documento, que me chegou às mãos através do Humberto Reis, relata a dramática operação em que participou a CCAÇ 2405, sedeada em Galomaro, e pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), operação essa que tinha em vista operação essa que tinha em vista retirar as NT da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC"(...)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

(...) "O mês de Fevereiro de 1969 tivera inicio há poucos dias quando passou, no aquartelamento de Canjadude, uma coluna cuja missão era retirar a Companhia de Caçadores nº 1790 do seu destacamento de Madina do Boé. Paralelamente a guarnição do posto do Cheche, pertencente à Companhia de Caçadores nº 5, também retiraria e juntar-se-ia à nossa companhia em Canjadude" (...)

8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXI: Comentário de Afonso Sousa ao texto sobre a retirada de Madina do Boé

(...) "Emociona este seu testemunho. Eu só faço uma pequena ideia do sofrimento de todos vocês, naquele momento trágico, nas horas e nos dias seguintes - em terras de solidão, em paragens dos confins da Guiné" (...).

(3) Em Fevereiro de 1969, a CCAÇ 2405 era a unidade de quadrícula de Galomaro, pertencendo ao Sector L1, e estando afecta por isso ao comando do BCAÇ 2852, sediado em Bambadinca.
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Guiné 63/74 - P5777: Notas de leitura (64): Já participamos nos romances dos outros - A Lucidez do Amor, de Tânia Ganho (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Fevereiro de 2010:

Queridos amigos,
Que grande surpresa, receber o romance da Tânia Ganho! E orgulho, por ver que o blogue é acompanhado em várias partidas do mundo, somos úteis na construção de personagens, que a Guiné existe no imaginário dos escritores e que os combatentes, com mais ou menos sofrimentos e marcas, são convocados para romances, apaixonam-se por fulas e são felizes a seu lado.

Um abraço do
Mário



Já participamos nos romances dos outros!

Beja Santos

Em 2009, recebi um e-mail de Tânia Ganho a pedir-me informações sobre a vida em Bambadinca, concretamente pretendia elementos sobre a vida das lavadeiras que prestavam serviço aos militares do aquartelamento. Lá procurei responder, de acordo com a minha vivência e apresentei Bambadinca enquanto quartel e tabanca, povoações limítrofes, porto e rio Geba. Importa esclarecer que Tânia Ganho é autora de romances e vive da tradução (tem traduzido autores como David Lodge, Annie Proulx, Anais Nin), já conhecia Bambadinca porque frequenta regularmente o nosso blogue.

Pois bem, acabo de receber o seu mais recente romance “A Lucidez do Amor” (Porto Editora, 2010) em que a autora agradece a António Graça de Abreu e a mim, bem como às histórias do blogue, escreve ela que se inspirou num texto de Vítor Junqueira “A chacun, sa putain” sobre a prostituta Fanta Baldé e a ideia de que havia crianças felizes em Bambadinca. O seu romance baseia-se em quatro personagens: um piloto francês, Michael, estranhamente supersticioso, Paula, uma portuguesa que conheceu Michael em Porto Santo, uma artista que vive em permanente ansiedade na sua residência em França, separada de Michael por quatro meridianos e cinco mil quilómetros de distância; Álvaro, um alferes que combateu na Guiné e que carrega um pesado segredo dos seus tempos de guerra; e Binta, uma fula de Bambadinca, que trabalhou como lavadeira e se apaixonou por Álvaro (Binta e Álvaro são os pais de Paula).

Tânia Ganho urde a trama do seu romance com base num telefone inquietante ou pacificador: Paula trata do filho recém-nascido, Artur, vive rodeada de mulheres cujos maridos andam também lá longe, no Tajiquistão e no Afeganistão, em missões para todas elas incompreensíveis, está sempre à espera do contacto telefónico, é a tónica da ansiedade que a mortifica e que no fundo é o lastro da comunicação que a congrega com as mulheres dos outros militares. Tem pesadelos, sonha com a queda de aviões, cada telefonema de Michael é o alívio possível, o que se passa lá longe, a partir de Duchambé, dos Mirages que bombardeiam ou abastecem, ela pouco ou nada sabe, mas não deixa de ver o noticiário internacional e sabe que Cabul é uma capital ameaçada. É uma espera feita de telefonemas, é uma comunicação sincopada, é um acordar e adormecer à espera de notícias, o ciclo de comunicação de Michael é o de produzir informação, inócua quanto ao serviço, personalizada quanto ao seu estado de espírito e dos camaradas.

Como é evidente, as histórias de Álvaro e Binta são relativamente acessórias às vidas de Michael e Paula que se movimentam em paralelo. Não vamos aqui contar qual é o segredo de Álvaro, o importante é que Binta é o amor da sua vida, estão constantemente a adiar a sua viagem a Bissau, querem lá ir em 2009, mas quinze dias antes de partirem Nino Vieira é assassinado, o casal volta a adiar o regresso à terra em que se conheceram e que mudou as suas vidas. Tânia Ganho termina assim o seu livro: “Dizem que o amor é cego, mas é a paixão que não vê defeitos e incoerências. O amor é lúcido, vê as falhas e as contradições e, apesar disso, subsiste”.

Quando, em finais de Agosto de 1970, viajei no Carvalho Araújo, a caminho de Lisboa, conheci um alferes que vinha com a sua esposa libanesa, um amor construído e consolidado em Bafatá, tanto quanto me recordo. Às vezes pergunto-me por onde andará aquele casal, como também me pergunto por andam, passadas estas décadas, as crianças que conheci em Bambadinca, fruto de amores efémeros. Há dias, telefonei ao Fodé Dahaba, a propósito do estado do cemitério de Bambadinca, onde estão os restos mortais de três camaradas nossos. Ele insistiu que eu devo voltar, rever tudo, há ainda gente que pergunta por mim, ainda há vários soldados vivos que nunca esqueceram o nosso tempo. Ele tem razão. Eu queria ver se regressava, em nome da lucidez do amor que lhes guardo. E aproveito para agradecer à Tânia Ganho em ter posto a Binta de Bambadinca no seu último romance. E digo com orgulho que agradeço em nome do blogue.

Este livro irá pertencer ao blogue, por direito próprio.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5774: Notas de leitura (63): Salgueiro Maia (2): Guidaje numa descrição digna do Apocalypse Now (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5776: Estórias de Jorge Picado (11): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (VI): Acompanhando visitas no Chão Manjaco

1. Mensagem de Jorge Picado (ex-Cap Mil da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 31 de Janeiro de 2010, dirigida ao nosso Blogue:

Amigo Carlos
Envio-te mais uma composição, sobre algumas das actividades desenvolvidas no CAOP 1*.
É capaz de ser um pouco longa, com as fotos que junto, mas, com a tua experiência, decidirás como melhor fazer.

Abraços para todos e desculpa-me por mais este trabalhito "á borliú".
Jorge Picado


ACOMPANHANDO VISITAS NO CHÃO MANJACO

Constituindo o CAOP 1 um dos “baluartes” da política “Uma Guiné Melhor”, do então GG e ComChefe, estava, por conseguinte, “transformado” numa das mais importantes, se não mesmo a mais importante, “sala de visitas” daquele TO.

Assim, os jornalistas e políticos, adidos militares e outros altos funcionários de várias nacionalidades, convidados por Portugal a tomar conhecimento e observar, com os próprios olhos, o que se fazia pelas POPs e como estas viviam “em paz e harmonia” connosco – justificando assim a guerra que nos era imposta por quem, não tendo razão, apenas queria desestabilizar e impedir o desenvolvimento dos nativos que apenas desejavam continuar a ser Portugueses e usufruir do bem que estes lhes proporcionavam – passavam praticamente todos pelo “Chão Manjaco”.

Normalmente, após um “briefing” restritivo à área – no seguimento do mais geral que lhes tinha sido apresentado em BISSAU – existia um programa, mais ou menos longo de acordo com o tempo de permanência disponível e com a personalidade em questão e, se bem que direccionado, procurava-se dar satisfação aos desejos dos visitantes.

Estando a minha actividade ligada aos assuntos da ACAP/POPs, como já referi em escritos anteriores, uma das funções de que estava incumbido era tratar da logística, diligenciando para que as respectivas unidades fornecessem a segurança, assegurassem os transportes e providenciassem para que os locais a visitar estivessem “conformes” e os contactos assegurados, acompanhando quase sempre “esses visitantes”.

Socorrendo-me das anotações que fiz, parcas, como também já tive oportunidade de dizer quando da minha apresentação, incompletas e algumas quase já indecifráveis, decidi agrupá-las e enviá-las, para conhecimento dos camaradas e com a esperança de que algumas, ao serem lidas por alguns daqueles que pertenciam aos efectivos que nesse período actuavam naquela área, lhes recordem estas actividades.

Reportando-se ao período de MAIO/71 a JANEIRO/72, estiveram envolvidas pelo menos, já que não especifíco aquelas cuja missão era a protecção aos trabalhos da estrada Bachile-Cacheu:

- CCS e CCaç 2660 do BCaç 2905; CCS, CCaç 3459 e CCaç 3461 do BCaç 3863, sedeadas em T. Pinto;

- CCaç 2637 em T. Pinto e Chulame, CCaç 3327 em Bassarel;

- BCaç 3833 no Pelundo e respectivas CCaç 3306 no Jolmete, CCaç 3307 no Pelundo e CCaç 3308 em Có;

- possivelmente certos GComb de várias CCaç (2789, 2790, 2791, 3328) dependentes do BCaç 2928 sedeado em Bula.

Eis o que me resta, chamando desde já a atenção para a grafia dos nomes estrangeiros, uma vez que não os copiei de documentos, mas os anotei de ouvido.


MAIO/71

No dia 7, meu terceiro dia nesta unidade, iniciei-me com a visita dum estrangeiro – por ventura uma visita rápida, já que não consta qualquer indicação de localidade – Dr. Wilensky, Arg., A? ?d, F. Milit.

Perante as anotações simbólicas que precedem o nome seria, muito provavelmente, de nacionalidade Argentina e Funcionário Militar –Arg., F. Milit – mas não relaciono agora a simbologia intermédia – A…d – uma vez que era o diminutivo de 2 palavras, em que a 1.ª começava por A com mais 2 letras riscadas – a ultima das quais provavelmente um v? – e a 2.ª começa por uma letra maiúscula – igualmente riscada – seguida do d.

A 8, visita de “Bob” – E.U., F. Emb. EU. Era um americano, provavelmente civil, de diminutivo “Bob” – Robert? – e funcionário da Embaixada – muito naturalmente em Lisboa – que se deslocou ao PELUNDO para observar “in loco” a nova política dos reordenamentos.

De 19 a 21, acompanhamento duma equipa de fotografia e cinema do PIFAS constituída por 3 elementos: José Ribeiro (militar ou civil?); 1 Fur.; 1 soldado.

No 1.º dia, após a recepção e delineamento do programa andou-se apenas em TEIXEIRA PINTO.

No 2.º dia começou-se com filmagens e fotos dos trabalhos na estrada para o CACHEU e prosseguiu-se com recolhas em BATUCAR e CAIÓ.

Caió 1-71

Caió 2-71

Caió 3-71

Batucar 1-71

Batucar 3-71

Batucar 4-71

Batucar 5-71
Fotos: © Jorge Picado (2010). Direitos reservados.


Estas 7 fotografias, que quase com toda a certeza se referem a “encenações” preparadas para estas filmagens. As 3 primeiras foram obtidas em CAIÓ, segundo anotação no verso das mesmas, mas as outras não sei se são desta povoação ou de BATUCAR.

Muito gostaria que os camaradas que “me acompanharam nesta deslocação, bem assim os que estavam estacionadas nestas povoações” aparecessem, para com base em elementos visíveis, identificassem melhor as mesmas. Na marcada com Caió_3_71, há lá muitos militares a assistir e, nas Batucar_1,_4 e_5, há edifícios que devem ser suficientes para identificar por quem lá esteve estacionado vários meses.

Finalmente no 3.º dia, foi-se para e PONTA LUIS CABRAL, já nas imediações do Rio Mansoa, onde se deram por finalizados os trabalhos e regressando a equipa a BISSAU.

Nestes trabalhos recolhiam imagens da paisagem, estradas, caminhos, povoações, casas construídas nos aldeamentos ou melhoradas, benfeitorias diversas de uso colectivo – Postos Escolares, Postos Sanitários, recuperação de bolanhas – tudo “embelezado” com as POPs “muito sorridentes” e as declarações de agradecimento dos chefes de tabanca, material necessário para a composição dos documentários promocionais.


AGOSTO/71

A 19, três dias depois de regressar de férias da Metrópole, participei na visita dum Adido Militar Americano, Cor Bloom(?). Quando se tratava de pessoal militar, privilegiava-se mais a parte operacional e as actividades de APSICO que as tropas desenvolviam, não só nos trabalhos de Eng.ª – reparação e mesmo abertura de caminhos –, mas também na Saúde – consultas e tratamentos efectuadas pelo Pessoal Militar nos Postos Sanitários – e na Educação – aulas dadas por militares transformados em Professores nos Postos Escolares Militares.

A 27 houve uma visita do Secretário-geral – Ten Cor ou Cor(?) Pedro Cardoso –, do Funcionário Superior da Administração Ultramarina, para a Agricultura – Eng.º Agrón.º Vinício Marques(?) –, do Director(?) dos Serviços de Veterinária – Dr. Sales – e do Intendente(?).

Depois duma sessão de trabalho no CAOP, seguiu-se uma ida ao chamado Porto de T.PINTO, à Escola Secundária – designada por Ciclo –, à Casa do Enfermeiro e ao Depósito(?) – de quê, não sei – seguindo-se para o PELUNDO e depois para BULA. Daqui eles regressaram a BISSAU e nós à sede.

Cais do Porto de TEIXEIRA PINTO
Foto: © Jorge Picado (2010). Direitos reservados.



Esta foto, que não está datada, pode referir-se ou não à visita destas individualidades neste dia. De qualquer modo, pelo aparato que se vê, não se refere a um dia normal, mas antes “festivo”.

Como se pode verificar, havia um cais feito de pedra e argamassa de cimento para a acostagem dos navios de cabotagem e militares, bem como uma rampa de acesso para colocação e recolha dos botes de borracha militares – e não só – e que permitia a acostagem das lanchas de desembarque que assim podiam embarcar e desembarcar viaturas e outras cargas.

Neste dia estava atracado um barco local de cabotagem e, a este, uma lancha de desembarque pequena (LDP) vendo-se ainda um bote de borracha dos Fuzos. Note-se que não era um dia normal, pois aparenta haver muita animação no cais, já que além dos militares, alguns até em calções de banho – o que não constituía surpresa visto que, quando de folga, aproveitavam para “brincar” na água –, vêm-se muitos nativos – crianças, homens e mulheres, algumas de guarda-sol aberto, lá bem no fundo – cuja presença daquele modo não se me afigura justificável pelo simples facto de haver um barco de cabotagem ali acostado. Como mera curiosidade sobressaem várias bicicletas e motorizadas – pertença do pessoal nativo – meios de transporte muito vulgarizados por aquelas bandas.


SETEMBRO/71

Em 19, recebeu-se a visita do Deputado Inglês do Partido Conservador, Ian Sproat, a quem se proporcionou o habitual “briefing” e uma volta pela vila, seguindo depois para PELUNDO onde almoçou. Após um rápido passeio pela localidade, seguiu-se para JOLMETE. Aqui se jantou e pernoitou junto das NT aí aquarteladas, podendo assim o visitante tomar conhecimento com as precárias condições a que as NT estavam sujeitos e o seu grau de isolamento numa zona onde existia um importante “corredor de trânsito IN” para abastecimento do CHURO-COBOIANA.

Em 28, depois de regressar pela manhã(?) a TEIXEIRA PINTO com o súbdito de Sua Majestade Britânica, após o almoço acompanhei um fotógrafo da REP/ACAP a BAJOPE, CHUROBRIQUE, BINHANTE e PELUNDO, para mais uma sessão de recolha de fotos promocionais.


OUTUBRO/71

Em 19, chegou a TEIXEIRA PINTO, na coluna de regresso de BISSAU, Sheike Sabidou, um Chefe Religioso(?) da Mauritânia, para contacto com os naturais deste concelho. Não ficou a sua estadia a cargo do CAOP 1, pois creio ter ficado a expensas do Chefe da Tabanca dos Mandingas da povoação, mas as deslocações para fora ficaram a cargo do Agrupamento.

No dia 24 realizou-se uma sessão na sede do Clube local – FC TEIXEIRA PINTO – pelas 10H, na qual ele falou para a população local. Evidentemente que assisti, no âmbito das funções que me competiam.

A 25, segui às 8H30M para o PELUNDO, acompanhando o Sheike Sadibou e respectiva comitiva, apresentando-o ao respectivo Comandante Militar.

Da visita desta Entidade Muçulmana da Mauritânia, guardo cópia de uma informação que elaborei e que, antes das férias do passado verão remeti para publicação no Blogue. Como naturalmente ficou perdida no imenso porão segue agora naturalmente.

Remeto em anexo o rascunho, com as correcções efectuadas antes da apresentação ao meu superior, Maj Lobo da Costa, da informação respeitante à VISITA DUMA ENTIDADE MUÇULMANA DA MAURITÂNIA AO CHÃO MANJACO.

Na perspectiva de não ficar legível o documento, transcrevo-o.

Em 18OUT71 o CAOP 1 foi informado telefonicamente por um oficial da REP ACAP (COMCHEFE) da vinda do SHEIKE SADIBOU na coluna de 19OUT.

Em 20OUT pela manhã, apresentou-se neste Comando o civil SHERIFO BALDÉ solicitando uma viatura para aquela entidade, não sabendo explicar qual o fim a que se destinava. Na ausência do Snr. Administrador, foi o mesmo acompanhado ao Snr. Secretário da Administração a quem foi exposto o assunto, sendo-lhe comunicado que deveria o referido SHEIKE SADIBOU apresentar-se na Administração para, ao mesmo tempo que apresentaria cumprimentos à entidade civil se providenciar para a resolução da sua petição.

Pouco tempo depois, apresentou-se no CAOP 1 a individualidade em causa, acompanhado de ALADJE INJAI – Chefe da Tabanca dos Mandingas – que vinha apresentar cumprimentos e solicitar viatura. Na ausência do Exm.º Comandante e na impossibilidade do Chefe do EM, nesse momento em reunião de trabalho com os empreiteiros da estrada, foi recebido pelo OF. APSIC.

Desta conversa há a salientar o seguinte:

- a viatura destinava-se apenas ao transporte do SHEIKE SADIBOU de casa à Mesquita (cerca de 100 m);

- comunicou-se-lhe que a administração facultar-lhe-ia a viatura, mas devia dirigir-se ao Snr. Secretário;

- relutância da individualidade em assumir tal atitude, declarando que apenas tinha de contactar com as Autoridades Militares. Posteriormente verificou-se que não foi à Administração;

- foi-lhe comunicado que as suas deslocações para fora de T.PINTO ficariam a cargo deste Comando.

Em 21 OUT cerca das 0830 o chefe Mandinga, ALADJE INJAI, esteve neste Comando a informar e a convidar para assistir a uma reunião que teria lugar no largo da Missão do Sono. Ficou combinado que mandaria avisar quando a população estivesse reunida, não o fazendo, apesar de posteriormente se ter tido conhecimento de que se realizou a referida reunião.

Em 22OUT à tarde, o Snr. Administrador compareceu com o SHEIKE SADIBOU e Homens Grandes Muçulmanos, sendo recebido pelo Exm.º Comandante, tendo ficado planeado o seguinte:

- 231500OUT cedência de 2 jeeps para uma visita ao Régulo da COSTA DE BAIXO;

- 240800OUT sessão na sala de cinema do Clube de T.PINTO;

- 250830OUT transporte do SHEIKE SADIBOU e Homens Grandes Muçulmanos ao PELUNDO;

- 26OUT transporte do SHEIKE SADIBOU do PELUNDO para BULA.

Posteriormente foi alterada a ida para BULA, que passou a ser na coluna de 29OUT.

Em 241000OUT realizou-se a sessão atrás indicada em que estiveram presentes o Snr. Administrador do Concelho, um Delegado do CAOP, o Rev. Padre FAUSTINO e o Régulo BATICÃ FERREIRA. A palestra proferida durante cerca de 1H45M pelo SHEIKE SADIBOU em marabu e traduzida para crioulo foi integralmente gravada, tendo abordado os seguintes tópicos:

- necessidade e importância de escolarização;

- necessidade do trabalho para desenvolvimento dos povos;

- alusão à união e adesão de todos na colaboração do esforço feito pelo Governo da Província para elevar a população da Guiné;

- igualdade dos sexos no trabalho e responsabilidades no desenvolvimento da sua terra;

- afinidades das religiões católica e muçulmana;

- aspectos puramente religiosos islâmicos;

- novas referências ao trabalho efectuado pelo Governador da Província;

- finalizou com a formulação de preces para que sejam concedidas Bênçãos a todos quantos trabalham no esforço de desenvolvimento da Guiné Portuguesa.

Em 250830OUT foi conduzido ao PELUNDO pelo Delegado do CAOP 1 que o apresentou ao Comandante Militar.

Segundo informações do Comandante do BCaç 3833 a visita ao PELUNDO decorreu bem, sendo na reunião realizada abordados os mesmos assuntos da de T.PINTO.

Assinado: JMSPicado
Cap.Mil.”


Conforme escrevi à mão no canto superior direito, esta informação foi transcrita na Nota n.º ? de 27OUT71 dirigida à REPACAP.

Quando refiro na informação “Delegado do CAOP 1”, só posso estar a referir-me a mim próprio, pois se assim não fosse acrescentaria o Posto respectivo.

Não me peçam mais pormenores, por que não os poderei fornecer. Se este papel não tivesse “sobrevivido”, apenas podia dizer que no dia 24OUT71, um domingo, tinha havido aquela sessão e no dia seguinte tinha ido para o PELUNDO às 8H30M, acompanhando o visitante.

Em 28, chegada do jornalista Francês, Phillip Marcovici, do jornal Combat, que nesse dia foi submetido ao tratamento de costume, na sede.

No dia seguinte (29) seguimos para BINHANTE, CHUROBRIQUE e para os trabalhos na estrada BACHILE-CACHEU.

A estadia deste jornalista prolongou-se até 1NOV, tendo-o acompanhado em 31OUT e 1NOV, como consta da Agenda, mas sem a indicação de locais. Porquê. Mero esquecimento ou teria permanecido em T.PINTO? Tenho imensas dúvidas que assim fosse, pois na sede, a permanência mais prolongada, quando muito só para dormida, já que os dias tinham de ser aproveitados para acções promocionais…

Entretanto, o Sheike Sadibou que devia ter seguido para BULA a 26 afim de continuar com a sua “endoutrinação”, só o fez neste dia, ficando entregue aos cuidados do BCaç respectivo, mas já sem a minha companhia.


NOVEMBRO/71

A 6, chegada de outro jornalista, o Português Santana da Mota, correspondente do jornal brasileiro Estado de S. Paulo. Não deve ter saído da sede…

A 9, mais um jornalista Português, Redondo Júnior, chefe de redacção de O Século. Passou por CHUROBRIQUE, BACHILE e PELUNDO, onde almoçou.

A 10, visita de Neil Bruce, Inglês, correspondente do jornal The Economist e Prof. de Ciência Política e História Contemporânea da U.I. Keele. Também não assinalei localidades!

A 22, nova visita, agora do Brigadeiro Inglês e jornalista, Michael Calvert, que também era Prof. de História (?).

Este visitante deslocou-se, pelo menos, à frente de construção na estrada para o CACHEU, cujos trabalhos se situavam, na altura, algures entre o BACHILE e CAPÓ.

Participei nesta deslocação em deficientes condições de saúde, em consequência duma grave intoxicação alimentar sofrida no almoço da véspera, um domingo, que constava de sardinhas de conserva. Por ter sido o primeiro a ser servido fui o único afectado, pois assim que engoli a primeira e única garfada dei o alerta de possível deterioração uma vez que o gosto era horrível. Alguém, não posso precisar quem, apenas colocou uma muito pequena porção na língua, confirmou e ninguém mais tocou naquela comida. Cerca de 2 horas depois os efeitos apareceram, ficando com o corpo em estado deplorável com uma urticária quase total e comichão insuportável. “Não fui desta para melhor”, como é costume dizer-se, mas fiquei mal, acabando por seguir na coluna do dia seguinte, terça-feira 23, para o HM em BISSAU, onde fiquei internado.


DEZEMBRO/71

Em 22, visita do jornalista Português, Metzener Leone, que se deslocou a CHUROBRIQUE e ao BACHILE.


JANEIRO/72

A 17, deve ter sido o último acompanhamento duma visita, neste caso do jornalista Português do Diário Popular, Botelho da Silva, bem como de uma Sub-inspectora dos Serviços de, Educação ou Saúde?

Durante a tarde houve deslocação, pelo menos da Sub-inspectora, a BAJOPE e BINHANTE, não sei se o jornalista acompanhou ou foi para outro destino, mas nesta data já andava perfeitamente fora de mim, assoberbado com a tarefa de regularizar a minha situação militar, uma vez que o Comandante do CAOP, Cor Rafael Durão, me tinha confirmado que me “passaria a guia de marcha” nos primeiros dias de Fevereiro, mesmo sem substituto.

E por agora já chega.
Jorge Picado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4681: Estórias de Jorge Picado (9): A minha passagem pelo CAOP 1 - Teixeira Pinto (V): Passeio fluvial pelos rios Baboque e Mansoa

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5339: Estórias de Jorge Picado (10): Como fui a Fátima a pé, comandando a CART 2732