domingo, 22 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5318: Blogoterapia (130): A guerra exisitu!... (Fernando Santos)

1. Mensagem de Fernando Silva Santos, ex-Soldado IO Art.ª da BAA 3434, Bissau, 1971/73, com data de 16 de Novembro de 2009, reencaminhada para a Tabanca Grande pelo nosso camarada Jaime Machado:

Camaradas:
Se tiverem algum interesse neste artigo, podem divulgá-lo, inclusivé para publicação no Blogue.
[...]

Abraços,
Fernando Santos
BAA 3434 "As Avezinhas" - Guiné 1971/73

Jaime Machado e Fernando Santos, na Tabanca de Matosinhos.
Foto retirada do site da Tabanca de Matosinhos, com a devida vénia



A Guerra Existiu!...
“Os que morreram, viajaram envoltos na Bandeira da Honra, com a legenda: Portugal!...”

Foi há 36 anos. Já lá vai muito tempo!...

De repente, apetece-me escrever que a Liberdade, hoje, ainda não é como o ar que respiramos. Não sendo anómala nem rara é uma causa muito preciosa que todos temos de manter e dela falar!... É que o silêncio, não é só a ausência das palavras. Também é o adormecimento das causas, a camuflagem dos valores e tantas vezes a renúncia imposta às memórias que não deveriam sumir na poeira dos tempos!...

A Guerra Existiu!...

E há 36 anos, no dia 26 de Maio de 1971, no cais de Alcântara em Lisboa, a bordo do navio “Angra do Heroísmo”, uma Bateria de soldados, especializados em anti-aérea, partiu rumo à Guiné. Era a Bateria Anti-Aérea 3434, baptizada com o nome dos “Avezinhas”.

Também nessa altura, era um tempo de Maio. Um Maio já prestes a despedir-se de maduro, vestido de incerteza e de mistério por tudo aquilo que haveria de acontecer no futuro das madrugadas nascentes, no seio daquela terra africana, no coração do seu Paiol e dos bafos vermelhos que acariciavam o rosto de rapazes na casa dos vinte e poucos anos de idade!...

Na altura, o serviço militar era obrigatório.

Que o digam as centenas de matosinhenses que foram mobilizados para as nossas ex-colónias ultramarinas.

Mas é acerca da Bateria Anti-Aérea 3434 – os “Avezinhas” – que eu gostaria de escrever esta semana. Até porque neste contingente militar, foram incorporados alguns camaradas de armas, patrícios meus, que ainda hoje, felizmente, vivem e habitam no nosso concelho.

E se é verdade que as pessoas reagem a estímulos exteriores, o encontro convívio e de saudade, que tive com os “Avezinhas”, no passado Sábado, motivou-me a comungar com os meus caros amigos leitores, alguns testemunhos de vida que marcaram, indelevelmente, os meus 21/23 anos!... Foram tempos já distantes, em que os horizontes para a minha pequena adultês pareciam quebrados e o medo existia escondido nos nossos olhares que se cruzavam com os olhares côncavos e famintos das crianças nativas vestidas de inocência!

No passado Sábado, no Santuário do Sameiro, em Penafiel, os “Avezinhas” tiveram o seu encontro de ex-militares que fizeram parte daquela incorporação. Evocamos – alguns de nós já com o babado estatuto de avós – o nosso tempo de juventude passado a combater na ex–colónia da Guiné. Rezamos pelos camaradas já falecidos e relembramo-nos de alguma da nossa actuação, ainda que involuntária, no palco das operações do teatro da guerra.

Nesse encontro estavam camaradas de Matosinhos e que, curiosamente, lêem o Jornal de Matosinhos!

Prometi-lhes que escreveria uma crónica a referir a guerra colonial para que, a juventude matosinhense não se esquecesse que os seus pais e os seus avós, provavelmente, passaram por essas acerbas provações! Não podemos branquear esta parte da História recente de Portugal.

A Guerra Existiu!

O papel dos soldados portugueses, como embaixadores da política do Estado Novo, terminou no dia em que a bandeira portuguesa foi arreada dos palácios dos Governadores das respectivas colónias e de todos os edifícios públicos.

Hoje, passados estes anos, a pergunta continua escondida acutilantemente, na mente de muitos ex-combatentes:

- Valeu a pena?!...

Claro que valeu a pena, digo eu!...

A História é feita de tudo isto. De dicotomias. De contradições. Neste caminhar inexorável, vivemos amores e lavramos desamores; semeamos amizades e criamos ódios inóspitos; fomos o “eu” e fomos o “outro” num caminhar intermédio e subterrâneo; embrutecemos e tornamo-nos sensíveis transportando na nossa formação constante o cheiro das tabancas e a melodia da mata verde que moldaram para sempre o nosso sentir e a nossa personalidade. Anjos ou Demónios, francamente não sei, nesta catarse ainda por inventar…

O que sei, é que nesse dia de final de Maio de 1971, quando os “Avezinhas” chegaram à Guiné, ao desembarcarem no cais do Geba, em Bissau, sentiram um sol intenso, vermelho, a confundir-se com o vermelho de uma terra jamais vista!... Depois, em coluna militar, lá fomos, com destino ao primeiro aquartelamento situado no Cumeré. Pelos estradas – algumas de terra batida – camaradas de guerra prestes a regressarem à metrópole, saudavam-nos num ritual e praxe guerreira: “Piu…Piu…Piu. Salta Pira…”, ou então, numa música mais estridente e sádica do que motivadora, cantavam gozões e intimidatórios:

Piriquito vai pró mato, olé, olé… que a velhice vai p’ra Bissau, olé, olé!...”.

Nessa altura, os nossos olhares virgens de maçaricos, admirados, penetravam naquele mundo novo, feito de mulheres negras com os seios caídos de uma nudez sensual, jovem e hirta que da berma dos caminhos nos acenavam, ou então, pelas “mulheres grandes” de pele ressequida, as quais, nos olhavam sentenciadoras, como quem já adivinhava o nosso futuro!...

Chegados ao Cumeré, a nossa primeira reacção foi perguntar:

- Aqui já aconteceram ataques?!...

A resposta surgiu motivadora e a vida lá continuava num ritmo de adaptação às novas gentes, ao novo clima e às novas mentalidades. Como recordo os dias decepcionantes do “lerpanso” do correio. Nem uma carta. Nem um aerograma. Nada! Só as carícias cantadas em crioulo pelas bajudas nativas.”Parte um peso, pessoal!...” E lá recebiam o “patacão!...”

No dia 9 de Junho de 1971 (faz amanhã 36 anos), o “inimigo” – de propósito entre aspas – brindou-nos com o seu “baptismo de fogo!...”

Era uma quarta–feira!... A noite espreitava do poente. A G3 era a nossa companheira, num artifício de fogo tricotado, belo e trágico!... Não víamos nada!... Só fogo reluzente e o ribombar das granadas e dos obuses!... Disparávamos ao encontro do vácuo!...

Era a Guerra!... Os “Avezinhas” tinham chegado somente há nove dias à Guiné!...

Nesse ataque, no dia 9 de Junho de 1971, morreu um camarada. Outros ficaram marcados no corpo e no espírito para toda a sua vida…

Eu sou testemunha que a Guerra Existiu!...

f.silvasantos@netcabo.pt



Fotos da Guiné-Bissau de autoria Fernando Inácio © Direitos Reservados, com a devida vénia


2. Comentário de CV:

Caro Fernando. Não costumo fazer comentários aos textos dos camaradas. Quem sou eu para isso?

No entanto é um prazer publicar prosa ou verso com qualidade. Foi o caso deste teu trabalho.

Sei que tens participado nos almoços dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, porque tenho registo da tua presença. Não por isto, mas também, estou a convidar-te a colaborares neste Blogue, que como sabes tem a missão de fazer um registo de histórias dos ex-combatentes da Guiné. Nesta Caserna virtual têm lugar militares do Quadro Permanente ou Milicianos; oficiais, sargentos e praças; licenciados ou não. Tudo em pé de igualdade, porque o que nos une é aquele pequeno país de terra vermelha e ar sufocante, e tudo o que por lá passámos.

Envia-nos os teus elementos militares como: posto, locais por onde andou a tua Unidade, data de ida e regresso, e uma foto actual e uma antiga, tipo passe em JPEG. Manda-nos também mais um dos teus textos e eu faço a tua apresentação formal à tertúlia. Teremos muito prazer em receber-te nossa Tabanca Grande.

O endereço electrónico do nosso Blogue é: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Obrigado por esta tua colaboração que espero seja a primeira de muitas.
Recebe um abraço do camarada
Carlos Vinhal
__________

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5294: Blogoterapia (129): A guerra que Portugal não ganhou (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P5317: Historiografia da presença portuguesa em África (32): O que José Henriques de Mello viu no Cuor e em Bissau (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Novembro de 2009:

Carlos e Luís,
Findo assim a apresentação do maravilhoso álbum fotográfico do José Henriques de Mello.
Basta ver as fotografias que junto para se perceber que este livro é um tesouro ainda ao alcance de todos.

Um abraço do
Mário


O primeiro fotógrafo de guerra português:
O que José Henriques de Mello viu no Cuor e em Bissau

Por Beja Santos

Chegou a altura de acompanhar José Henriques de Mello, o primeiro fotógrafo de guerra português, nas campanhas do Cuor, Antim e Antula, região de Bissau. Os factos históricos estão devidamente registados, como segue.

O imposto de palhota nunca foi bem aceite pela população guineense. Até 1904, a cobrança era irregular e tinha muitas isenções. O seu produto revertia sobretudo para as despesas militares. É no Cuor que irá dar a primeira insubordinação, bem violenta. O residente de Geba, 2.º tenente Proença Fortes, dirigiu-se à tabanca do régulo Infali Soncó, em 1907, aqui vou desrespeitado, espancado e preso. O Governador da Guiné, Oliveira Muzanty, declarou em estado de guerra a região do Cuor. Ficou proibido o comércio naquela região do Geba. A insubordinação alastrou e incluiu Bissau, Cuor, Oio, Churo, Costa de Baixo e Pecixe. As operações visavam: bater a região de Bissau, subjugando os Papéis, sobretudo em Antula; fazer uma demonstração de força no território balanta; desembarcara em território de Infali Soncó e obrigá-lo a manifestar fidelidade; marchar sobre Mansoa, criando um posto militar na povoação; bater a região do Oio; percorrer o rio Cacheu até Pelundo e bater a região dos Manjacos até à Costa de Baixo.

Algumas das operações começaram em Novembro de 1907, Muzanty foi até ao Xime e conseguiu obter apoio de vários régulos. Subindo o rio Geba na lancha-canhoneira Cacheu, foi atacado pela gente de Infali Soncó, houve baixas de parte a parte. Infali Soncó fugiu aos combates, Muzanty também não tinha contingente para o perseguir. Muzanty foi seguidamente combater um levantamento de Felupes na região de Varela, os régulos submeteram-se, a situação melhorou, temporariamente.

Lisboa decide criar uma dotação para uma grande expedição na Guiné. No final de Fevereiro de 1908, o general Costa Monteiro comunicava à Secretaria de Estado da Guerra que a Companhia Expedicionária de Infantaria 13, armada com a espingarda Kropatschek estava pronta. O navio “Angola” embarcou 200 mil cartuchos, granadas, lanternetas, peças de artilharia, comida para os humanos e comida para os muares de artilharia montada. É interessante verificar o tipo de víveres destinados às tropas expedicionárias: champanhe e vinho do porto, conhaque e rum, bacalhau, vinho branco e vinho tinto, manteiga e marmelada, queijo da serra e flamengo, leite condensado e águas minerais. Mário Matos e Lemos descreve com copioso pormenor as peripécias do embarque em Lisboa e desembarque em Bissau, refere o diário de campanha de Nunes da Ponte (que eu aproveitei em alguns episódios da Mulher Grande) quanto à campanha do Cuor e às operações na ilha de Bissau. O repositório fotográfico é espantoso na qualidade dos registos: Infali Soncó e a sua comitiva recebendo os visitantes antes das hostilidades; sessões na carreira de tiro; muares desembarcando no Geba, na região do Xime, vemos a preparação do rancho e uma formatura de carregadores Fulas; temos depois o embarque no Geba e o seu desembarque, provavelmente na região de Mato de Cão; as tropas em bivaque em Caranquecunda e o ataque a Canturé; depois as tropas na fortaleza da Amura e a seguir as operações de Antim, vemos gentios mortos e um conjunto impressionante de fotografias das tropas a pousar para a posterioridade. Para quem colecciona fotografia de alta qualidade, para quem quer viajar à Guiné de um século atrás, para quem, sobretudo, se quer deixar maravilhar por fotografias que ninguém suspeitava existir, este livro é um surpreendente achado. Aliás, basta ver as fotografias que juntamos.

Antes da guerra, o Régulo Infali-Soncó e sua gente, recebenco visitantes

Regresso das Forças que acompanharam o enterro d'uma Praça

No porto de Sambal Santrá, a canhoeira Cacheu e o Capitania

Destruição: queimada da tabanca Gan-Turé, em 5-4-1908, guerra do Cuhor

A retaguarda d'uma trincheira abrigo construída pelo inimigo
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5312: Historiografia da presença portuguesa (31): José Henriques de Mello, o primeiro fotógrafo de guerra português (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5316: Memória dos lugares (56): Reportagem fotográfica de Gadamael (Jorge Canhão)



1. – O nosso Camarada Jorge Canhão, ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Mansoa 1972/74, ao tomar conhecimento do poste P5308, com a mensagem do Daniel de Matos (Fur Mil da CCAÇ 3518 “Marados de Gadamael” - Gadamael, 1972/74), enviou-nos do seu álbum de memórias, uma série de fotografias daquele local, após o ataque do PAIGC, em Junho de 1973, com um curto texto:

Camaradas,
Estou a enviar estas fotos de Gadamael, porque segundo li num dos postes do blogue existem poucas ao dispor. Todas estas foram obtidas por mim.
Se algum camarada que lá esteve souber identificar qual era a função/destino das instalações fotografadas, antes da destruição pelo ataque do PAICGC, seria bom que nos informasse, porque eu não sei.
Abraços,
Jorge Canhão
Fur Mil da 3ª Cia do BCAÇ 4612/72





0
1
2
3
4
5



6
7

8


9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > Jorge Canhão, Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, pontão e quartel.



0
1
sp an class="Apple-style-span" >30
1
2
3
4
5
6
7
8
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > Jorge Canhão, Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, edifício das transmisões e "restos das instalações do aquartelamento de Gadamael", fortemente atacada pela artilharia do PAIGC.















0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > Jorge Canhão, Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, "restos das instalações do aquartelamento de Gadamael" e o Alf Mil Rocha junto dos destroços.















0

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > Jorge Canhão, Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, o Alf Mil Rocha junto dos destroços e mais alguns "restos das instalações do aquartelamento de Gadamael".













0
1
2


3
4
5
6
7

8
9
10
11
12
13
14
15
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > Jorge Canhão, Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, mais alguns aspectos dos "restos das instalações do aquartelamento de Gadamael".


0

0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
20
21
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > Jorge Canhão, Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, "restos das instalações do aquartelamento de Gadamael" e o Fur Mil Jorge Canhão.


Fotos: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:


Guiné 63/74 - P5315: Estórias avulsas (16): O cão, o melhor amigo do homem (Armando Pires)


Eu e o Forcado, ambos em traje domingueiro, atravessando a ponte sobre o rio Armada, que separava Bissorã da Outra Banda. (Foto 2)

O Forcado e a Nazaré aos meus ombros, sendo o Forcado o da direita. (Foto 1)


O documento oficial que autorizou o embarque do Forcado (Foto 3)




Depois do regresso da Guiné, o inseparável amigo e companheiro do meu pai (Foto 4)


Fotos (e legendas): © Armando Pires (2009). Direitos reservados.


1. Mensagem do Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70 (*), para quem ainda não consegui arranjar um bocadinho de tempo, para almoçar e dar dois dedos de conversa (apesar de praticamente vizinhos: eu, em Alfragide; ele, em Miraflores)


Eu na Guiné tive um cão. Melhor escrito, eu sempre tive cães e na Guiné também tive um. Dei-lhe o nome de Forcado.

Coisa inapropriada para um cão, já se sabe, mas longe de casa é que bate a saudade e eu, um clássico ribatejano, pespeguei-o ao meu passado juvenil, tão passado e juvenil que, por razões não vindas ao caso, se ficou por ali.

Portanto, ao cão dei-lhe o nome de Forcado tal como o Barbosa deu o nome de Nazaré à fêmea que ficou para ele.

Nazaré porquê, está visto. Só falta dizer que o Barbosa era (é) o (ex) furriel mil sapador da minha companhia.

Já agora, um e outra, cachorros, vieram do administrador de Bissorã.

A Nazaré, coitada, teve vida curta. Pariu ainda nova, em plena estação das chuvas, e quando demos por ela estava quase devorada pelos mosquitos atraídos pelo cheiro de leite.

Para a posteridade, deixo-vos uma foto (1) do Forcado e da Nazaré aos meus ombros, sendo o Forcado o da direita.

E também vos deixo uma outra (2) onde eu e o Forcado, ambos em traje domingueiro, atravessamos a ponte sobre o rio Armada, que separava Bissorã da Outra Banda.

O Forcado era muito cioso do seu território e não gostava de estranhos. Identificou todos os sargentos daquela casa e ali mais ninguém passava sem consentimento interno. Civil ou militar. De baixa ou de alta patente. Não entrava, e pronto.

Deitado ou sentado, quer à porta da caserna quer à porta do bar, ele não tugia nem mugia..Deixava passar o afoito e, num ápice, filava-o pela perna e era aí que vinha o alarme. Mais nosso, certa vez, porque quem foi filado foi o 2ª Cmdt do Batalhão.

Nas flagelações ao aquartelamento não sei como se comportava. Sei que nunca desapareceu do seu lugar.

Chegados ao fim da comissão, o Forcado veio-o comigo para casa. Ainda guardo o documento oficial que autorizou o seu embarque. Podem vê-lo já de seguida (3).

Viemos no Carvalho Araújo, cujo comandante não recordo o nome, mas que se for vivo e estiver a ler esta história quero cumprimentar por ter compreendido o afecto que tinha (tínhamos) pelo cão e permitido que ele viajasse a nosso lado e não fechado no porão.

Do Forcado só me separei dois anos depois, quando, por razões profissionais, rumei a Lisboa. Então, tornou-se no inseparável amigo e companheiro do meu pai. Para onde ia um, ia o outro, onde se sentava um, ao lado estava o outro, e para meu orgulho, toda a cidade falava dos dois.

O meu pai, depois do almoço, gostava de fazer uma soneca num cadeirão instalado na marquise. Ao lado estava uma velha arca, dentro da qual tinha velhos pertences, entre eles o meu camuflado, sobre a qual o Forcado o acompanhava na sesta.

Uma tarde, vencido pela idade, o Forcado já não acordou. Não esqueço a profunda tristeza que li nos olhos do meu pai. Consintam que ainda me emocione e que tomado pela saudade publique a foto (4) dos dois.

Bem. Talvez perguntem vocês a que propósito vem aqui a história do meu cão. Primeiro, não sei se repararam, rematei a história com o meu pai. E recordar o meu pai, partilhar com amigos a memória do meu pai, é coisa que me faz muitíssimo bem ao espírito. Segundo porque, sendo certo que o meu cão não foi um antigo combatente, ele foi meu companheiro na Guiné. E os companheiros não apenas são para estimar e lembrar como “não se podem deixar para trás”

Mas há, todavia, uma outra razão para tudo isto. As conversas são como as cerejas (que haviam de ser todas como as do Fundão, mas não sendo ainda bem que há o Fundão), e se se derem ao trabalho de pesquisar no blogue, vão ver que me apresentei em Agosto, que anunciei ir 15 dias de férias e que depois voltava.

Foi o voltas, como se está a ver, e a justificação para tão longa ausência está… no meu cão. Sim, porque eu, que sempre tive cães e que na Guiné também tive um, continuo a ter cães.

Desta vez são dois Cocker Spaniel. Mãe e filho, que eu sou muito apegado à família. Ela toda dourada e ele todo preto. Saiu ao pai.

Deixemos nesta explicação a Pantufa a dormir, que ela com a idade já é mais de mandar o filho trabalhar, e sigamos o Júnior. Para quem conhece os Cocker, digo já que o rapaz herdou tudo quanto a raça pode dar. E de forma acrescida, o faro e o ouvido. E sem ter nada a ver com o Forcado, remotamente dele terá herdado o sentido de propriedade.

Pois estava eu de férias. A casa onde passo férias é um triplex. Salas em baixo, quartos em cima, frente voltada ao movimento, traseiras muito recatadas.

Certa noite, estava eu lá em baixo a ver televisão, sinto o Júnior disparar escadas a cima e depois uma refrega monumental. Tão rápido quanto a idade me consentiu, cheguei ao andar superior e só vi uma perna esfarrapada a esgueirar-se pela janela e o Júnior pronto para seguir o dono da perna.

Estamos no Algarve. No verão os larápios andam assanhados porque cheira a “fruta” fresca e gente distraída. Reis da distracção já se sabe que são os putos, e os meus (sim, eu tenho filhos e o mais novo conta com 15 anos) com a merda dos computadores abusam, de tal sorte que deixaram aberta a janela do quarto lá no segundo piso e que dá para a parte mais recatada da casa.

Perante aquela “janela de oportunidade”, a coberto da escuridão, um tipo galgou a portada, caminhou uns três metros sobre um lancil com não mais que dois palmos de largo, entrou pela janela onde coube à justa, e foi quando se preparava para a limpeza que o meu cão o ouviu e cheirou.

Filado pelo Júnior, ouvindo correria escada a cima e sem saber quantos eram, o larápio precisou de ambas as mãos para manobrar na janela, ser rápido no lancil para não cair e meter-se ao fresco.

Tudo perfeito, como nos filmes. Excepto que o sacana levava debaixo do braço O MEU COMPUTADOR. E, precisando de levantar o braço para usar a mão, deixou-o cair.

Pimba, bonito serviço. No computador estavam textos passados e recentes, sons e fotos que fazem a minha profissão e que ainda não copiara para outros suportes, e estavam, também, digitalizadas montes de fotografias que hei-de ir seleccionado para publicação na Tabanca, mais as notas que fui tirando para ajudar a memória nas histórias que tenho para vos contar.

Valeram-me os engenheiros da Toshiba. Não sei como, porque não sou engenheiro. Sei que conseguiram recuperar tudo quanto estava no disco rígido do meu computador.

Só que estas coisas levam tempo.

PERCEBEM AGORA PORQUE SÓ HOJE VOLTO À ESCRITA?

O Carlos Vinhal, Editor de serviço à época da minha apresentação, até me escreveu algo parecido com “Ó homem, entra, acomoda-te, senta-te aí a uma janela, come um pastelinho de bacalhau, bebe um copo e lança-te à escrita que tu, que foste enfermeiro, hás-de ter muito para contar”.

Pois tenho. Mas como acho, com texto e fotos, já estar a ocupar muito espaço no livro da Tabanca e, sobretudo, para não misturar alhos com bugalhos, fico hoje por aqui e prometo voltar à escrita para a semana.

Abraços e até lá.
Armando Pires
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)

Guiné 63/74 - P5314: Em busca de... (103): Procuro informações sobre Camaradas que estiveram em Nhacra - 1972/74 (Firmino Ruas Mendes)


1. No passado dia 20 de Novembro, o nosso Camarada Luís Graça recebeu do Firmino Ruas Mendes, ex-Fur Mil do Pel Mort 4581, Nhacra - 1972/74, a seguinte mensagem:

Bom dia Camarada,

Hoje, por mero acaso, ao assistir a uma entrevista ao Camarada Manuel Rebocho, na televisão, descobri este site.

Foi, para mim, uma surpresa.

Estive na Guiné, de Dez 72 a 31 Agosto 74, como Furriel Miliciano no Pel Mort 4581 em Nhacra.

Há muito que tento encontrar Camaradas desse tempo, incluindo Os GRINGOS DE GUILEGE com quem privei durante alguns meses.

Ate aqui não me tem sido fácil.

Hoje, penso que descobri a maneira de chegar ate eles.

Vou ler atentamente tudo o que está escrito.

Abraço,
Firmino Ruas Mendes
Fur Mil do Pel Mort 4581

Aqui ficam os meus contactos:

Av. S. Silvestre, Bloco Dtº - 2º Esqº
3320-201 Pampilhosa da Serra
Telemóvel - 966 029 382
Telef. fixo - 235 598 004
__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, em: