terça-feira, 27 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

Foto 1> Fase da construção da estrada, quando a mesma passava em frente à escola de Mampatá.

Foto e legenda: ©
José Manuel (2008). Direitos reservados.


Em mensagem de 25 de Maio de 2008, Antero Santos presta alguns esclarecimentos ao conteúdo do poste 2872.

Caro Luís Graça

Assunto - P2872

Não é meu objectivo entrar na polémica “A guerra estava militarmente perdida?”.

Pretendo somente fazer os seguintes esclarecimentos:

1. Pistas asfaltadas não eram só duas (*) - a pista de Aldeia Formosa também era asfaltada;

2. Estradas asfaltadas (**)

2.1. A estrada que saía de Aldeia Formosa, passando por Áfia, Mampatá, Uane, Nhala e terminando em Buba, numa extensão de cerca de 40 Kms, foi construída em 72/73 e estava totalmente alcatroada;

2.2. A estrada que partia de Mampatá em direcção a Nhacobá, passando por Ieroiel, Colibuia, e Cumbijã, em Junho de 1973 já estava totalmente construída numa extensão de 14,2 kms (até Cumbijã); penso que em Janeiro de 1974 já estava em Nhacobá;

3. "O inimigo nunca desarmou, nunca perdeu posições" (***)

Em 17 de Maio de 1973 foi desencadeada a operação Balanço Final de que resultou a ocupação de Nhacobá, no dia 21. Trata-se de uma povoação na margem direita do Rio Balana; frente a Nhacobá, na margem esquerda, a 4 kms em linha recta, fica Salancaur, na época um importante bastião do PAIGC (a sul fica Mejo).

Antero Santos
Ex-Fur Mil Atirador/Minas e Armadilhas
CCAÇ 3566 – Março a Dezembro de 1972 – Empada
CCAÇ 18 – Janeiro 73 a Junho 1974 – Aldeia Formosa (Quebo)
____________________

Notas do Antero Santos:

(*) - Palavras de Graça Abreu no P2872

A guerra estava militarmente perdida para as tropas portuguesas? Quem acredita?


(...) Continuemos com a conjuntura militar, Guiné 1973/74. De que meios aéreos, navais e terrestres dispunham os dois contendores no conflito?

O exército português e a tropa guineense que combatia a seu lado contavam com aviões Dakota (DC 3), T-6, Fiats G-91, Dornier 27, Nord-Atlas e helicópteros Alouette 3, sete ou oito deles equipados com héli-canhões, num total de quase quarenta aparelhos.


Existiam junto aos aquartelamentos portugueses umas boas dezenas de pistas de aviação, duas delas asfaltadas (Bissau e Cufar). Para voar, o PAIGC não dispunha sequer de pombos-correios, embora se falasse na hipótese, nunca concretizada, de os guerrilheiros poderem um dia utilizar Migs, a partir de bases aéreas situadas na Guiné-Conakry, ou seja fora da sua pátria. É verdade que possuíam mísseis anti-aéreos Strella e que abateram cinco aviões portugueses em Abril de 1973. Entre Junho de 1973 e Abril de 1974, com “armamento tecnologicamente superior”, no dizer do nosso amigo Beja Santos, quantos aviões portugueses foram abatidos pelo PAIGC? Nem um. E os nossos meios aéreos, ao contrário do que muitas boas almas ainda hoje apregoam por ignorância ou maldade, não deixaram de voar, e voaram muito. Os guerrilheiros e as populações sob seu controlo, continuaram a ser impiedosamente bombardeadas pela força aérea portuguesa. Em 1974 até os Nord-Atlas chegaram a ser utilizados como bombardeiros, com as bombas a serem lançadas da traseira aberta do avião! Com napalm, bombas de 200 libras, etc., e também metralhados pelas metralhadoras pesadas dos nossos héli-canhões. São factos inquestionáveis, a realidade foi essa.

(**) Continua Graça Abreu

Como é que a guerra estava militarmente perdida?


(...) Quanto a meios terrestres também vale a pena uma breve abordagem. As tropas portuguesas possuíam umas centenas de camiões Berliets, GMCs, Unimogs, viaturas auto-metralhadoras Daimler, Fox, Panhard, algumas destas, é verdade, velhas e quase inoperacionais. Mas ainda funcionavam.


Desloquei-me numa Fox de Cufar para Catió, e volta, por várias vezes até Abril de 1974. Havia estradas asfaltadas, por exemplo de Bissau a Teixeira Pinto, de Teixeira Pinto ao Cacheu, de Bissau a Farim, (a região Bafatá-Nova Lamego não conheço), Cufar para Catió, e mais estradas estavam em construção. As colunas de viaturas (naturalmente sujeitas a emboscadas) deslocavam-se quase por toda a Guiné. (...)


(***) Graça Abreu, reproduzindo palavras de Joaquim Mexia Alves

(...) Dizes, ainda, meu caro Mário Beja Santos, que "o inimigo nunca desarmou, nunca perdeu posições".

Em Novembro/Dezembro de 1972, por ordens do general Spínola, as tropas portuguesas foram ocupando e instalando-se gradualmente em aldeias do Tombali/Cantanhez, até então sob controlo IN. Foram ocupadas Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine e Jemberém. Os guerrilheiros retiraram para as matas do Cantanhez, onde, é verdade, passaram a fazer a vida negra à tropa portuguesa. Mas foram desalojados e perderam as suas posições.
(...)
___________________

Nota do co-editor C.V.:

Vd. poste 2872 de 22 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P2889: A verdade e a ficção (1): Op Tridente, Ilha do Como, Jan / Mar 1964 (Mário Dias)

Guiné > PAIGC > A Libertação do Como. Foi, logo desde o início da luta de libertação, um dos cavalos de batalha da propaganda do PAIGC... Nesse domínio, o da propaganda, e sobretudo para consumo externo, o PAIGC levou-nos a palma de ouro... Amílcar Cabral sabia, como ninguém, usar as armas da diplomacia e da sedução intelectual... 

 Imagem: In O Nosso Primeiro Livro de Leitura, p. 31. Departamento Secretariado, Informação, Cultura e Formação de Quadros do Comité Central do PAIGC > 1966 > 

 Foto: © A. Marques Lopes / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

  Portugal, algures, 24 de Setembro de 2005 > Um reencontro de velhos camaradas, miliatres portugueses que estiveram na Guiné, tendo participado na Op Tridente (Ilha do Como, de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964)... Quarenta anos depois...Alguns dos sobreviventes da mítica Batalha do Como ... Entre eles, está o nosso Mário Dias (o segundo, a contar da direita). ... Já agora aqui fica a legenda completa (Os postos, referentes a cada um, são os que tinham à época dos acontecimentos): Da esquerda para a direita: (a) Sold João Firmino Martins Correia; (b) 1º Cabo Marcelino da Mata (hoje tenente-coronel, na situação de reforma); (c) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo; (d) Fur mil António M. Vassalo Miranda; (e) Fur Mil Mário F. Roseira Dias (hoje sargento na reforma); (f) Sold Joaquim Trindade Cavaco.

Guiné > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > Partilhando uma refeição... As rações de combate eram intragáveis...Ainda fioram valendoi algumas vacas, porcos e cabritos, deixados para trás ou capturados pelas NT. Fotos: © Mário Dias (2005). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Vila > 1968> Foto 26: A praça do mercado, vista de quem vinha da pista [tirada à porta da casa do sr. Barros Correias]. À direita o Mercado, ao fundo à esquerda a casa do Sr. Brandão e à direita debaixo da mangueira o Bar Catió e bem ao fundo o quartel. 

Foto e legenda: © Vítor Condeço (2007). Direitos reservados 

  1. A propósito de um recente testemunho sobre a Op Tridente (1), achou-se por bem retomar aqui um poste do Mário Dias, publicado na 1ª série do nosso blogue, em 15 de Janeiro de 2006, sob o sugestivo título Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (2)... 

Que nos lembre, a nós, editores, até há poucos dias, o Mário Dias era o único dos membros da nossa tertúlia que podia gabar-se de ter sido actor daquele filme (refiro-me à Op Tridente)... O Santos Oliveira também passou pela Ilha do Como, mas uns meses mais tarde (3). Já na altura da publicação do poste do Mário Dias, no início do ano de 2006, tínhamos recomendado a sua leitura (e a divulgação), por o considerarmos uma intervenção serena mas lúcida e corajosa, podendo e devendo servir de exemplo para todos nós... O intuito era pedagógico: prevenir e combater a tendência que, de algum modo, todos temos para falsificar, branquear, caricaturar, alindar ou, no mínimo, ajeitar a história (a pequena e a grande), intencionalmente ou não, por motivos ideológicos, políticos ou outros... 

Por uma razão simples: individualmente, não vemos a História como os historiadores, mas com os nossos óculos, com as nossas grelhas de leitura... Somos etnocêntricos, quer queiramos quer não. Só vemos uma parte da realidade, e muitas vezes só vemos o que queremos ver ou o que estamos preparados para ver, ou o que nos deixam ver... Fazendo parte do cenário, não podemos ter, naturalmente, uma visão ampla, de conjunto, totalmente isenta, imparcial, objectiva... O conhecimento é sempre, de resto, uma reconstrução da realidade... Se temos uma obrigação moral - nós todos, ex-combatentes, de um lado e de outro - é a de zelar pela verdade dos factos, pela verdade histórica, pela objectividade dos acontecimentos... 

Porque nós estivemos lá! O Mário, esse, esteve mesmo no Como, de Janeiro a Março de 1964... Tal como o Valentim Oliveira e outros camaradas (que ainda poderão aparecer no nosso blogue). E seria bom que aparecessem ainda testemunhos de guerrilheiros do PAIGC que estiveram no Como. Não é impossível, mas é muito pouco provável. 

Na série televisiva A Guerra, realizada por Joaquim Furtado temos um ou dois depoimentos de antigos combatentes do PAIGC (4). Na altura também escrevi que seria interessante investigar o que é que o PAIGC e os seus apoiantes e simpatizantes (no interior e no estrangeiro) disseram sobre a famosa batalha do Como e as regiões libertadas... 

Por exemplo, reproduzimos acima uma página de manual escolar do PAIGC... A batalha do Como, na versão dos pedagogos do PAIGC, é de certa maneira a batalha de Aljubarrota, tal vinha apresentada nos manuais escolares do Estado Novo. Todos os povos precisam de mitos fundadores... Sempre soubemos, mesmo com todas as limitações à liberdade de imprensa no nosso país, que de um lado (PAIGC) e de outro (NT) também se travava a batalha da propaganda, a batalha das ideias, das emoções, dos sentimentos (que são sempre muito mais eficazes do que as balas)... 

Pelo lado do PAIGC, sabemos que conseguiu muitos apoios (incluindo de países ocidentais, como a Holanda e a Suécia) através de uma excelente trabalho de informação e contra-informação... A diplomacia de Amílcar Cabral foi, sem dúvida, uma das melhores armas do PAIGC, e nesse campo fomos claramente batidos em toda a linha... Salazar e depois Caetano, mais os seus ministros dos negócios estrangeiros, nunca conseguiram vender, nos areópagos internacionais, a ideia da justeza e da legitimidade da nossa lutra contra o terrorismo... Spínola, já tardiamente, percebeu quão importanre era "ganhar o coração dos guinéus"... 

 Por outro lado, a verdade é que nós, infelizmente, estávamos do lado errado da História, falando em termos metafóricos (Na época, dizia-se que lutávamos contra "os ventos da História")... Pelo menos, era essa a convicção do PAIGC e dos seus aliados internacionais e até de alguns de nós, quando chegámos à Guiné... Claro que a culpa não era nossa, dos nossos generosos e valorosos combatentes, só podendo ser imputada à incapacidade política dos nossos dirigentes na época (que nem sequer eram democráticos, escolhidos por nós, pelo nosso povo...). 

 Todo este preâmbulo apenas para dizer que a razão (histórica, política, moral, etc.) do PAIGC não nos impede de repormos a verdade dos factos, como o Mário Dias aqui faz (e bem), quando se trata da actividade operacional de que fomos actores ou testemunhas!... 

 O balanço da Batalha do Como (ou da Op Tridente) não pode ser feita de ânimo leve, em termos de quem ganhou ou perdeu... Se calhar nem pode ser feita por nenhum dos contendores... A verdade é que o PAIGC tirou conclusões imediatas, para consumo interno e externo, do fato de, pelo menos, ter iludido (ou resistido a) as NT, muito mais poderosas em meios humanos, técnicos e logísticos. Não sei mesmo se podemos, de um maneira simplista, responder à pergunta: Quem ganhou a batalha do Como ? ... Mesmo homens como Spínola e Bettencourt Rodrigues, brilhantes militares, patriotas, portuguesíssimos, da confiança política do Estado Novo, últimos comandantes do CTIG, comprovaram, pela sua experiência própria, que "uma guerra subversiva não se ganha militarmente"... Revisitemos então o já esquecido texto do Mário Dias. 

  2. Texto do Mário Dias > Ainda sobre a Operação Tridente (Ilha do Como, Janeiro a Março de 1964): O porquê da divergência de opiniões (2) 

Como se devem recordar, a minha intervenção neste blogue acerca da Op Tridente, realizada na ilha do Como de 14 Janeiro a 24 Março de 1964, foi uma tentativa de esclarecer o que ali se passou (5). 

Relatei a verdade dos factos, tal como por mim foram vistos e vividos. As dúvidas e versões contraditórias devem-se ao mau serviço de alguns escritores que vêm - com as suas descrições onde nem conseguem disfarçar opiniões pessoais de índole política ou ideológica - tentando escrever a história que corresponda à sua história. Infelizmente, muitos dos livros publicados sobre a Guerra do Ultramar estão cheios de imprecisões, casuais ou premeditadas, disso resultando uma falsa avaliação por parte de quem não assistiu aos factos e deles tem conhecimento apenas através de tais publicações. 

 A comprovar esta minha afirmação, transcrevo um texto extraído do livro Os Anos da Guerra da autoria de João Melo e publicado pelo Círculo de Leitores. Trata-se de uma antologia que engloba diversos autores que abordaram o tema. No Vol. II do referido livro (pags. 145 e 146) pode ler-se a descrição da Batalha da Ilha do Como, na perspectiva do autor do livro Os Mortos de Pidjiguiti, José Martins Garcia (6), que foi oficial de transmissões na Guiné em 1967 (As chamadas são de minha autoria): 

  “Em Catió, onde os ataques nocturnos foram, por alguns anos, relativamente escassos, ouviam-se muito bem os rebentamentos das morteiradas vizinhas, desferidas contra Bedanda, Cachil, Ganjola e, mais raramente, Príame, onde João Bakar Jaló, senhor de muita mancarra e de sete mulheres, valia, com a milícia fula, por um inteiro exército, conhecedor como era do mato, dos atalhos, dos costumes e manhas do inimigo. 

 “Com o tempo, a guarnição de Catió acabou por reduzir-se a proporções mais aceitáveis: uma CCS burocratizada, visto ali continuar a sede do batalhão; uma companhia de intervenção; dois pelotões independentes, um de artilharia e outro de cavalaria. Mas, antes de a estratégia estabilizar nesta aparente razoável força, dali partira a mais desgraçada expedição dos tempos modernos do colonialismo português (i). A qual expedição, se não ganhou as proporções da batalha de Alcácer Quibir, nem por isso deixou de ficar pairando na imaginação estarrecida dos vindouros. 

 “O ataque à ilha do Como, onde posteriormente se instalaria a chamada companhia do Cachil, nunca foi registado por cronistas, talvez porque estes, sempre tão eloquentes em caso de vitória, se desgostam das estrondosas derrocadas (ii). Uma escassa tradição oral conservava, nessas paragens, quando ainda portuguesas, o eco tragicómico da negativa proeza. O transmontano Barreiros, que fora o primeiro europeu a abrir um comércio em Catió, uns vinte anos antes da eclosão da guerrilha, descrevia cautelosamente alguns pormenores do desastre, mas sem respeitar a cronologia (iii). Invariavelmente, levava as mãos à cabeça e garantia: - Foi um horror! Um horror! 

 “O Barreiros era homem arreigado àquela terra, conhecedor de muitas trapaças e, graças ao destino, suspeito aos olhos de todos. Dos cabo-verdianos, por ser branco. Dos militares por ser comerciante, necessariamente ligado a muita gente da zona. Do pide, por falar ao administrador. Do administrador, por tagarelar com militares. Tantas e tão variadas suspeitas o perseguiam que, quando o autor destas linhas lhe dirigiu a palavra, o Barreiros não abriu a boca senão depois de esclarecido: - Sou primo do tenente Dutra. - Tome cuidado! - avisou. - Ele tinha a cabeça a prémio. 

 “Nenhum pormenor, porém, quanto à natureza e à fonte de semelhante informação. O Barreiros, magro, nervoso, baixote, possuía mãos de ferro, uns gadanhos onde circulava uma força misteriosa. Se fechava a pata sobre o pulso dum homem normal, não havia meio de uma pessoa se libertar daquele apertão metálico. Ali, com mulher e três filhos miúdos (os mais velhos estudavam em Bissau), jurava pelo Deus dos brancos não abandonar um palmo do que lhe pertencia. Mas a tropa resmungava que o Barreiros era má rês e pagava tributo ao PAIGC, pois já então não se sabia quem viria a mandar no amanhã. 

 “O ‘horror’ que frequentemente lhe suspendia a narrativa aplicava-se à inépcia das Forças Armadas Portuguesas e ao desconcerto do mundo em geral. Por causa desse desconcerto, os “turras” raptavam-lhe os criados e estragavam-lhe a vianda e a mancarra. Aquela ideia militar de invadir a ilha do Como afigurava-se-lhe, todavia, o pior sinal dos tempos. Gente louca, gente desalmada, incapaz de perceber que a arte da guerra se havia modificado! Setenta baixas em poucas horas (iv) - tal fora o balanço aproximado da estratégia estúpida desse senhores fardados! 

 “A Força Aérea cumpriu o seu dever, descarregando sobre os objectivos o arsenal estipulado. Para nada! Os abrigos subterrâneos da ilha de Como, construídos, dizia-se, pelos soldados de Hitler, em certa fase da Segunda Guerra Mundial, resistiam bem a qualquer bombardeamento, não só devido à cortina natural da vegetação como pela existência do material, coisa alemã, coisa inexpugnável, ali mandada cavar pelo Hitler, que não era tão cretino na guerra como alguma da nossa tropa (v). - Foi um horror! Um horror! 

 “Depois da Força Aérea, coube a vez à artilharia, ali classicamente postada para cobrir o avanço da cavalaria. A artilharia cumpriu a sua missão, despejando sobre a ilha sinistra a quantidade estipulada de material ardente, sem grande precisão, aliás, pois o alvo flutuava nessa latitude onde as marés esticam e encurtam a terra em vários milhares de quilómetros quadrados. A cavalaria entrou nas lanchas da Marinha e, sob a protecção da artilharia, escorregou para o lamaçal desconhecido. A infantaria, finalmente chamada a reconquistar com o seu pé clássico o terreno rebelde, saltou no vazio, atolou-se, afundou-se, emaranhou-se e alguns dos nossos mais bravos soldados crucificaram-se a si mesmos no matagal (vi). 

 “E então o inimigo invisível foi abatendo misericordiosamente os feridos, enquanto a Marinha dava por cumprida a delicada missão, a artilharia cessava a sua actuação segundo bem conhecidas regras e a cavalaria jazia em veículos inoperantes (vii). Havia muito que a Força Aérea despejara seus inócuos carregamentos, pois a noite caíra, repentina, e só os moribundos, sem cronista de serviço, se esvaíam sobre a lama que o tempo não guardou. - Foi um horror! Um horror! 

 “Dois anos depois, o Exército português instalou-se finalmente na ilha de Como, ao nível de companhia. Mas sem espaventos. Mansamente, o menos ruidosamente possível, sem apoio aéreo, sem artilharia nem cavalaria. Uma simples companhia de caçadores desembarcou em pleno dia no recanto da ilha chamado Cachil e aí cavou humildemente seus abrigos, sob os pilões gigantescos, rezando esperanças a quatro metralhadoras pesadas, dispostas segunda uma problemática rosa-do-ventos, rodeando o todo com arame farpado e entregando o futuro a algum milagre político (viii). 

 “Em toda esta intrigante aventura, houve sempre uma coisa que ninguém compreendeu: a função. Que faziam cento e tal homens na ilha de Como, encurralados entre o canal barrento, que os separava do continente incerto da Guiné, e a vegetação ameaçadora da ilha por entre a qual ninguém ousava dar passada? (ix) Nem civis, nem militares, nem preto, branco ou mestiço sabiam responder a tamanha enormidade. E o Barreiros, há vinte anos ciente das Áfricas e dos abrigos edificados pelos soldados de Hitler, só respondia cuspinhando desprezo: - Ora! Estratégia!... “O Cachil erguera-se, porém, nas imaginações. No passado recente, quando o surdo tenente-coronel Barreiros comandava o batalhão de Catió, a ameaça que mais insistentemente se lhe desprendia da boca era: - Olha lá, ó militar! Queres ir prò Cachil?” (…). …………………………………………………………………………………………… 

  2. Comentários do Mário Dias: 

Confesso que vai ser um pouco difícil conter os meus comentários ao texto acima transcrito dentro de limites correctos e educados. Na verdade, a tentativa de alterar a verdade histórica dos acontecimentos e a manipulação ideológica é tal que, para usar o adjectivo mais suave que me ocorre, só posso dizer que este texto é nojento. Vejamos, ponto por ponto, o que tenho a rebater: 

 (i) Não foi de Catió que partiu a principal força de desembarque que actuou na ilha do Como. Tal força partiu de Bissau, conforme por mim já narrado. De Catió apenas houve algum apoio de artilharia na altura do desembarque e a participação de uma centena de homens, no máximo, o que não é relevante num universo de 1200 homens participantes na operação. É, portanto, falso ter sido Catió o ponto de partida para a operação que reconquistou a ilha do Como. 

 (ii) Diz o autor que o ataque à ilha do Como “nunca foi registado por cronistas”. Falso. Vários o fizeram e, entre eles, destaco Armor Pires Mota que nele participou como alferes miliciano do BCAV 490 (7). O que na verdade acontece é que, para certos escritores-historiadores, há uma clara tentativa de manipular a opinião pública divulgando apenas os autores cujos escritos são favoráveis à sua ideologia. E a prova do que afirmo está contida no prefácio da citada antologia Os Anos da Guerra, de João Melo. Aí se podem ler referências como “…os nossos primeiros teóricos de uma literatura de guerra serem pessoas ideologicamente próximas do salazarismo…” ; “…resposta aos panegíricos dos cronistas patrióticos de então, em cujo rumo embarcaram autores como Armor Pires Mota, Reis Ventura e outros.” Nenhum desses “teóricos” ou “patrióticos” foram incluídos na referida antologia que transcreve obras de 43 autores. 

 (iii) O autor põe na boca do tal comerciante Barreiros, de Catió, a narração dos acontecimentos. Acontece que eu, também residente na Guiné desde 1952 e, apesar dos brancos se conhecerem quase todos uns aos outros, pelo menos de nome, nunca ouvi falar no tal Barreiros. Acresce ainda o facto de entre 1960 e 1962 eu ter trabalhado no Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria da Província da Guiné para onde, anualmente, todos os comerciantes obrigatoriamente enviavam um mapa com a situação de todos os seus empregados, incluindo aqueles que os não tinham que enviavam uma declaração negativa. Pois não me recordo de tal nome. Pensando tratar-se de um natural lapso de memória, perguntei recentemente a algumas pessoas que também por lá andaram nessa época mas ninguém se recorda de tal pessoa. 

 (iv) As setenta baixas em poucas horas, são pura fantasia. Primeiro: não houve setenta baixas mas sim 8 mortos e 29 feridos, tal como consta no respectivo relatório de operações. Todos os que andaram pela guerra do [ Ultramar ] sabem que, se, por um lado, era possível algum exagero na contabilização dos mortos do inimigo, por outro não se podiam esconder ou ignorar as baixas das nossas tropas. Segundo: a operação não durou “poucas horas” mas sim 72 dias. 

 (v) Este parágrafo só pode ser classificado como anedótico. Não havia abrigos subterrâneos na ilha nem nunca os soldados de Hitler lá estiveram durante e segunda guerra mundial. Que um fantasioso e quiçá ignorante comerciante (o tal Barreiros) afirmasse tal dislate, poder-se-á desculpar. O que é estranho é que um indivíduo que foi oficial de transmissões não tenha os conhecimentos suficientes de história para saber que nunca na Guiné houve a presença do exército alemão. Estranho. Muito estranho. É o mínimo que se pode dizer. 

 (vi) Descrição romanceada. Parece o guião de um filme épico. 

 (vii) E continua a fantasia: “… e a cavalaria jazia em veículos inoperantes.” O único veículo que existia na ilha do Como durante a Op Tridente era um jipe que nunca saiu da base logística. A cavalaria, que profusamente é citada, actuava como tropa de infantaria o que, aliás, era também comum aos batalhões de artilharia. Como todos sabemos, a designação de BCAV e de BART era dada por essas unidades terem sido mobilizadas pelas respectivas armas. Porém, na prática, todos actuavam como tropa de infantaria. 

 (viii) Após o final da Operação Tridente (Março de 1964) ficou instalada em Cachil uma companhia, conforme relatei, e não dois anos mais tarde como refere o autor do texto em apreciação. Aliás, um dos objectivos da Op Tridente era precisamente a instalação de uma companhia em Cachil, o que foi conseguido, ficando lá a CCAÇ 557, até Outubro de 1964, que foi substituída nessa data pela CCAÇ 728 (Fonte: Resenha Histórica -Militar das Campanhas de África (1961-1973) do EME - 3º volume). Carece portanto de fundamento a afirmação de que só passados 2 anos após a Op Tridente se tenha instalado uma companhia em Cachil. 

 (ix) Aqui reside o cerne da questão. É que, se a partir da última fase da operação era possível às nossas tropas patrulharem e “ousarem dar passadas na vegetação ameaçadora da ilha” sem grandes percalços e apenas com esporádicos e fugidios contactos por parte dos guerrilheiros, o que ficaram lá a fazer os cento e tal homens da Companhia de Cachil? Estou em crer que se remeteram à relativa segurança do seu “forte estilo far-west”, aí aguardando calmamente pela rendição. Os guerrilheiros agradeceram. Além do já comentado, não posso deixar de revelar a minha estranheza por frases pouco elegantes como “estrondosa derrocada” ou “eco tragicómico da negativa proeza”. Aceito que nem todos os militares que passaram pela guerra na Guiné e noutros territórios o fizessem com a convicção e empenho que o regime de então exigia. Porém, custa-me entender que a diferença de opiniões justifique este humilhar dos seus irmãos de armas. E por aqui me fico no respeitante ao texto acima transcrito. 

 Mas há outros autores com afirmações pouco exactas. José Freire Antunes em A Guerra de África (Círculo de Leitores), Volume I, pag. 36 diz: 1964 Fevereiro - Março - Os rebeldes do PAIGC mantêm em seu poder a ilha de Como, não obstante a severidade dos ataques portugueses. É um primeiro embate, revelador da forte estruturação da guerrilha e da eficaz mentalização ideológica ditada por Cabral. A Guiné torna-se progressivamente o nosso mini-Vietname. 

 Comentário: Precisamente na data indicada, Fevereiro-Março de 1964, estava em curso a Op Tridente com várias unidades do exército e dos fuzileiros instaladas em diversos locais da ilha. Mesmo depois da retirada das tropas, concluída que foi a operação, lá ficou instalada uma companhia em Cachil (CCAÇ 557). Que posse por parte do PAIG era esta? Porquê então Nino Vieira dirigiu aos seus homens a angustiante mensagem transcrita na narrativa dos acontecimentos da ilha de Como que publiquei no Blogue-fora-nada ? A que fonte foi o historiador José Freire Antunes beber esta notícia? É uma grande responsabilidade escrever sobre factos históricos pois esses escritos ficam a constituir uma referência para futuros estudiosos e pesquisadores. 

 Assim, por exemplo, Raquel Varela, finalista de História Moderna Contemporânea do ISCTE, em “O assassinato de Amílcar Cabral” no livro Factos desconhecidos da História de Portugal (Selecções do Reader’s Digest), produz uma afirmação muito semelhante. Espero ter contribuído para esclarecer as dúvidas que pairam à volta da Operação Tridente e que cada um conclua sobre os seus resultados. ___________ 

 Notas de L.G. 



 (3) Vd. postes de:



 Há outro poste sobre a batalha do Como, publicado no nosso blogue: 17 de Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVI: Antologia (25): Depoimento sobre a batalha da Ilha do Como 



 (5) Vd posts anteriores do Mário Dias: 




 Vd. também os postes de: 




  (...) O sargento Mário Dias enveredou pela carreira militar. Ainda fez mais duas comissões, dois anos em Moçambique e mais dois em Angola. O 25/4 apanhou-o em Cabinda. Regressado a Lisboa foi colocado no Regimento de Comandos na Amadora. Foi testemunha e interveniente do processo que envolveu os comandos da Amadora no verão quente de 1975. Macau foi o destino seguinte como instrutor das forças de segurança. Na reserva já há alguns anos, ainda recorda os tempos dos comandos da Guiné como os que mais o marcaram (...). 

 O propósito desta resenha biográfica (e desta reedição), o Mário Dias aproveitou para rectificar a nota do VB e dar-nos um sinal de esperança: promete voltar mais vezes ao nosso convívio... 

  Caro Luís Graça e co-editores: Ao passar pelo blogue - o que faço sempre que posso, com todo o interesse - deparei com a reedição de uma das minhas intervenções (parênteses para me penitenciar pelo meu actual silêncio que se diz ser de ouro) e, em sequência, um resumo do meu "percurso de vida". Aí consta que, depois da Guiné, fiz mais duas comissões. Não foram mais duas mas sim mais três: uma em Moçambique e duas em Angola, ou seja, somei o total de quatro comissões que me fizeram passar, com os tradicionais atrasos no regresso no final de cada comissão 10 anos "na guerra". Prometo regressar logo que possível com a minha colaboração. Um grande abraço extensível a todos os camaradas da Tabanca Grande. Mário Dias 

 (6) Este texto do José Martins Garcia é um conto, extraído do seu livro de contos Morrer Devagar (Lisboa: Arcádia, 1979). O título do conto que aparece na antologia do João Melo é "As suspeitas de um bravo capitão". Não é propriamente (nem pretendia ser) um trabalho historiográfico, mas sim um texto ficcional (ou entre a crónica e a ficção), inspirado na realidade da guerra colonial na Guiné, na Região de Tombali, entre 1964 e 1967. As personagens podem ser reais (no sentido de terem existido em carne e osso...), mas os seus nomes são fictícios... O comerciante Barreiros, por exemplo, podia bem ser um dos elementos da conhecida família ou clã Brandão (a casa do Brandão no Como está explicitamente sinalizada pelo Mário Dias, no croquis que ele nos mandou e que está publicado; o velho Brandão também é referido no romance do Armor Pires da Mota, Tarrafo, 2ª ed., 1971)... Os militares portugueses, do tenente-coronel ao capitão, são também caricaturas... 

 O autor nunca foi, de resto, um historiador. Julgo que a intenção deste prestigiado intelectual açoriano não foi propriamente "falsificar a história", mas antes dar uma ideia (irónica, crítica...) do clima que se vivia na época em que ele, professor do ensino secundário da Horta, Açores, foi chamado a cumprir o serviço militar - como todos nós - e, de seguida, mobilizado para a Guiné. Tanto o comerciante Barreiros como o capitão Lourenço e outras figuras militares que aparecem no conto são personagens de comédia... Todos nós os conhecemos na Guiné, noutros lugares, sob outros nomes... 

 Não sei onde é que o José Martins Garcia esteve. Possivelmente esteve em (ou passou por) Catió, no sul, quase três anos depois da Op Tridente. Lá terá recolhido impressões, boatos, memórias, estórias... da famosa Op Tridente, a maior operação que se realizou no CTIG durante os longos 11 anos de guerra. O Como transformou-se um mito poara os dois lados, o PAIGC e as NT... Em finais de Maio de 1969, quando chegei à Guiné, constavam-se ainda montes de histórias do Como, e do Nino, embora nessa altura o que estava no jornal da caserna, em título de caixa alta (leia-se: as bocas que ouvíamos nas esplanadas de Bissau), era Gandembel (abandonado em Janeiro de 1969) e Madina do Boé (e a tragédia do Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969)... 

 O Mário Dias também lhe atribui, por lapso, a autoria do livro Os mortos de Pidjiguiti (título de um poema de Fernando Grade, in O Vinho dos Mortos, 1977). Curiosamente, fui folhear o livro em questão (O II Volume de Os Anos da Guerra: 1961-1975- Os portugueses em África: crónica, ficção e história; ed. lit. João de Melo. Círculo de Leitores, 1988) e constato que foram utilizadas, abusivamente, sem respeito pelos direitos de autor (nem sequer citação da fonte...) algumas fotos que eu tinha emprestado ao jornalista Afonso Praça (1939-2001) e que foram publicadas no já extinto semanário O Jornal, no princípio de década de 1980, aquando da abertura do dossiê "Memórias da Guerra Colonial" (de que fui - modéstia à parte - um dos animadores e um dos participantes mais regulares)... 

 Esse famoso dossiê foi alimentado, tal como este blogue, pelos contributos (estórias, poemas, excertos de diários, documentos, fotos...) de largas dezenas de ex-camaradas nossos, que estiveram nas três frentes (Angola, Moçambique e Guiné). As supracitadas fotos, por sua vez, tinham-me sido emprestadas pelo Tony Levezinho, ex-camarada meu da CCAÇ 12, grande amigo e membro (discreto) da nossa tertúlia !... Ver páginas da citada publicação : - 146-147 (O Tony no espaldão da metralhadora pesada Browning, em Bambadinca, 1969); - 135 (o Tony e o Alf Mil Carlão numa tabanca em autodefesa, que já não consigo identificar, talvez Satecuta, em 1969); - 129 (O Tony e creio que o Marques, junto a dois prisioneiros do PAIGC, Bambadinca, 1970...). 

 Sobre o José Martins Garcia (1941-2002) ver nota biográfica, publicada no Boletim do Núcleo Cultural da Horta: - Nasceu na Criação Velha, Ilha do Pico, a 17 de Fevereiro de 1941; - Fez uma parte dos seus estudos liceais na cidade da Horta; - Em Lisboa, licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras, onde viria a leccionar entre 1971 e 1977; - Foi chamado a cumprir serviço militar em 1965, - Mobilizado para a Guiné-Bissau, aí permaneceu de 1966 a 1968; - A experência da guerra na Guiné projecta-se literariamente em Lugar de Massacre (1975), um dos primeiros romances portugueses a abordar a guerra colonial, "numa perspectiva paranóica e demencial"; - Essa experiência acabaria por pontuar, sob variadas formas e em diferentes circunstâncias, a sua obra literária; - Entre 1969 e 1971 foi leitor de Português na Universidade Católica de Paris; - Em 1979 foi para os Estados Unidos como professor convidado da Brown University (Providence), aí permanecendo até 1984; sinais desse tempo americano são detectáveis em Imitação da Morte (1982) e no "belíssimo e devastador livro de poemas" Temporal (1986); - De regresso a casa, ingressou na a Universidade dos Açores, em cujos planos de estudo das licenciaturas introduziu a cadeira de Literatura e Cultura Açorianas; - Doutorou-se, pela Universidade dos Açores, com uma tese sobre Fernando Pessoa; - Nesta Universidade terminou a sua carreira académica como Professor Catedrático, tendo ainda ocupado o cargo de Vice-Reitor e dirigido a revista Arquipélago, do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas; - Faleceu em Ponta Delgada a 4 de Novembro de 2002. 


 (7) Armor Pires da Mota (vd. nota biográfica em Museu S. Pedro da Palhaça > Autores do Concelho de Oliveira do Bairro: - Nasceu na Freguesia de Oiã, Concelho de Oliveira do Bairro, a 4 de Setembro de 1939; - Fez a instrução primária nesta freguesia e ingressou no Seminário de Aveiro, donde sairia em 1961; - Nessa altura publicou o seu primeiro livro Cidade Perdida, mas já anteriormente publicava poesias no Jornal da Bairrada, Correio do Vouga e Soberania do Povo. - No cumprimento do serviço militar, foi mobilizado em 1963 para a Guiné,como Alf Mil do BCAV 490, de que era comandante o Ten Cor Fernando Cavaleiro (hoje, coronel na reforma); - Participou na Op Tridente (Janeiro a Março de 1964), sendo Fernando Cavaleiro o comandante das forças terrestres; - Em 1965, lança o seu novo livro Tarrafo (onde incluem estórias da batalha do Como), tendo esta publicação mandado ser recolhida pela PIDE (o livro foi reeditado em 1971); -Tem uma vasta participação na imprensa periódica (Diário de Notícias, Diário do Norte, Diário da Manhã, Notícias de Lourenço Marques, O Debate, Observador, Jornal da Bairrada). - É actualmente chefe de redacção do Jornal da Bairrada. - Além de Tarrafo, é autor de Guiné, Sol e Sangue (contos e narrativas, 1968). Está representado em três antologias: Contos Portugueses do ultramar; Corpo da Pátria, 1971; Vestiram-se os soldados de poetas. - Ganhou o 1º prémio de Poesia Camilo Pessanha, em 1968 com o livro Baga-Baga. É difícil classificar o genéro literário de Tarrafo. Escrito na primeira pessoa do singular, está entre a história de vida e a crónica. Publicado originalmente em 1965, vê-se que foi escrito ainda com o sangue, o suor e as lágrimas de um combatente que esteve na batalha do Como (e noutras) e que assumidamente se batia em defesa da Pátria, multicontinental e multirracial. Curiosamente, o livro foi mandado retirar do mercado livreiro pela PIDE, devido à crueza e realismo com o que o autor fala da guerra da Guiné... Gostaríamos, de resto, de ter a sua autorização, pessoal, para publicar alguns excertos do seu livro (hoje já difícil de encontrar). A sua versão dos acontecimentos, as suas memórias das pessoas e dos lugares, é também uma das faces da guerra que nos interessa conhecer e divulgar. Não temos, no nosso blogue (e, por extensão, na nossa Tabanca Grande), quaisquer partis pris ideológicos. O nosso maior denominador comum foi termos sido combatentes na Guiné e, nessa qualidade, termos legitimidade para falar da Guiné que conhecemos e da guerra que fizemos... Haverá porventura algum camarada da tertúlia que conheça pessoalmente o Armor Pires da Mota ? Não sei se o Mário se lembra dele...

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2888: Dando a mão à palmatória (13): Cada esposa ao seu marido (Antero Santos/Carlos Vinhal)

1. O nosso camarada Antero Santos chamou a nossa atenção, e com razão, para um engano na legendagem de uma fotografia no poste P2856.


Caro Luís Graça

Lapsos acontecem – agradeço o favor de alterar Magalhães Ribeiro para Antero Santos; a Maria Fernanda Abreu é a minha esposa.

Um abraço
Antero Santos
25/05/2008

2. Para que não fiquem dúvidas, mesmo estando já rectificada a legenda no P2856, voltamos a publicar a fotografia em causa (1).



Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Na mesa das senhoras, a Maria Fernanda Abreu (esposa do Antero Santos) e a Graciela Santos (esposa do António Santos, que estava desolado por não encontrar ninguém dos Morteiros, nem do Gabu....).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

À Maria Fernanda, ao Antero e ao Eduardo Magalhães apresentamos as nossas desculpas pela troca involuntária de esposas e maridos.

CV

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Nota do co-editor CV:

(1) Vd. poste de 18 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2856: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (3): Quem vê caras, (também) vê corações

Guiné 63/74 - P2886: A guerra estava militarmente perdida ? (8) (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, com data de 25 de Maio último:


Meu caro Mário Beja Santos, Luís Graça, co-editores e camaradas amigos

Claro que tenho de meter a colher!



Julgo, salvo o erro, que até fui eu quem despoletou um pouco esta polémica quando há uns meses atrás, a propósito de uns postes colocados no blogue afirmei que lá por se repetir permanentemente que "a guerra estava militarmente perdida", isso não se transformaria numa verdade, que não é de facto, a meu ver.



Aliás, esta frase, "a guerra estava militarmente perdida", começou de inicio por referir-se às três frentes de Angola, Moçambique e Guiné, mas perante a evidência da mesma não corresponder à verdade, passou a referir-se exclusivamente à Guiné, o que repito, a meu ver, também não corresponde à verdade.



Que fique bem entendido, mais uma vez, que não desejei a guerra, não a desejo e que o melhor que aconteceu foi a mesma ter acabado e a Guiné ser hoje um país independente apesar de todas as suas dificuldades.



Vou tentar responder ao Mário, com amizade e camaradagem, servindo-me do seu texto.

1 – "A segunda tem a ver com aquilo que eu designo por patamares mínimos da elevação no debate. Por exemplo, recuso-me a entrar no terreno do denegrimento no tocante aos quadros do PAIGC que não viviam permanentemente em território português. Além do mais, é deslustroso num blogue como o nosso onde intervêm guineenses que tem uma pátria cimentada pela luta desses guerrilheiros." Citando Beja Santos.

Não fui eu quem dissertei sobre o assunto mas parece-me Mário, que estás a colocar intenções de denegrimento onde elas não existem.



Não é uma realidade que a maior parte dos quadros do PAIGC não viviam em território da Guiné?



Julgo que o contexto em que tal foi afirmado, servia para dizer que, não havia verdadeiramente território ocupado pelo PAIGC com estruturas suficientes para aí se manterem esses quadros em contraposição aos quadros portugueses que estavam instalados nas suas unidades de quadrícula, ocupando território e defendo-o.



Não é colocado em causa o valor extraordinário desses homens por quem nutrimos todo o respeito, podendo até afirmar, julgo eu, sem medo de errar muito, que respeito mais eu o Nino Vieira e o seu passado, que muitos guineenses provavelmente.

2 – "A terceira tem a ver com o facto de eu não vir buscar adesões, não pertenço a nenhuma maioria ou minoria, não procuro claques nem cliques. No que estou errado, o Graça Abreu torna a verdade inequívoca. E eu dar-lhe-ei razão, ainda estou em muito boa idade de rever conceitos." Citando Beja Santos

Esta não percebo! Que eu saiba ninguém procura claques ou cliques, mas sim discutirmos saudavelmente um assunto que nos diz respeito.



Se alguém concorda com uns e com outros é normal e é bom o que não significa que haja "partidos" ou "exércitos de opinião".



Por mim estou sempre pronto a dar a mão à palmatória.

3 – "A quarta prende-se com uma comunicação fraterna que é devida entre nós: não embarco em demagogias de querer associar o que penso ter sido o colapso militar da Guiné e a luta dos soldados portugueses, que nunca minimizei e em tal terreno não aceitarei insinuações, seja de quem for. Postas estas ressalvas, avanço para o primeiro apontamento." Citando Beja Santos

Ó meu caro Mário, parece que gostas de rotular as coisas, afastando tu mesmo essa tal comunicação fraterna ao colocares intenções onde elas não existem.



Claro que sei não ser essa a tua intenção, mas também não é a minha com certeza.



Ninguém afirmou que minimizaste a luta dos soldados portugueses, nem tal me passa pela cabeça, mas ao afirmares que a guerra estava perdida militarmente o que é que julgas que os soldados portugueses que lá estiveram pensam?



Estiveram na guerra, nada lhes foi dado em contrapartida, e para além disso até somos quase proscritos nesta sociedade!



Se agora para além do mais lhes dizemos, ou nos dizemos, que perdemos a guerra, o que nos resta?



E o problema é que tal corresponde à verdade!

E agora o resto:

Baseias-te muito em livros, documentos, etc. e apenas te quero lembrar, (e disso sabes muito mais do que eu), que a quantidade de livros sobre a guerra, a politica e por aí fora, a seguir ao 25 de Abril, são às centenas, para não dizer mais, e que em muitos casos, se opõe totalmente nas suas conclusões.



Sabemos também, não sou só eu que o afirmo, que as informações recebidas em Lisboa, se calhar até em Bissau, não correspondiam muitas vezes á verdade, por isso, documentos, etc, embora sirvam de estudo não são muitas vezes totalmente credíveis.



Marcelo Caetano decide, pelos vistos, propor negociações para estabelecer um cessar fogo que levasse à independência da Guiné e isso para ti significa que a guerra estava perdida!
Porquê? Então o homem não poderia estar a perceber o rumo da história?



Repara como de algum modo é incoerente aquilo que referes:



O diplomata ia a Londres como representante pessoal do Ministro dos Negócios Estrangeiros propor uma oferta de independência à Guiné-Bissau, a troco de um cessar-fogo., e o PAIGC não aceita tal proposta porque prefere continuar na luta armada até á "derrota das forças portuguesas", continuando a morrerem não só portugueses mas também guineenses?
Que lógica tem isto?



A proposta terá sido essa?

Pois se o 25 de Abril tinha como fim primeiro, diga-se o que se disser, acabar com a guerra, não era normal que fossem feitos todos os esforços para alcançar um cessar fogo onde a guerra era realmente mais difícil e intensa?



Toda a gente sabia, e tu também cá estavas, que não seria possível mandar mais soldados para África a seguir ao 25 de Abril, porque o povo a isso se opunha, por isso o que havia a fazer era conseguir o mais rapidamente possível um cessar fogo que colocasse um fim à guerra.
Onde é que isto significa que a guerra estivesse perdida?



Aliás em Angola não se podia pedir um cessar fogo numa guerra que já praticamente não existia.

Diz-nos tu, por favor, que posições perdemos nós, já que o afirmas novamente.
Digo-te eu que as "tuas" bolanhas cultivadas do teu tempo, já não o estavam no meu, para além de outras coisas, pelo que a tua prestação e dos teus pares, foi bem conseguida, pois levou a uma forte diminuição da guerra naquelas zonas.

Meu caro Mário, claro que a situação era caótica!





Pois se todas as intervenções politicas, e nessa altura as intervenções dos militares eram todas politicas, apontavam para a independência, para o fim da guerra a qualquer preço, como querias tu que soldados, furriéis, alferes que estavam contra a sua vontade numa guerra, estivessem moralizados ou lhes apetecesse sequer morrer por algo que estava já decidido?

A compra de armamento nunca seria feita por canais diplomáticos, sabe-lo bem, e quando foi preciso AK47 para a "invasão de Conakri" elas foram compradas sem grandes problemas.
Não encontrarás obviamente documentos sobre essas compras ou possiveis compras.
Mas à gente que o sabe muito bem, posso te afirmar!

Carlos Fabião conhecia a Guiné como ninguém? E Alpoim Calvão, e Almeida Bruno, e Manuel Monge e por aí fora?
Sabemos bem com quem Carlos Fabião estava alinhado!

Meu caro Mário, eu falo-te do que acontecia no terreno, ou pelo menos naquele que eu calcorreei , e aí meu caro amigo "a guerra não estava perdida militarmente".

Continuaremos para a semana, ou calar-me-ei e darei espaço a outros, mas é fácil perceber que esta polémica não dará grandes resultados. ~



Terá pelo menos um bem importante: leva-nos a falar de coisas que a alguns, como eu, ainda incomodam e vai exorcizando fantasmas, para utilizar uma expressão muito em voga.

Recebe um abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

Guiné 63/74 - P2887: Em busca de...(27): José Alberto Machado, Alf Mil Médico (Carlos Marques Santos)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Da esquerda para a direita: a Maria Alice, esposa do nosso editor, Luís Graça; e a Teresa, esposa do Carlos Marques Lopes.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

À esquerda:

Foto actual do Carlos Marques Santos, que vive em Coimbra. Foi Fur Mil da CART 2339
Fá Mandinga e Mansambo
1968/69


1. Hoje mesmo recebemos uma mensagem do nosso tertuliano Carlos Marques Santos que, em seu nome e de sua esposa Teresa, solicita a ajuda da nossa tertúlia e dos leitores do nosso Blogue em geral, no sentido de se encontrarem pistas que reconstruam o percurso na Guiné de um cunhado e irmão, respectivamente.

Qual a sua Unidade? Onde esteve? Alguém pode dar uma ajuda.

Mais uma vez apelamos à memória de quem nos lê. Fica desde já o nosso agradecimento.
CV


2. Mensagem do Carlos Marques dos Santos:

Luís e co-editores, Amigos, Companheiros:

A minha mulher Teresa, que me tem acompanhado nos Encontros da minha Companhia, a CART 2339, e nos da Tertúlia, teve um irmão (digo teve porque faleceu aos 34 anos e teria hoje cerca de 70) que era médico.

Sabemos que fez o serviço militar na Guiné-Bissau como Alferes Médico e, onde esteve, terá estado a mulher e um seu filho mais velho, meu sobrinho, talvez com 6/7 meses.

As pesquisas levam-nos a Nova Lamego, talvez ao BCAV 705 (1).

Já perguntei, por mail ao Carlos Ribeiro, única referência no Blogue, mas não conhece.

José Alberto Machado – Alferes Mil Médico.

Será que alguém o conheceu?

Será que alguém nos pode ajudar a reconstituir o seu percurso na Guiné?

Gratos

Teresa e Carlos Marques Santos

___________

Nota do co-editor CV:

(1) Vd. poste de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)


(...) "Batalhão de Cavalaria n.º 705

"Mobilizada no Regimento de Cavalaria nº 7 em Lisboa, desembarca na Guiné em 24 de Julho de 1964.Rendendo o BCAÇ 512 no sector de Nova Lamego assume, em 1 de Junho de 1965, o respectivo comando de sector que abrangia os subsectores de Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Piche, Madina do Boé e Nova Lamego.Foi rendido pelo BCav 1856 em 1 de Maio de 1966 regressando à metrópole em 14 de Maio de 1966" (...).

Guiné 63/74 - P2886: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (10): Homenagem ao António Batista (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Jaoquim Mexia Alves:

Caro Luis

Envio uma coisa que escrevi e me foi inspirada pela história do António Baptista.

O assunto é sensivel por isso deixo ao teu cuidado o que quiseres fazer ao texto, que é uma coisa simples e despretenciosa.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

Ah, e prometo deixar de escrever tanto!!!!


2. Na hora da minha morte... ou uma homenagem ao António Batista, o único morto-vivo que conheço
por Joaquim Mexia Alves


Tinha acabado de chegar.
Um ajuntamento de pessoas chamou-lhe a atenção.
Não lhe bastava o bater do coração descompassado de tanta saudade,
para agora ainda por cima estar a viver aquela sensação insistente,
que lhe segredava ao ouvido:
-É contigo, é contigo, vai ver o que se passa!
Com algum temor e timidez aproximou-se daquela gente,
que afinal era a sua gente.
Distinguiu algumas caras suas velhas conhecidas,
mas achou estranho porque olhavam para ele,
como se ele ali não estivesse.
Num impulso estava para tocar no ombro do velho Francisco,
que lembrava-se bem era o dono da tasca,
mas algo dentro de si lhe disse para estar quieto,
para não fazer nada, para ficar só a ver.
Misturou-se naquela gente,
que estava triste,
pois uns choravam e outros iam repetindo coisas como:
- Era tão novo…não merecia isto…como é que isto foi acontecer.
Percebeu que devia ser um funeral,
e pensou:
-Raios partam, logo no dia em que regresso
é que havia de haver um funeral aqui na terra!
Ao longe viu os seus pais, e outros da sua família, amigos, conhecidos,
enfim toda aquela gente que ele tinha deixado quando partira.
Mas algo continuava a dizer-lhe para se manter calado,
para não dar nas vistas,
para ir apenas vendo o que se passava.
Foi-se aproximando
e já conseguia distinguir o caixão do desgraçado que tinha morrido.
Algumas caras olhavam agora para ele com uma expressão incrédula,
mas ele não lhes ligou nenhuma.
Queria saber quem era o morto,
era uma curiosidade que o estava a atormentar.
Mais perto já conseguia ouvir o Padre
que agora encomendava a alma do…
-Porra, era o seu nome!
Gaita o que é que se passava?!
Percebeu então que estava a ser enterrado num caixão,
apesar de estar ali, vivinho da silva.
Serenamente, (apesar de tudo a gozar a expectativa),
disse a um daqueles que estava ao seu lado
e de quem não se lembrava da cara:
-Sabes quem é que está ali a ser enterrado?
O outro respondeu um pouco desconfiado:
-É um desgraçado que morreu na Guiné.
Olhou-o nos olhos e disse-lhe a rir:
-Pois é! Mas fica sabendo que o gajo, sou eu!!!
O outro deu um grito, as cabeças voltaram-se para ele
e foi um pandemónio.
Houve desmaios, cheliques, gritinhos, berros, fugas a correr, apertões, apalpões, enfim de tudo um pouco,
mas a verdade é que à noite a festa foi rija na aldeia.
Foi a mais triste e ao mesmo tempo mais alegre,
foi a mais falada e comentada chegada à sua terra,
de um soldado da Guiné.
Apesar de tudo teria sido bom
que assim tivesse acontecido,
mas infelizmente não foi!
Muitas pessoas sofreram e ainda hoje sofrem,
e este país que foi tão lesto a enterrar quem não tinha morrido,
é muito lento a desenterrar quem afinal está vivo!
Homenagem ao António Baptista, o único morto-vivo que conheço! (1)

Monte Real, 26 de Maio de 2008
__________________

Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 26 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra

Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia >O António Batisto falando do seu cativeiro (Conacri e Madina do Boé, 1972-1974) (1), para o Luís Graça (que fez o vídeo), o Paulo Santiago, o Jorge Cabral e a Maria Alice. No final, vê-se ainda o Álvaro Basto e a esposa, antes da despedida.

Vídeo (5' 42''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojado em: You Tube >Nhabijoes


Em boa hora o Álvaro Basto tomou a iniciativa de trazer com ele o António Batista (2), o morto-vivo do Quirafo (3), cujo drama a todos nos sensibilizou e comoveu. Este nosso camarada e amigo, que vive hoje na Maia (depois de ter sido enterrado, em 1972, no cemitério da sua freguesia natal, Moreira), faz parte da nossa Tabanca Grande e aguarda, com legítima ansiedade e expectativa, o fim deste terrível pesadelo que tem já 36 anos: de facto, ainda não foi reconhecida, de jure, a sua situação de prisioneiro de guerra, com eventual direito à respectiva pensão, ao abrigo do Decreto-Lei nº 161/2001, de 22 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 170/2004, de 16 de Julho.

De acordo com o preâmbulo do ciatado diploma legal, a concessão da referida pensão está condicionada por dois requisitos: (i) a prova de que o interessado esteve efectivamente prisioneiro nas ex-colónias; (ii) a demonstração de que se encontra em situação de carência económica.

Não sei se o segundo requisito se aplica ao António Batista que trabalhou no aeroporto Sá Carneiro e presumo que já esteja reformado. Penso que o problema maior do nosso camarada é ainda vencer a burocracia militar e demonstrar que esteve efectivamente prisioneiro do PAIGC, primeiro em Conacri (desde a sua captura em 17 de Abril de 1972) e depois na região do Boé, presumivelmente já depois da declaração da independência (ou seja, a partir de 24 de Setembro de 1973).

No vídeo que agora se aprensenta ele contou-nos as condições em que viveu no cativeiro. Falou-nos também de um outro companheiro de infortúnio, pertencente ao mesmo batalhão (BCAÇ 3872, que estava sediado em Galomaro, 1972/74), mas de outras companhia (que estava em Cancolim). Ele acabou por se lembrar do nome do seu camarada de infortúno (o António Manuel Rodrigues), que conseguiu fugir do cárcere em Março de 1974 e, seguindo ao longo do Rio Corubal, chegar ao Saltinho ou próximo do Saltinho, onde foi resgatado pelas NT.

Esse camarada é natural da Régua, é conhecido do nosso José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Inf Op Esp, que estava na CART 6250, em Mampatá (1972/74) quando o resgate se deu... Esse ex-prisioneiro, que era maltrado pelos seus carcereiros devido alegadamente ao seu comportamento agressivo, foi levado do Saltinho para Aldeia Formosa e dali para Bissau, por via aérea.

O António Manuel Rodrigues, o Chega-me Isso, alcunha de família por que é conhecido na Régua, vive miseravelmente, tem todos os sintomas do stresse pós-traumático de guerra, não procura nem aceita ajuda dos seus antigos camaradasda Guiné, tem conflitos com as autoridades locais, em suma, é mais um caso chocante de uma camarada nosso que não morreu na Guiné mas a quem a Guiné destruiu a vida. O José Manuel prometeu-me dar a sua identificação completa. A nossa Tabanca Grande vai tentar ajudá-lo.

Aqui fica entretanto o depoimento do António Batista. Recorde-se que ele só libertado em 14 de Setembro de 1974. Fazia parte de um grupo de 7 prisioneiros em poder do PAIGC, no Boé, que foram trocados, no aquartelamento de Aldeia Formosa, por 35 prisioneiros em poder das NT. Pelo lado das novas autoridades da Guiné-Bissau, assistiram à cerimónia Manuel dos Santos (Sub-Secretário Informação e Turismo), Carmen Pereira (membro do Conselho de Estado) e Iafai Camará (Cmdt Aquartelamento de Aldeia Formosa).

_______________

Notas dos editores:

(1) Vd. último poste desta série: 23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2877: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (8): Até 2009, camaradas ! (Mário Fitas)

(2) Vd. o já vasto dossiê sobre António Batista:

25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2680: O caso do nosso camarada António Batista (Carlos Vinhal / Álvaro Basto / Paulo Santiago e Pereira da Costa)


1 de Fevereiro de 2008 Guiné 63/74 - P2497: O dossiê António da Silva Batista: um caso de indignidade humana (Torcato Mendonça)


31 de Janeiro de 2008 Guiné 63/74 - P2494: Sr. Ministro da Defesa, parece que não há Simplex que valha ao António da Silva Batista! (Paulo Santiago)


8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2422: Quem terá sido o Camarada que ficou na campa do António Baptista? (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)


25 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2381: Diana Andringa, com o teu apoio, podemos ajudar o António Batista, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto)


21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2371: O Sold António Baptista não constava das listas de PG (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)


28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2140: Tabanca Grande (35): Notícias do Tony Tavares (CCAÇ 2701) e do António Batista (CCAÇ 3490) (Ayala Botto)


9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)


30 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BART 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)


26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1999: Vamos arranjar uma caderneta militar nova para o António Batista (Rui Ferreira / Paulo Santiago)


24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1991: O Simplex, o Kafka e o Batista ou a Estória do Vivo que a Burocracia Quer como Morto (João Tunes)


24 de Jullho de 2007 > Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)


23 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)


22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)


22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)


21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)


17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)



(3) Sobre a tragédia do Quirafo, Vd. posts de:

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)


17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)


12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)


15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)


28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)


26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)


25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)


23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

domingo, 25 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Um guerrilheiro do PAIGC e o Fur Mil Op Esp José Manuel Lopes, dando o abraço da paz e da reconciliação "Antes um inimigo, que só podia ser visto pela mira da nossa arma, depois um abraço, um sorriso e porque não um amigo".

Foto e legenda: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mais um poema do dia, do Josema, escrito já em Bissau no final da comissão... Era o tempo de todos os sonhos e esperanças... De parte a parte.


Ao povo da Guiné e em particular ao de Mampatá

Dois anos e alguns meses
setecentos e oitenta e oito dias
houve heróis, vilões e malteses
tristezas e alegrias
dois anos e alguns meses
tempo que vivi?
tempo que perdi?
nem sei como avaliar
mas não foi a vida toda
a sofrer e a penar
e tu Amilcar? e tu Seidi?
que na guerra nasceram
e nela sempre viveram
que viram o que eu nunca vi
o que é que eu vos diria?
como é que eu me sentiria
se carregasse tal cruz ?
ninguém merece uma guerra
seja qual for a razão
e sempre na vossa terra
um abraço
e até um dia ...irmão.

Bissau 1974

josema

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série > 17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

Guiné > PAIGC > s/d > Guerrilheiros > Imagem retirada da Exposição sobre Amílcar Cabral, comemorativa do 30º aniversário da sua morte, organizada pela Fundação Mário Soares. Título da exposição "Sou um africano". Painel nº 30: Exército.

Foto: © FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES (com a devida vénia...)

1. Mensagem do Beja Santos, com data de 23 de Maio último (1):

Meu caro Luís, meu caro Graça Abreu (2), meus caros tertulianos:

Entro na polémica sem hesitar. Contudo, exprimo previamente algumas ressalvas e condicionalismos.

A primeira tem a ver com a quantidade de trabalho que tenho presentemente em mãos e que me impede de longos desenvolvimentos semanais, há livros para reler, as citações não se fazem ao acaso, tem de haver alguma disponibilidade para comentários laterais de quem entenda dever interferir. Isto para dizer que não posso polemizar a toda a hora e a ritmo acelerado. Vou devagar, mas procurarei ir até ao fim.

A segunda tem a ver com aquilo que eu designo por patamares mínimos da elevação no debate. Por exemplo, recuso-me a entrar no terreno do denegrimento no tocante aos quadros do PAIGC que não viviam permanentemente em território português. Além do mais, é deslustroso num blogue como o nosso onde intervêm guineenses que tem uma pátria cimentada pela luta desses guerrilheiros.

A terceira tem a ver com o facto de eu não vir buscar adesões, não pertenço a nenhuma maioria ou minoria, não procuro claques nem cliques. No que estou errado, o Graça Abreu torna a verdade inequívoca. E eu dar-lhe-ei razão, ainda estou em muito boa idade de rever conceitos.

A quarta prende-se com uma comunicação fraterna que é devida entre nós: não embarco em demagogias de querer associar o que penso ter sido o colapso militar da Guiné e a luta dos soldados portugueses, que nunca minimizei e em tal terreno não aceitarei insinuações, seja de quem for. Postas estas ressalvas, avanço para o primeiro apontamento.

Se, como garante Graça Abreu, não estávamos nem de longe nem de perto na contingência de um colapso militar, a que se deve a iniciativa do governo de Marcello Caetano propor conversações para o cessar-fogo e independência da Guiné? O diplomata José Manuel Villas-Boas já contou tudo em Cadernos de Memórias, Temas e Debates, 2003, vem na página 101:

"Era necessário falar com governo da Guiné Portuguesa no exílio, o chamado governo de Madina do Boé e oferecer-lhe nada mais nada menos que a independência política plena, sem todavia estabelecer um calendário. (...). Todavia, sublinhou o Dr. Rui Patrício, o estado de coisas da Guiné era muito diferente e impunham-se conversações imediatas. Eu iria a Londres como seu emissário pessoal e devia tornar claro aos guineenses que representava o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros. Resumindo: eu seria portador de uma oferta de independência à Guiné-Bissau, a troco de um cessar-fogo."

A delegação do PAIGC era encabeçada por Victor Saúde Maria (3), futuro Primeiro Ministro. As conversações foram obviamente inconclusivas, ficou agendada nova reunião para 5 de Maio. Se não havia colapso militar por que é que logo a seguir ao 25 de Abril, logo a 28 Carlos Fabião e Nunes Barata, enviados de Spínola, se encontram com Senghor em Paris, continuando a parte portuguesa a reclamar cessar-fogo. Se tínhamos aqueles meios aéreos, navais e terrestres, se a guerra não estava militarmente perdida, se tínhamos a tropa moralizada, se estávamos superiores ao PAIGC, então porquê o cessar-fogo, coisa que não se pediu aos guerrilheiros de Angola e Moçambique? Espero que a resposta venha na volta do correio. E, já agora, seria útil sabermos se estes militares não tínham em conta a situação crítica no plano militar, sem vislumbre de saída.

Se dispúnhamos de superioridade, se não perdíamos posições, se resistíamos e dissuadíamos o PAIGC, então porque razão se desfez em escassas semanas a operacionalidade na Guiné? Como escreve o historiador António José Telo no segundo volume da sua História Contemporânea de Portugal, página 155 (Editorial Presença, 2008), "poucos dias depois da Revolução dos Cravos nasce nas unidades militares da Guiné o MPP (Movimento Para a Paz), com uma forte presença de oficiais milicianos. Se Lisboa não assinar de imediato um cessar-fogo com o PAIGC, iniciar-se-iam negociações directas para entregar o poder".

A situação revelou-se caótica, uma catadupa de unidades aprovou moções de recusa da luta armada contra o PAIGC, logo no inicio do Maio de 1974. A cadeia de comando desmoronou-se, a Emissora Nacional da Guiné fazia oficialmente apelos a favor do PAIGC e os serviços oficias do exército distribuíam fotografias de Amílcar Cabral. Será fácil contestar, dizendo que o MFA foi o mau da fita. Não foi, a firmeza em combater estava totalmente desvanecida, a hipótese de colapso militar que Spínola insinuara numa carta a Silva Cunha em Maio de 1973 era sentida não na superioridade militar mas na chegada e uso de armamento que não tinha contrapartida por parte das nossas forças armadas. Os diplomatas portugueses, como veremos adiante, desde a segunda metade de 1973, tudo fizeram para adquirir o armamento compatível. Foi recusado, sem sofismas, a diplomacia ocidental afastara-se definitivamente do colonialismo português.

Devo um esclarecimento a Graça Abreu quanto à expressão "uma guerra está militarmente perdida quando o adversário tem armamento tecnologicamente superior". A expressão só tem sentido por causa do armamento para o qual não tínhamos respostas: os mísseis terra-ar, os foguetões e os morteiros de longo alcance. Psicologicamente, esta tecnologia calou fundo nas nossas tropas. Carlos Fabião escreveu: "Com a chegada dos Strella, a guerra acabou". Como se sabe, Carlos Fabião conhecia a Guiné como ninguém e não se lhe conhece leviandade. Para a semana continuo.

Um abraço para todos, Mário Beja Santos

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Notas de L.G.:

(1) No dia 21 de Maio o Beja Santos já tinha dado uma primeira respost ao António Graça de Abreu, nosso querido amigo e camarada que esteve connosco no III Encontro Nacional, em Monte Real, no dia 17 e Maio:

Assunto - Uma boa polémcia ques e avizinha

Prezado António Graça de Abreu,

Venho agradecer-te o conhecimento que deste do texto enviado ao Luís Graça. Espero pela publicação e depois passarei a responder-te aos bochechos,abordas diferentes pontos e omites muitos outros,disse-te que tenho vários dossiês profissionais em mãos e urge acabar o 2º livro, muito mais trabalhoso que o primeiro.

Como te falei em estudo, procurarei pôr em cima da mesa a opinião daqueles que lidaram com as decisões políticas e militares no período crucial que leva,em minha opinião,ao reconhecimento do colapso da frente da Guiné...

Como te disse, desconheço o teor das conversações de Londres, em Março de 1974,terei que referir o que o Rui Patrício insinua acerca do eventual cessar-fogo proposto pelo Governo de Marcello Caetano. Luis Cabral também não se espraia, o diplomata português envolvido, que eu saiba, preferiu guardar sigilo, não se percebe porquê.Só que a iniciativa do pedido do cessar-fogo foi das autoridades portuguesas,não devemos iludir o significado desta iniciativa.

Haverá pontos que me recusarei a tratar,caso dos dirigentes do PAIGC que não viviam com os seus guerrilheiros, acho a questáão de tão mau gosto e politicamente tão degradante num blogue como o nosso que não haverá da minha parte quaisquer comentários,temos de definir limites mínimos de elevação na discussão pública quando na nossa luta, por causa dela e a despeito dela, se forjou um Estado independente.

E vamos agora arregaçar as mangas! Saudações tertulianas, Mário Beja Santos


(2) Vd. poste de 22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

(3) Victor Saúde Maria (1939-1999), militante, fundador e dirigente do PAIGC. Foi o primerio Ministro dos Negócios Estrangeiros da jovem república da Guiné-Bissau (1974-1982), sob a presidência de Luís Cabral. Foi também 1º Ministro, depois do golpe de Estado de João 'Nino' Vieira, num período relativamente curto, de 14 de Maio de 1982 a 10 de Março de 1984. Esteve preso por alegada conspiração contra o vencedor do golpe de Estado de 1980. Regressou à pátria já na década de 1990, tendo fundado em 1992 o Partido Unido Social Democrata (PUSD). Ainda concorreu às eleições presidenciais em 1994. Morreu, aparentemente de doença, em 25 de Outubro de 1999.

Guiné 63/74 - P2882: Estórias de Juvenal Amado (9): Há dias de sorte

Foto 1> Galomaro, vista a partir do campo de futebol


Foto 2> Galomaro> Morteiro 81 e traseira da Messe de Oficiais e Sargentos


Foto 3> Galomaro> Cantina> Ivo, Confraria de costas, Juvenal, Sarg Silva, Aljustrel e de barbas o que veio a falecer pouco de depois do regresso.


Foto 4> Galomaro> Abrigo da MG depois do ataque

Fotos e legendas: Juvenal Amado (2008). Direitos reservados


Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor,
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro,
1972/74

1. Estamos a publicar mais uma estória do Juvenal Amado, esta enviada em 22 de Março de 2008.





Há dias de sorte

Galomaro, Zona Leste da Guiné, 1 de Dezembro de 1972 .

O radiotelegrafista José Confraria, à minha frente, acabava de reprovar, franzindo o sobrolho por trás dos óculos, uma jogada minha, naquela partida de sueca que nos opunha ao Glória e ao Costa, dois Sapadores da nossa Companhia.

Faltam talvez 15 minutos para as 22 horas, hora do fecho da cantina.

A cantina não é mais que um telheiro em chapa de zinco, com duas paredes, uma onde está o balcão com as arcas frigorificas a petróleo e a outra em frente, que tapa a vista para as palhotas do povoado de Galomaro. É pois um sítio, que tem uma abertura tipo esplanada, que dá para o arame farpado do lado do campo de futebol e, do outro lado para o Restaurante da Morte Lenta (1).

A partida era, como sempre, muito animada com muitos ralhos da parte dos nossos opositores, que era bem de ver estavam a perder e a caminho de terem que pagar as cervejas, correspondentes aos dez traços marcados a lápis, num bocado de papel.

Escusado será dizer que pagar as cervejas era mesmo assim muito menos doloroso que ouvir as piadas de quem ganhou. Quem ganhava eram sempre uns leiteirosos. As desforras ficavam logo ali prometidas.

O som dos geradores que forneciam a sempre precária iluminação, ouviam-se sem descanso. Os holofotes iluminavam o Quartel em redor, uns cinquenta metros para além do arame farpado.

O Destacamento que servia de casa aos cento e tal homens, que compunham a CCS, era um rectângulo que tinha a nascente o campo de futebol, a Norte a pista de terra batida onde podiam aterrar avionetas ou helis e, a Sul e a Poente éramos rodeados pela povoação.

Foi pois nessa luz pouco precisa, que o Gasolinas (2) viu um estranho movimento de um rebanho de ovelhas e carneiros que, de forma muito ordeira, se estendiam numa linha paralela ao campo de futebol, partindo do lado direito, onde estava o posto de sentinela à frente da oficina da ferrugem, para a esquerda na direcção da bem visível sala da cantina.

O Lourenço periquito (3) que estava de serviço ao mesmo posto, embora fora da sua hora de sentinela, começou a dizer ao atarantado Gasolinas que eram turras, e que fizesse fogo.

Mas o medo do que o Comandante podia fazer a quem desse tiros sem razão, era ainda maior e o nosso camarada recusou.

O Lourenço vai ao nosso abrigo, agarra na G3 e corre para o posto, onde tinha presenciado os tais movimentos suspeitos.

Acabo de bater uma carta e nisto, uma rajada de metralhadora soa agressiva. Fiquei tenso, com o coração aos pulos, podia ser engano e alguém ter disparado sem querer. Mas outra rajada e já estou a correr na direcção do meu abrigo, entro e está o Caramba com os seus quase dois metros, sentado no beliche a rir e a contar entre as gargalhadas, que tinha sido o periquito a dar os tiros e que agora estava lixado com o Comandante (4):
- Logo lhe ia passar a vontade de rir.

Não me convence, estou a pôr as cartucheiras e a pegar na minha G3, pois a minha experiência de andanças pelas companhias operacionais, diz-me que ali há coisa da grossa.

Ouve-se a terceira rajada. Os guerrilheiros após a terceira rajada, sentem que foram mesmo descobertos e é nesse momento, que iniciam o ataque. Neste lapso de tempo ainda se começa a ouvir o tenente Raposo (5) a gritar:
- Quem foi a besta que deu os tir….

Já não acaba a frase, pois as explosões e o matraquear das automáticas abafam a sua voz.

O barulho é ensurdecedor, olho pela fresta do abrigo que está virada para a pista de aviação, meto a espingarda e disparo uma rajada, no acto continuo uma bola de fogo vem na minha direcção, o Caramba puxa-me para baixo, o RPG explode a poucos centímetros de onde eu tinha feito os disparos, já não ouço nada, estou meio cego pelos clarões, olho para a porta e o que vejo são autênticas cortinas de tracejantes, mas é necessário sair para a vala e responder ao fogo do inimigo, não sabemos se já há reacção da nossa parte ou não, aqui está a funcionar o nosso instinto de sobrevivência.

O Dias (6) está à minha frente e quando ele salta para fora, eu salto de seguida e mergulho de cabeça na trincheira, corremos agachados e espezinho o Borges cozinheiro, que está só em cuecas no fundo da vala.

O cheiro dos explosivos sufoca-nos, disparamos sem cessar mas sem vermos nenhum alvo, a não ser os clarões dos disparos. Dentro da minha cabeça, parece que alguém bate sem parar tampas de panelas.

Os RPG explodem contra os telhados, abrigos e à falta de encontrarem onde bater, explodem no ar, mandando uma chuva de estilhaços para baixo.

Os apontadores do morteiro 81 mm que está entre o meu abrigo e a messe dos oficiais, fazem finalmente o primeiro disparo, na atrapalhação penso que não tiraram a cavilha do projéctil, mas tiraram dos outros, a provar isso foi o efeito devastador nas árvores que foram atingidas.

Do outro lado do quartel o maqueiro Russo tinha entrado no abrigo do morteiro 60 mm, disparou a primeira granada. Quando constatou que a mesma tinha ultrapassado o quartel e rebentado na orla da mata, disparou sem parar e talvez tenha sido a reacção dele, que tenha posto em fuga o inimigo.

A nossa posição tinha sido atingida pelo o menos, com cinco impactos directos de RPG, o abrigo da metralhadora MG estava destruído, eles vinham bem informados das nossas defesas e posições.

O som das explosões tinha abrandado, só se ouviam as nossa rajadas, as saídas de morteiro e o som cavo do rebentamento no chão das suas granadas.

Nisto um Jeep com os faróis acesos na direcção da mata, avança pela pista de aviação com o Comandante aos gritos para que parássemos com os tiros, pois o inimigo já tinha retirado. Felizmente não se tinha enganado.

No silêncio e na escuridão olhei para os meus camaradas que estavam na vala, o Caramba, Dias, Piriquito, Ermesinde, todos pensávamos nos mortos que de certo tínhamos a lamentar.

O que se tinha passado tinha sido de uma tal violência, que não podíamos esperar outra coisa. O Pel Rec tinha saído em patrulha nocturna. Como normalmente um pelotão era largado ainda de dia, numa zona a seis ou sete quilómetros do Quartel e depois progredia até um ponto pré determinado onde se emboscava.

Fazia parte da segurança, mas no caso envolveu riscos, pois os guerrilheiros meteram-se entre o quartel e o Pelotão no mato e o batimento de zona, podia atingir esses nossos camaradas.

Só pensava no que lhes teria acontecido. Na minha confusa cabeça, fervilhava toda a espécie de cenários de catástrofe. O que teria acontecido aos meus colegas de jogo? Passado o combate não consigo deixar de tremer.

A pouco e pouco, tudo volta ao normal na anormalidade que é a nossa situação. Passaram horas e alguém vem informar, que o Pelotão de patrulha está perto do aquartelamento e que, é preciso não os confundir com o inimigo e disparar sobre eles. Temos o nervos em franja e tudo pode acontecer.

Com o passar das horas, também fico a saber que afinal não tinha morrido ninguém e nem feridos havia, para além de escoriações motivadas pelas aterragens no chão, havendo contudo alguns camaradas atingidos com pequenos estilhaços.

Quando finalmente amanheceu, o cenário era de alguma destruição a nível dos telhados. Havia grandes pedaços de metralha espalhados por todo o lado. O meu abrigo tinha vários buracos de granada mas só uma tinha entrado ao nível do tecto, cortando como se cartão fosse, as barras de ferro que o sustinham.

Mortes, só as galinhas do periquito, pois a capoeira desapareceu por completo.

Hoje, quando nos encontramos nos almoços ou noutras ocasiões, vêm sempre à baila estes ou aqueles episódios sobre a nossa permanência em terras da Guiné, mas nunca me esqueço do puxão que o Caramba me deu, nem da coragem do Lourenço periquito, que evitou com o seu acto naquele 1.º de Dezembro, que os nomes de muitos de nós figurassem hoje na listagem de mortos de guerra. Os guerrilheiros quando se acabassem de posicionar, fariam um autêntico tiro ao alvo com os camaradas, que se encontravam na dita cantina.

Anotações do autor:

(1) - Refeitório dos praças.
(2) - Gasolinas, alcunha dada ao nosso camarada que era responsável pelos combustíveis. Infelizmente veio a falecer já depois do nosso regresso em acidente de viação.
(3) - Periquito, alcunha dada aos soldados maçaricos, da qual o Lourenço nunca se livrou, embora ele só tivesse chegado à nossa companhia, após quatro meses depois de nós.
(4) - O Tenente-Coronel José Maria Castro e Lemos era o Comandante de Batalhão.
No dia da nossa chegada a Lisboa após alguma espera, tomou a atitude largamente ovacionada por nós, de nos mandar desembarcar do Niassa, uma vez que por parte das autoridades do regime, nenhuma comissão de boas vindas ao Batalhão se apresentou como era da praxe.
(5) - Tenente Raposo comandante de companhia.
(6) - Dias, Soldado do Pel Rec, Pelotão de Reconhecimento e Informação. que veio a falecer, segundo me disseram, debaixo de um tractor na sua terra natal.

Juvenal Amado
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Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2008> Guiné 63/74 - P2779: Estórias do Juvenal Amado (8): O último Natal em Galomaro (Juvenal Amado)