domingo, 21 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1452: Em busca de: À procura da 26ª Companhia de Comandos (Rui Esteves)

Guiné > Bissau > Voz da Guiné > Separata do nº 203, de 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia dos Comandos (1). Mais fotos, na 3ª página, da autoria do fotógrafo Álvaro Geraldo. Nesse dia, o Batalhão de Comandos da Guiné passou a ter mais 2 Tenentes, 1 Alferes, 12 Primeiro-Sargentos, 3 Segundo-Sargentos e 24 Furriéis. Na foto do canto superior esquerdo, Spínola impõe os galões a um novo tenente.


Foto: Eduardo Ribeiro (2006). Direitos reservados.

1. Alguém, com endereço de e-mail registado num domínio francês, mandou-me há dias a seguinte mensagem sobre a 26ª Companhia de Comandos:

"Gostava de ouvir falar desta Grande Companhia, a que eu pertencia. EStivemos en Brá e em Teixeira Pinto nos anos 70 e 72. Muito obrigado".

A mensagem não vinha assinada. Mas o dono do endereço é Martin Celeste (pereiraraffet@yahoo.fr).

Tudo indica tratar-se de um camarada que emigrou para França, depois da sua desmobilização.

2. Resposta do Rui Esteves, membro da nossa tertúlia (ex-furriel miliciano enfermeiro, CCAÇ 3327, Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73) (2):

Contactei com a 26ª Companhia de Comandos na região de Teixeira Pinto. A minha Companhia – Companhia de Caçadores 3327, Açoreanos – esteve a fazer segurança aos trabalhadores que abriam caminho, à catanada, para a estrada que ia ligar Teixeira Pinto ao Cacheu.

Que isto dizer que a Companhia de Caçadores 3327 acampou durante cerca de 4 meses ao longo da futura estrada.

E, a fazer segurança a nós – pobres periquitos acabados de chegar à Guiné em Janeiro de 1971 – tínhamos a 26ª CCmds ou uma Companhia de Paras ou de Fuzileiros (alternavam, uma noite cada uma).

Numa das manhãs em que a 26ª Companhia de Comandos estava a sair da nossa beira houve um ataque do PAIGC que se saldou por alguns feridos, alguns com gravidade.
Um dos feridos, ligeiros, era um furriel da 26ª de que já não recordo o nome (só me lembro que já era a 2ª vez que ficava ferido em combate).

Os feridos com gravidade eram do PAIGC e tiveram prioridade na evacuação para o Hospital de Bissau. Eu fui o furriel enfermeiro que os tratei.

Quanto aos contactos – lamento, não tenho.

Rui Esteves
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts

16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1438: Questões politicamente (in)correctas (18): A derrota (mais política do que militar) afectou mais a tropa especial (Carlos Vinhal)

(2) Vd. postas anteriores do Rui Esteves:

29 de Novembrod e 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIX: Parece que foi ontem (CCAÇ 3327, 1971/73: Teixeira Pinto, Bissássema) (Rui Esteves)

29 Novembro 2005> Guiné 63/74 - CCCXXI: Catotinha, uma bajudinha manjaca (Rui Esteves)

30 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIV: A escola de Bissássema (CCAÇ 3327, 1971/73) (Rui Esteves)

13 Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXII: O meu primeiro contacto com um leproso (Rui Esteves)

17 Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIX: Uma aposta estúpida (Rui Esteves)

Guiné 63/74 - P1451: Tabanca Grande: Vítor Cordeiro, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72 (Bissum, 1972/74) - Muitas estórias, muitas saudades dessa terra que aprendi a amar




O Vitor Cordeiro, em 1973, em Dugal (furriel miliciano da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4610, 1973/74)) e hoje (professor aposentado e jornalista, residente em Ourém).

Guiné > Região do Oio > Bula > Bissum > 1972 > Vista aérea
Fotos: Vitor Cordeiro (2007). Direitos reservados

1. Mensagem do Vitor Cordeiro, solicitando a sua entrada na nossa tertúlia:

Amigo Luis Graça

Antes de mais, os meus parabéns por este magnífico trabalho.

Sou assíduo leitor (desde que o descobri) dos relatos, histórias, comentários, vivências que nele vão sendo inseridos... e quantas vezes com as lágrimas nos olhos... relembrando com nostalgia os tempos em que, jovem, fui calcorreando os adustos e poeirentos caminhos da Guiné, dia a dia, mês a mês, até perfazer dois anos (e mais qualquer coisa), e assim cumprir o destino que até lá me levou para servir a nação (como então se dizia) na qualidade de combatente das forças armadas.

De lá para cá, tudo quanto à Guiné diga respeito me passou a interessar, e durante muitos anos fui rememorando sozinho a minha passagem por aquela terra que aprendi a amar. Os momentos difíceis (as patrulhas de reconhecimento no mato, os ataques, a fome, o cansaço, a dor, a saudade...) e os momentos bons (as jantaradas no Solar dos Dez, no Pelicano, as bebedeiras na Cervejaria Império, no Café Ronda, no Café Bento - a 5ª Rep -, as escapadelas ao Chez Toi, ao Pilão...), todos eles foram fazendo parte das minhas recordações que, ano após ano, mais se acentuavam e me torturavam na impotência de os poder partilhar com quantos comigo conviveram nestes momentos e com os quais se enraizou uma amizade cimentada pelo sofrimento, pela distância e pela saudade.

No entanto, em 2004, pondo mãos à obra e com a ajuda das novas tecnologias, consegui encontrar quarenta e cinco camaradas da mesma companhia. Com eles e respectivas famílias, o primeiro encontro, em Fátima, constituiu um dos melhores momentos da minha vida, e depois deste mais dois se realizaram. No último (em Aveiro), consegui que comparecesse um faxina da companhia, o Armando Sanhá, à altura com quatorze anos, e que a todos deliciou com a sua presença.

Amigo Luis Graça. Seria um prazer enorme pertencer à vossa tertúlia. Para o caso de assim o entenderes (custa-me o tratamento por tu, mas são as regras...), passo à minha apresentação, tomando a liberdade de enviar três fotos: uma de um dos lugares da Guiné onde esteve a minha Companhia; uma minha do tempo em que era um jovem combatente; e outra, recente.

Nome: Vitor Manuel Maia Cordeiro
Profissão: Professor (na situação de aposentado)
Outras actividades: Director de um semanário local; Director Pedagógico de uma Escola de Ensino Especial.

Situação militar: Furriel Miliciano - Atirador de Infantaria
Mobilizado para a Guiné com partida (de avião) a 18 de Junho de 1972. Regresso (também de avião) a 13 de Julho de 1974.
Pertenci à 2ª CCAÇ do BCAÇ 4610 à qual demos o nome de Os Terríveis (só porque o seu comandante se chamava João Terrível)
Locais por onde passámos:

Cumeré (para tirar a IAO)
Bissum (Região do Oio e junto ao rio Armada)
Cafal Balanta, Cafine e Cobumba (Zona do Tombali, na Mata do Cantanhês e junto ao rio Cumbijã)
Dugal (entre Nhacra e Mansoa e já na fase final da comissão).
Histórias: muitas...

Com um abraço para o Luis Graça e para todos os tertulianos, fico a aguardar notícias.
Vitor Cordeiro


2. Comentário de L.G.:
Vitor: Já me tinhas enviado um mail anterior, este será portanto uma 2ª via... Não o consigo localizar de momento (tenho duas caixas de correio), mas tu não estavas esquecido... Como deves imaginar, o tráfego já é muito... E todas as semanas aparecem novos camaradas.

Fico muito contente por apareceres: és bem vindo!... Cumpriste as regras, vou apresentar-te ao pessoal e dar-te a nossa lista de endereços (amanhã ou depois)... A partir de agora, aparece, com os teus escritos, as tuas estórias, sempre que te apetecer... A caserna é tua, é nossa... Talvez lá mais para a frente nos possamos encontrar aí para os teus lados... Talvez no Pombal... Já fizemos um primeiro encontro em Outubro passado...

Um abraço.
Luís

sábado, 20 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1450: Operação Jóia ou o dia mais trágico da minha comissão (Fernando Chapouto)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Geba > Banjara > CCAÇ 1426 > Dezembro de 1965 > "As armadilhas não são só para para o IN, as hienas também caiem nelas"...

Guiné > Zona Leste > Subsector de Geba > Banjara > CAÇ 1426 > Maio de 1966 > "As horas tinham que ser bem aproveitadas para pôr a escrita em dia, ouvir as notícias..."

Fotos e e legendas: © Fernando Chapouto (2006). Com a devida vénia... Do sítio O Cantinho do Fernando.

Guiné > Zona Leste > Subsector de Geba > Geba > CCAÇ 1426 (1965/67) > O Fur Mil de Op Especiais Fernando Chapouto. Da sua página pessoal retirámos os seguintes elementos biográficos, relativos à sua comissão na Guiné: (i) Partida no Niassa em Agosto de 1965; (ii) Em Outubro de 1965 está em Camamudo; (iii) Em Dezembro de 1965 passa por Banjara; (iv) Em meados de 1966 está destacado em Geba; (v) Em Março de 1967 está em Cantacunda; (vi) Em Maio de 1967 regressa à metrópole no Uíge; (vii) Recebeu uma cruz de guerra.

Mensagem do Fernando Chapouto com data de 16 de Janeiro de 2007:

Caro Luís:

Quarenta anos passados, ainda tenho na minha mente este dia [, 16 de Janeiro,] como o mais trágico da minha permanência na Guiné, como passo a relatar a seguir:

No dia 16 de Janeiro de 1967, pelas 4 horas da tarde, deixámos Geba a caminho de Banjara, parámos no cruzamento de Sinchã Sutu à espera da coluna que vinha de Bafatá com carros de combate e sodados que ficavam a prestar segurança enquanto o pelotão aí estacionado não regressava da operação [,Operação Jóia].

Chegada a coluna, começámos a marcha até Banjara, a picagem até Mansaina foi feita pela Milícia de Sare Banda e de Banjara a Mansaina pelo pessoal do pelotão aí estacionado. Chegados a Banjara, toca a comer a ração de combate e descansar ao relento.

Às 6 horas da manhã, depois de tomarmos o café, saímos em direcção a Madina Banjara passando por Tumania, Bantajã e Belel. Até aqui tudo normal, páramos e começámos a passar a bolanha que ainda se apresentava com bastante água dando pela cintura. Passando a bolanha desviámos para a esquerda até Madina Banjara. A vegetação começou a ser cada vez mais densa e a floresta cada vez mais alta.

Uns dois ou três quilómetros à frente eis que surgem umas palhotas desviadas da picada, metidas no meio da floresta dens. Como eu ía a frente fiz sinal para o pessoal se dividir e cercar as palhotas. Rápidos, eu e a Milícia entramos de rompante. Um soldado da milícia disse:
- Meu Furriel ali! - foi o suficiente para eles nos alvejarem. Vem um tiroteio na minha direção, rebolei para trás duma árvore mas isto numa fracção de segundos e tudo passou e eu saí ileso.

Chegou a Capitão, contei-lhe o que se passou, mandou revistar as palhotas. Apenas encontrámos um deficiente dos membros inferiores que não andava, só rastejando, e era transportado em padiola de tabanca em tabanca. Já o tinhamos encontrado em Dezembro de 1965 em Sambulacunda, tínhamo-lo deixado em paz, mas desta não escapou, porque segundo os prisioneiros ele era o chefe do sector.

Resultado do tiroteio: dois elementos IN abatidos... Toca então na regressar pelo mesmo itinerário. Quando chegámos à bolanha parámos. O Capitão disse que o meu pelotão ía atrás quando o meu ía sempre à frente. Não me deram justificação alguma, mas pensei:
- Todas as emboscadas que temos tido, eu vou na frente do meu pelotão, com a minha secção... E até à data felizmente nada nos aconteceu de gravidade, apenas uns arranhões dos estilhaços das granadas... - O meu pessoal olhou para mim, porque respondi:
- Não sei de nada, são ordens!

Passou para a frente o outro pelotão que era o do Furriel Vaqueiro (2). Começando a atravessar a bolanha eis que se ouvem três tiros que pareciam de Mauser. Disse:
- Os cabrões dos pretos [milícias] estão a brincar... - pois só eles é que tinham Mauser.

De imediato começámos nós a passar, o outro pelotão já tinha passado e mantinha a segurança para a nossa passagem. Eu ia à frente e, quando saí da água, surge o Cabo Enfermeiro,todo aflito:
- Temos um morto, um soldado nativo, e um ferido, um soldado branco.
- Não pode ser! - mas era verdade. Cheguei-me lá mais adiante, tomando todas as cautelas e certifiquei-me que era verdade.

Chegou o Capitão, informei-o do acontecido, mandou-me arranjar pessoal para transportar o morto, ninguém era capaz, devido ao sangue que tinha, pois o tiro tinha-lhe acertado mesmo na testa. Tive de ser eu a acarretar com as despesas. Dois pretos ajudaram-me, eu nas pernas e eles em cada braço.

Até à data nem mais um tiro, mas quando recomeçámos a marcha, os tiros voltaram na minha direcção.. Deitei-me no chão e disse para me deitarem o cadáver em cima de mim de costas com as pernas para os meus ombros. Assim foi, levantei-me e toca andar. Os tiros levantavam poeira a minha frente, caio não caio mas não temi, tinha que cumprir a missão já que os brancos não me ajudaram. Saí da zona de perigo e eu lá continuei mais umas centenas de metros, depois de fazer uma pequena subida mais adiante

O Capitão mandou tirar-me o morto das costas, eu estava exausto pois o calor apertava, era perto da uma da tarde. Bebi uma Perrier que costumava levar sempre, mas não foi o suficiente e eu estava mal, passei pelo Vaqueiro e disse-lhe que estava com sede e ainda faltavam alguns quilómetros para chegarmos a Banjara. Ele pegou noutra Perrier e dei-ma, grande amigo,

Chegámos a Bantajã, arranjou-se uma padiola para melhor transportar o morto e continuámos ao passar por Tumania. Pareceu ouvir-se alguma coisa estranha mas nada de anormal, estava tudo como dantes. O Capitão pediu dois ou três voluntários para ir à frente para que viesse uma viatura à berma da bolanha buscar o morto, lá fui mais uma vez ,voluntário, e ninguém me seguiu pois ainda eram uns quilómetros até Banjara.

Um quilóemtro ou mais sinto passos atrás de mim mas ao longe disse para comigo:
- É hoje que vai haver festa, nada de parar.

Quem vinha atrás de mim acelarava, eu também, vi que o abuso já era de mais, voltei-me rapidamente, era o Lamin, o guarda-costas do Capitão, isto já perto da bolanha onde já tinhamos tido emboscadas. Acenei-lhe com a cabeça, dizendo-lhe que tivesse mais cuidado ou que chamasse por mim. Ele era preto mas ficou branco com o meu movimento... Cheguei à estrada perto do pontão, fiz sinal com a G3 ainda distante, logo uma viatura apareceu, disse-lhes para ir à bolanha buscar um morto

Chegámos a Banjara por volta das quatro da tarde e toca logo a processar-se o regresso, meter umas cervejas para refrescar e uma bucha, chegando a Geba por volta das seis da tarde.

Foi assim o dia mais triste da minha permanência na Guiné, pois foi o único morto que tivemos em combate, depois de termos emboscadas com mais intensidade de fogo (incluindo granadas) e foi a minha última operação (3).

Um abraço.
Fernando Chapouto
________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 1 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1233: O meu cantinho na Net (Fernando Chapouto, CCAÇ 1426, Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, 1965/67)

(2) Belmiro Vaqueiro é outro dos membros da nossa tertúlia: também fez parte da CCAÇ 1426. Hoje reformado, reside em Bragança: vd post de 26 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXII: CCAÇ 1426 (Geba, 1965/67): Presente! (Belmiro Vaqueiro / A. Marques Lopes)

(3) Vd. páginas, no nosso sítio, sobre este subsector: Geba, Banjara / Cantacunda. Recorde-se que, a seguir ao Chapouto e ao Vaqueiro, quem esteve neste subsector foi o A. Marques Lopes, que era Alf Mil da CART 1690.

Guiné 63/74 - P1449: Para breve, a história da CCAÇ 2317, que esteve em Gandembel e Ponte Balana (Idálio Reis)

Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > "Foi na fonte de Semba Uala que os nossos corpos se retemperaram de energias abaladas. Também, com exasperados desejos, se buscavam encontros de encantos"... Quem escreveu isto é um poeta, um sobrevivente de Gandembel e Ponte Balanta, Idálio Reis. Promete-nos, lá para a Páscoa, a história completa da sua CCAÇ 2317, ilustradas com uma centenas de fotos seleccionadas. Se tiverem a qualidade das que já publicámos, é um duplo prémio para os membros da nossa tertúlia e para os nossos visitantes...

Foto: © Idálio Reis (2006). Direitos reservados.



Mensagem do Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1):

A minha Companhia e a sua história

Caro Luís

Começo a vislumbrar o fim da minha escrita quanto à odisseia da minha Companhia. Ela será contextualizada grandemente de um arquivo muito próprio, o da minha memória. Mas nem sei como consegui extrair tanta coisa deste velho baú. Julgo contudo que o seu arrumo foi importante.

Durante muitos e muitos anos, fiz por esquecer, retemperei energias, refiz com dificuldades a minha vida, mas atingi o que me prometera, e agora com o processo de aposentação na CGA, irei para o outro lado da barricada, que obviamente me facultará mais tempo para ir blogando...

Luís, o que pretendo de ti, é que me indiques se os passos que tenho em mente, são os mais indicados. Divido esta história em 7 capítulos, 4 dos quais se relacionam directamente com Gandembel/Ponte Balana. E estes podem ser um pouco longos, e a sua leitura ressente-se.

Esta história tem uma ilustração de uma centena de fotografias, que procurei melhorar no Photoshop, e que formatei em jpg.

Como achas mais conveniente o envio de tudo isto? Não será possível obviamente remeter tudo isto de uma vez, mas espero que até à Páscoa dê concretização a este anseio.

E é tudo, por agora. Um cordial abraço do Idálio Reis


2. Comentário de L.G.: Idálio, antes de mais, o meu/nosso desejo de uma longa, activa, produtiva e saudável ...aposentação. É bom saber que tens projectos para o dia seguinte: para não te acontecer o que acontece a muito boa gente que não prepara a reforma... E agora, o que é que eu fazer com este tempo todo à minha frente ?

Ficamos todos entusiasmados com as notícias que nos dás... Não te preocupes com o formato do teu texto... Tens alguns exemplos já inseridos no nosso blogue ou ainda em fase de publicação (por exemplo, A. Marque Lopes, Zé Neto, Zé Teixeira, Paulo Raposo, Beja Santos, Paulo Santiago).

O melhor é seguires uma ordem cronológica... Se mandares as fotos com legendas (num CD-ROM, para o meu endereço de correio), eu depois faço a sua inserção. Mas depois discutimos isso em pormenor. Naturalmente que respeitarei as tuas indicações...
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores do Idálio Reis:

19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

Guiné 63/74 - P1448: Os quatro comandantes da CCAÇ 2586 (A. Santos)


Guiné > Zona Leste > Sector L3 > Nova Lamego > Centro de Mensagens e Central Telefónica > 1973 > O António Santos com o um chapéu de um camarad de transmissões da 38ª CCmds.
Foto: © António Santos (2007). Direitos reservados.

Mensagem do nosso camarada A. Santos, Ex-Sold Trms, Pel Mort 4574/72, Zona Leste, Sector L3, Nova Lamego,1972/74:

Luis, amigos e camaradas.

Sobre o post 1446 (1), posso esclarecer, se isto ajudar, que a CCAÇ 2586 teve como comandantes 4 capitães, que passo a descrever:

1 - Evaristo Ramalhinho Duarte, Cap Inf;

2 - João Carlos Carvalho de Castro, Cap Mil Inf (Também foi comandante da CCAÇ 13);

3 - Rui Fernando Alexandrino Ferreira, Cap Mil Inf (Também foi comandante da CCAÇ 18) (2);

Guiné > O Cap Ferreira, o nosso querido camarada de tertúlia, hoje coronel na reforma Rui Alexandrino Ferreira, autor do livro de memórias, Rumo a Fulacunda. 2ª ed. (Viseu: Palimage Editores. 2003) (2)


4 - Eugénio Batista das Neves, Cap Inf (Também foi comandante das CCAÇ 1438 e 2404, da CCS BCAÇ 2834 e da CCS BAÇ 2852).

Com isto talvez o Cap João Godinho, se recorde de qual deles comandou a CCAÇ 2586, no dia 21 de Abril de 1970. de má memória.

Um alfa bravo para todos.

A. Santos

SPM 2558

PS - Aproveito para enviar uma foto captada na parte de fora do centro de mensagens e central telefónica do Batalhão de Nova Lamego. Uma curiosidade: o chapéu pertencia a um telegrafista da 38ª Companhia de Comandos, do nosso camarada Amílcar Mendes.

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Notas de L.G.:


(...) "Acabo de falar com o Cap João Godinho. É muito terra-a-terra. Forneceu-me as seguintes informações: (i) Quem procedeu ao levantamento dos corpos, na manhã seguinte, [21 de Abrild e 1970,] foi a CCAÇ 2586, comandada por um capitão de que já não se recorda o nome (companhia teve 4 ou 5 comandantes)" (...)

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1447: Questões politicamente (in)correctas (21): o blogue e a segurança dos nossos ex-combatentes africanos

E-mail que me chegou em 20 de Dezembro de 2006, através do Beja Santos:

Questão posta por um colega do Beja Santos, do Instituto do Consumidor:

"Muito interessante! Contudo, gostaria que me esclarecesse uma dúvida: os nomes dos soldados guineeenses são verdadeiros ou ficcionados?

"Pergunto isto na medida em que, com a crescente difusão da Internet, na Guiné-Bissau poderão ter acesso ao Blogue do Luís Graça, logo os ex-combatentes do exército colonial português serão facilmente identificados.

"Coloco esta questão porque as feridas de uma guerra fratricida, naturalmente, ainda não estão completamente cicatrizadas.

"Aguardo mais episódios de um dos últimos soldados do Império português.

"Um abraço (...)"

Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

Continuação da publicação de peças do dossiê sobre o Massacre do Chão Manjaco, organizado pelo Afonso M. F. Sousa , que vive em Ovar e foi ex-fur mil transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70 (1).
E-mail de 17 de Novembro de 2006, enviado pelo Afonso M. F. Sousa ao Júlio Rocha, que lhe havia arranjado o contacto de João Godinho, o 1º. Sargendo da CCAÇ 2586 , agora já Capitão reformado, e que vive em Évora:
Amigo Júlio Rocha :


Acabo de falar com o Cap João Godinho. É muito terra-a-terra. Forneceu-me as seguintes informações:

(i) Quem procedeu ao levantamento dos corpos, na manhã seguinte, [21 de Abrild e 1970,] foi a CCAÇ 2586, comandada por um capitão de que já não se recorda o nome (companhia teve 4 ou 5 comandantes). O Júlio recorda-se do nome dele ?

(ii) Confirma-se que não foi o Ten Coronel Romão Loureiro (comandante do Batlhão, o BCAÇ 2884). Eventualmente poderá ter aparecido por lá, mas não teve essa missão. Ramalho Eanes, de todo, não esteve presente.

(iii) O sítio exacto...Pensa ele que foi a meia distância entre o Pelundo e Jolmete.
(iv) Os oficiais portugueses almoçaram e partiram depois para o fatídico encontro, que
terá ocorrido às 16 / 17 horas.
(v) Nove (9) foi o total de pessoas que se deslocaram para o encontro, em 2 jipes.
(vi) Mal apareceram numa clareira, foram fortemente fustigados a tiro - depois terá eventualmente havido confronto corpo a corpo. O jipe dos oficiais vinha atrás e não terá sido o mais atingido.

(vii) Para ele não houve uso de catana. Pensa que terá sido usada faca de mato.

(viii) À pergunta se não terá havido excesso de confiança no bom desfecho do encontro, confessa que não, porque tinham ocorrido já cerca de 12 reuniões e a integração de elementos do PAIGC já se vinha sentindo. O problema é o assunto estava a atingir já uma elevada dimensão e terá criado fricção com outros elementos (de cúpula) do PAIGC. E se calhar André Gomes (o protagonista desta barbárie) ter-se-á querido limpar perante os seus superiores.

(ix) Confirma-se que Spínola esteve no local e que chorava como uma criança. Fica-se sem confirmar se, efectivamente, 2 diantes ele veio à Metrópole (chamado por Caetano), visto que esteve no local fatídico. Era interessante saber, porque segundo muitas versões, o PAIGC
tinha como propósito fazer a sua captura, neste encontro.

(x) Para concluir, posso adiantar que foi este 1º Sargento João Godinho que passou o relatório dos acontecimentos. Disse-me que, provavelmente, ainda terá uma cópia lá por casa. Ele vai confirmar. Caso o tenha, pedi-lhe para me facultar uma cópia, visto que é um documento de cariz histórico. Ele acedeu. Depois contacta-me para confirmar.

Foram muito bons esclarecimentos. Quero agradecer ao Júlio por esta excelente pista. Ele envia-lhe cumprimentos.

De minha parte,

Um grande abraço.

Afonso M. F. Sousa
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)
17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)


Guiné > Região de Tombali > Catió > Ilhéu Infanda > Maio de 1970 > Assinalado com um círculo a vermelho, o João Tunes: está junto ao rádio, do lado esquerdo, em trono nu e auscultadores nos ouvidos.

Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.

T/T Carvalho Araújo > Em Maio de 1970, regressou a Lisboa com 4 urnas (dos três majores e do alferes, chacinados em 20 de Abril de 19970) mais a CART 2412, a que pertencia o Fur Mil Sousa.


Foto: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.


Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (1),
por Afonso M.F. Sousa


Correspondência trocada entre o Afonso M.F. Sousa e algumas das suas fontes de informação

1. Resposta do Júlio Rocha, em 16 de Novembro de 2006:


Camarada

Foi com grande surpresa que recebi o seu e-mail sobre o trágico assassinato dos Majores e do Alferes [, em 20 de Abril de 1970].

Eu pertencia à CCAÇ 2586 e, por coincidência, na altura estava de férias na metrópole e só quando regressei, em Maio de 70, tomei conhecimento do sucedido.

Também tive o prazer de conhecer os Majores quando estive no CAOP em Teixeira Pinto.
Eram oficiais de primeira classe e homens admiráveis.

A minha companhia é que foi buscar os corpos e todos ficaram chocados e revoltados com este crime de guerra.

Até agora nunca se soube quem estava por detrás deste crime. Eu penso que pertenciam ao grupo do Nino, será?

Um grande abraço
Júlio Rocha
Ex-Furriel Miliciano
CCAÇ 2686 (Pelundo, 1969/71)


2. E-mail do Afonso M. F. Sousa , de resposta ao Júlio, na mesma data:


Olá, caro Júlio (na Cova da Piedade) !


Há dias li, algures, que pertenceu à CCAÇ 2586 (Batalhão 2884) e que esteve no Pelundo até 2/7/1970 (2).

Antes de redigir o e-mail, até cheguei a pensar em contactá-lo previamente, para tentar saber mais algum pormenor. Mas fiz seguir o mail, endereçado-o também a si, com o intuito de suscitar uma eventual reacção sua. E, efectivamente, essa sua reacção aí está! O meu obrigado por isso.

Esta questão intrigou-nos, sobretudo aos da minha Companhia [, CART 2412, Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70], que, pouco mais de uma semana depois desta nata de militares ter sido morta, passou a escassas centenas de metros deste local fatídico de Jolmete, quando descíamos o Rio Cacheu, de LDG, vindos de Barro, rumo a Bissau, no termo da nossa comissão na Guiné.

E intrigou-nos porque, quando entramos para o navio Carvalho Araújo, para regressar a Lisboa, fomos surpreendidos com aquelas 4 urnas no porão do navio e depois de nos terem confidenciado (em voz baixa, atenção à PIDE) que tinha sido um grave acidente e que três deles eram majores.

Mais nada soube até há pouco tempo. A história, de facto, só se revelou com os escritos ou crónicas que vêm passando pela Internet.

Associei logo que eram esses bravos que tinham sido sanguinariamente mortos em Jolmete (na estrada Pelundo-Jolmete), e isto porque eles foram mortos em 20 de Abril [de 1970] e o navio partiu para Lisboa em 6 ou 7 de Maio. Portanto, eram eles. E a minha percepção veio a confirmar-se.

Quanto ao autor deste crime, o João Varanda garante que foi o André Gomes que consumou a brutal neutralização e liquidação dos majores, à catanada.

Esta proximidade (de datas, do Rio Cacheu, da utilização do mesmo navio para Lisboa) e sobretudo a forma selvagem como foram liquidados, suscitaram-me esta ideia de ir até junto da família de um deles, pelo menos, visitar a sua campa ou jazigo, abordar estes factos e relatar-lhes mais alguns pormenores da tragédia e, simultaneamente, recolher os seus pontos de vista e as informações disponíveis.


Uma espécie de acto de saudade no percurso de uma memória.

Mas o tema tem continuar a ser abordado, porque foi uma fase importante de toda a guerra da Guiné. Toda a política de Spínola passava por aqui, nestas datas, nestes sítios (Teixeira Pinto) e na concepção e desenvolvimento da operação Chão Manjaco. Depois tudo terá evoluido noutro sentido - também sem a correspondência de Marcelo Caetano à trajectória concebida por Spínola. E tudo veio a desembocar, por exemplo, nos fortes assédios de Guidaje e Guileje, em Maio de 1973. (Em Guidaje estivemos 7 meses, entre 1968 e 1969)

Aliás soube que a viúva do Major Joaquim Pereira da Silva (que reside em Espinho) tem uma carta do seu marido (recebida com o espólio). E em que ele pressagia que o encontro com o PAIGC vai correr mal. Isso poderia ser um sintoma de que tudo não estaria completamente controlado. Mas parece-me que a questão tem outra profundidade e advêm de acções de descontrolo (e eventualmente rivalidades) no seio do PAIGC, na zona. Mas seria interessante ter cópia desse documento, pois pode ter alguma relevância histórica.

Há também uma pequena divergência que subsiste. O sobrinho do Major Pereira da Silva disse-me que foi Ramalho Eanes que, no dia seguinte (21 de Abril), procedeu ao levantamento dos corpos. Que foi ele próprio (ou o filho) que o informou. Poderá haver algum lapso de comunicação porque, segundo o João Varanda, ele, nessa altura, encontrava-se em Bafatá. E o que li, algures, é que quem efectuou essa diligência foi o Tenente-Coronel Romão Loureiro.

Se for necessário poder-se-á tentar saber se Romão Loureiro é vivo e, em caso afirmativo, qual o seu testemunho sobre este assunto.

Para já não me alongo mais. Com naturalidade poderemos voltar ao tema. Os meus agradecimentos pelo contacto e pelo seu testemunho.

Um grande abraço.


Afonso M. F. Sousa
__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

(2) O Júlio Rocha já em tempos tinha contactado um dos nossos camaradas, o João Tunes:


Cópia de mensagem enviada por Júlio Rocha (19 de Dezembro de 2005)


Assunto: CCAÇ 2586/BCAÇ 2884 - Pelundo


Amigo Tunes:


Só há dias, através dum camarada que esteve comigo em Tavira, tomei conhecimento do site do Luis Graça e por muita satisfação encontrei-te no blogue.


Eu fiz parte da CCAÇ 2586 e estive no Pelundo até 02/07/70, dia em que tive o acidente quando me encontrava precisamente no teu quartel nessa noite, tendo de manhã sido evacuado para o hospital militar de Bissau e depois de ter estado internado e operado, vim evacuado para a metrópole em 21/07/70.


Era Furriel Miliciano do pelotão do Alferes Trindade. Costumo ir aos almoços do Batalhão [2884], se bem que ao último não pude ir. Devemos ser vizinhos, pois moro na Cova da Piedade. Bom natal para ti e vai dando notícias. Um abraço,

Júlio Rocha.

Guiné 63/74 - P1444: Adeus, estou de malas aviadas para Guileje (Leopoldo Amado)

Leopoldo Amado : (i) membro da nossa tertúlia desde Setembro de 2005; (ii) nasceu na Guiné-Bissau em 1960; (iii) tem a nacionalidade portuguesa; (iii) o pai era funcionário dos correios, tendo vivido em Bolama e Catió, terras que o Leopoldo conheceu bem quando miúdo; (iv) em 1981 concluiu, em Bissau, o curso de formação de professores liceais; (v) em 1986 licenciou-se em história pela Universidade de Lisboa; (vi) em Março próximo, irá apresentar-se em provas públicas de doutoramento em história contemporânea pela Universidade de Lisboa...

Fonte: © Leopoldo Amado (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do Leopoldo Amado:


Caro Luís Graça:

Estando eu com o pé no estribo para a Guiné, é minha obrigação comunicar-te e aos restantes membros da tertúlia de que apenas voltarei se for chamado para a defesa da minha tese, o que deverá ocorrer até Março, de acordo com as informações disponíveis.

Viajo sexta próxima e irei coloborar com com o projecto Guiledje da AD, juntamente com Pepito, nosso co-tertuliano e comum amigo. É também uma forma de me reencontrar com a Guiné-Bissau e suas/nossas gentes, após vários anos de alguma ausência e saudades da terra.

No entanto, espero poder continuar a acompanhar a Tertúlia e, na medida do possível, ir igualmente contribuindo uma vez por outra, pois a Internet ainda não chegou a Guiledje.

Quero agradecer pessoalmente aos membros da Tertúlia essa sã convivência (Luís Graça, João Tunes, Marques Lopes, Fortunato e os demais) , convicto de que ela é indispensável como necessário, pois contribuiu e certamente continuará a contribuir para o nosso crescimento como cidadãos do mundo, em suma, como parte integrante desta HUMANIDADE em que cuja construção queremos e devemos tomar parte.

Um Bem haja

Leopoldo Amado
Blogue: Lamparam III


2. Comentário do editor do blogue:


Querido amigo: Estou/estamos - posso seguramente falar em nome do resto dos amigos e camaradas da Guiné - divididos entre dois sentimentos, que não são necessariamente contraditórios: (i) alegria por te vermos a fazer coisas de que gostas, na terra que te viu nascer, a trabalhar com o Pepito no Projecto Guileje, como historiador, como especialista da guerra colonial/guerra de libertação; (ii) tristeza, saudade, morabeza, ao mesmo tempo, por te ver partir, por sentir a tua falta...


Em contrapartida, é também boa a outra notícia que nos dás: em Março próximo, lá iremos apertar-te os ossos e lá estaremos, na primeira fila, a assitir à apresentação e discussão da tua tese de doutoramento na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ali ao Campo Grande... A torcer por ti!...


Boa viagem, amanhã. Vai e volta com saúde. Estamos certos que o projecto Guileje - e com ele, a AD, o Pepito, os guineenses, nós todos - irá ganhar muito com a tua competência e empenhamento.
Sabes onde estamos.


Luís Graça & Camaradas da Guiné

Guiné 63/74 - P1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70)

Guiné-Bissau > Região > Guileje > Aspecto actual de um dos abrigos do antigo aquartelamento português.

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2007) (com a devida vénia...)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > Brasão da CART 2410, Os Dráculas (1969/70)

Fonte: Sítio do Jorge Santos > A Guerra Colonial > Brasões > Companhias > Companhias de Artilharia (com a devida a vénia ao nosso estimado camarada e amigo Jorge).




1. Mensagem de José Barros Rocha:


Bom dia, camarada Graça!

Ontem, por mero acaso, encontrei o teu blogue, mas como sou inexperiente e o que sei de informática é por autodidactismo, não consegui reagir através e dentro do dito blogue.

Assim, tentei sacar a tua caixa de correio que, creio, seja esta e por isso aí vai o meu contributo para a história dos abrigos de Guileje:

Fiz parte da CART 2410 -OS DRÁCULAS -, e cheguei a Guileje em Junho de 1969, e onde permaneci até Março de 1970.

Recordo-me que houve um Pelotão de Engenharia que durante esse período aí esteve sediado para construir dois abrigos de betão armado, e que se afirmava serem à prova das granadas do Morteiro 120 ou 122. Dois Pelotões aí tinham a sua residência!!! Tais abrigos localizavam-se por detrás do refeitório e à direita da saída para estrada que seguia para Mejo (1).

Também recordo a existência de peças de artilharia 11,4 e, ao que parece, também haveria obuses 14 (2).

Um grande abraço e continua a tua luta pela dignidade dos ex-combatentes de um lado e do outro da barricada. Em frente!!!

José Barros Rocha
ex-alferes miliciano

2. Comentário de L.G.:

Camarada Rocha: Fizeste bem em contactar-me. Essa é uma informação preciosa que eu já comuniquei ao Nuno Rubim e ao Pepito. Como já deves ter percebido, estamos a apoiar o projecto Guileje, da AD - Acção patra o Desenvolvimento, uma ONG guineense, com sede em Bissau (3).

Por outro lado, não imaginas a alegria que vais dar aos camaradas que passaram por Guileje. Ainda não tínhamos nenhum contacto da tua companhia, a CART 2410, Os Dráculos. Temos um camarada do teu tempo, o Armindo Batata, também alferes miliciano de artilharia, que comandava o Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (4).

Gostava que voltasses a aparacer e mas desta vez para figurar na lista de amigos e camaradas da Guiné. As regras são simples: comunicas sempre comigo por email, sendo eu o editor do blogue, mandas duas fotos (uma do tempo da Guiné) e contas a tua estória. Repara: a luta não é minha, é de todos nós... Vale ?

PS - Tens muitas imagens (e estórias) da Guileje nas nossas páginas e no nosso blogue, além da carta da região: Guileje (1956). A partir da janela do canto superior esquerdo, podes fazer pesquisas no blogue...

Entre outros textos, podes ler as memórias do camarada Zé Neto, hoje capitão reformado, e que foi 2º sargento da CART 1613 (Guileje, 1967/68).

Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete > 1969 > O ex-Fur Mil Henriques, da CCAÇ 12, com uma menina, em frente à casa principal da tabanca que, "salvo erro, pertencia à família do comandante do pelotão de milícia, Bazilo Soncó" (LG). Finete ficava frente a Babambadinca, do lado (direito) do Rio Geba.


Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Rio Udunduma > 1970 > A economia local dependia também também da produção pecuária que por sua vez estava dependente da prática da transumância, prática essa que a guerra veio limitar ou inviar... Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.



Lisboa > Hospital Militar Principal > 1969 > Fotografia do 2º sargento Fodé Dahaba. Pertencia ao Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Missirá ) . Foi gravemente ferido em 22 de Fevereiro de 1969 na Op Anda Cá (Fevereiro de 1969). Vive hoje em Lisboa e visita regular do seu antigo comandante, o Beja Santos.

Texto e foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.


Continuação das memórias do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado em 22 de Dezembro de 2006:


Caro Luís, aqui vai o segundo texto de 1969. A seguir, inopinadamente, o Comandante Chefe e séquito chegam a Missirá onde tudo está mal, desde a insegurança dos abrigos, a tropa mal indumentada, há balas perdidas no chão e por azar dos Távoras o soldado Bacari Djassi entrou numa discussão com o alto comando sobre a diferença entre a luz do mato e a ausência de um gerador...

Apanhei um calafrio e uma reprimenda brutal do Hélio Felgas [, comandante do Agrupamento de Bafatá,] (2), e no mês seguinte dois dias de prisão. Esta toada surrealista ainda é mais incompreensível para quem sabe o que recebi e o que estou a procurar fazer em terras do Cuor. No tocante a ilustrações, acho que chegou a oportunidade para te socorreres do material fotográfico do Luís Casanova.

Aceita um abraço e os votos que 2007 só te dê grandes alegrias, em casa, no trabalho e nos afazeres tertulianos, Mário Beja Santos.


A conjura de Finete e as vacas de Mero

por Beja Santos

É a primeira vez que revisito o passado do Cuor com Fodé Dahaba (3). Pedi-lhe uma primeira ajuda para falarmos de um estranho drama ocorrido em Janeiro envolvendo um pseudo manifesto colectivo que fora transmitido ao Comandante de Bambadinca e em que eu era directamente acusado de maus tratos à população e às milícias; igualmente lhe pedira para me ajudar a esclarecer a colaboração e os apoios de Mero às gentes de Madina/Belel [, base do PAIGC, a noroeste de Missirá].


O Fodé Dahaba que está na minha frente, ladeado pela sua mulher, Fatemana, vestida a rigor para dia de festa, e de Margarida, um dos seus 7 filhos, que lembra uma jovem de Brooklin ou do East Side londrino, tem os olhos vazos, apõe o coto da sua mão sinistrada em 22 de Fevereiro de 1969, mesmo junto a Madina, e sorri com a mesma inocência e beleza de feições com que o conheci em 1968.
- Fodé, nunca entendi o que pretendiam as pessoas que foram caluniar-me junto do Comandante de Bambadinca. Não tinha pés nem cabeça, era inevitável a reacção da população a meu favor, nunca entendi o porquê, a justificação de uma mentira tão facilmente desmontável. Agora que estou a escrever o relato daquele tempo, conto com a tua sinceridade.


A luta pelo poder entre as milícias de Finete



Tudo começara com o chamamento urgente feito pelo Pimbas [, o tenente-coronel Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852] (4). Recebeu-me no seu gabinete, senti-o contrafeito mas após algumas preliminares inócuas, atacou o assunto:
- Olha, isto parece uma história maluca. Apareceu-me aqui um soldado com uma carta a dizer que o povo e as milícias de Finete não querem o teu comando. Segundo os queixosos, tu dás muito menos a Finete do que dás a Missirá, tu exiges grandes esforços e gritas com eles. Ouvi-o e imagina tu que não tinha passado uma hora tinha aqui à porta os homens grandes com o chefe de tabanca à frente a dizerem que era tudo mentira o que se dizia a teu respeito. Não sei o que te diga, e queria saber o que tu pensas.

Eu não sabia de nada, embora fosse conhecedor das tensões permanentes entre mim e o Comandante das milícias, Bazilo Soncó, um dos irmãos do régulo. Agora supor que havia um estado de rejeição quando regularmente estava ou passava por Finete e mantinha as relações mais cordiais com todos, parecia manifestamente absurdo.
- Meu Comandante, peço-lhe que me deixe falar com a população e os milícias de Finete e de seguida um seu representante inquirirá sobre a situação existente. Depois tomará as decisões que entender.

Sem perda de tempo, cambei o Geba e uma hora depois reuni-me primeiro com os homens grandes e depois em separado com as milícias. Não precisei de falar. O chefe de tabanca, Mussá Mané, tomou a palavra para dizer que pediam a expulsão de Abdu Soncó, um cabo da milícia a quem acusavam de estar a mentir e cujo propósito seria o de Finete ficar em autonomia relativa, dependente do batalhão de Bambadinca. E que eu ficasse a saber que a população de Finete não aceitava ser misturada nas calúnias que sabiam constar numa carta entregue em Bambadinca.

Na reunião com os milícias, senti o silêncio de uns e a indignação de outros. O dito Abdu Soncó acusou-me de não dar cimento, armas e munições em quantidades satisfatórias, levar milícias para os trabalhos duros de Missirá e não pagar a tempo e horas. Recordo que Bacari Soncó pediu para falar, lembrando o que era Finete ainda há escassos meses e desmontou a argumentação do seu camarada. Não discursei mas avisei-os que ia transmitir ao Comando em Bambadinca o teor das duas reuniões havidas. Tudo se esclareceu rapidamente, pedi para não haver sanções sobre Abdu e a ala discordante mas nunca apurei o que motivara esta aparatosa e descocada conjura.

Fodé remexe-se na cadeira e deu-me a interpretação dos factos. Quem estaria por detrás da movimentação era o próprio Bazilo e um Sargento, Abás Jamanca. Por outras palavras, Bazilo e Abás temiam que Fodé e Bacari fossem escolhidos para comandar as milícias e eles afastados.

Eu criticava asperamente Bazilo por nunca sair do aquartelamento, isto quando Fodé e Bacari estarem permanentemente a meu lado nos patrulhamentos ou por sua iniciativa a patrulharem sobretudo na extensa bolanha entre Boa Esperança e Gã Gémeos. Aquela carta de Abdu fora uma tentativa desastrada de me procurarem afastar para manter o statu quo. Eu ia tomando nota destes apontamentos e perguntando a mim próprio se afinal não somos iguais no amor e no ódio, em qualquer atmosfera de guerra ou paz. Felizmente que um mês após a trágico-cómica conjura já ninguém se recordava desta lamentável história.


As vacas de Mero e o bombolom dos balantas

Falámos depois das vacas de Mero:
- Fodé, era impossível que os balantas de Mero não fossem todos coniventes com as gentes de Madina. Eu só me interrogo é como eles acordavam os dias e as horas e os itinerários dos encontros já que corriam riscos mortais. O que é que tu pensas?

Aqui Fodé encolheu os ombros como se aquela fatalidade viesse do fim dos tempos:
- Ouve, tu sabes como é que os balantas comunicam entre si? É através do bombolom, um tronco oco por onde envia mensagens. Antigamente era através dos cornos de vaca, mas depois o bombolom era o telemóvel deles. Estou seguro que os ouvíamos mandar mensagens para os grupos que vinham de Madina ao princípio da madrugada. Só os balantas é que conhecem aquela linguagem. Parece um batuque mas aquilo são tudo sinais. Eles tocavam e as gentes de Madina ficavam a saber que não havia perigo, podiam atravessar o rio Geba e regressar ao mato com vacas, mais gente para a tropa, tabaco, o que precisassem.

Então lembrei-me que uma noite estávamos emboscados junto de Gambicilai e avistámos movimento na bolanha em frente a Mero. Cautelosamente, emboscámos junto ao rio, esperámos que atravessassem com a sua carga. Vimos chegar vultos esfumados e vimos os contornos dos animais. Mas o azar nesse dia estava no nosso lado. Nhaga Macque, um fula possante, deu um espirro monumental no meio da noite, o grupo de Mero dispersou rapidamente e a única compensação que tivemos foi apanhar uma vaca que tinha atravessado o rio. Vezes sem conta pedi em Bambadinca que se fizesse o recenseamento da população, perdi sempre. Nessa altura as atenções estavam centradas nos Nhabijões e noutras tabancas em autodefesa.

Recordo que por essa altura também o Pimbas me tinha pedido a síntese sobre a situação político-militar no Cuor. Formei um grupo de reflexão de que faziam parte o régulo Malã, o Casanova, o Comandante das milícias de Missirá, Albino Amadu Baldé, Bacari Soncó e Fodé Dahaba. Nesse pequeno documento que entreguei ao Pimbas chamava a atenção para os seguintes pontos:

(i) o Cuor devia ser encarado militarmente na dimensão Enxalé-Missirá-Geba, independentemente de nos competir assegurar a manutenção da via marítima do Geba;

(ii) era totalmente impossível aumentar a capacidade ofensiva com tão reduzido contigente, com armamento inapropriado e nas condições logísticas mais deprimentes;

(iii) os rebeldes no Mansomine e no Oio precisavam de ser confrontados por uma conexão de esforços militares que permitissem a nossa presença mais assídua no Joladu e Mansomine, e Missirá nada mais podia fazer que receber as suas eventuais flagelações;

(iv) ou se criavam condições para pôr mais populações em autodefesa ou era inteiramente impossível melhorar a nossa inserção no território.

Entreguei o curto documento, o Pimbas achou interessante mas não houve qualquer seguimento. Eu estava cada vez mais convencido que o PAIGC pretendia obter a neutralização das nossas tropas, já que não havia população a conquistar e o seu esforço de guerra não encarava como prioritário querer aniquilar a nossa presença do rio Geba, algo que eles sabiam ser impossível, pois esta era a única porta aberta para o Leste. O ideal era alguém em Missirá que não fizesse ondas .


Missirá armadilhada pelo Alferes Reis

O Alferes Reis, o mais truculento sapador da Guiné, veio passar 4 dias connosco. Zaragateámos um pouco por causa da quantidade de trotil que ele pretendia enterrar em todos os atalhos que circundam Missirá. O Reis começa-se a afeiçoar à região e quando eu for operado em Março, será ele que apanhará o vendaval de fogo . Mas hoje ajudou-nos imenso a colocar correctamente as fieiras de arame farpado e deixei-o com carta branca para armadilhar junto da fonte de Cancumba, que é um local que tenta os rebeldes.

Fora de tempo e horas chega o pedido de comandante de Bula para eu não visitar os meus antigos soldados da CCAÇ 2402 (5), pois "havia o risco de os desmoralizar". Trata-se de uma história sórdida que não vale a pena aqui desenvolver . Também por esta altura parti uma dentadura postiça que seguiu para reparação num protésico em Lisboa (não havia quem fizesse ou reparasse próteses, pelo menos na região de Bafatá).

O Fodé entretanto pede-me para se ir embora, tem que ir à mesquita pois domingo segue para Meca e à saída disse à Margarida:
- A família de alfero e os seus amigos deram-me todo o apoio que me ajudou a suportar o muito sofrimento. E gostei muito do louvor que recebi depois da pancada recebida!

Se tudo correr bem, vamos reunir-nos em breve para falar da operação Anda Cá.

Os mais bravos soldados do mundo

Tenho muito orgulho nos louvores e pedidos de condecoração para os meus soldados. Um oficial é sempre o porta-voz do agradecimento e reconhecimento dos méritos e do bom uso da escala de valores. Louvei o Joaquim da Conceição, o Saiegh, o Domingos Ferreira e o Veloso. Pedi louvores para Adulai Djaló, Cherno Suane, António Teixeira e tantos outros por comportamentos excepcionais em teatro de operações.

Mas recorri igualmente ao louvor para destacar o primor de carácter, a abnegação, ou um só momento de valentia. Fi-lo com o Luís Casanova e outros como o Barbosa (aquele que tinha o fetiche pela sua boina verde) por ser entusiasta na reconstrução do quartel, por gostar de ajudar sem ser visto.

Lembro o Zé Pereira que durante uma flagelação entrou numa morança em chamas para retirar uma criança esquecida na precipitação da fuga. Este mesmo Zé Pereira era valente, bom professor e dava-me muito apoio nas traduções para crioulo. No dia em que li o seu louvor ao pelotão em formatura e onde se dizia que o víamos partir cheios de saudade, o pelotão aplaudiu de pé. Mas lembro, embargado pela emoção o louvor a Quebá Sissé, o Doutor, o mais risonho dos cozinheiros. Fazia reforços e ia a Mato de Cão como toda a gente.

Tive igualmente em conta as referências elogiosas aos meus soldados antes de ter chegado em Agosto. Por exemplo, Sibo Indjai, o mais indómito dos caçadores que nos trazia frequentemente porco e gazela do mato. Em Junho de 68, escrevi-lhe um louvor, porque com desprezo pela sua própria vida lançara-se num ataque a uma casa de mato, pondo em fuga o grupo rebelde. E sempre que me disseram que eu comandava alguns dos mais bravos soldados do mundo nunca protestei porque achasse exagerado, eu sabia que era verdade.

O fim da minha curtíssima carreira... poética

Não vou falar num livro prodigioso que estou a ler O Deus das Moscas, de William Golding, um belo e terrível livro que alguém classificara como o mais notável romance inglês do pós-guerra. Eu hoje quero comunicar que vou pôr termo à minha veia poética, reconhecendo a falência de inspiração.

Devo ao Ruy Cinatti o ter vindo a conhecer René Char, Francis Ponge ou Saint-John Perse. Este último influenciou-me muito, e momentos houve em que julguei que a boa poesia passa por manipular habilidosamente uma trovoada de imagens. Descobri no momento da verdade que a arrumação dos versos que o foguetório pode encher o olho mas não deixa o espírito saciado.

Lembro que uma vez escrevi "esta terra tem um cheiro a morangos podres e a pó de morcego" e depois desatei a rir porque não era mentira para os meus sentidos mas constituía uma afronta para a comunicação. Outra vez escrevi "dor em tabuada, vapor e trovoada" não me soava mal mas não passava de uma bolha de sabão. Momentos houve em que aceitei haver beleza num encadear de palavras, havia até uma toada épica que não me desagradava: "A quem me lembra e esquece, cada letra é uma homem em Missirá, cada letra sobe os ramos numa árvore prometida. Em cada letra sinto o brilho de uma catana que mutila e dela saem os gritos dos meus amigos que partem para sempre. À minha volta, há um arado e há sangue coagulado, há pássaros cegos que esvoaçam encadeados por uma melodia de sal. E Missirá resiste!".

Se vos conto esta intimidade é porque a guerra é também um bom momento para termos respeito pela nossa vocação e sermos sinceros com o que escrevemos. Eu vim a descobrir que escrevo com indizível prazer mas a veia poética é inexistente. E no entanto... momentos há em que me atiro para a frente, colo os versos como se os pregasse em forma de desenho de uma parede e me emociona com o resultado. Será assim quando um dia, em 2006, escrever para os meus camaradas da Guiné A Estrela de Belém a Missirá.

Este mês de Janeiro [ de 1969] reserva-nos as últimas chuvas. A escola funciona bem, as obras dos abrigos prosseguem, chegou mais cimento e chapas de zinco, desmata-se em Canturé, há Mato de Cão todos os dias e, não fosse esta perna que arrasto cada vez com mais dificuldade, eu diria que o Cuor é a minha segunda casa e estes homens com quem vivo dentro e fora do arame farpado os maiores amigos do mundo.

Um dia destes, enquanto desmatamos em frente a Missirá e um Unimog puxa com guincho cibes que cortámos de um palmeiral, vamos ouvir os rotores de dois helicópteros e vou conhecer o Comandante Chefe. Serei admoestado, o que não vai abalar as minhas convicções. Seguir-se-à Chicri e depois Quebá Jilã. A roda da fortuna vai de novo circular descompassadamente. E, pior do que tudo, seguir-se-à a amargura dessa falhada operação Anda Cá.

Há momentos em que me questiono de onde vem esta energia para reconstituir os factos sem gritar cheio de dor, tal a raiva das perdas.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel

(2) Vd. post de 13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas

(3) Vd. post de 22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1102: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (12): Os meus irmãos de Finete

(4) Vd. posts de:

22 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852

(5) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

Guiné 63/74 - P1441: Questões politicamente (in)correctas (20): Sempe camaradas, nunca censores (João Tunes)

Comentário do João Tunes ao post do Carlos Vinhal (1):

Ora nem mais, camarada Carlos Vinhal.

Isto é mais simples que fazer a guerra. Estamos no blogue porque gostamos. A maioria de nós não se conhece. Temos em comum termos estado no mesmo sítio, no mesmo problema, uns ao mesmo tempo e outros em tempos diferentes. Fora isto, que é em si mesmo muito pouco para gerar empatia gregária, o que sobra? Pois, completar os ângulos e as vivências que preenchem a memória de uma fase marcante das nossas juventudes.

E como não sofremos de doença de pensamento único ou do reumático das regras de cartilha de espírito de corpo corporativo, seja ele castrense ou paisano, cada qual não abdica de olhar esta experiência colectiva, pelos caminhos da memória interrogada, segundo suas crenças, opiniões e visões. E, com a distância, sendo todos adultos a puxar para os velhotes que vamos sendo, além de democratas por condição, a diversidade dos olhares que existe em cada um só nos ajeita e enfeita os óculos que queremos usar para a realidade partilhada e esfumada no tempo. Sem estes condimentos, o blogue não seria blogue nem tertúlia, seria apenas uma enfadonha sessão de Ordem Unida para general passar revista.

Sei, desde que lá estive, na Guiné, que não estive na mesma guerra que qualquer outro camarada, os do meu tempo e minha companhia, mais os camaradas de tertúlia que estimo sem conhecer. Eu, como qualquer um, sou uma pessoa, único portanto. E na guerra da Guiné estiveram pessoas e não carneiros. E nenhum general consegue clonar os seus soldados. Vivi-a com outros. Apoei e apoiaram-me. Fiz o que pude e soube tentando não sujar a minha consciência de homem que ainda hoje não me pesa. Assisti ao melhor e ao pior nos homens, meus camaradas e meus inimigos, sabendo que a guerra leva os homens aos extremos de si mesmos e nem todas as lideranças são entregues a mentes limpas. Regressei com marcas da minha guerra, as sofridas na carne e espírito da pessoa que fui e sou, a pessoa que teve de se reconstruir para fazer uma vida familiar e profissional, habitando para sempre com a memória da guerra.

Já o disse, mas repito, que não acredito em memória colectiva. Porque não se pode encadear numa mesma percepção aqueles que fizeram a guerra e gostaram de a fazer com aqueles que a rejeitaram como sofrimento violento, inútil e injusto, os que tiveram boa sorte com os que sofreram de má sorte, os sobrevivos e os caídos, os saudáveis e os estropiados, os que tiveram a experência da morte ao lado ou da morte do inimigo com aqueles a quem o destino poupou da prova maior da guerra (a da morte).

Os que ainda recordam Spínola como Nosso General e os que o detestaram e só lhe dão direito ao trato de Caco Baldé. Cada um terá a sua memória que caldeou na pessoa total e única que é. No fundo, aqui, cruzamos memórias e, dessa forma, enriquecemos a memória de cada um. Leio com atenção e respeito a forma como cada um reconstrói a sua memória e a faz interagir com as dos otros camaradas. Pelas minhas posições expressas, saberão como já li tantas e tamanhas posições e depoimentos que se revelam nas antípodas daquilo que, à distância, penso daquela guerra. Algumas dessas, obrigando-me a ranger os dentes no limite da tolerância desportiva. Mas como não sou pastor de almas, consciências ou pensamentos, não há depoimento vosso, por muito antagónico que seja a perspectiva, que não me enriqueça e emocione na forma como vamos construindo memórias somadas que se vão iluminando.

Mas não perderia nem mais um minuto com o blogue se alguém, aqui, me impusesse (tentasse) uma forma única de olhar a guerra ou a pretensão de formatar-me o pensamento ou limitá-lo no seu direito de expressão. Ou invocasse qualquer princípio castrense ou patriótico ou regra grupal para tentar obrigar-me a gostar do que não gostei e a não usar o direito de o proclamar como entender. Até porque se fui guerreiro, não sou santo e, por isso, só respeito quem me respeita. Democraticamente, é assim. Tanto mais que neste blogue não há postos, nem comendas ao peito, nem feitos para a caderneta, ser-se camarada é que é o posto. O único.

Tiro o chapéu ao camarada Carlos Vinhal pela forma sensata como sintetizou o que pensa e apelou à tolerância plural. Assino por baixo a sua ordem de serviço. Cá continuaremos, sempre camaradas e nunca censores. E reitero o apreço e enorme gratidão pelo trabalho árduo e paciente do Comandante que mais estimei entre os que me calharam em sorte (falo, é claro, do nosso camarada Luís, arvorado em Blogo-Marechal). Se o batalhão do blogue assim o entender, este blogue vai continuar a enriquecer-se, enriquecendo-nos, sem parar. Transformando-se, talvez, na única guerra em que, todos nós, não desejamos tréguas nem cessar fogo. Estes são os meus sinceros votos.

Abraços de respeito e consideração para todos os estimados camaradas.

João Tunes
Ex- Alf Mil Trms,
CCS/ BCAÇ 2884
(Pelundo, 1969/7o; CCS/ B..., Catió, 1970/71)
Blogue: Água Lisa (6)
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1438: Questões politicamente (in)correctas (18): A derrota (mais política do que militar) afectou mais a tropa especial (Carlos Vinhal)

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1440: Massacre do Chão Manjaco: o teimoso do Spínola, ameaçado de prisão pelos seus colaboradores mais próximos (A. Marques Lopes)


Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O coronel A. Marques Lopes, (à direita), jantando com o comandante Lúcio Soares e o comandante Braima Dakar (assinalado com um círculo a amarelo).

Foto (e legenda): © Xico Allen (2006). To
dos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...

Caro Luís

O Afonso F. Sousa fez, de facto, um belo trabalho de pesquisa (1).

Só quero acrescentar que o que demoveu Spínola a ir àquele fatídico encontro, foi uma reunião antecipada que teve com alguns oficiais mais próximos que o tentaram demover e, face à sua teimosia, ameaçaram prendê-lo e não o deixar sair.

Quando estive em Bissau em Abril passado, estive com o comandante Lúcio Soares, como sabem, o qual esteve acompanhado pelo comandante Braima Dakar, que era comandante naquela zona na altura da morte dos três majores. Disse-me que tinha muito para contar, mas que não queria dizer nada (2).

Talvez, se o Leopoldo Amado se puser em campo, o consiga fazer falar.

Abraço
A. Marques Lopes

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas (I parte)

(2) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas (I parte)

16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXI: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

(...) "O Braima Dakar, nome de guerra de Braima Camará, numa das fotografias, é outro comandante que esteve ligado à morte dos três majores em chão manjaco. Disse-me que se disseram muitas coisas sobre isso que não são verdade, que não queria falar, e não me contou nada" (...)

15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1279: Encontro com o IN: artigo sobre a viagem Porto-Bissau, publicado no boletim da A25A (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P1439: Questões politicamente (in)correctas (19): Os rambos só existem no cinema (Vitor Junqueira)

Mensagem do Vitor Junqueira. Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.


Caro Luís Graça e restantes camaradas ex-combatentes, tertulianos e não tertulianos, e em particular meu prezado amigo Amilcar Mendes (1), que não conheço pessoalmente e a quem me dirijo de forma especial, tratando-o por tu de acordo com as regras!

Através do Blogue e de alguns e-mail (poucos), chegaram-me judiciosos comentários sobre uma apreciação que fiz relativamente a um post do Pedro Lauret sob o lema "Na guerra não vale tudo, também há regras".

E a primeira questão que me ocorre é esta: Haverá por aí alguém que discorde da afirmação de princípios contida naquele título? Se essa pessoa existe, por favor ponha o dedo no ar porque eu preciso conhecê-la.

De contrário, posso presumir que estamos todos de acordo, e nessa altura ... vamos a banhos, que o mar está de senhoras, como dizem uns pescadores meus amigos da zona de Peniche.

Então camaradas, serenidade! Olhem que a maioria já deu perto de sessenta voltas ao Sol e os coraçõezitos, presos por arames, não estão para caturrices. E eu não quero ser o gato fechado no quarto, em que todos querem dar porrada. Conhecem esta? Não? Então experimentem e vejam como é que o filha-da-puta do gato se arreganha todo.

Bem, sempre terei que acrescentar algo mais para que isto não pareça um laudatório à madre Teresa de Calcutá.


Operações militares e barbárie

E aqui, ocorre-me uma segunda questão: Admitindo por absurdo que na guerra não há regras, porque é que a comunidade internacional se vinculou maioritária e voluntariamente a instituições como o Tribunal Penal Internacional? E porque é que pedimos a intervenção das Ligas de Defesa dos Direitos Humanos quando há suspeita de que num determinado conflito, esses direitos estão a ser desrespeitados?

E porque é que exigimos o acesso livre e incondicional da Cruz Vermelha Internacional aos teatros de operações, aos feridos e prisioneiros? Em última análise, como é que distinguiríamos os bandidos dos vilãos, os combatentes dos terroristas?

Meu caro Amílcar Mendes, tenho a certeza que concordas comigo. Tem de haver alguma forma de distinção entre operação militar e barbárie. E essa distinção, só pode ser feita através de REGRAS que devem ser gerais e universais, sagradas atrevo-me a acrescentar. Se quisermos ser Humanidade. E como acontece com qualquer regra, a sua violação implica necessariamente uma sanção, ou não é assim? Pronunciem-se os tertulianos juristas p. f.

Embora se trate de um assunto muito polémico, devo dizer-te e reafirmar perante a tertúlia, que, para este tipo de violações, admito a discussão da reintrodução da pena de morte. Os americanos, a quem neste campo não tiro o chapéu, têm neste momento vinte e quatro militares a aguardar sentença, que deverá oscilar entre a injecção reforçada de pentotal, na veia, e a prisão pepétua, por diabruras praticadas no Iraque.


A guerra como dever

Agora Amilcar, vou-te dizer uma coisa. Entre nós existem realmente diferenças, que nos tornaram combatentes diferentes embora a guerra fosse a mesma. E a principal diferença parece-me ser esta: Em primeiro lugar, eu fiz a guerra impelido por motivações políticas, hoje discutíveis. E em segundo, porque gostava e ainda hoje gosto da Guerra!

Para mim, Guerra, não é apenas aquela palavra a que os simplórios atribuem o significado de pegar em armas para matar gente. Ela representa, no meu entender, o direito supremo que uma sociedade organizada possui, de pegar em armas, matar e morrer se necessário, para defender valores que estão para além dos interesses individuais, como a segurança colectiva, a liberdade e a dignidade entre outros. Como tal, participar na guerra é também o supremo dos deveres. Acho eu.

A guerra e os psicopatas
Neste contexto, permite-me a franqueza amigo Amilcar, acho muito estranha a tua afirmação de que tiveste que matar para não morrer. É demasiado redutora, para mais vinda da boca de um comando. Então, mataste porque tiveste medo de morrer? Repara bem, medo, todos tivemos! Mas eu eliminei soldados do PAIGC deliberadamente, porque quis, porque eles eram um obstáculo às missões de que fui incumbido e não apenas porque tivesse medo de morrer. Topas a diferença?

Querido amigo Amilcar Mendes, todos sabemos que em matéria de santos e conforme aludiste no teu post, a coisa é mais ou menos como aquela questão das bruxas. Uns afirmam que as há, eu acho que não! Nem santos, nem meninos de coro nem coitadinhos, como bem referiste.

Aquilo de que tenho a certeza, é que sempre existiram psicopatas. Na sociedade em geral, nas antigas fileiras do PAIGC, como nas das nossas FA's. E esta gentinha, sentindo que por ter uma arma na mão, tinha poder de vida ou de morte sobre população desarmada, particularmente mulheres e crianças, prisioneiros, elementos do IN feridos ou desarmados não constituindo por isso qualquer perigo, fez merda. Da grossa. Não há desculpas que possam justificar estes comportamentos. Nem pode haver indulto. Para eles, manicómio ou tribunal.
Estes bandalhos envergonharam-me e eu isso não perdoo.


De Uzi na mão, um par de colhões e a cabeça no sítio


Estimado ex-camarada; interrogavas-te no teu post se o "Vitor Junqueira quando saía para o mato levava a arma numa mão e a Bíblia na outra". Estás quase lá! Na mão levava a arma, de facto, uma Uzi reluzente de que igual só havia outra na Guiné. Um dia destes vou contar-te a história dessa arma. Mas em vez da Bíblia, levava um par de colhões e o cérebro com que a mãe natureza me dotou.

A propósito de Bíblia, não sei se é lá que vem aquela máxima "não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti". Pois houve alguém que a transformou num regra de ouro com esta redacção " faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem ". Pois acredites ou não, eu consegui convencer o meu pessoal que este preceito era para cumprir à risca.

Olha meu, só te posso dizer que deu um resultadão! Enfrentava-se o perigo com outra alma, não se perderam noites de sono e fazer prisioneiros significava farra, em que eles também participavam. Aos cépticos, posso fornecer prova testemunhal.

Turras... ou antigos adversários, muito simplesmente

E agora, quase no fim e mais uma vez, a questão dos turras. Eu continuo a achar que eram soldados combatentes, ao serviço da sua Pátria que por sinal e naquele tempo era também a minha. Por isso, são-lhes devidos respeito e consideração, tal como exigimos para nós, por parte dos nossos concidadãos e esperamos da parte deles, nossos antigos adversários. Tendo em conta que alguns até se tornaram altos dignitários dessas novas pátrias, como chefes de estado e de governo com quem negociámos, rebaixá-los é o mesmo que rebaixar-nos a nós próprios. Ou estarei enganado?

Aqui como na diplomacia, tem que funcionar o princípio da reciprocidade, sem tergiversões. Já agora ó Amilcar e restante malta, se vos fosse dada a oportunidade, teriam tomates para um dia destes quando o General Nino Vieira vier a Portugal em visita oficial, lhe chamarem turra? Não? Porque é um turra General e Chefe de Estado? Então turras são só os soldados pé-descalço que ele comandou e que ficaram lá longe, a mais de quatro mil km de distância? A quem puder esclarecer-me, ficarei eternamente grato.

No seu post, o Amilcar diz que a História Política não é para ele, mas sim para letrados e iluminados. Mas a dada altura, não resiste à tentação de se intrometer um bocadinho em questões da política interna da Guiné. Diz ele: "Olhem o que está a acontecer na Guiné com a herança do PAIGC".

É claro para mim, que o direito de opinião não pode ser restrito e o Amilcar tem direito à sua. Porém, na qualidade de ex-combatente naquele território, eu pessoalmente acho que não devo pronunciar-me publicamente sobre assuntos internos do país. Por decoro e por prudência!


Wiriamu, meu amigo...

Amílcar, Wiriamu, "quem sabe o que se passou (lá)", perguntas tu. E eu, o que te posso dizer? Vai à Net. Lá encontrarás um número infindável de documentos elaborados por entidades nacionais e internacionais insuspeitas, que te fazem o filme todo daquele tristíssimo e vergonhoso acontecimento. E se quiseres falar com o autor da tragédia, também não será difícil. Bastará dirigires-te ao canal de televisão que há uns meses emitiu uma reportagem sobre o assunto e, estou convicto, que vos porão em contacto.

De homem para homem, não há força de boi

Relativamente a um e-mail que recebi, em que se fala mais uma vez de tropas de elite ou simplesmente especiais, dessas "autênticas máquinas treinadas para matar" em contraposição com a tropa macaca, arre-macho como prefiro chamar-lhes, ouçam o que tenho para vos dizer, se quiserem!

Dizia o meu velho pai, ex-polícia falecido em 2001, que "dois a um, enfiam-lhe uma agulha no cú". Também me ensinou que "de homem a homem, não há força de boi".

Os rambos do cinema americano

O pessoal anda a ver muitos filmes americanos, em que só o que mata que se farta é que tem valor como o dum-dum. Os rambos, criação estadunidense, só existem na tela, ou no dvd. Admito que por contágio deram origem às mais incríveis e ridículas "forças especiais" que por esse mundo proliferam.

Especializadas em quase tudo desde resgates disto e daquilo até intervenções para retirar gatos dos telhados. A juventude, empanturrada anteriormente com os filmes, agora com os jogos de guerra das play stations e quejandas, sente-se atraída e cai no logro. Através de programas de recrutamento astuciosamente elaborados e publicitados, eis que a armadilha se fecha. E ei-los aos milhares, enfiados dentro de body-bags. Será preciso falar deles? Sim, desses que vocês sabem? Que com a tal preparação do outro mundo e uma parafernália inimaginável já têm garantida e averbada, uma estrondosa derrota.

Vencidos por quem? Por gente simples, comum, com a alma a sangrar, um ódio desmedido e um desejo de vingança sem limites. Quanto a armamento, dispõem da astúcia, da velhinha ak 47, de umas engenhocas mais ou menos artesanais e de uns trícles do tamanho de umas meloas! Estes sim, são os rambos que sempre ganharam as guerras.

A todos envolvo num abraço fraterno desejando-vos a continuação de uma boa noite. Espero que tenham a pachorra de me ler dentro de dias, se o Luís quiser, pois espero postar sobre um tema bem mais a meu gosto: putas!!

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)

Guiné 63/74 - P1438: Questões politicamente (in)correctas (18): A derrota (mais política do que militar) afectou mais a tropa especial (Carlos Vinhal)


Guiné > Bissau > Voz da Guiné > Separata do nº 203, de 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia dos Comandos. Na quarta página vêem-se quatro fotos, da autoria do fotógrafo Álvaro Geraldo. Legenda:

(i) em cima , à esquerda: "O Alferes Marcelino da Mata, ostentando as suas numerosas condecorações, foi o digno Porta-Bandeira";

(ii) em cima, à direita: "O Alferes Carolino Barbosa, lendo o Código Comdanso" (diz-me o ranger Eduardo Ribeiro, que este alferes comando foi barbaramente assassinado em 1974 pelas tropas do PAIGC);

(iii) em baixo, à esquerda:"Os últimos minutos de Comando da Unidade [para o Major João de Almeida Bruno]";

(iv) em baixo, à direita: "Os primeiros minutos de Comando da Unidade [para o major Raul Miguel Socorro Folques]".


Foto: Eduardo Ribeiro (2006). Direitos reservados.


Mensagem do Carlos Vinhal:

Camaradas:
Este assunto (1) dá pano para mangas. Muita coisa se poderá dizer e muito nos vamos repetir.

Já em tempos opinei sobre as diferenças entre as diversas forças militares actuantes e o modo de enfrentar e ver a guerra por quem lutou na nossa Guerra Colonial.

Conheci de perto uma companhia de comandos e pude verificar a diferença abismal que havia na sua preparação e comportamento militares. À partida eram seleccionadas entre voluntários, com características físicas e mentais especialmente dotadas para a luta. O seu treino era especialmente ministrado com exigência física e mental próximo dos limites humanos. Ganhavam uma mentalização e preparação militar que faziam deles tipos quase invencíveis, indestrutíveis e, porque não, quase uma máquina de matar, mesmo que fosse para não morrer, como muito bem diz o nosso camarada Mendes.

A matéria prima era muito fácil de moldar, jovens com 20 anos plenos de força e coragem a quem só faltava dar o incentivo e a arma. Iriam fazer as coisas mais complicadas em termos militares pois tinham sido treinados para não falhar. E quando falhavam? Não sei se há estatísticas quanto às sequelas psicológicas por tipo de Força.

Por outro lado, havia a tropa vulgar com uma impreparação tal que mais não era que carne para canhão. Por exemplo, os militares da minha Companhia fizeram toda a recruta e especialidade com arma Mauser e só tocou numa arma automática (G3) no IAO feito na Madeira.

Preparação diferente, logo visão e disposição diferentes. Tenho a impressão que a derrota (mais política que militar) que sofremos na Guerra, afectou mais a tropa especial que propriamente a dita tropa macaca.

Já confessei que fui para a guerra com o fim de voltar vivo e tentar não matar ninguém. Não fui para lá para acabar com o conflito, já que não fui culpado do seu início. Era inevitável cumprir as ordens operacionais que me eram impostas, mas isso fazia parte da minha condição militar que nunca rejeitei.

Sempre me achei um estrangeiro na Guiné e um ocupante. Nunca compreendi a nossa ocupação com a espada na mão direita e a cruz na mão esquerda. Foi este o nosso início em África. Invasores, julgando-nos superiores só por professarmos a Religião Cristã, impondo esta como salvação eterna. Impusemo-nos, não fomos aceites nem compreendidos. Mais tarde ou mais cedo havia de chegar a hora da desocupação e calhou à nossa geração o trabalho inglório de contrariar o inevitável.

Quem matou, devia tê-lo feito só para se defender. Quem massacrou ou atentou contra a dignidade do Inimigo, mesmo depois de morto, não foi digno da farda que envergou, fosse a de Portugal ou a do PAIGC.

Também já disse que os dois contendores têm coisas de que se devem envergonhar. Em ambos os lados houve erros, matando-se indiscriminadamente e massacrando-se sem motivo.

Na Guerra não vale tudo, mas a realidade, mesmo nos dias hoje, se encarrega de contrariar esta máxima.

Por muitas teorias que possamos desenvolver, temos de nos convencer de que:

(i) falamos do passado;

(ii) já temos mais uns anitos;

(iii) devemos expor as nossas opiniões sem ofender os camaradas que por terem outras ideias ou terem tido outras vivências, têm opiniões diferentes da nossa;

e, muito, mas muito importante, (iv) não deixemos o nosso Comandante Luís na difícil situação de ter de apagar fogos ou ter de filtrar os nossos escritos.

Paz e saúde para todos

Um abraço do camarada
Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá 1970/72
Leça da Palmeira
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)