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terça-feira, 18 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17596: Historiografia da presença portuguesa em África (81): Quem foi Abdul Injai, companheiro de armas do capitão Teixeira Pinto, nas 'campanhas de pacificação' de 1913-1915, e por ele promovido a Tenente de 2.ª linha, régulo do Oio e do Cuor?... Herói ou vilão? Mercenário ou nacionalista? Aliado ou inimigo? Cabo de guerra ou bandido?


Foto de Abdul Injai em 1915, herói do Oio, no auge da sua glória. 


1. O nome do "lendário" e "controverso" Abdul Injai, "companheiro de armas" do capitão Teixeira Pinto (1913-1915), tem aparecido aqui, amiudadas vezes, nos últimos tempos, a propósito quer da divulgação do livro "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é hoje", da autoria do 2.º sargento reformado António dos Anjos (edição de autor, impresso na Tipografia Académica, Bragança, 1937), quer da publicação das notas de leitura do livro do nosso grã-tabanqueiro Armando Tavares da Silva , “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926” (Porto, Caminhos Romanos, 2016).

Afinal, quem foi Abdul Injai (ou Indjai ou Njai), nascido no que é hoje o território do Senegal, de etnia uolofe,  muçulmana (, etnia maioritária do Senegal atual)? Herói ou vilão? Mercenário ou nacionalista?  Aliado ou inimigo?  Cabo de guerra ou bandido? Alguns guineenses não hesitam em pô-lo hoje  na galeria dos seus  heróis, nacionalistas, ao lado dos "combatentes da liberdade da pátria".

Sabe-se que em 25 de novembro de 1914, Abdul Injai, já régulo, foi nomeado tenente das forças de 2.ª linha "por ter dado sempre sobejas provas de sua dedicação ao Governo e manifestado a mais heróica valentia", como "chefe indígena", nomeadamente na campanha do Oio, sob o comando do capitão Teixeira Pinto.

Cinco anos depois, ele cai em desgraça, por alegadamente ter usado e abusado do poder como régulo do Oio e do Cuor. Em 8 de julho de 1919, foi declarado o estado de sítio nas regiões de Bissorã e Farim, em virtude de Abdul Injai se recusar a acatar as ordens do Governo. Um mês depois, a 16 de agosto, é preso em Farim, depois de se entregar às forças do Governo.

Acaba por ser destituído dos seus cargos e deportado para a Madeira, por 10 anos, mas morre em Cabo Verde. Faltam-nos também pormenores sobre esta parte final da vida do Abdul Injai.
Aqui ficam alguns excertos, recolhidos tanto no nosso blogue como noutras fontes da WEB. Os títulos e a fixação de texto são da responsabilidade do nosso editor LG. (*****)


(i) Abdul Injai, o maior herói-vilão da Guiné Portuguesa

por Mário Beja Santos (*)

Nenhuma outra figura guineense do período colonial se revelou tão paradoxal, suscitou tanta paixão nas admirações e ódios, sobretudo no chamado período da «pacificação», que se estende até 1936.

Os relatos são muito contraditórios, é patente a falta de objectividade das diferentes fontes de exaltação e detracção. Abdul Injai era um djalôfo ( oriundo do Senegal, não da Gâmbia, como às vezes se lê), trabalhou como criado em Bissau e aparece em 1913 ao lado de Teixeira Pinto, na campanha do Oio, onde se distingue pela sua incontestável bravura. Acompanha Teixeira Pinto em novas surtidas, sobretudo em Bissau e arredores, é reconhecido como herói, à semelhança de Mamadu Sissé.

O prémio foi a sua nomeação para régulo do Oio e do Cuor, nesta última região terá tido um comportamento bárbaro, deu provas de saqueador e chefe de bando que praticava roubos abomináveis. Depois, começou a ser contestado no Oio pelas arbitrariedades, desafiou as autoridades de Bolama, o governador mandou uma coluna militar, em 1919, veio preso, foi desterrado primeiro para Cabo Verde, veio a morrer na Madeira.

O seu nome é referido como de combatente destemido que se corrompeu seduzido pelo oiro, por se ter posto à frente de rapinantes. Ele que garantira morrer a combater foi capturado e deixou-se levar como um qualquer preso de delito comum.

Lânsana Soncó, o almani de Missirá, foi a primeira pessoa que me falou da sua lenda. Prometo estudar melhor tão contraditória e paradoxal figura. (...)


(ii) Operações de polícia na área do comando militar de Bissorã e circunscrição civil de Farim em 1919

por José Martins(**)

Circunscrição de Farim – região do Comando Militar de Bissorã: Declaração do estado de sítio em Julho de 1919, em virtude de Abdul Injai, régulo de Oio, se ter declarado em aberta rebelião, depois de três anos de abusos de autoridade, situação que o governo desculpou, face aos significativos serviços prestados, pelo mesmo, a Portugal nos muitos combates que travou na Guiné, demonstrando uma valentia e lealdade ímpares

Pelos seus serviços a Portugal e à Guiné, foi promovido a Tenente de 2ª Linha, foi-lhe dado o regulado do Oio e, sendo chefe incontestado pela sua gente, foi um grande auxiliar do Capitão Teixeira Pinto e Tenente Sousa Guerra que, apoiado pelas suas gentes, auxiliou muito o governo da província a pacificar aquelas terras.

A causa próxima do estabelecimento do estado de sítio tem as suas origens em Abril de 1916, altura em que o régulo Abdul Injai começou, com prepotência, a aplicar multas aos chefes da povoações limítrofes das suas, fazendo exigências várias, entre as quais, trabalhar nas sua terras sem direito a qualquer pagamento.

Tendo em conta a sua “folha de bons serviços”, foi sendo aconselhado a alterar a sua posição, não só em relação à administração mas também em relação aos povos seus vizinhos. Estes avisos e/ou conselhos não só não surtiram efeito como agravaram a situação, o que levou Abdul Injai, em Abril de 1919, a atacar com a sua gente a povoação de Solinto-Tiligi e, em 29 de Maio do ano de 1919, apoderou-se das espingardas que a administração havia distribuído às populações do Cuor.

Como condição para proceder à devolução das armas, exigia uma indemnização de 40 contos, além da percentagem de 10% do imposto de palhota cobrado em Mansoa, Oio, Costa de Baixo e Bissau.
A aceitação destas condições colocaria, o governo da província, em situação de subalternidade, levaram à constituição de uma coluna de polícia que, em 3 de Agosto de 1919, entrou em combate com as forças revoltosos, tendo aprisionado Abdul Injai e os seus mais directos colaboradores, que foram desterrados para Cabo Verde.

Abdul Injai viria a falecer pouco tempo depois, terminando assim a vida de um aventureiro que prestou relevantes serviços à Guiné, mas também lhe criou grandes problemas, obrigando à adopção de medidas extremas para contrariar a sua atitude.

Nesta operação perdeu a vida o Alferes Afonso Figueira e 9 dos seus soldados.

Condensação de: José Marcelino Martins (**)


(iii) Abdul Injai, um herói guineense, ao lado de Amílcar Cabral  
por Fernando Jorge Pereira Teixeira (***)


(...) Temos até de acreditar, se preciso for, que o nosso povo é mais do que é. Temos que acreditar que é esse é o mesmo povo que gerou Abdul Injai, Unfali Soncó, Mussá Moló, Bacampolo-Có, Okinka Pampa, Honório Barreto, Amílcar Cabral, Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Simão Mendes, José Carlos Shwarz e tantos outros, poderá sublimar-se e superar a si próprio; e quem sabe se das dores dos morticínios, da guerra, dos golpes, e sofrimentos sem fim, não brotara do seio do povo Guineense uma nova plêiade de heróis. (...)


(iv) Abdul Injai, a conquista portuguesa e o levante de 1919 na Guiné-Bissau : manifestação pública de um discurso oculto

por Michelle Sost dos Santos (****)


(...) O presente trabalho tem como objetivo geral analisar as relações estabelecidas entre Abdul Injai - régulo das regiões do Cuor e Oio na Guiné - e os representantes portugueses dentro do contexto imperialista do início do século XX. Apesar de estarem em contato com os povos da Guiné desde o século XV, os portugueses não tinham domínio efetivo sobre a região. No entanto, a partir das transformações no sistema econômico ocidental e a sua necessidade de expansão, o continente africano foi invadido por uma onda imperialista, que resultou na disputa entre os países europeus sobre os seus territórios. Dessa forma, Portugal viu-se obrigado a efetivar seu domínio sobre a região da Guiné. No entanto, é impossível falar de dominação, sem falar de resistência, e é esse o objetivo principal desse trabalho. As ofensivas portuguesas foram ferozmente combatidas pelos diferentes povos da Guiné, o que retardou por quase um século a implantação do sistema colonial nessa região.

O caso de Abdul Injai não se enquadra nesses modelos tradicionais de resistência, e por isso, faremos distinção entre dois momentos em sua atuação: no primeiro, enquanto chefe de um exército de mercenários e agindo em prol de seus interesses, ele estabelece aliança com as forças portuguesas. Através do discurso público de combate aos povos locais, ele afirma seu poder na região e garante suas nomeações de régulo do Cuor e do Oio. No entanto, a condição de régulo não estava de acordo com o poder que Abdul almejava, pois conotava submissão à administração colonial portuguesa. Dessa forma, o seu segundo momento de atuação que é o levante de 1919, além de ser uma resistência armada evidente ao sistema colonial, é a confirmação de que as suas ações anteriores não visavam à afirmação do domínio português na região, mas, provavelmente, a afirmação de seu próprio poder. (...)
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de outubro de  2008 >  Guiné 63/74 - P3320: Historiografia da presença portuguesa em África (8): Abdul Indjai, herói e vilão (Beja Santos)

(**) Vd. poste de 1 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11177: Para que a memória não se perca (4): Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (José Martins)

(***) Vd texto de Fernando Jorge Pereira Teixeira: refflexões de um nacionaçista: parte I: o nosso desígnio como povo. In: Projeto Guiné-Bissau Contributo

(****) Vd. Santos, Michele Sost dos - Abdul Injai, a conquista portuguesa e o levante de 1919 na Guiné-Bissau : manifestação pública de um discurso oculto. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Curso de História: Licenciatura. [Consult em 18 de julho de 2017]. Disponível em http://hdl.handle.net/10183/149538

(*****) Último poste da série > 15 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17585: Historiografia da presença portuguesa em África (80): Uma peça de ourivesaria a exaltar o paternalismo colonialista (Mário Beja Santos)