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quinta-feira, 22 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

António G. Abreu, Mário Beja Santos e o Carlos Marques dos Santos, no III Encontro em Monte Real, 17 de Maio de 2008

Foto: © Helder de Sousa (2008). Direitos reservados.


A Guerra estava militarmente perdida ?

1. Mensagem de António Graça de Abreu:

Se conheces, actua como homem que conhece, se não conheces, reconhece que não conheces. Isso é conhecer. Confúcio (551 a.C-479 a.C.)

O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflecte. Aristóteles (384a.C-322 a.C.)

É a guerra aquele monstro que se sustenta de fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. Padre António Vieira (1608-1697)

Uma guerra está militarmente perdida quando o adversário tem armamento superior.
Mário Beja Santos.

Caríssimos tertulianos, meu caro Mário Beja Santos

Porque um dia passámos todos pela Guiné, porque devemos procurar o rigor da análise na nossa história das guerras de África, porque subsistem equívocos, mal-entendidos, incompreensões naturais, porque alguns de nós continuam a assumir esplendorosas falácias como certezas e verdades à deriva pela doce pátria lusitana, alinho estas palavras. Sem outro intuito que não seja o de nos conhecermos melhor.
Antes de escrever mais, devo confessar que duvido sempre, leio, penso, medito, tento informar-me, procuro conhecer.


Como quase todos nós, não passei impunemente pela antiga Guiné Portuguesa.



Alf Mil António Graça de Abreu, em Cufar. Janeiro de 1974.

Foto: © Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.

Estive lá, no norte, centro e sul, pequeno alferes miliciano num comando de operações, 1972/1974. Desculpem-me a vaidade de citar talvez o maior de todos os portugueses, no século XVI perdido pelo mundo, como nós nos anos sessenta e setenta do século XX, de seu nome Luís de Camões.
Em “Os Lusíadas” canto X, estrofe 154, o poeta diz:
Não me falta na vida honesto estudo
com longa experiência misturado
.

Vamos à conjuntura militar, Guiné 1973/74.

Os guerrilheiros do PAIGC não controlavam nenhuma cidade, vila ou aldeia importante da Guiné. O território tinha então cerca de 500.000 habitantes. Mais de 400.000 guineenses viviam junto das tropas portuguesas, subtraídos por vontade própria ou por necessidade, ao controlo do PAIGC.

O exército português dispunha então na Guiné de aproximadamente 40.000 homens, 6.000 a 7.000 dos quais africanos guineenses. As milícias locais, com as suas velhas Mauser, muitas G-3 e até morteiros, davam alguma cobertura ao esforço de guerra da tropa portuguesa e eram constituídas por quase 20.000 homens.
Os guerrilheiros do PAIGC seriam entre 4.000 a 6.000, muitos deles permanentemente a entrar e a sair da Guiné. Viviam em segurança fora do território da Guiné, nas suas bases de Kandiafara (Senegal), ou Kumbamory (Guiné-Conakry) e outras.
Todos os comandantes militares portugueses encontravam-se dentro do território da Guiné, generais Spínola, depois Bettencourt Rodrigues, coronéis e tenentes-coronéis, comandantes operacionais, comandantes de batalhão, comandantes de companhia. António de Spínola deslocava-se de helicóptero a todos os aquartelamentos portugueses na Guiné, e eram muitos.
Lembram-se dos termos em que, por brincadeira, se dizia que costumava ser anunciada a chegada do general do monóculo? “Info V. Exa, S. Exa segue na mexa”. No início de Dezembro de 1973, o general Bettencourt Rodrigues foi de helicóptero a Madina do Boé, e não encontrou viva alma. Foi pura propaganda, até levou um jornalista alemão com ele para reportar o feito, mas a verdade é que o governador da Guiné Portuguesa, dois meses e meio depois esteve no local onde em Setembro o PAIGC havia declarado a independência.
Quantos comandantes militares do PAIGC, de graduação semelhante, estavam, dia após dia, junto dos seus guerrilheiros no interior do território da Guiné? Nino Vieira, Luís Cabral, Aristides Pereira, Pedro Pires podem responder.

Amílcar Cabral foi assassinado em Conakry, Osvaldo Vieira morreu num hospital em Conakry, não faleceram no interior dos “dois terços do território” da sua pátria que haviam “libertado”.
A guerra estava militarmente perdida para as tropas portuguesas? Quem acredita?
Continuemos com a conjuntura militar, Guiné 1973/74. De que meios aéreos, navais e terrestres dispunham os dois contendores no conflito?
O exército português e a tropa guineense que combatia a seu lado contavam com aviões Dakota (DC 3), T-6, Fiats G-91, Dornier 27, Nord-Atlas e helicópteros Alouette 3, sete ou oito deles equipados com héli-canhões, num total de quase quarenta aparelhos.
Existiam junto aos aquartelamentos portugueses umas boas dezenas de pistas de aviação, duas delas asfaltadas (Bissau e Cufar). Para voar, o PAIGC não dispunha sequer de pombos-correios, embora se falasse na hipótese, nunca concretizada, de os guerrilheiros poderem um dia utilizar Migs, a partir de bases aéreas situadas na Guiné-Conakry, ou seja fora da sua pátria. É verdade que possuíam mísseis anti-aéreos Strella e que abateram cinco aviões portugueses em Abril de 1973. Entre Junho de 1973 e Abril de 1974, com “armamento tecnologicamente superior”, no dizer do nosso amigo Beja Santos, quantos aviões portugueses foram abatidos pelo PAIGC? Nem um. E os nossos meios aéreos, ao contrário do que muitas boas almas ainda hoje apregoam por ignorância ou maldade, não deixaram de voar, e voaram muito. Os guerrilheiros e as populações sob seu controlo, continuaram a ser impiedosamente bombardeadas pela força aérea portuguesa. Em 1974 até os Nord-Atlas chegaram a ser utilizados como bombardeiros, com as bombas a serem lançadas da traseira aberta do avião! Com napalm, bombas de 200 libras, etc., e também metralhados pelas metralhadoras pesadas dos nossos héli-canhões. São factos inquestionáveis, a realidade foi essa.
Como é que a guerra estava militarmente perdida para a tropa portuguesa?
De quantos meios navais – fundamentais numa Guiné polvilhada por rios e canais que entram pela terra dentro e são estradas fluviais a utilizar no deslocamento e abastecimento das populações –, dispunha a marinha, o exército português?




LDG Alfange, subindo o rio Cumbijã, Agosto 1973.

Foto: © Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.

Havia lanchas de desembarque grandes e médias, bem equipadas com as metralhadoras pesadas Oerlikon, pequenas vedetas de fiscalização (o nosso Lema Santos conheceu-as muito bem) também com um bom poder de fogo, os nossos fuzileiros armados movimentavam-se facilmente com os seus zebros nos rios Cacheu, Cumbijã, Cacine, etc. Havia ainda os sintex, com potentes motores de 60 cavalos, (como os dos zebros) importantes no deslocamento das tropas portuguesas de aquartelamento para aquartelamento ou mesmo em operações militares. Recordo nas regiões do Tombali/Cantanhez, em 1973/1974, os nossos destacamentos do Chugué, Cobumba, Bebanda, Caboxanque, Cufar, Cadique, Cafal e Cafine. Todos utilizavam largamente os zebros e sintex.
Quais eram os meios navais de que, na fase final da guerra, dispunha o PAIGC? Os guerrilheiros, armados com as suas kalashnikovs, movimentavam-se em canoas raramente equipadas com um pequeno motor, mas sobretudo canoas primitivas, a remos, escavadas em troncos de árvores, que escondiam no tarrafo da margem dos rios.
Como é que a guerra estava militarmente perdida?
Quanto a meios terrestres também vale a pena uma breve abordagem. As tropas portuguesas possuíam umas centenas de camiões Berliets, GMCs, Unimogs, viaturas auto-metralhadoras Daimler, Fox, Panhard, algumas destas, é verdade, velhas e quase inoperacionais. Mas ainda funcionavam.


Fox na estrada Cufar-Catió, Fevereiro 1974.

Foto: © Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.

Desloquei-me numa Fox de Cufar para Catió, e volta, por várias vezes até Abril de 1974. Havia estradas asfaltadas, por exemplo de Bissau a Teixeira Pinto, de Teixeira Pinto ao Cacheu, de Bissau a Farim, (a região Bafatá-Nova Lamego não conheço), Cufar para Catió, e mais estradas estavam em construção. As colunas de viaturas (naturalmente sujeitas a emboscadas) deslocavam-se quase por toda a Guiné.
E quais eram os meios terrestres do PAIG? Os guerrilheiros deslocavam-se a pé pelo interior das matas e florestas da Guiné, carregando as armas e munições que lhes chegavam vindas em camiões desde Conakry ou do interior do Senegal. Essas armas eram desembarcadas nas fronteiras com a Guiné Portuguesa. Raríssimas viaturas ao serviço do PAIGC entraram no território da Guiné e quando tal aconteceu verificou-se junto aos aquartelamentos de fronteira. Depois do abandono de Guileje, em Maio de 1973, os guerrilheiros aproveitaram o corredor de Guileje (por onde costumavam entrar e sair sempre a pé) para, pela primeira vez, trazerem alguns camiões e veículos blindados (?) até junto de Bedanda, nas flagelações de Março e Abril de 1974.
Mas como é que a guerra estava militarmente perdida?
Escreve o nosso amigo Beja Santos no título da mensagem que me enviou, depois publicado no blog sem este título, que “uma guerra está militarmente perdida quando o adversário tem armamento tecnologicamente superior.” Se tal é verdade, o que duvido, (os americanos perderam a guerra do Vietname, no terreno, apesar de contarem com armamento tecnologicamente superior, hoje também possuem armamento superior no Iraque e não conseguem ganhar a guerra), quem em 1973/74 dispunha de armamento tecnologicamente superior, de logística, de condições para o usar, etc., era o exército português. E esta superioridade não era suficiente para ganharmos militarmente a guerra. Talvez o Beja Santos ao falar “no armamento superior” se queira referir ao armamento tradicional do PAIGC, às kalashnikovs, às Simonovs, às PPSHs, às metralhadoras Degtyarev, aos RPGs, aos canhões sem recuo, aos morteiros, aos foguetões 122, aos mísseis Strella, minas anti-pessoal e anti-carro, armas típicas de uma guerra de guerrilha como a da Guiné, sem dúvida eficientes, que transformaram num calvário a vida de muitos de nós, mas eram incapazes de levar o PAIGC a uma vitória militar.
Não subestimo, de modo algum, a capacidade bélica dos guerrilheiros, a extraordinária coragem de muitos deles, os golpes que assestaram na tropa portuguesa. No ano de 1973, tivemos 210 mortos. Não sei os números para os outros anos mas não terão sido inferiores. De resto, a situação militar em 1973/74, considerando a essência do conflito, não seria substancialmente diferente da de 1965,67,69,71. Claro que a guerra evoluiu, em 73/74 os guerrilheiros do PAIGC estavam melhor preparados e equipados.
Mas temos de conhecer bem a realidade. Apesar de uma “maior” capacidade militar, quantos aquartelamentos portugueses conquistou o PAIGC em 1973/1974? Nem um. E quantos mortos teve? Ninguém sabe, mas foram bem mais do que os soldados portugueses mortos em combate.
Eu sei, há Guidage e Guileje, Maio de 1973.
Cerca de mil (?) guerrilheiros do PAIGC, ao abrigo da fronteira do Senegal, mesmo ao lado, cercaram Guidage e transformaram o lugar num inferno de morte para os portugueses. Lá morreu o meu (continuará sempre comigo!) soldado David Ferreira Viegas, do CAOP 1. Mas os guerrilheiros não conseguiram conquistar Guidage. A partir da fronteira com a Guiné-Conakry, também transformaram Guileje num inferno de morte. E Guileje não foi conquistada, foi abandonada à revelia dos poderes de Bissau. Gostemos ou não, esta é a realidade. Depois, até ao fim do conflito, nem Gadamael, nem Cacine, nem Piche, nem Buruntuma, nem Pirada, nem Copá, etc, nenhum mais aquartelamento de fronteira, ou de outro qualquer lugar, foi conquistado ou abandonado pelas tropas portuguesas.
A guerra não estava militarmente perdida.
É verdade que Spínola pediu mais meios e armamento a Marcelo Caetano e que não os obteve. Foi uma das razões porque se demitiu. Mas os meios terrestres, navais e aéreos de que dispúnhamos, eram, sempre foram superiores aos do PAIGC. Não eram suficientes para derrotar o inimigo mas este tipo de guerra de guerrilha, num território tão complicado como o da Guiné, nunca se ganha apenas no terreno.
Depois, é preciso fazer justiça à História e reconhecer a camaradagem, o sacrifício, o enorme esforço, a dedicação das tropas portuguesas em terras da Guiné, quase todos no melhor dos nossos vinte anos, em situações extremas e difíceis de uma guerra de guerrilha traiçoeira e incerta.
Também é preciso prestar uma sentida homenagem aos guerrilheiros do PAIGC que, dispondo de meios militares inferiores aos da tropa portuguesa, lutaram heroicamente e deram a vida, aos milhares, pelo que acreditavam ser a causa da libertação da sua pátria e da construção de uma Guiné independente e melhor. Exactamente por estas ponderosas razões não devemos, não podemos distorcer a História, vesti-la com roupagens que nunca teve.

Uma última questão
No blogue, o nosso amigo Mário Beja Santos dá-me um conselho que agradeço e diz:
“Por favor, estuda. Estuda o que escreveram Marcelo Caetano, Spínola e Costa Gomes. (…) Quando um Presidente do Conselho (Marcelo Caetano) propõe em plena sessão do Conselho Superior de Defesa Nacional, em 1973, que a maior parte do território da Guiné não é defensável, na actual conjuntura, a retirada estratégica para os territórios da península de Bissau, que guerra não está perdida?


(…) Tudo isto está documentado, é público, é acessível a quem quiser ir às livrarias.”

Vamos lá então ler as palavras de Marcelo Caetano, Costa Gomes e António de Spínola, após Guidage e Guilege, que são públicas, acessíveis a quem quiser ir às livrarias e estão transcritas no meu livro Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2007, pag.102.
Escreve Marcelo Caetano:
“Em meados de 1973, a situação militar podia considerar-se satisfatória. (…) Pus ao General Costa Gomes que recentemente visitara a Guiné, inspeccionara as tropas e acertara os dispositivos a adoptar, a seguinte questão:
- A Guiné é defensável e deve ser defendida? Se sim, vamos escolher o melhor general (em substituição de António de Spínola) disponível para a governar, vamos fazer o esforço de lá manter os homens necessários e de procurar dotá-los do material necessário. Se não, prepararemos a retirada progressiva das tropas para não prolongar um sacrifício inútil, designando um oficial-general, possivelmente um brigadeiro, para liquidar a nossa presença.
A resposta do General Costa Gomes foi categórica:
- No estado actual, a Guiné é defensável e deve ser defendida.” Marcello Caetano, em Depoimento, Rio de Janeiro, Ed. Record, 1974, pag.180.

E o que nos diz o general Spínola sobre esse período de meados de 1973?

"(…) Tendo estado quase que iminente o abandono de algumas povoações de fronteira, o que só não sucedeu pela valorosa acção individual de alguns comandantes. Nessas acções de fronteira, é de elementar justiça salientar o comportamento de alguns oficiais, entre os quais destaco o Coronel Pára-Quedista Rafael Durão, (o meu comandante do CAOP 1) o Tenente-Coronel de Cavalaria Correia de Campos e o major de Cavalaria Manuel Monge." António de Spínola, País sem Rumo, Lisboa, Ed. SCIRE, 1978, pag. 54.

Comentário final

O general Costa Gomes afirma em meados de 1973 que "a Guiné é defensável e deve ser defendida". No mesmo período o general Spínola destaca o papel dos nossos militares na defesa dos aquartelamentos de fronteira. Ora Marcelo Caetano, segundo Mário Beja Santos numa prosa da sua autoria um pouco confusa, "propõe em plena sessão do Conselho Superior de Defesa Nacional, em 1973, que a maior parte do território da Guiné não é defensável, na actual conjuntura, a retirada estratégica para os territórios da península de Bissau, que guerra não está perdida?"

Alguém acredita que depois de Costa Gomes ter dito a Marcelo Caetano que "a Guiné é defensável" que tenha sido o próprio Marcelo Caetano a afirmar que "a maior parte do território da Guiné não é defensável"? Alguém acredita numa retirada estratégica das tropas portuguesas para os territórios da península de Bissau, ou seja aqueles trinta e poucos quilómetros que vão de Nhacra a Quinhamel? Nem cabíamos lá dentro.
Alguém acredita que íamos deixar para trás centros urbanos e vilas como Teixeira Pinto, Cacheu, Bula, Farim, Bafatá, Nova Lamego, Bambadinca, Mansoa, Tite, Bolama, Buba, Catió, Cufar, Cacine? Marcelo Caetano não pode ter dito um tamanho disparate. E eu não gosto, nunca gostei nem um bocadinho de Marcelo Caetano, António de Spínola e Costa Gomes.
Mas há por aí muita desinformação e têm sido escritas incontáveis barbaridades a respeito da Guiné.

Tenho pelo Mário Beja Santos todo o respeito que me merece um camarada de guerra na Guiné. Peço-lhe apenas um pouco mais de humildade. Tenho todo o direito de não concordar com as suas análises, de não aceitar a tese da superioridade militar do PAIGC em relação às nossas tropas, de discordar da tese amplamente divulgada (porque convinha à tendência mais esquerdista, pós-25 de Abril, para justificar o abandono precipitado da Guiné) de que em 1973/1974 a guerra estava militarmente perdida.

É fundamental não confundir o político com o militar.
Estas questões são importantes, têm a ver com a nossa História e com a História da Guiné-Bissau, têm a ver com a própria natureza do conflito militar no período final da guerra da Guiné.

Vamos tentar ser justos, honestos e rigorosos.
Um abraço a todos os camaradas da Guiné,

António Graça de Abreu

PS. Já depois de ter escrito o texto acima, leio no blog a troca de mails, com conhecimento a todos nós, intercambiada entre o Mexia Alves e o Beja Santos.

O Joaquim Mexia Alves interpreta o meu sentir, e creio que o de quase todos os velhos combatentes da Guiné, e refuta naturalmente uma tantas afirmações do nosso amigo Beja Santos.
Como é possível, meu caro Mário Beja Santos, considerares que na fase final do conflito na Guiné "se desenhava uma guerra convencional 'à carta'." E que "As tropas do PAIGC despejavam os 'órgãos Estaline' quando queriam, sem resposta da nossa tropa, era uma nova inferioridade".
Como é possível que um homem inteligente como tu diga coisas destas? Guerra convencional no território da Guiné? Órgãos Estaline, aquelas rampas de lançamento múltiplo de mísseis utilizadas na 2ª. Guerra Mundial e que nunca ninguém viu na Guiné? Devias estar a pensar nos foguetões 122, disparados aos pares, a dez, onze quilómetros dos nossos aquartelamentos, e que, por bem, tinham o bom hábito de se desviarem do objectivo e quase nunca acertavam. Quantos militares portugueses morreram ou foram feridos devido ao rebentamento de foguetões 122? Não muitos. É verdade que o silvo dos foguetões assustava. Mas muito mais perigosos eram os canhões sem recuo e os RPGs. E dizes que a nossa tropa não respondia às flagelações dos guerrilheiros, "era uma nova inferioridade". Tínhamos obuses 10,5 e 14, morteiros, canhões sem recuo, metralhadoras pesadas e a cada flagelação respondíamos sempre com as armas de que dispúnhamos e que não eram tão fracas e ineficazes como isso. Tenho uma gravação minha de um ataque IN a Cufar, a 20 de Janeiro de 1974, um imenso fogachal dos dois lados, cerca de vinte minutos. Como era costume, não houve qualquer morto ou ferido do nosso lado. Como era costume, ninguém viu os guerrilheiros que atacaram a um quilómetro de distância, despejaram o seu material e depois fugiram. Mesmo assim um pelotão da CCaç. 4740 foi no encalço do IN. Os nossos homens regressaram ao quartel umas horas depois, enlameados, exaustos. Dos guerrilheiros em fuga, nem cheiro. Qual guerra convencional? Qual “sem resposta da nossa tropa”?

Dizes, ainda, meu caro Mário Beja Santos que "o inimigo nunca desarmou, nunca perdeu posições".
Dou-te apenas um exemplo. Em Novembro/Dezembro de 1972, por ordens do general Spínola, as tropas portuguesas foram ocupando e instalando-se gradualmente em aldeias do Tombali/Cantanhez, até então sob controlo IN. Foram ocupadas Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine e Jemberém. Os guerrilheiros retiraram para as matas do Cantanhez, onde, é verdade, passaram a fazer a vida negra à tropa portuguesa. Mas foram desalojados e perderam as suas posições.
É tudo.
Um abraço.
António Graça de Abreu
S. Miguel de Alcainça, 18 de Maio de 2008
Ano do Rato

__________

Notas:
1. adaptação do texto e sublinhados da responsabilidade de vb.
2. Artigos relacionados em
15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)
13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)
30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)