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sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23580: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (126): Leitor brasileiro, Edson de Lima Lucas, identifica o navio inglês Narkunda, da P&O Lines, em foto de 29/9/1942 (presumivelmente "Foto Melo") , tirada ao largo do Porto Grande, Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde... Dois meses depois seria atacado e afundado pela aviação alemã, na campanha dos Aliados no Norte de África.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 29 de setembro de 1942 > Navio inglês, não é indicado o nome no verso... "Esteve em S. Vicente no dia 29 de setembro com diplomatas. [Eu] estava no hospital quando ele cá esteve". 

Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012), natural de Lourinhã, distrito de Lisboa,  ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, no Lazareto, entre junho de 1941 e setembro de 1943, em missão de soberania (. Este e outros batalhões foram entretanto integrados RI 23.).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem do nosso leitor Edson de Lima Lucas:

Data - segunda, 29/08/2022, 22:24  
Assunto - Identificação de navio

Olá,

Sou um entusiasta por navios e ao longo da vida adquiri uma boa experiência para identificá-los. Por isso estou dando uma ajuda no seu excelente site ...

Na publicação de quinta-feira, 20 de agosto de 2020, o navio de 3 chaminés em foto de 29/09/1942 (*),  trata-se do inglês Narkunda, da P&O Lines, construído em 1920. 

 Originalmente era de passageiros mas em 1940 foi adaptado como transporte de tropas e em 14/11/1942 foi torpedeado em Bougie, Norte da África.

Foto raríssima como transporte de tropas.

Espero que tenha gostado das explicações.

Edson de Lima Lucas
Rio de Janeiro/Brasil

2. Comentário do editor LG (**):

Edson, estou-lhe muito grato pelas suas explicações que vêm enriquecer a legenda da foto do navio de transporte de tropas inglês, Narkunda,  da P&O Lines, tirada ao largo do Porto Grande, Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde (então ainda colónia portuguesa). A data deve estar certa, 29/9/1942.  Presumimos que a fotografia seja da Foto Melo, a célebre casa de fotografia do Mindelo, de que os expedicionários eram grandes clientes.

Na realidade, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

O Nkarkunda será atacado e afundado dois meses depois, ao largo da cidade  portuária argelina de Bugia, no Mediterrâneo, motrrendo 31 tripulanets. Leio aqui no sítio The Old Peninsular & Oriental Steam Navigation Company > c. 1835-1972 > SS Narkunda > From the evacuation of Singapore to the North African landings

(...) "Narkunda, under the command of Captain L. Parfitt, D.S.C., was serving as an auxiliary transport during the Allied landings in French North Africa in November 1942. She disembarked her troops at Bougie and had turned about for home when, towards evening on the 14th, she was bombed and sunk some distance off Bougie. Thirty-one persons were killed. Captain Parfitt was among the survivors.

"Bombed and sunk by German aircraft off Bougie, Algeria, passing Cape Carbon (36°52’N-05°01’E). She had just landed troops for the North African campaign and was about to return to the UK when the attack came out of cloud cover and she was hit heavily on the port side and astern. 31 crew were killed. The survivors were picked up by the minesweeper HMS Cadmus and returned to Britain by P&O’s Stratheden and Orient Line’s Ormonde." Source: The P&O Heritage Archive. (...) 

Tradução Google Translate / LG:

(...) O Narkunda, sob o comando do capitão L. Parfitt, D.S.C., servia  como transporte auxiliar de tropas durante os desembarques aliados na costa do Norte da África Francesa,  em novembro de 1942. Desembarcou tropas em Bugia, Argélia, e estava de volta a casa quando, à noite do dia 14 ,  foi bombardeado e afundado a alguma distância de Bugia. Trinta e uma pessoas foram mortas. O Capitão Parfitt estava entre os sobreviventes.

"Bombardeado e afundado por aviões alemães ao largo de Bugia, Argélia, ao passar o  Cabo Carbon (36°52'N-05°01'E). Tinha acabado de desembarcar tropas no âmbito da campanha do Norte de África e estava prestes a regressar ao Reino Unido quando o ataque surgiu, sob o céu enevoada,   sendo fortemente atingido a bombordo e à ré. 31 tripulantes foram mortos. Os sobreviventes foram recuperados pelo caça-minas HMS Cadmus e trazidos para a  Grã-Bretanha pelo Stratheden da P&O e Ormonde da Orient Line ". Fonte: P&O Heritage Archive. (...)

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de maio de  2017 > Guiné 61/74 - P17390: Meu pai, meu velho, meu camarada (54): Navios, do álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, no Lazareto, entre julho de 1941 e setembro de 1943, em missão de soberania, juntamente com, entre outros militares, o fur mil e futuro cap SGE e escritor Manuel Ferreira (1917-1992), o autor de "Hora di Bai", de quem Leiria está a celebrar os 100 anos de nascimento

(**) Último poste da série > 17 de setembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22549: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (125): O nosso Blogue foi contactado por uma sobrinha-bisneta de Cunha Gomes, Régulo da Tabanca de Binhante (Teixeira Pinto) nos anos 70 (Jorge Picado)

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17721: Agenda cultural (580): Lourinhã, Ribamar, sábado, dia 2, às 17h00, inauguração da exposição do nosso amigo e camarada Estêvão Alexandre Henriques, "Navegar no passado"... O nosso próximo grã-tabanqueiro foi fur mil radiomontador, CCS/BCAÇ 1858 (Catió, 1965/67)

Cartaz do eventábadoo



Convite

Exposição “Navegar no Passado”


Sábado, dia 2 de setembro, pelas 17 horas, no Espaço Museológico “Olhar o Mar e a Terra” (Antiga Escola Primária), em Ribamar, Lourinhã, é inaugurada da Exposição “Navegar no Passado”.

O autor é o ex-fur mil mecânico radiomontador Estevão Alexandre Henriques, da CCS/ BCAÇ 1858, Catió, 1965/67.  É membro da Tabanca de Porto Dinheiro e, dentro em breve, da Tabanca Grande, para a qual está há muito convidado.

Conheceu, entre outros, em Catió, o João Bacar Jaló, ainda conviveu com os seus conterrâneos ex-alf mil capelão Horácio Fernandes (CCS/BART 1813, Catió, 1967/69), natural de Ribamar, Lourinhã;  ex-sold Pel Mort 942 , José António Canoa Nogueira (1942.1966), morto em combate no subsetor de Catió, natural da Lourinhã; ex-sold at cav, José Henriques Mateus (1944-1966), que pertenceu á CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67), e que desapareceu em combate na cambança do rio Tompar, 

O Estêvão A. Henriques é um dos maiores colecionadores de bússolas e outros equipamentos náuticos (rádios, sonares. etc.).




Almada > Seminário de Almada > 19 de junho de 2012 > O Estêvão A. Henriques, de costas para o estuário do Tejo e a cidade de Lisboa. Foto de cronologia da sua página no Facebook.



Alguns dados biográficos:


(i) nasce em 1942 em Fonte Lima,  freguesia de Santa Bárbara, Lourinhã;

(ii) estuda nos Seminários de Santarém e Almada, donde sai para cursar eletricidade e eletrónica;

(iii)  é chamado para o serviço militar em 1964, e faz em Tavira  o CSM - Curso de Sargentos Milicianos;

(iv) no mesmo ano vai frequentar para a Escola de Sargentos, localizada em Paço d'Arcos, aí fazendo o curso de Radiomontador;

(v) em 1965 é mobilizado para a Guiné como furriel miliciano radiomontador da CCS - Companhia de Comando e Serviços do Batalhão de Caçadores 1858 (Catió, região de Tombali, 1965/67);

(vi) no regressso a casa em 1967,  é convidado a ingressar como Radiotécnico na firma Electrónica Naval - com sede em Peniche;

(vii)  estabelece-se como empresário em 1970, constituindo firma na Rua 13 de Infantaria, em Peniche;

(viii)  em 1973, transfere a empresa para a Rua José Estêvão, n.º 102, aí permanecendo até aos dias de hoje, com oficina de reparação e stand de vendas de equipamentos eletrónicos e eletricidade para barcos;

(ix) durante mais de 40 anos impulsionou, a nível nacional, diversas marcas no setor das pescas: (a) Sistemas: Loran Morrow / Omega Sergel / Omege Diferencial; (b) Sondas: MJC /Kelvin & Hughes; (c) Sonares: Wesmar; (d) Radares: Anritsu; (e) Rádio goniómetro: Ben-Tem. 

(x) ao longo de mais de quarenta anos de atividade, para além das vendas de equipamentos eletrónicos, fez centenas de instalações elétricas em traineiras e barcos de pesca do alto, bem como em embarcações de pequeno porte e recreio;

(xi)  nos anos 70 equipa o primeiro barco de pesca do alto, o "Trio de Ribamar" , com toda a eletrónica e instalação elétrica a 24V DC e geradores a 380VAC, para alimentação do inovador sistema de frio, sendo este um dos primeiros barcos a pescar fora das águas do território nacional;

(xii) ainda no âmbito da sua atividade profissional, visita feiras internacionais de inovação marítima, quer na área da pesca, quer na dos equipamentos eletrónicos e negocia em diversos países: Espanha, Marrocos, Senegal, Mauritânia, Guiné- Bissau,Angola e Moçambique;

(xiiii) a paixão pelas bússolas vem do tempo em que presta serviço militar na Guiné, onde adquire uma bússola de bolso, aquela que viria a ser a primeira da sua, atual, vasta coleção!... 

(xiv) divide o seu tempo entre a paixão pelas bússolas e a construção de pequenas réplicas de embarcações de pesca e caravelas. 

(xv)  já realizou, em Peniche, 3 exposições temáticas com espécimes das suas coleções: 2007, 2009 e 2013;

(xvi) vive no Seixal, Lourinhã, e é casado com a Maria Rosário Henriques.

sábado, 10 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17453: (De) Caras (70): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte II




"António Eugénio da Silva Levezinho nasce a 24 de Novembro de 1947, em Lisboa. Do pai, António Levezinho, herda o nome e a vontade de "vestir a camisola" pela Sacor. Seu pai era o funcionário número 27 da Sacor, onde entrou como electricista em 1954. É com orgulho que refere: "Já não fui o primeiro Levezinho a entrar para a Sacor, porque o meu pai é contemporâneo ao primeiro dia de existência da Sacor e contribuiu com as suas capacidades e competências para a construção da Refinaria de Lisboa." Com 5 anos apenas, ia já à refinaria onde o porteiro, impecavelmente bem vestido, perguntava: "Vem ver o paizinho?" Desde essa altura que entende esta empresa como uma segunda casa. É aqui que, em 1968, é abraçado pelo petróleo como escriturário aspirante. Na Sacor faz todo o seu percurso profissional, em Aprovisionamento e Exportação, até chegar a director-adjunto, em 1990." 

(Fonte: Vidas Galp Museu Virtual > Família > {1967] Anrtónio Levezinho, com a devida vénia. Segundo o Tony Levezinho, o pai começou por trabalhar, em 1940, numa das empresas que estava a construir a refinaria da Sacor. E entrou a seguir para a Sacor. Quando se reformou já era o funcionário nº 1 e não o 27).


1. Mensagem do Tony Levezinho, ex-fur mil at inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71):

 Olá,  Luis

Tal como o prometido, aqui segue um pequeno texto, o qual, tanto quanto a memória me permite, tenta corresponder ao teu desafio (*)

Sabes que,  em "open space",  não me é particularmente grato falar na 1ª pessoa. Contudo, acho que neste caso, tinha que ser mesmo assim.

Agradecimentos, entre amigos são dispensáveis. No entanto, quero que saibas do meu reconhecimento pela tua referência ao meu pai, a qual, sei que é genuína.

Um grande Abraço e um Beijinho para a Alice.

Tony

P.S. - Na Net encontras um site,  Galp Vidas -Museu Virtual. Já na primeira década de 2000 (talvez 2005/6) fui convidado pela Galp para participar, no contexto da minha área (Aprovisionamento e Exportação). Se tiveres algum interesse...


2. A OPERAÇÃO “BACALHAU COM TODOS” 

por Tony Levezinho


O Bacalhau, mais do que um produto gastronómico comum à mesa portuguesa é, sem dúvida, uma herança cultural de gerações.

Fazendo honras, como nunca, ao seu título de “Fiel Amigo”,  foi companheiro de muitos de nós com a frequência possível, mas sempre com a virtude de confortar o estômago e de mitigar quer as saudades que sentíamos das nossas famílias, quer as vicissitudes e incertezas do nosso dia-a-dia.

Concretamente, acerca do Contrabando de Ternura, tal como o meu querido amigo Luis Graça lhe chama, aqui vão os contornos principais do esquema que fazia funcionar esta “rede de contrabando”, a operar a partir do Continente, sempre com o objetivo de nos fazer sentir um pouco mais próximos dos nossos locais de origem, de onde (ainda hoje não percebo bem porquê) nos tiraram.

Na empresa onde trabalhei, a Sacor (depois de abril,  integrou a Petrogal, que hoje pertence ao grupo Gal),  tive a sorte de ter um colega que por acaso também se chamava António Levezinho, pessoa muito estimada naquela organização, na altura, um dos poucos ainda no ativo, desde a sua fundação [. Chegaria a ser o nº 1, na altura em que se reformou.]

Acresce que este colega era o meu pai. Assim se justifica (ainda mais) a sua iniciativa de usar as boas relações que tinha com todos os setores da companhia para, junto da Sacor Marítima, empresa armadora do grupo (existe ainda hoje com a mesma designação) assegurar que os pacotes com o “precioso miminho” chegavam ao Parque de Armazenagem de Combustíveis de Bandim, em Bissau.
Para o efeito, os navios envolvidos neste tráfego eram o  “SACOR”, o “ROCAS”, o “CIDLA” ou o “BANDIM”, aqui apresentados, pela mesma ordem:







Chegada a mercadoria à Guiné, era então a vez de entrar em ação o chefe do parque da Sacor, o senhor Daniel Brazão, com quem ainda viria a trabalhar em Lisboa, após o meu regresso. Este cúmplice providenciava no sentido de que as encomendas com o "fiel amigo" fossem entregues na Casa Fialho, casa comercial à boa maneira colonial e com grande implantação no território, a qual, a partir da sua casa-mãe em Bissau, se encarregava de as fazer seguir até à sucursal de Bafatá, onde eu próprio ou alguém a meu pedido as recolhia, logo que possível.


O porquê do envolvimento da Casa Fialho nesta “liga de boas vontades”? [Não tenho a certeza se a foto à esquerda à da Casa Fialho ou da Casa Pintozinho em Bissau... Foi o TOny que ma mandou, sem legenda. LG]

Simplesmente porque o seu dono, o senhor Sérgio Fialho, era o líder de uma família abastada de uma aldeia chamada Sobrena, no concelho do Cadaval, onde uma tia minha (irmã do meu pai) vivia, por se ter casado com um natural daquela localidade.

Depois desta confidência sobre os detalhes de como funcionava, no terreno, a operação “Bacalhau Com Todos”, dou comigo a pensar se não será excessiva a fidelidade que atribuímos ao Bacalhau, a ponto de o tratarmos como o “Fiel Amigo”.

Da minha parte, garanto, a fidelidade é absoluta para com o Bacalhau, qualquer que seja a maneira como ele se apresente no prato.

Um Abraço Amigo

Tony Levezinho
(CCaç.12 - Bambadinca, 1969/71)

08/jun./2017

[Imagens enviadas pelo Tony Levezinho]



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma >  Destacamento da CCAÇ 12 > 1970 > 2º Grupo de Combate >  Era um ponto estratégico esta ponte. Dormíamos em buracos. De dia, davam-se ums mergilhos, apanhava-se peixe à linha ou à granada, fazíamos uns petiscos...mesmo sem cozinha. O almoço e a janta vinham de Bambadinca. O Tony Levezinho deve ter comido aqui, com o seu pessoal, uns postinhas de bacalhau assado na brasa.

Na foto, o Tony e o Humberto estão sentados na manjedoura... Era ali, protegidos da canícula, que tomavámos em conjunto as nossas refeições, escrevíamos as nossas cartas e aerogramas, jogávamos à lerpa, bebíamos um copo, matávamos o tédio...O dia acabava cedo, mal o sol de punha. O Tony, à esquerda, segura  uma granada de LGFog, calibre 3.7. Também à esquerda, de pé, em segundo plano o saudoso 1º cabo José Marques Alves (1947-2013).


Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



3. Comentário do editor LG:

Tony, obrigado!... Tenho mesmo que te agradecer em nome da Tabanca Grande. Seria uma pena que esta história ficasse só no baú da memória... e acabasse por se perder!

Por outro lado, ninguém vai ter lata de pôr em causa ou contestar o esquema que o pai Levezinho arranjou para te fazer chegar o "fiel amigo"... Na realidade, este esquema é centenário e tipicamente português...Um amigo faz sempre um jeitinho a um amigo, e para mais quando a causa era "nobre".. 

Bolas, estávamos em guerra, e longe de casa, e o teu velho devia ter uma coração de manteiga... Daí me ter ocorrido a expressão "contrabando de ternura"... O que ele organizou foi apenas uma rede de suporte social informal que funcionou às mil maravilhas, com 5 mil quilómetros de comprimento, Bafatá, Bambadinca)... E repara: nem tu nem o teu pai lesaram ninguém, muito menos a companhia... A "encomendinha" chegava sempre a bom porto, graças a um série de boas vontades... Um esquema bonito, perfeito, bem português... (E que eu saiba, nunca  houve reclamações: o teu/nosso "fiel amigo" não se perdia nas águas do Geba, como o da Intendência...).

Agora diz-me outra coisa: sempre tiveste jeito para a cozinha e acho que davas um grande "chef" se te metesses por aí... Em Bambadinca chegaste a meter o bedelho na cozinha das  messes ? [A cozinha era comum à messe de oficiais e à messe de sargentos]. Quem fazia os petiscos ?

Continuo a gostar de bacalhau de todas as maneiras e feitios... Ontem a Alice fez um belo bacalhau, receita meio nortenha, metade dela,   para uns alemãos de Münster... e eu contei-lhes a história do "Maria da Glória", miseravelmente afundado pelo U-94...do 1º tenente Otto Ites, em 5/6/1942... Adoraram o bacalhau... E sobre o nazismo têm um discurso inatacável: os alemães eram todos nazis, filhos, pais, avós, até ao Hitler... Um sistema totalitário a que a judia alemã Hanna Arendt  (1906-1975) chamou o "mal absoluto"... Em conversa, entre brancos, tinta  e uma aguardente velha para acabar em beleza, concluímos que o filho da mãe do Salazar até foi um ditador "ligh"... Terá sido ?

Eu discordo: afinal, cada povo tem afinal o ditador que merece... O nosso, por exemplo, não queria que os portugueses soubessem que os "nossos amigos alemães" eram capazes de fazer tiro ao alvo contra os nossos valentes pescadores e marinheiros que, no meio da maior batalha marítima de todos os tempos, se esgueiravam até à Terra Nova e à Gronelândia para pescar o "fiel amigo".

Um xicoração, Luís


4. Resposta do Tony Levezinho, com data de 8 do corrente:

Luis
Confirmo o gosto pela cozinha que ainda hoje exercito com prazer, mas em Bambadinca não me lembro de ter entrado na cozinha de qualquer das messes.
Curiosamente, lembro-me de preparar alguns petiscos, mas não recordo em que circunstâncias.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17390: Meu pai, meu velho, meu camarada (54): Navios, do álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, no Lazareto, entre julho de 1941 e setembro de 1943, em missão de soberania, juntamente com, entre outros militares, o fur mil e futuro cap SGE e escritor Manuel Ferreira (1917-1992), o autor de "Hora di Bai", de quem Leiria está a celebrar os 100 anos de nascimento


Foto nº 1



Foto nº 1A >  > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 23 de julho de 19141 > Chegada do 1º batalhão expedicionário do RI 5 (Caldas da Rainha)...  "Na foto [, do batelão que nos levou para terra,] estou eu com mais alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo [fotos nº 2 e 3 ] fomos entusiasticamente recebidos"]. Luís Henriques está assinalado com um rectângulo a amarelo.

Os portugueses desconhecem ou subestimam o enorme esforço militar que o país fez, na época da II Guerra Mundial, para garantir a soberania portuguesa nos territórios ultrmarinos. Cerca de 180 mil homens foram mobilizados nessa época. Em Cabo Verde chegou a temer-se a invasão dos alemães, dado o valor estratégico do arquipélago, à semelhança do arquipélago dos Açores, cobiçado pelos aliados.  Quantas vezes me falava disso, o meu pai, o meu velho, o meu camarada... No Mindelo, tal como em Lisboa, havia espiões de um lado e do outro,  alemães, italianos, ingleses, portugueses... E terá sido nesta época de fome, de guerra e de desgraça que se começou a desenvolver o nacionalismo cabo-verdiano que estará na origem do futuro PAIGC, fundado e liderado por Amílcar Cabral.



Foto nº 2 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Outubro de 1941 > "O belo porto de mar de São Vicente; ao centro o ilhéu que se confunde com um barco [, o ilhéu dos Pássaros]",



Foto nº 3 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Maio de 1943 >  "A cidade do Mindelo e ao fundo o Monte Verde. Vê-se parte da baía da Galé". [A cidade na altura deveria ter 15 mil habitantes. O nº de expedicionários desembarcados em meados de 1941 chegou aos 3300,o que dava um rácio de 220:1000 (220 militares por mil habitantes)


Forto nº 4 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  O navio da marinha mercante "Serpa Pinto. Não há legenda no verso. Possivelmente Foto Melo. [Para mostrar aos beligerantes da II Guerra Mundial, que pertencia a um país neutral, o navio era pintado de negro, o caso, e com o nome de Portugal, bem visível, pintado a branco,  tal o nome do navio. Toda as as tripulações da nossa marinha mercante, bem como da nossa frota bacalhoeira,  sem esquecer a marinha de guerra, foram verdadeiros heróis, naquela época. E não poucos, bravos marinheiros e pescadores, perderam a vida, engrossando a lista de vítimas da nossa história trágico-marítima.

Embora com pavilhão de um país neutral, os nossos navios eram frequentemente intercetados tanto pelos Aliados como pelas potências do Eixo (e em especial pelos alemães, cujos submarinos "infestavam" o Atlântico...) e alguns foram atacados e afundados. Por exemplo, o  barco de pesca "Exportador primeiro" foi cobardemente atacado a tiro de canhão por um submarino italiano. a sul do Cabo de São Vicente, em 1/6/1941....Ou o navio de carga  e passageiros, da CCN, o "Ganda" afundado, "por engano", por um submarino alemão, ao largo da costa de Marrocos, em 22/6/1941... Estes são apenas 2 dos 11 navios, de pavilhão português,  afundados durante a II Guerra Mundial. 


Foi uma das glórias da nossa marinha mercante e a sua história (1914-1954) merece ser conhecida:

(...) "O N/T Serpa Pinto foi um navio de passageiros que foi operado pela Companhia Colonial de Navegação na Carreira da América do Norte (Lisboa–Nova Iorque), na "Rota do Ouro e Prata" (Lisboa–Rio de Janeiro–Buenos Aires) e na "Rota das Caraíbas" (Lisboa–Havana), entre 1940 e 1955.

"Foi o navio de passageiros que, durante a Segunda Guerra Mundial mais viagens transatlânticas realizou entre Lisboa, Nova Iorque e Rio de Janeiro, transportando refugiados da guerra em geral, e particularmente judeus em fuga do nazismo, trazendo de volta à Europa, cidadãos de origem germânica expulsos dos países americanos. Adquiriu assim popularidade, ficando conhecido pelos epítetos de 'Navio da Amizade', 'Navio Herói' e 'Navio do Destino' "  (,,,)
 

Fonte: Wikipédia


Foto nº 5 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  Março de 1942 > "A escola Sagres em São Vicente durante o seu cruzeiro  no Atlântico"

[Atenção: este não é o navio-escola Sagres atual... Este é o antigo veleiro, de 3 mastros, Rickmer Rickmers, ao serviço da Marinha Portugues, como navio-escola Sagres, entre 1927 e 1962...Também conhecido por Sagres II. Foi substituído, em 1962, como navio-escola da Marinha Portuguesa, pelo Sagres III (antigo NE Guanabara da Marinha do Brasil). ]


Foto nº 6 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  29 de setembro de 1942 (?) > Navio inglês, não é indicado o nome no verso... "Esteve em S. Vicente no dia 29 de setembro com diplomatas. [Eu] estava no hospital quando ele cá esteve".



Foto nº 7 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > " No dia 11 de Abril [de 1942] chegaram estes dois barcos hospitais italianos ao porto de S. Vicente para irem fazer troca de prisioneiros e doentes com os ingleses. 1942"



Foto nº 8 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "No dia 23 de dezembro [de 1942] 
os barcos hospitais italianos Vulcania e Saturnia em São Vicente  pela 2ª vez",

Durante a II Guerra Mundial, a Itália viu afundar-se 12 dos 18 navios-hospitais.  Na realidade, estes dois não eram navios hospitais mas 4 dos navios transatlânticos  (incluindo o Duilio e o Giulio Cesare que, com mais 2 petroleiros, Arcole e Taigete, conseguiram, numa operação cohecida, resgatar e repatriar cerca de 28 mil pessoas, entre crianças, mulheres e homens, da África Oriental, sob a égide da Cruz Vermelha Internacional em três viagens de circumnavegação do continente africamo, entre 2 de abril de 1942 e agosto de 1943. O Duilio e o Guilo Cesare serão afundados no bombardeamento aéreo dos Aliados na baía de Muggia em julho de 1944, Num total de 25 mil tripulantes inscritos, a Marinha Mercante italianam na II Guerra Mundial, perdeu cerca de 1/3 (7164).



Foto nº  9 > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  Navio hospital italano "Duilio" [No verso, pode ler-se a legenda, muito sumida: "Hospital de diplomatas (sic) italiano que esteve em São Vicente em 1/6/194 (?). Foto Melo"...

[Segundo a imaginação, algo delirante, dos nossos  expedicionários, 3300 acantonados num apequena ilha de 15 mil habitantes, os passageiros, que não terão desembarcado, travavam uma luta atroz contra a falta de álcool a bordo... Constava-se que, à falta de bebibas no bar, bebiam álcool puro!...Recordo-me do meu pai contar esta história... O navio de passageiros "Duilio" tinha 23 636 toneladas, foi afundado em julho de 1944]



Foto nº 10 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Junho de 1942 > "Paquete Colonial que tantas as vezes esteve em S. Vicente". Possivelmente Foto Melo.




Foto nº 11 >   Ilha da Madeira >  Funchal > s/d > "O Paquete Mouzinho. Oferecido pelo meu amigo [e conterrâneo, da Lourinhã] José B[oaventura]  Lourenço [Horta]  no dia em que o fui visitar ao Hospital em São Vicente. 26 de Julho de 1942." É provável que o José Boaventura Horta tivesse adquirido a foto a bordo. E, se não erro, o amigo do meu pai, meu conterrâneo e meu vizinho (no tempo em que vivi na Lourinhã, menino e moço) era da arma de artilharia (6ª Bateria Antiaérea do Grupo de Artilharia Contra Aeronaves).

[O "Colonial" e o "Mouzinho" eram paquetes gémeos, adquiridos pela Companhia Colonial de Navegação (CCN) no final da década de 1920. Faziam a carreira de África.  Foi no T/T "Mouzinho que o 1º cabo inf Luís Henriques e outros expedicionários do RI 5, das Caldas da Rainha, rumaram para Cabo Verde, em julho de 1941]




Foto nº 12 >  Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Novenmbro  de 1941. "(Ao fundo, navio italiano)  Para as refeições [ilegível] nos juntávamos todos os 30 [do pelotão]". [Ao lado esquerdo, um grupo de miúdos, à espera dos restos...]


Fotos (e legendas): © Luís Henriques (1920-2014) / Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




1. Fotos do álbum de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo at inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, no Lazareto, entre junho de 1941 e setembro de 1943, em missão de soberania;  este e outros batalhões foram entretanto integrados RI 23].


[Foto `*a esquerda, Luís Henriques > 19 de agosto de 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques ".]


Estas e outras foram gentilmente cedidas ao prof João B. Serra, da Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha /Instituto Politécnico de Leiria, a quem a Câmara Municipal de Leiria incumbiu de  organizar  uma exposição comemorativa do 1º centenário do escritor Manuel Ferreira (1917-1992), que também foi expedicionário em São Vicente, neste período, com o posto de furriel miliciano, mais tarde cap SGE e professor universitário.  O autor de "Hora di Bai" (1958) era natural da Gândara dos Olivais, Leiria, onde tenho amigos e familiares que o conheceram em vida.  Morreu em Linda a Velha, Oeiras. Era casado com uma mindelense.

Recorde-se aqui, também mais uma vez, o excelente trabalho do nosso colaborador permanente José Martins (com raízes familiares em Leiria) sobre o nosso  dispositivo militar em Cabo Verde durante a II Guerra Mundial (**).

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17064: Meu pai, meu velho, meu camarada (53): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1.º cabo, 1.ª Comp /1.º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto Silva Santos) - Parte V: Restos de espólio: o orgulho de ter pertencido ao Onze... E mais duas fotos de Pedra de Lume

(**) Vd. poste de 20 de agosto de  2012 > Guiné 63/74 - P10282: Meu pai, meu velho, meu camarada (30): Dispositivo militar metropolitano em Cabo Verde (Ilhas de São Vicente, Santo Antão e Sal) durante a II Grande Guerra (José Martins)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13937: Notas de leitura (653): “Navios com o nome Guiné”, da autoria do Capitão-de-Mar-e-Guerra Carlos Gomes de Amorim Loureiro (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2014:

Queridos amigos,
Graças ao nosso confrade Carlos Pedreño Ferreira, tive agora acesso a algumas pérolas verdadeiras e dou-vos notícia desta.
Nunca vi nenhuma embarcação na Guiné com tal nome e fica aqui um pouco da história dos navios com tal nome.
Vou bater à porta da Revista da Armada e de alguns investigadores, talvez eles saibam se houve navios com o nome Guiné depois dos anos 1960.

Um abraço do
Mário


Navios com o nome “Guiné” 

Beja Santos 

Em edição de autor datada de 1947, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Carlos Gomes de Amorim Loureiro dava à estampa um conjunto de elementos compilados no ano do V Centenário da Guiné. Entende discretear um pouco sobre a história da região e faz uma observação que é extremamente útil para todos aqueles que ainda se sentem confundidos acerca das razões porque no passado a Guiné era conhecida por Senegâmbia: “Constitui a Guiné Portuguesa uma pequena parcela de outrora que, sem remontar à sua primitiva extensão que ia desde o Senegal até às cercanias do rio Orange, compreende, na era atual, a Senegâmbia, a Gâmbia, a Guiné, a Guiné Francesa e a Serra Leoa”.

Passemos para a navegação. Em 1888, constitui-se um serviço especial para a Guiné que era feito pela Empresa Nacional de Navegação A Vapor para a Guiné, parceria marítima formada por José Coelho Serra, que possuía o vapor Cidade da Praia e a Empresa Nacional de Navegação, que já possuía os vapores de Bolama e Bissau. Os vapores Bolama e Bissau foram construídos em Inglaterra nos anos 1880 e o vapor Cidade da Praia em Glasgow.

O primeiro “Guiné” foi um vapor da marinha de guerra, adquirido em 1879. Explica o autor: “Incidentes com o insubmisso gentio da região de Bolor, tornara imperiosa a aquisição de um barco, de caraterística apropriadas à navegação nos rios da Guiné, que pudesse chegar onde era necessário infligir justo castigo. Para tal fim, foram examinados o Silva Americano, vapor de quatro rodas, de 43 metros, construído para a Nova Companhia de Navegação do Quanza, os vapores Sena e Tete, em serviço na província de Moçambique, e até os rebocadores Operário, de 20 metros, do Arsenal de Marinha, e Norte, mas foram todos postos de parte, escolhendo-se um vapor de navegação do Sado, chamado Hugh Perry”. Tinha mais de 34 metros de comprimento e atingia a velocidade de 8,5 milhas por hora, o poder ofensivo era constituído por duas bocas-de-fogo, de bronze, que calibre 86 mm. Para defesa, contra tiros de espingarda e azagaias, tinha uma borda suplementar de ferro. Partiu para a Guiné em Abril de 1879, e ia comboiado pela curveta Bartolomeu Dias.

Escreve o autor: “Este navio contou na sua carreira militar o seguinte episódio, que vem relatado nas efemérides da lista armada da armada de 1899.
Em, Orango, encalhara uma barca austríaca, cuja tripulação foi roubada e maltratada pelo gentio daquela população. O cônsul da Áustria queixou-se, pedindo o castigo daqueles indígenas. Então a autoridade embarcou no vapor Guiné para punir o insulto. Seguiu o vapor para Orango e, em 1 de Junho de 1879, bombardeou a população com as duas peças que possuía, lançando contra ela 324 projéteis. Foi curta a vida deste navio, pois em 1883 naufragou na Guiné”.

Segue-se a história de três paquetes. Em 1905, a Empresa Nacional de Navegação adquiriu o vapor Açor à Empresa Insulana de Navegação. O paquete teve o seu nome mudado para Guiné. Tinha dois mastros e uma chaminé, não muito grande, e era movido por uma hélice. Como todos os barcos desta empresa, passou a usar o casco pintado de cinzento e a chaminé de preto. Manteve-se na carreira onze anos; em 28 de Maio de 1916, terminou a sua existência naufragando no baixo de Rui Pereira, na ilha do Fogo. Em 1922, a empresa Ed. Guedes Lda. adquire o vapor alemão La Plata. Nesse mesmo ano, as firmas Sociedade Agrícola da Ganda, limitada, Companhia do Amboim, e Ed. Guedes Lda., fundam a Companhia Colonial de Navegação que recebe dois navios rebatizados, o La Plata foi rebatizado Guiné. Fora construído na Alemanha, em Hamburgo. Diz o autor que era um belo barco, sem dúvida o melhor que tem servido a Guiné, com desenvolvidas superestruturas, dois mastros elegantes e uma chaminé onde se ostentavam as cores da companhia – verde, branco, verde. Naufragou na Guiné, em 24 de Agosto de 1930, quando seguia de Bissau para Bolama, enxurrou nas Areias Brancas, ficando desde logo condenado a perda total. Para substituir este Guiné, a Companhia Colonial de Navegação comprou o antigo San Miguel da Empresa Insulana de Navegação. Em 1938 foram introduzidos vários melhoramentos o navio ganhou boas acomodações, com lotação de passageiros de primeira, de segunda e terceira classes.

Por último, uma palavra sobre o rebocador do Arsenal da Marinha Guiné. Não se conhece praticamente nada da sua história, e o autor questiona: porquê Guiné, se o Arsenal usava nos seus rebocadores os nomes dos estabelecimentos de marinha, ribeirinhos do Tejo. Admite-se que a máquina deste rebocador possa ter sido aproveitada do navio de marinha que naufragara em Bolama em 1883, mas é uma hipótese. Alguém terá dito ao autor que este rebocador fora construído no Arsenal da Marinha com o destino à província do mesmo nome, mas nunca fora para lá mandado. Nos Anais do Club Militar Naval de 1885 descreve-se uma lancha construída no Arsenal da Marinha com destino à Guiné. Seria esta lancha o rebocador Guiné? Talvez.

No termo do seu trabalho, o autor fala doutros navios de marinha mercante e de guerra que possuíram nomes guineenses. Assim, as lanchas canhoneiras Cacheu e Farim, os vapores Bolama e Bissau e dois rebocadores Bissau, pertencentes ao estado, o último dos quais existia ainda à data da publicação, 1947. E faz um vaticínio: “Resta-nos desejar que um novo "Guiné" apareça, com o desenvolvimento do plano de reorganização da marinha mercante nacional, melhor e maior que os seus antecessores, barco que possua as convenientes acomodações para passageiros, com marcha razoável, 17 ou 18 milhas por hora, a província bem merece para o seu desenvolvimento”.


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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13923: Notas de leitura (652): “Quatro Rios e um Destino”, por Fernando Sousa, Chiado Editora, 2014 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10728: O nosso livro de visitas (153): Mário Oliveira, bravo marinheiro da Armada, cabo CM reformado, que esteve na Guiné, em 1961/63, ainda antes do início oficial da guerra, a bordo do NRP Sal, navio patrulha da classe Príncipe


NRP Santa Luzia, navio patrulha da classe Maio,construído no Arsenal do Alfeite. Foto de Eduardo Carlos Messias Camilo, alojada no sítio Núcleo Marinheiros da Armada do Concelho da Lousã. Reproduzido aqui com a devida vénia... (E Parabéns aos camaradas da Lousã pela sua página na Net!).


1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Mário Oliveira,com data de ontem:

Data: 25 de Novembro de 2012 14:35

Assunto: o mundo é pequeno,  a nossa tabanca é grande

Olá Luis Graça

Ontem ao pesquisar no Google para saber mais sobre o "infeliz" cap  G3 , deparei-me com o nosso blogue, nosso, da malta que em épocas diferentes bateu com os "cornos" na nossa querida Guiné.

E digo querida, porque tive a felicidade de conhecer a Guiné na época imediatamente anterior ao inicio oficial da guerra, a minha comissão foi de 61 a 63.

Vou dizer algo sobre mim, e mais adiante falarei sobre o maravilhoso povo guineense. Sou marujo, cabo CM reformado, assentei praça na Armada em novembro  de 56, tenho 76 anos de idade, mas ainda consigo arrastar as patas e,  quando calha ainda como uns petiscos e bebo umas "cravanadas".

O meu primeiro contacto com a Guiné aconteceu em 1960, iamos a caminho de Angola no NRP Sal, um navio patrulha da classe "Patrulhas Americanos" [ou Classe Príncipe]. Havia outros,  os "Franceses" [, ou Classe Maio]. 

Chegá mos ao porto de  Bissau já noite cerrada, foi o meu primeiro contacto com a Africa Misteriosa, recordo-me como se fosse hoje, o meu posto de faina era na casa da máquina, o que quer dizer que nunca assistia visualmente á entrada nos portos, mas sempre dava para subir uns degraus da escada de ré e dar uma olhada. Com os olhos ofuscados com a iluminação da casa da máquinas,  subo clandestinamente dois ou três degraus. Meto as "trombas" fora da escotilha e que vejo eu? Três ou quatro fatos de marujo, calção e corpete a flutuar no ar. Explicação para o fenómeno: a noite estava tão escura, os marujos auxiliares da ponte cais eram tão pretos, que eu com os olhos saiídos de repente da luz da casa da máquina, a primeira sensação que tive foi a dos fatos brancos a flutuarem no ar.

Não foi este o meu primeiro contacto com a África, porque já tínhamos estado uns dias no porto de S. Vicente em Cabo Verde e no porto de Dakar no Senegal.

Fiz três comissões, uma em Angola, outra em Moçambique mas aquela que mais me marcou e que terei muito gosto em contar algumas incriíveis histórias, como aquela em que matei um crocodilo no Rio Cacheu, com um escopro e um martelo,  foi realmente a comissão na Guiné.

Irei cumprir as "formalidades",  fotos etc.,  para aderir formalmente á Tabanca Grande .

Um abraço

Mário Oliveira

2. Comentário de L.G.:

Mário:  É verdade,  o Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande! Graças à Net e a gente determinada como tu... E dizes bem, a "nossa" tabanca,  mesmo que um marinheiro goste mais de água do que de terra, de tempos a tempos tem que pôr o navio no estaleiro (ou acostar)...e vir a terra para sentir o chão firme!

Pois, para os teus 76 anos, estás muito mais "puto" do que muitos dos "periquitos" que foram fechar a "guerra" em setembro de 74!... Gosto desse espírito jovial, que tem muito a ver com a gente que lida com (e respira) o mar...

 Li, com evidente orgulho e satisfação, a tua apresentação. É de "tugas" como este que a gente precisa - pensei logo.  Quero eu dizer com isto, que é uma subida honra ter um bravo marinheiro como tu no meio desta maralha toda que representa uma orgulhosa e valente geração que deu o melhor de si, nas bolanhas, lalas, rios, braços de ar, savanas, florestas-galeria, tabancas e céus da Guiné...

Estamos a caminhos dos 600 amigos e camaradas da Guiné, "atabancados". Manda-me as duas fotos da praxe que é para eu (ou o Carlos Vinhal) te apresentar aos demais "grã-tabanqueiros".

Um Alfa Bravo. Luís Graça

PS - Já agora... donde és ? onde vives ? E descodifica lá o que é que dizer, na Armada, cabo CM (classe condutor de máquinas ?)... E já agora que história é essa do "infeliz cap G3"...
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de novembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10659: O nosso livro de visitas (152): João Meneses, 2º ten FZE RA, DFE 21, gravemente ferido na península do Cubisseco, em 27/9/1972

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7131: Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (J. L. Mendes Gomes) (3): Oficial e cavalheiro: Cruzeiro até à Madeira, no paquete Funchal



O paquete Funchal, da Companhia Insulana de Navegação. Era uma das jóias da coroa  nossa Marinha Mercante. Inaugurado em 1961, levava caerca de 400 passageiros.  Luís Miguel Correia recorda-o aqui, com saudade, no seu blogue. E o nosso camarada  L.J. Mendes Gomes fez nele o primeiro cruzeiro da sua vida, antes de ser mobilizado para a Guiné. Foi comprado por um armador grego.  

Foto: Postal da época. Fonte desconhecida.



1. Continuação da série Cartas, para os netos, de um futuro Palmeirim de Catió (*). Autor: Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, repartindo actualmente o seu tempo entre Lisboa, Aveiro e Berlim e, por fim, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Como, Cachil e Catió) nos anos de 1964/66.




OFICIAL E CAVALHEIRO: Cruzeiro até à Madeira, no paquete Funchal


por J.L. Mendes Gomes




Depois da viagem nocturna de comboio até Lisboa, Santa Apolónia, os felizardos tinham o paquete Funchal, na Rocha de Conde Óbidos, à espera. A saída seria às 12h.


Lisboa nunca lhe pareceu tão bonita. Parecia adivinhar o contentamento que o tomava, a si e seus camaradas, todos na casa dos 22/23 anos, coberta de um radioso dia de sol. O Tejo imenso e azul à esquerda e o casario esbranquiçado da cidade mourisca, à direita, em escadinha, até aos cumes altaneiros do Castelo de São Jorge. O Terreiro do Paço, imponente, voltado para o além …-…Tejo, num abraço fraterno. O Cristo Rei, lá em cima, a tocar as nuvens brancas do céu azulíneo. Tudo parecia associar-se à alegria que parecia envolver o mundo inteiro.


Largados do táxi que os levou até à beirinha do esbelto barco, todo de branco, ali ancorado, subiram, leves, a escada, de mala na mão, até ao portaló, onde os aguardavam, risonhos e garbosos, os oficiais da marinha mercante. 

Mais parecia um sonho. Um verdadeiro palácio se franqueava, no seu ventre. Salas imponentes, de ricos riposteiros e muitos sofás harmoniosamente distribuídos  pelo chão ricamente alcatifado, à volta de mesas de madeira luzente, com  vasos de plantas viçosas; vários bares, recheados de uma profusão de garrafas, sobre as prateleiras de madeira lustrosa como o mel, copos em vidro refulgente.


Longos corredores desaguavam em escadarias que davam para o imenso labirinto de fidalgas suites sobrepostas, nos diversos pisos que enchiam aquele enorme vaso, poisado nas águas mansas do Tejo, muito maior do que parecia, visto de fora.

Não tardou muito que um rugido cavo se fizesse ouvir, vindo lá das profundezas do  bojo, seguido de um grosso e forte silvo de corneta, atirado para os ares.  O barco começou a baloiçar levemente e o cais a afastar-se dele, saudoso. Mais uns minutos e as gentes, buliçosas, já pareciam distantes e minúsculas, a afastar-se, mais e mais…

Lisboa surgia deitada sobre as encostas suaves, ao longo das sete colinas, enquanto o paquete deslizava à tona das águas frescas do Tejo, como se fora uma larga avenida azul, à vista das margens ridentes de casario, à direita e altas escarpas amareladas de barro nú, à esquerda, em cortejo lento.

Mais um pouco e o oceano imenso aparecia à frente, sedutor, convidando-os para uma aventura, no segredo da suas ondas mansas, tecidas pela brisa branda, que vinha dos longes, da cortina de céu pendente do infinito. Dentro, uma população de pessoas desconhecidas para conhecer. O barco estava ao serviço das carreiras habituais de transporte marítimo, em trabalho e em recreio,  para quem o preferia à rapidez e às alturas dos voos em aeronaves…

O almoço aguardava-os num faustoso refeitório, com largas janelas pintadas pelo  azul natural do céu exterior, sempre renovado. Muitas mesas redondas, largas, cobertas de toalhas de brancura alvinitente. Ricos serviços de loiça e talheres prometiam uma cozinha deliciosa, nas breves horas que se iriam passar.

E foi verdade. O almoço mais parecia um banquete de reis e princesas. Empregados vestidos a rigor, de elegantes fatos brancos, bem brunidos, giravam graciosos, por entre as mesas, deixando os pratos a fumegar diante dos olhos regalados, enquanto outros iam enchendo os copos finos de dourado vinho branco ou de fogoso tinto, puro.

O navio sulcava já o largo oceano e um ligeiro baloiçar fazia desaparecer das mesas, ora nesta, ora naquela, alguns dos comensais mais desafortunados. Foi o caso do camarada Teixeira Lima, antigo colega, bexigoso, de Arouca e do pequeno Ribeiro Gonçalves, alentejano ratinho, das raias de Campo Maior. Ali seguiam com ele, na mesa dos que iam para o Funchal. De repente, levantaram-se e desapareceram porta fora… antes que fosse tarde, disseram-no depois. Felizardos os que aguentaram. Deles foi o reino dos … céus!
Ao jantar, já as coisas correram bem. Com todos à mesa, foi a desforra.


A tarde foi passada na amurada ampla, como largo terreiro, onde toda a gente ia aparecendo, curiosa e repetia os mesmos gestos de plenitude, perante o surpreendente deslumbramento da  vastidão das águas, sob a abóboda azul. Predominavam os nórdicos, lácteos, de meia idade, sedentos de sol e, de vez em quando, flausinas pintalgadas, de olhar indiferente, aparentemente, distante e castigador. Estratégias…

O barco seguia no seu ritmo certo, de manso alazão, rasgando a mole ingente de águas profundas e um largo manto revolto de espuma ficava-lhe atrás, perdurando em rendilhados brancos, cada vez mais ténues, até se perderem, desfeitos, na ondulação esverdeada.

Algumas gaivotas acompanhavam-no, teimosas, talvez à procura dos peixes batidos ou estonteados pelo rodar potente da hélice… Durante a tarde, cada um entregou-se, naturalmente, ao que mais preferia desfrutar. À noite, no jantar, já havia  histórias desmedidas de aventura amorosa, na boca de alguns camaradas…difíceis de encaixar em tão curto pedaço de tempo.

Ao Quim Luís, nada disso interessava, para já. Sorver a frescura da brisa carregada de iodo que se desprendia daquele caldeirão refervente, em salpicos de espuma, olhar para os longes do mar infinito, imaginar o que iriam ser os próximos tempos nas imaginárias paragens da ilha bela e desconhecida, era tudo o que lhe perpassava por detrás dos olhos, a partir da amurada alta da nave baloiçante. Só a meio do dia seguinte estariam defronte da ilha. Se tudo corresse bem.

Faltava pouco, pensando que a maior parte do tempo seria passado a dormir numa das suites de 1ª classe, reservada para os oficiais… Antes, porém, de se irem deitar, ainda haveria o serão festivo e dançante, ao ritmo da orquestra especial de bordo, no amplo salão, iluminado por faustosos candelabros e lustres faiscantes de luz irizada.

Toda a gente que ali seguia irradiava satisfação, nos rostos, em troca gratuita de sorrisos, como se se conhecessem há muito tempo…Foram poucos os que não deram o seu contributo de dança, tão descontraída, quanto possível, naqueles tempos. Sem saberem, estavam a despedir-se dos ventos ingénuos do romantismo…

Os Beatles endiabrados já tinham lançado os primeiros lagidos de revolução no seu imprevisto de sons e de ritmo. As primeiras horas do 2º dia de viagem já eram passadas, quando o nobre salão ficou deserto e o barco, em silencioso baloiçar, conseguiu adormecer a miríade de hóspedes aconchegados no seu ventre...

Era um enxame  de destinos desconhecidos e separados que seguia ali. Uma teia entrelaçada de sonhos. Sonhos a nascer, sonhos a crescer e sonhos a  cumprir-se… Antes de ir deitar-se, não resistiu à tentação de subir à proa do barco. Nunca vira coisa assim.   Sublime e esmagadora solidão. Debruçado e cotovelos na grade húmida, apoiou a cara nas mãos em concha e caíu em êxtase, irresistível.

Aquela visão não lhe parecia deste mundo. Um espelho imenso resplandescente reflectia a chuva densa e transparente de um luar banhado de leite que caía de uma enorme bola, inesgotável, recortada no firmamento longínquo, profundo e escuro, salpicado de luzinhas trementes.

Apenas ouvia o borbulhar, lá em baixo, da água cortada pela quilha do barco que seguia afoito, logo abraçado por abundantes madeixas  de espuma e a frescura da brisa a entrar pelas narinas. Só a baforada de fumo negro que se desprendia da gorda chaminé, saliente da crista do navio e as pálidas janelas iluminadas da torre de comando, davam sinal de vida.

Para trás, ficava um imenso ermo coberto pelo mesmo manto diáfano e fosforescente. Ficaria ali a noite inteira, inebriado, não fosse um súbito arrepio de frio que lhe percorreu a espinha da cabeça aos pés. Em passos lentos, deixou o deslumbramento e dirigiu-se para o seu quarto nº 444. Fácil de fixar, ao meio do corredor, do lado esquerdo    (a bombordo, como se dizia na língua dos mares). Acendeu a luz do quarto e ficou dentro de uma verdadeira suite, de hotel de 5 estrelas. Estava saciado e certo de que o seu caminho passava por aquelas horas de encantamento.

O roncar soturno que vinha da casa das máquinas até ao travesseiro fresco onde poisou a cabeça e o embalar suave e ritmado,do barco, para cima e para baixo, ajudou-o a desprender-se, feliz, daquele dia tão intenso de vivências.A Madeira não lhe aconteceria, também, por mero acaso. Amanhã, já estaria a pisar de novo, terra. Terra estreita, cercada de água por todos os lados, assim se aprendia na 4ª classe. Madeira, Porto Santo e Desertas, formam aquele arquipélago onde a gente se sente e é português. Com todas as vastas possessões ultramarinas, espalhadas pelo mundo inteiro, recordou as horas passadas, com os colegas, vaidosos, diante do mapa, na escola primária.No dia seguinte, ia sentir ao vivo essa experiência mítica. Depois, ainda viria certamente, a mesma sensação por terras de África. Oxalá, não. Naquelas circunstâncias. Não. Não queria pensar nisso. Cada dia, no seu dia…Era o lema de vida que elegera.

 
[Continua]



[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5555: A navegação no Rio Geba e as embarcações do meu tempo: Corubal, Formosa, BOR... (Manuel Amante da Rosa)


Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bubaque > 12 de Dezembro de 2009 > "Expresso dos Bijagós", o barco da carreira semanal Bissau-Bubaque, um antigo cacilheiro, adquirido pelo armador português que explora esta ligação marítima.

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados


1. Comentário do Manuel Amante da Rosa (que  está em Macau, ao serviço da CPLP), ao poste de 28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5553: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (6): O Geba e as viagens do Bubaque

Caro Arsénio, por cá, em Macau (*), já é bastante tarde mas é a melhor hora para passar uma revista às actividades da Tabanca Grande.

Quanto ao navio [que aparece na foto, da autoria de Carlos Marques dos Santos] quer me parecer, pelo mastro da proa, suposição que a casa de leme estaria bem à popa e ser construído em ferro,  que seria um dos batelões ou lancha da casa Gouveia ou da Ultramarina.

Talvez, mas ainda sem certeza, possa ser um dos batelões da Marinha (BM2), para emprego civil.

Como se pode observar do amontoado de passageiros, sem qualquer protecção contra o sol ou outras intempéries,  o número de feridos e mortos em caso de ataque à passagem por Mato Cão sempre era,  infelizmente, significativo.

O Corubal e o Formosa eram navios de bom porte, estilizados, lindos, velozes, com boas condições de segurança e navegabilidade, que faziam a carreira de Bolama, Bubaque nos Bijagós, Cacine, Cacheu e alguns outros portos. Foram construídos nos Estaleiros de Viana do Castelo em 1952, pela placa que tinham no confortável camarote da primeira classe.

Dizia~se que o motor a diesel que tinham, penso que de oito ou dez cilindros, tinham sido construídos pela Alemanha nazi para os seus submarinos. Nunca comprovei este detalhe. Calavam mais de um metro e meio pelo que só vi uma vez o Formosa no porto de Xime na maré cheia. Mas que teriam chegado a Bambadinca antes da guerra.

Da última vez que viajei nele foi no fim da especialidade, em Bolama, com destino a Bissau acompanhado de mais de 300 militares que saíam do CIM [Centro de Instrução Militar]. Lembro-me de que viajou connosco o Capitão Moás, que era de Cavalaria.

Quanto ao BOR, como os outros, também era do Comando da Defesa Marítima. Era o que se chamava um ferryboat, para transporte de viaturas, cargas a granel, passageiros, gado e tudo o mais que houvesse, incluindo a guarnição de várias unidades militares a nível de companhias e seus apetrechos e viaturas. ~

Tinha dois potentes e ruidosos motores, um a bombordo e outro a estibordo, que lhe permitia grande capacidade de manobra e calava pouco. Mas era lento de exasperar e desconfortável. O sol era abrasador para quem não estivesse abrigado. Levava facilmente mais de 400 passageiros e cargas.Era seguro e muito utilizado para o transporte das guarnições militares.

O Rio Geba já não é, hoje, navegável a montante de Xime. A falta de navegação nesse trecho também contribuiu para o assoreamento do rio em muitos pontos. Mesmo para canoas a motor.

Tentarei trazer mais pormenores dos navios e gentes que desafiavam o Mato Cão.

Abraço
Manuel Amante
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

 12 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5455: Memória dos lugares (60): O Rio Geba e o navio Bubaque, do meu pai (Manuel Amante da Rosa)

27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...

sábado, 12 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5455: Memória dos lugares (60): O Rio Geba e o navio Bubaque, do meu pai (Manuel Amante da Rosa)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o Rio Geba ao fundo e o cais fluvial. Foto tirada do quartel de Bambadinca.

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados



1. Comentário de Manuel Amante da Rosa, cidadão cabo-verdiano, embaixador, ex-militar dos serviços de intendência (Bissau, 1973/74), membro da nossa Tabanca Grande desde Maio de 2007 (*) (Infelizmente desencontrámo-nos por ocasião do IV Encontro Nacional do Nosso Blogue, em Junho passado. Temos, pelo menos, dois amigos comuns do mundo lusófono: Pepito, em Bissau; Isabel Brigham Gomes, na Cidade da Praia. Saudações lusófonas, pelo seu reaparecimento. L.G.)



Caro Arsénio Puim (**), alegrou-me muito saber que fez uma viagem no Bubaque,  de Bambadinca para Bissau. Muito provavelmente, se a sua jornada foi num fim-de-semana eu deveria estar a bordo. Se assim foi, deveremos ter saído do sempre atulhado e improvisado cais de Bambadinca às 11 da manhã. Uma a duas horas antes da vazante. Factor regular (horário das marés) que muito nos preocupava para não ficarmos em seco no meio do Mato Cão. 


O Bubaque era do meu Pai que o adquirira à Marinha Portuguesa e o transformara em barco de passageiro com capacidade para 140 ou 180 passageiros, após ter sido abatido à carga. Teria sido antes uma traineira algarvia que foi transformada ainda em Portugal em Lancha Patrulha (o LP4) com uma pesada casamata blindada, em ferro, a meia nau e enviada para a Guiné em princípios de 1960. Muito patrulhou os rios da Guiné tendo inclusivamente participado na batalha do Como. 


Com a chegada regular das LDM e LDP as 4 LP tornaram-se absoletas e foram abatidas por Decreto do Ministro da Marinha. Eram robustas, aguentavam bem o mar e todas possuiam bons motores. O Bubaque era muito conhecido na região do Leste. Era a carreira mais regular entre Bissau e Bambadinca e exclusivamente destinada ao transporte de passageiros e suas cargas. 


Era também conhecido por Djanta Kú cia pela sua rapidez na jornada. Significava que se podia almoçar em casa e chegar ao seu destino ainda a tempo de jantar. Fiz muitas e muitas viagens nesse navio, mais de dia que de noite, algumas com acidentes e avarias graves no percurso mas, estando a bordo, nunca fomos vítimas de ataque. Meu Pai,  sim, numa madrugada em pleno Mato Cão, por erro de identificação. 


Não me parece que tivesse havido alguma vez um acordo ou pagamento de passagem. Era sabido que só transportavámos passageiros e muitos deles seriam familiares próximos de quem estava na luta,  quando não fossem mesmo guerrilheiros ou mensageiros a caminho de Bissau e vice-versa. Transportei muitas vezes militares que demandavam e/ou outro porto.  Sentiam-se seguros no Bubaque. A viagem directa Bambadinca-Bissau demorava em média de 5 a 6 horas, duas das quais na auto-estrada do Mato Cão a parte que mais encanto me dava. A subir era sempre menos.

No Geba largo, no tempo das chuvas e tornados, a preocupação era evidente devido às vagas curtas, sempre de través e instabilidade da massa humana a fugir da chuva ou a agachar-se do vento a sotavento dele. Nessas ocasiões aproximavamo-nos da margem oposta passando por Jabadá e Enxudé até cortar directo para oeste de Cumeré, passar entre a ponte cais e o ilhéu do Rei e atracar no Pidjiguiti. No outro dia, a favor da maré, lá se iniciava uma outra jornada. Tenho ainda vivas as mesmas imagens que tão bem descreveu das margens do Geba apertado.


Um forte abraço
Manuel Amante da Rosa


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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...


(...)Na minha infância e adolescência fiz muitas viagens pelo interior da Guiné-Bissau durante a luta de libertação. Mas o que mais me encantava (70/73), pelas paisagens e desafios, era subir o Rio Geba, nas férias ou mesmo nos fins de semana, num dos barcos de passageiros do meu Pai [o Bubaque] (...)

A jornada começava com a enchente da maré, passando por 
PortogolePonta Varela, Xime e daqui para a frente quase sempre a rasar as margens, ora de um lado ora de outro, ver passar o Mato Cão e Nhabijões até chegar ao pequeno mas movimentado porto de Bambadinca, onde sempre havia lanchas e batelões.

Não raras vezes, no regresso, saíamos de noite de Bambadinca rezando, tripulantes e passageiros, para que nada acontecesse até passarmos o Mato Cão. Salvo raras ocasiões as preces foram escutadas. O encanto era absorvente em noites de luar a descer o Geba a favor da maré, com o maquinista a ficar satisfeito, em termos de rotações do motor, só quando via faíscas e fumo espesso a sair da chaminé. Parecia que andávamos numa estrada cheia de curvas tal a velocidade com que descíamos o rio. As apreensões só desapareciam, na última curva, quando víamos as luzes do quartel do Xime. De noite 
Ponta Varela não constituía perigo. Passávamos a uma razoável distância.

Faço estas referências porque acabei por rever muitas imagens de Bambadinca e das suas gentes, onde passei férias com mais colegas estudantes e ia à caça, idas à boleia em viaturas militares ou civis, sem escoltas até ao Xime para ver o macaréu passar, 
cambanças para a outra margem do porto de Bambadinca de canoa, visita ao aquartelamento de Nhabijões que muito impressionou pela vetustez das instalações e más condições que facultava. (...)


Abraços e votos de que as memórias, por mais dolorosas que possam ter sido, não sejam apagadas mas se possam erigir numa teia que envolva ainda mais a todos os que nasceram, viveram ou tenham passado pela Guiné.


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(...)  Manuel Amante da Rosa nasceu em Bissau a 19 de Dezembro de 1952. Foi militar (1973/74), do recrutamento local, no CIM de Bolama onde fiz a recruta e especialidade antes de ser colocado no QG (Chefia dos Serviços de Intendência) em Bissau.

Graduado pela Academia Diplomática Brasileira –Instituto do Rio Branco – (1977/80), foi:



 (i) embaixador de Cabo Verde em Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, Namíbia, Zâmbia e Zimbabwe, 
(ii) observador Internacional da OUA no processo de democratização na República da África do Sul (1993-1994),
(iii) encarregado de Negócios junto do Governo da ex-URSS, 
(iv) membro da Missão Permanente de Cabo Verde junto das Nações Unidas em New York, 
(v) Delegado de Cabo Verde na Segunda Comissão da Assembleia Geral, entre muitas outras funções ou cargos...


É actualmente Secretário Geral Adjunto do Secretariado Permanente do II Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa.


(**)  Vd. poste de 12 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5453: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917. Dez 69/Mai 71) (5): O grande Rio Geba