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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25150: Blogues da Nossa Blogosfera (187): "Des Gens Intéréssants", de João Schwarz da Silva (Bruxelas, nosso grão-tabanqueiro n.º 768, desde 30/3/2018) - II ( e última) Parte


Música Klezmer na casa de Clara Schwarz da Silva em São Martinho do Porto, por João Graça (violino). 7 de agosto de 2007. A mãe da Clara era russa, de Odessa, hoje Ucrânia. A Clara também formação musical superior, tocava violino. O João tocou o "Bulgar de Odessa", um tema "klezmer" clássico que a emocionou...(Tinha então 92 anos, morreria em 2016, com 101.) (LG)

Vídeo (1' 41'') / You Tube > Luís Graça 




I. Este e outros são alguns dos recursos, em suporte audiovisual, que estão disponíveis  no fabuloso blogue do nosso amigo João Schwarz da Silva (*), irmão do nosso Pepito (Bissau, 1949-Lisboa, 2012), filho de Clara Schwarz (Lisboa, 1915  - Oeiras, 2017) e de Artur Augusto Silva (Ilha Brava, 1912- Bissau, 1983.    

A sua antiga página sobre histórias de vida de gente "interessante" (seus familiares, uns mais próximos, outros mais afastados)  passou a ter um novo endereço:

https://des-gens-interessants.blogspot.com

Eis,  a seguir, mais  alguns vídeos (em geral, em português, alguns em francês), que podem interessar os nossos leitores. Recorde-se que, em vida do Pepito e da Clara Schwarz, havia um dia de agosto em que a casa do Facho, na Praia de São Martinho do Porto, se transformava em Tabanca de São Marinho do Porto...
 
Alguns de nós tivemos o privilégio de conhecer um pouco melhor o Pepito e a sua família, na inbtimidade,    a começar pela matriarca, a dra. Clara Schwarz da Silva (durante vários anos, até à sua morte, aos 101 anos, em 2016, foi a "decana da Tabanca Grande").

Estamoa falar da famosa "casa do Cruzeiro", em São Martinho do Porto, no sítio do Facho, uma casa que o pai da Clara (e avô do Pepito), o engenheiro de minas Samuel Schwarz (1880-1953), judeu de origem polaca, lhe comprara quando ainda solteira, antes da II Guerra Mundial...

Por seu turno, o pai do Pepito, Artur Augusto Silva (1912-1983) tinha sido advogado em Alcobaça e em Porto de Mós no pós-guerra. O casal viveu em Alcobaça entre 1945 e 1949, antes de partir para a Guiné (ele, em finais de 1948 e o resto da família em 1949). Foram amigos pessoais e visitas de casa do pintor Luciano Santos (Setúbal, 1911-Lisboa, 2006), que vivia então em Alcobaça. (**)
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  • Apresentação do livro “La Découverte des Marranes”, Musée d’Art et d'Histoire du Judaïsme de Paris, 18 de fevereiro de 2016 (em francês)

https://www.mahj.org/fr/media/quand-le-portugal-redecouvre-ses-marranes

  • Entrevista de Clara Schwarz, José Melo e Antonieta Garcia sobre a vida e obra de Samuel Schwarz. Filme realizado pela Comunidade Israelita de Lisboa em 2004

Entrevista de Clara Schwarz por Jose Melo e Antonieta Garcia

  • A comunidade marrana de Belmonte em Portugal, por João Schwarz (em francês):

https://www.youtube.com/watch?v=xCJWe8ZPjfM&t=1s

  • Entrevista de João Schwarz sobre a doação da familia ao Tikva Museu Judaico de Lisboa

Entrevista de João Schwarz para o Museu Judaico de Lisboa

  • A cidade de Tomar, a sua sinagoga e a sua história, por Samuel e João Schwarz. Filme de Livia Parnes (em francês)

https://www.youtube.com/watch?v=UnqmXYvRiJk&t=7s

sábado, 4 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24822: Os nossos seres, saberes e lazeres (599): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (127): No Museu de Lisboa, um olhar sobre o património azulejar dedicado à capital antes do terramoto… e algo mais (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2023:

Queridos amigos,
O que é belo é sempre para rever, esteja onde estiver. Vivo a curta distância do Museu de Lisboa, de que conservo gratas memórias, aqui conversei com Irisalva Moita, uma estudiosa de Lisboa como há poucas, e fui vendo os progressos museológicos e museográficos, a dignificação dos jardins, a extensão dos espaços e altíssima qualidade das exposições. Uma parte significativa do museu está a ser alvo de intervenção, mas há primores indiscutíveis ao nível do rés-do-chão, para quem gosta de um deambular cronológico começa-se na pré-História até à cidade Quinhentista, fecha-se uma porta e abre-se outra e entramos numa área espetacular de azulejaria que só encontro rival com o que está patente no Museu Nacional do Azulejo. E há depois os registos do santos, em que Lisboa é imbatível, a pintura contemporânea, onde não falta Carlos Botelho e Eduardo Viana e um núcleo admirável de Lisboa, Cidade de Cerâmica, de que aqui se presta homenagem a uma ceramista que deixou uma obra sobre Alfama, trabalho da Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego. Aos lisboetas e passantes, votos de uma magnífica visita.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (127):
No Museu de Lisboa, um olhar sobre o património azulejar dedicado à capital antes do terramoto… e algo mais


Mário Beja Santos

Não é a primeira vez que aqui se fala do Palácio Pimenta, palácio de veraneio da 1ª metade do século XVIII, adquirido pela Câmara Municipal de Lisboa em 1962 para, após a requalificação do edifício e jardins, aqui instalar o então Museu da Cidade, a funcionar no Palácio da Mitra desde 1942. O primeiro projeto de adaptação, datado de 1968, foi da autoria do arquiteto Raúl Lino. No entanto, foi graças à intervenção do arquiteto Duarte Nuno Simões, com programa museológico da olisipógrafa Irisalva Moita, que o novo museu foi inaugurado em 1979. O museu está instalado em dois andares, sendo que o 1º está presentemente sujeito a obras, podendo o visitante na multiplicidade das salas do rés-do-chão visitar obras de arte que vão da Idade do Bronze à contemporaneidade, marcas de sucessivas épocas, é uma exposição de longa duração intitulada “Viagem ao Interior da Cidade”. Viagem em que o azulejo é a prima-dona absoluta, há ali três obras magníficas do 1º quartel do século XVIII que permitem conhecer e identificar o que era o Terreiro do Paço, o Hospital de Todos-os-Santos e o Mercado da Ribeira antes do terramoto. Far-se-á também uma referência aos belos registos de santos, de que Lisboa possui um património de incontestável valor, e despedimo-nos com uma lembrança de Lisboa como cidade da cerâmica. Na verdade, dos centros oleiros da Mouraria e de Santos-o-Velho as grandes fábricas Lusitânia, Desterro, Viúva Lamego ou Sant’Anna, passando pela Real Fábrica de Louça do Rato, é toda uma outra história da cidade que o museu revela, em diálogo com obras de artistas do século XX. Desejamos a todos uma boa visita, há também oportunidade para visitar a magnífica maqueta de Lisboa anterior ao terramoto de 1755 e bela pintura contemporânea.
Terreiro do Paço, azulejaria do 1º quartel do século XVIII
Mercado da Ribeira Velha e Casa dos Bicos, 1º quarte do século XVIII.
Era um painel de azulejos que estava na Estrada de Benfica no n.º 385.
Hospital Real de Todos-os-Santos.

Os painéis de azulejos expostos, com vistas da Lisboa pré-Terramoto, encontravam-se num muro de suporte do jardim de uma casa na Estrada de Benfica. Documentos iconográficos fundamentais para o conhecimento de alguns dos principais edifícios e quotidianos da cidade anterior à catástrofe.


O Museu de Lisboa possui um belo acervo de registos de santos em azulejo. São painéis devocionais conhecidos por registos de santos, testemunhos da religiosidade popular. Inicialmente confinados no interior de igrejas, os registos passaram para o exterior, possivelmente durante o século XVII. Estes registos irão multiplicar-se a partir de meados do século XVIII. Aplicados nas fachadas, geralmente sobre as portas de entrada, ou nos átrios das casas, podiam ser acompanhados por flores e luminárias. Em consequência de catástrofes naturais, surtos epidémicos, incêndios e outras calamidades, entendidas como resultado de justiça divina, os registos pretenderam ser um poderoso auxílio para, através da intercessão de Virgem Maria ou de santos da particular devoção, promover a proteção do lar onde estavam colocados e a saúde dos que nele habitavam. Lisboa concentra a maior quantidade de registos de santos conhecida no país.
Registo revivalista com o Milagre da Aparição do Menino Jesus.

A devoção e a necessidade de proteção expressam-se em diversos registos de azulejos com função comemorativa de efemérides da vida de figuras sacras ou de episódios aos quais estas se encontram associadas. Destaca-se este painel de 1895, referente à comemoração do 7º centenário do nascimento de Santo António.
São Marçal
Registo rococó com Nossa Senhora da Nazaré, atribuído a Francisco Jorge da Costa, século XVIII.

Uma devoção com relativa representatividade nos azulejos é a de Nossa Senhora da Nazaré. A sua presença tem subjacente um leque muito diversificado de motivações, desde pedidos de proteção contra as tentações do demónio, passando pelos perigos do mar. O painel representa o mítico cavaleiro medieval, D. Fuas Roupinho, alcaide do Castelo de Porto de Mós, trajado à maneira de Setecentos, numa caçada durante a qual é atraído para o abismo por um veado, personificação do diabo, sendo salvo pela aparição da Virgem.
Registo da Sagrada Família na sua fuga para o Egito
Registo com São João Baptista.

São João Baptista desempenha um relevante papel como elo simbólico da transição do Antigo para o Novo Testamento, por ser o último profeta da Antiga Lei e o primeiro mártir da cristandade. Habitualmente surge descalço, tendo como indumentária uma pequena túnica e uma pele presa ao ombro.
Um pormenor da cozinha do Palácio Pimenta, atenda-se à riqueza azulejar e à magnífica ornamentação dada pelos cobres.
Dois exemplares de azulejaria com belos enquadramentos de chão marmoreado e muito boa pedra.
Placa comemorativa com uma vista do Bairro de Alfama, Manuela Ribeiro Soares (1921-2000), Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, 1959
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24802: Os nossos seres, saberes e lazeres (598): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (126): Nos jardins do Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24234: Armamento do PAIGC (3): peça de artilharia 130 mm M-46, cedida pelo Sekou Turé para os ataques, a partir do território da Guiné-Conacri, contra Guileje e Gadamael, em maio/junho de 1973


Peça de artilharia 130 mm M-46, de fabrico soviético (ano de introdução: 1954). Este tipo de armamento foi usado pelo PAIGC contra Guileje em maio de 1973, a partir do território da Guiné-Conacri. O seu alcance (máximo) é de 22,5 km.

Fonte: Wikipedia (em finlandês) (2007) (com a devida vénia...)



 Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > A peça do lado direito não pode ser  o famigerado "canhão de 130 mm", de origem russa, fornecido pela Guiné-Conacri ao PAIGC nos ataques a Guileje e a Gadamael, em maio e junho de 1973... A peça de artilharia 130 mm, M-46, tinha/ tem  um cano ou tubo de mais de 7 metros de comprimento...  O da foto é muito mais curto... 

Não era armamento do PAIGC,  deve ter sido cedida pelo Sekou Touré, exigia uma equipagem de 8 elementos, além de viatura para a rebocar,   e disparava do outro lado da fronteira... Pesava 7,7 toneladas,,,  Nunca deve ter entrado sequer em território da antiga Guiné portuguesa (*).... 

Por outro lado, também deveria ser difícil distinguir, no final da guerra,  depois da morte de Amílcar Cabral,  e com o crescente ascendente de Sékou Touré (e dos soviéticos) sobre o aparelho político-militar do PAIGC, o que era do PAIGG e o que era dos seus anfitriões ou "patrões"...

Angola foi um dos países lusófonos que dispunha desta temível arma, durante a chamada guerra da segunda independência.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Nuno Rubim, coronel de artilharia na reforma, e especialista de renome. nacional e internacional, em história da artilharia, que colavora  com a ONG AD-Acção para o Desenvolvimento no Projecto Guiledje, no tempo do nosso saudoso Pepito (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), confirmou-nos o emprego desta arma em 1973:

 

Excerto de mensagem do Nuno Rubim, membro da nossa Tabanca Grande, poste P1434 (*):

 (...) O Pepito foi a Cabo Verde e falou com os Cmdts Julinho de Carvalho e Osvaldo Lopes da Silva, os responsáveis operacionais no ataque a Guildeje, em Maio 1973. Colocou-lhes várias perguntas que eu sugeri, além daquelas que ele entendeu por bem e as respostas são muito satisfatórias, pese embora o tempo decorrido.

Agora vou estudar em detalhe essas informações e o ciclo continuará ...

Realmente a peça utilizada pelo PAIGC era o 130 mm M-46. O reconhecimento dos objectivos foi executado visualmente! (...)

2. Recorde-se o que já aqui escrevemos sobre o assunto (**):

(...) A artilharia 130 mm foi usada pela primeira vez contra Guileje em maio de 1973. E com crescente precisão. De origem soviética, com quase todo o armamento do PAIGC, operava a partir do território da Guiné-Conacri e tinha sido cedida pelo regime de Sékou Touré.

Entre 18 e 21 de maio de 1973 por exemplo, foram lançadas sobre Guileje cerca de sete centenas de granadas, de vários tipos (incluindo RPG 7). Média diária (4 dias): 171,25 granadas.
Entre 31 de maio e 11 de junho, Gadamael Porto foi flagelada com 1468 granadas: média diária (em 12 dias), 122,3 granadas; máximo 620 granadas (em 1 de junho), mínimo 4 granadas (em 10 de junho) (...)

3. Informação recolhida na Web > abcdef.wiki

Canhão de campo rebocado de 130 mm M1954 (M-46) - 130 mm towed field gun M1954 (M-46) - abcdef.wiki

(...) O canhão de campanha  rebocado ("towed field gun", em inglês),   de 130 mm M-46 (russo : 130-мм пушка M-46 ) é uma peça de artilharia rebocada de 130 mm, de carga manual , fabricada na União Soviética na década de 1950. 

Foi observado pela primeira vez pelo Oeste em 1954. Por muitos anos, o M-46 foi um dos sistemas de artilharia de maior alcance ao redor, com um alcance de mais de 27 km (...)


Especificações técnicas::

Massa:  7,7 t 
Comprimento; 11,73 m
Comprimento do cano: Furo: 7,15 m

Para saber mais: Canhão de campo rebocado de 130 mm M1954 (M-46)


(***) Último poste da série > 13 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24220: Armamento do PAIGC (2): Ainda as viaturas blindadas BRDM-2: em finais de 1973/princípios de 1974, o PAIGC teria apenas 2 viaturas blindadas...

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24200: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (34): Visita ao "Museu Militar da Luta de Libertação Nacional", na fortaleza da Amura

Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > "Viatura blindada de fabrico russo que terá sido usado pelo PAIGC em 1974 contra Bedanda e Copá"... o que etsá por confirmar, de fonte independente.


Foto nº 1A > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Viatura blindada (pormenor). Parece-nos ser a uma BRDM-2 (informção sujeita a confirmação).


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Artilharia portuguesa: se não erramos, uma peça 11.4 e um obus 14.


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional >  Posto emissor que foi usado em Conacri, nas emissões da "Rádio Libertação"


Foto nº 3A > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional >  Estação emissora >Em 16 de julho de 1967, tiveram início as emissões da "Rádio Libertação", a partir de Conacri... Os nossos soldados chamavam "Maria Turra" à locutora de serviço,  a Amélia Araújo, natural de Angola, casada com o cabo-verdiano José Araújo. (Parece que ainda está viva, a viver em Cabo Verde.)


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > O setor das armas pesadas


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > A peça do lado direito não pode ser  o famigerado "canhão de 130 mm", de origem russa, fornecido pela Guiné-Conacri ao PAIGC nos ataques a Guileje e a Gadamael... A peça de artilhar 130 mm, M-46, tinha/ tem  um cano ou tubo de mais de 7 metros de comprimento...  Não era armamento do PAIGC,  deve ter sido cedida pelo Sekou Touré, exigia uma equipagem de 8 elementos e disparava do outro lado da fronteira... Angola foi um dos países lusófonos que dispunna desta temível arma, durante a chamada guerra da segunda independência.

Também não vemos aqui o "Grad", o lança-foguete 122 mm, o "jacto do povo", na gíria do PAIGC... Nem o Strela, o míssil terra-ar SA-7, a coqueluche do Manecas dos Santos...


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Uma antiaérea ZPU -1Havia as quádruplas, ZPU-4...


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Uma metralhadora pesada, um canhão sem recuo e um morteiro 82 (de que só se vê o prato)... A metralhadora será umantiaérea Degtyarev de 12.7 mm?


Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Canhão s/r (B2 B-10?)


Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional >  O célebre "carocha" do Amílcar Cabral (que esteve muitos anos abandonado na casa de Bafatá, onde o líder histórico do PAIGCnasceu em 1924)


Foto nº 9A > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional >  O célebre "carocha" do Amílcar Cabral (pormenor)


Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > Vista exterior da Amura... Ao fundo, o estuário do rio Geba e a ilha de Rei e, à esquerda, o antigo edifício da Alfândega, do tempo colonial.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue: autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau" (*):

Data(s) - 1/04/2023, 11:21 e 2/04/2023, 12:39

Assunto - Bom dia desde Bissau: visita ao museu da Amura,

Vou enviar diversas fotos.

Luis, para vosso conhecimento

1ª Parte

Em visita ao Museu da Amura, a convite da Cooperação Portuguesa para assistir a uma peça de teatro sobre a vida do Amílcar Cabral.

Tivemos a possibilidade de ver o Museu Militar, construído dentro da fortaleza da Amura.

Envio algumas fotos, das armas pesadas, que podemos encontrar no exterior. Para os comentários dos nossos especialistas do Blog.

Na 2ª parte, as tiradas no interior do museu. Existem algumas salas novas, onde nas paredes podemos observar dentro de expositores as armas ligeiras.

O Museu Militar da Luta de Libertação Nacional, inaugurado em 2017, pode ser visitado todos os dias, das 8 até 16 horas, sem marcação.

Diretor do museu, Tenente-coronel Quintino Napoleão dos Reis | WTS 00245 95 63556340 | tel. 95 595 90554 – 96663 2756.

Abraço. 
Patrício Ribeiro

sábado, 31 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23934: Os nossos seres, saberes e lazeres (548): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (83): Uma visita ao Ashmolean, o Museu de Arte e Arqueologia da Universidade de Oxford (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Impensável passar férias no Condado de Oxford sem bater à porta do Ashmolean; em visitas passadas, pré-estabelecia usufruir umas vezes do Mundo Antigo ou subir ao terceiro andar para apreciar pintura de renome mundial; mas não conheço nenhum museu que tenha um espaço como este intitulado "Explorando o passado", é uma pedagogia de mestres para cativar jovens, dando-lhes a perceber a importância de conservar e restaurar, atraí-los para o conhecimento histórico e artístico através da escrita e da sucessão de materiais que levaram até ao livro, a história do dinheiro, é uma vivacíssima viagem através da história material e imaterial como não conheço outra. E aqui fica uma amostra dos tesouros, quem sabe se o leitor não vai um dia destes visitar Oxford, então não perca a oportunidade de conhecer este expoente da museologia e da museografia.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (83):
Uma visita ao Ashmolean, o Museu de Arte e Arqueologia da Universidade de Oxford

Mário Beja Santos

Com que alegria, com que frenesim e entusiasmo, aqui chego, sabendo antecipadamente que serei surpreendido num dos mais belos museus do mundo, para os britânicos é o seu primeiro museu público, alberga meio milhão de anos de história humana e criatividade, desde a sua monumental representação da história egípcia até à arte moderna. Lord Ashmole tinha um gabinete de curiosidades, foi o ponto de partida para o museu que nasceu em 1683 e que hoje está albergado neste edifício neoclássico que data do final da primeira metade do século XIX. À entrada entregam-nos um folheto com uma proposta de um conjunto de obras para quem vem com o tempo comprimido. Aprendi muito com um incidente que sofri na Galeria dos Ofícios, em Florença. Ia para uma reunião de trabalho, proporcionou-se ir um dia mais cedo, ficava por conta própria, sem ilusões de que ia ver Florença por um canudo. Naquele tempo os museus italianos abriam às 8h30 e fechavam às 14h, uma hora antes já ali estava pespegado, devia ter a presunção que estava capaz de absorver o conteúdo daquele fabuloso museu. Comecei no duecento, depois o trecento, depois o quattrocento, ainda não eram 12h e em frente ao Nascimento de Vénus, de Botticelli, veio-me uma formidável dor de cabeça, ocorreu-me que tinha chegado a minha hora, fui a correr para a pensão, lá sosseguei com dois comprimidos de paracetamol e umas horas de descanso. Agora nunca mais, agarro no mapa e escolho um conjunto de obras, subo e desço airosamente sem me agarrar a cronologias ou movimentos artísticos. O Ashmolean tem uma secção que eu considero das mais pedagógicas em museologia e museografia, dedicada à conservação de objetos, à história dos têxteis, da escrita e da leitura e do dinheiro, é tão cativante que não acredito que os jovens não saiam dali fascinados.
Bom, vou passear-me entre o mundo egeu, o velho Chipre, o Egito antigo, o próximo Oriente, a pintura chinesa, a escultura greco-romana e o mundo grego, a Índia e a Itália antes de Roma vão ficar para outra visita.
O Ashmolean possui belas peças da escultura síria e impressiona-me muito este acervo da cultura cicládica, há mesmo um museu em Atenas só dedicado a esta cultura, é de um valor impressionante, permite-nos conhecer a arte do mediterrâneo oriental naquele berço do comércio marítimo que precede as viagens fenícias.
Continuo no Mundo Antigo e as suas manifestações artística deslumbrantes, temos aqui Cnossos, é um dos momentos gloriosos da arte cretense.
Senti-me tentado a visitar as diferentes salas da escultura greco-romana, fiquei-me por esta com os seus moldes em gesso, dei comigo a imaginar como terá sido deslumbrante aquele centauro à esquerda.
Já cheguei ao século XIX, há uma imensidão de obras para fruir, comecei com aquele esplêndido van Gogh e não resisto a mostrar-vos esta mulher de Manet, cativa-me a depuração nas linhas, a quietude do rosto, ela é figura que o genial pintor escolheu para centrarmos o nosso olhar, o resto é sóbrio, um fundo de encenação que parece projetar a figura para fora do quadro.
Acertei na escolha, gosto dos Pré-Rafaelitas, eles estão presentes em vários lugares do Condado de Oxford, William Morris tinha a sua casa de verão em Kelmscott Manor, Burne-Jones trabalhou em várias localidades, caso dos vitrais na igreja normanda de Eaton Hastings e Buscot Manor. Foram geniais nas artes decorativas, como exemplificam estas duas peças de mobiliário e não resisti a fotografar esta escultura do Diabo, tem uma envolvente original.
Rendo-me a estas atmosferas onde se respira romantismo, naturalismo, há mesmo uma alvorada ténue de realismo e simbolismo. O primeiro quadro é de Turner, impressiona aquele ambiente montanhoso, fixamo-nos na ponte, e fica-nos a questão em aberto de como se pode miniaturar, com tal rigor e precisão, aquele gigantismo alpino; Edward Lear é o autor do quadro de Jerusalém, impressiona como o artista reparte os espaços, o declive agreste e talvez um contemplação de pastores sobre aquela cidade suave onde estão representadas as mais importantes religiões teístas, evola-se daquele branco o sigilo da contemplação divina.
Já chega de emoções, despeço-me com bela azulejaria turca e holandesa, ainda vou cumprimentar o coronel Lawrence da Arábia, embora custe a acreditar que esta era a sua indumentária, foi um construtor de nações e um dos grandes autores de língua inglesa. E agora vou andarilhar por Oxford, a cidade prepara-se para as exéquias de Isabel II.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23914: Os nossos seres, saberes e lazeres (547): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (82): Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (2) (Mário Beja Santos)

sábado, 24 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23911: Conto de Natal (25): Quando o pobre do Garrinchas teve o privilégio de fazer de São José e consoou com a Nossa Senhora e o Menino Jesus (Uma pequena obra-prima de Miguel Torga, do livro "Novos Contos da Montanha, 1ª ed., 1944)


Miguel Torga (São Martinho de Anta, Sabrosa, 1907 - Coimbra, 1997)
Fotos: cortesia de RTP Arquivos e Imprensa Nacional


1. Temos, por tradição, publicar nesta altura um "conto de Natal"... Já lá vão  duas dúzias de contos (*). Mas,  este ano, não sei por que carga de água (não é por falta dela...),  ninguém se lembrou mandar nada, nem uma miniconto de Natal. Que falta cá nos faz, o "alfero Cabral"!... Ele teria tapado o buraco, remetendo-nos um contozinho, passado cá ou lá, no território da Guiné do nosso tempo... 

Tive, portanto, de ir meter a foice em seara alheia para manter a  tradição ou pelo menos tentar salvar a honra do convenento ou, pelo menos, as aparências... Não interessam agora as razões, a verdade é que eu podia ter espicaçado a criatividade e a sobretudo a vontade dos nossos escritores natalícios.

 Mas a semana foi má, com o editor-mor, também de molho, na cama, a largar suores frios com uma virose ou gripe daquelas das antigas que matam os velhos e vergam os novos...

E confesso, aqui, um paradoxo: nunca até hoje ninguém se lembrara de nos mandar o conto "Natal", de Miguel Torga, que hoje vamos publicar. Até como "prenda de Natal", ou com o simples pedido de divulgação do melhor que se faz "para lá do Marão", que a malta às vezes até é briosa na defesa das coisas do seu "chão", não +e Francisco, não é Zé Manel ?!...

Estou-me  a referir, obviamente, aos muitos transmontanos e durienses que se sentam aqui connosco à sombra do poilão da Tabanca Grande, alguns dos quais com créditos firmados nas letras (poesia, ficção, memórias, reportagem): estou-me a lembrar, assim de repente (e seguramente correndo o risco de esquecer de outros), dos nomes dos nossos queridos Alberto Branquinho, Fernando Gouveia,  Franscisco Baptista, Paulo Salgado, Zé Manuel da Régua, etc. Mas ainda podíamos alargar o leque aos vizinhos minhotos e aos de Entre Douro e Minho, como o Manuel Luís Lomba, o José Teixeira, o António Carvalho, o Joaquim Costa, o Mário Leitão, o Luís Jales de Oliveira, a Rosa Serra, o Abílio Machado, o Zé Ferreira da Silva, e por aí fora... Tudo gente, portanto, nortenha dos quatro costados, portugueses de grei e de lei...

A explicação pode ser simples: afinal o conto ("Natal",  de Miguel Torga) é "muito conhecido" (será  assim tanto ? foi no passado, ainda o é hoje ?)... E depois há o problema dos "direitos de autor"... O autor morreu em 1995, e a sua obra só cai no domínio público lá para o ano de 2065, quando todos nós já estivermos na quinta das tabuletas.... 

Mas vamos ao que interessa, para encurtar explicações: tenho andado, nestes últimos tempos, a ler e a reler alguns dos nossos melhores contistas da língua portuguesa, do Miguel Torga ao José Correia de Araújo, passando pelo cabo-verdiano Germano Almeida. Não me levem a mal que destaque, aqui e hoje, o conto "Natal", de Miguel Torga.

Não entro, propositadamemte, em demasiados promenores de análise literária ao texto que acabariam logo por afastar leitores ou por inibir o prazer da descoberta ou da releitura do conto. Dieri só que +e uma curta história (c. 125 linhas, 5 páginas) de um pobre diabo, na véspera de Natal, que tenta no limite das suas forças e dos 75 anos, chegar, à hora da consoada, à sua terra, Lourosa, algures na  mítica "Montanha" ou "Reino Maravilhoso"... 

O "Garrinchas", nome da personagem do conto, de resto a única de carne e osso, é mais uma figura esculpida na pedra, um sem-abrigo, um "pobre-de-pedir", como se dizia no meu tempo, como dizia a minha mãe ou a senhora professora primária, apontando para o "Livro de Leitura da Terceira Classe: havia os pobres (que éramos todos nós) e os mais pobres dos pobres, os pobres-de-pedir, que andavam a mendigar, "pedir esmola", de porta em porta, "a mão estendida à caridade". 

Vinham em bandos, em geral, à sexta.feira, e às vezes de longe, de fora do concelho... Tal o como o  "Garrinchas" que sabia, por experiência própria, que os santos da casa não faz4m milagres , entenda-se, não abrem facilmente os cordões à bolsa, são mais forretas.

Portanto, o leitor é confrontado com um problema social muito grave que se arrastava, há mais de dois séculos, desde as invasões napoleónicas, e se prolonga para lá do fim da Monarquia,  a I República e o Estado Novo, até aos anos 60/70, o da indigência social (no campo e na cidade).  

Sempre houve em Portugal (e na Europa) bandos e bandos de gente a mendigar, "a estender a mão à caridade",,,. Mas este "Garrinchas" é um solitário, perdido nos confins da Terra Fria ou da Terra Quente, não se sabe ao certo,  de Trás-Os-Montes, imaginamos nós.

A magia deste conto (uma pequena obra-prima como quase todos os outros que o autor publicou, e que eu adoro ler e reler) está na importância que o "sagrado" assume, de repente, no final do conto... o "sagrado" está sempre subrepticiamente presente na escrita  de Torga,  ele que não era crente, era profundamente espiritual (uma "animista", diríamos nós na Guiné),  em comunhão com a terra, os outros e os demais seres vivos. 

Que ele, lá no Olimpo dos escritores e artistas, onde finalmente descansa das agruras da vida terrena (e não foram poucas!),  nos perdoe este atropelo ao direito de autor, mas ele saberia compreender e aceitar, se fosse vivo e nos lesse, que é tudo por uma boa causa. 

Por favor, caro leitor, saboreia esta prosa, devagar, de preferência, lê-a à lareira (ou luz da vela), logo à noite, entre o vinho fino (também pode ser uma aguardente DOC da Lourinhã ou um bagaço de Candoz ou um medronho do montado da serra algarvia) e a aletria (ou o arrroz doce)... 

Lê-o, por favor, em voz alta, para os mais novos (e os menos novos que ainda que não tenham  desistido  de aprender e de sonhar...). E depois, escreve-nos,  a dizer se valeu a pena a experiência. Bom Natal e Melhor Ano Novo de 2023. LG

Natal 

por Miguel Torga  (1905-1995)

Garrinchas fazia os possíveis para se aproximar da terra. A necessidade levara-o longe demais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa (#), pior. Ninguém dá nada. 

– Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser – e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras!

Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava quando batia a qualquer porta. Gostavam… Lá se tinha fé na oração, isso era outra conversa. As boas acções é que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim… Segue-se que só dando ao canelo (#) por muito largo conseguia viver.

E ali vinha demais uma dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse de outra maneira. Muito embora trouxesse dez réis no bolso e o bornal cheio, o certo é que já lhe custava arrastar as pernas. Derreadinho! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia, e no dia seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe na cabeça consoar à manjedoira nativa… E a verdade é que nem casa nem família o esperavam. Todo o calor possível seria o do forno do povo  (#), permanentemente escancarado à pobreza.

Em todo o caso sempre era passar a noite santa debaixo de telhas conhecidas, na modorra de um borralho de estevas e giestas familiares, a respirar o perfume a pão fresco da última cozedura… Essa regalia ao menos dava-a Lourosa aos desamparados. Encher-lhes a barriga, não. Agora albergar o corpo e matar o sono naquele santuário colectivo da fome, podiam. 

O problema estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado. Setenta e cinco anos, parecendo que não, é um grande carrego. Ainda por cima atrasara-se na jornada em Feitais. Dera uma volta ao lugarejo, as bichas pegaram, a coisa começou a render, e esqueceu-se das horas. Quando foi a dar conta passava das quatro. E, como anoitecia cedo não havia outro remédio senão ir agora a mata-cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar. 

Aflito, batia-lhe na taipa (#)  do peito, a pedir misericórdia. Tivesse paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar! Pela amostra, parecia coisa ligeira. Mas vamos ao caso que pegasse a valer?

Bem, um pobre já está acostumado a quantas tropelias a sorte quer. Ele então, se fosse a queixar-se! Cada desconsideração do destino! Valia-lhe o bom feitio. Viesse o que viesse, recebia tudo com a mesma cara. Aborrecer-se para quê?! Não lucrava nada! Chamavam-lhe filósofo… Areias, queriam dizer. Importava-se lá. E caía, o algodão em rama! Caía, sim senhor! Bonito! Felizmente que a Senhora dos Prazeres ficava perto. Se a brincadeira continuasse, olha, dormia no cabido!

O que é, sendo assim, adeus noite de Natal em Lourosa… Apressou mais o passo, fez ouvidos de mercador à fadiga, e foi rompendo a chuva de pétalas. Rico panorama! Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia hora de caminho chegou ao adro da ermida. À volta não se enxergava um palmo sequer de chão descoberto. Caiados, os penedos lembravam penitentes. Não havia que ver: nem pensar noutro pouso. E dar graças!

Entrou no alpendre, encostou o pau à parede, arreou o alforge, sacudiu-se, e só então reparou que a porta da capela estava apenas encostada. Ou fora esquecimento, ou alguma alma pecadora forçara a fechadura. Vá lá! Do mal o menos. Em caso de necessidade, podia entrar e abrigar-se dentro. Assunto a resolver na ocasião devida…

Para já, a fogueira que ia fazer tinha de ser cá fora. O diabo era arranjar lenha. Saiu, apanhou um braçado de urgueiras, voltou, e tentou acendê-las. Mas estavam verdes e húmidas, e o lume, depois de um clarão animador, apagou-se. Recomeçou três vezes, e três vezes o mesmo insucesso. Mau! Gastar os fósforos todos é que não. 

Num começo de angústia, porque o ar da montanha tolhia e começava a escurecer, lembrou-se de ir à sacristia ver se encontrava um bocado de papel. Descobriu, realmente, um jornal a forrar um gavetão, e já mais sossegado, e também agradecido ao céu por aquela ajuda, olhou o altar.

Quase invisível na penumbra, com o divino filho ao colo, a Mãe de Deus parecia sorrir-lhe. 

 Boas festas! – desejou-lhe então, a sorrir também. 

Contente daquela palavra que lhe saíra da boca sem saber como, voltou-se e deu com o andor da procissão arrumado a um canto. E teve outra ideia. Era um abuso, evidentemente, mas paciência. Lá morrer de frio, isso vírgula! Ia escavacar o arcanho (#). Olarila! Na altura da romaria que arranjassem um novo. 

Daí a pouco, envolvido pela negrura da noite, o coberto, não desfazendo, desafiava qualquer lareira afortunada. A madeira seca do palanquim ardia que regalava; só de cheirar o naco de presunto que recebera em Carvas crescia água na boca; que mais faltava? 

Enxuto e quente, o Garrinchas dispôs-se então a cear. Tirou a navalha do bolso, cortou um pedaço de broa e uma fatia de febra e sentou-se. Mas antes da primeira bocada a alma deu-lhe um rebate e, por descargo de consciência, ergueu-se e chegou-se à entrada da capela. O clarão do lume batia em cheio na talha dourada e enchia depois a casa toda. 

 É servida? 

A Santa pareceu sorrir-lhe outra vez, e o menino também.

E o Garrinchas, diante daquele acolhimento cada vez mais cordial, não esteve com meias medidas: entrou, dirigiu-se ao altar, pegou na imagem e trouxe-a para junto da fogueira. 

– Consoamos aqui os três – disse, com a pureza e a ironia de um patriarca. – A Senhora faz de quem é; o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José.

Miguel Torga


In: Miguel Torga - Novos Contos da Montanha, 15ª ed. Coimbra, edição de autor, Gráfica de Coimbra Lda, 1991, pp. 121-126 (1ª ed., 1944).

[Seleção, revisão e fixação de texto / Bold a preto / Notas de rodapé, para efeitos apenas de publicação deste poste: LG]
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(#)Notas do editor LG: 

 Lourosa e os demais topónimos /Carvais, Feitais, Loivos..) são fíctícios. Mas ficam na "Montanha", no "Reino Maravilhoso"... 

Como explica o próprio criador: (...) "– Para cá do Marão, mandam os que cá estão!…
Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós?
Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:
– Entre!

A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso. A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Chaves, de Chaves a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Régua.

Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição." (...)

(#) Canelo: canela da perna.

(#) Forno do povo: padaria coletiva nas aldeias de Trás-os-Montes, gerida pelas comunidade, onde toda a gente cozia o seu pão. Havia um sistema de trabalho rotativo. Funcionava também como albergaria para estrangeiros e pedintes de passagem pela aldeia. Estava permanentemente aquecido. Era uma instituições do "comunitarismo primitivo" de que Rio de Onor e Vilarinho das Furnas foram até aos anos 50 os exemplos mais perfeitos.

Imagem à acima, à esquerda: antigo formo do povo de Tourém, Gerés. Cortesia de GR 50 Peneda-Gerês > Forno do Povo, Tourém, Montaleger

(#) Taipa: parede de tabique

(#) Em Trás-os Montes, arcanho quer dizer traste, móvel, utensílio ou objecto considerado velho ou de pouco valor.
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... E depois, caro leitor,  de teres lido o conto, aponta, na tua agenda, uma visita, na próxima primavera de 2023, à Casa-Museu Miguel Torga e ao Espaço Miguel Torga (desenhado por Eduardo Souto Moura), em São Martinho de Anta, Sabrosa, recentemente inaugurados há menos de um ano... E não te esqueças que a terra não é só do Torga, é também de uma  nossas heroínas, a enfermeira paraquedista Giselda Pessoa (Antunes, apelido de solteira)... E depois vê o vídeo Casa Museu Miguel Torga, 27' 25'').