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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24546: Fotos à procura de... uma legenda (176): A "rainha de Catió", fotografada em 1964/66 (pelo João Sacôto) e em 1972 (pelo Mário Arada Pinheiro)

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > "Mulher grande, rainha de Catió". 

Foto do álbum do João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo, ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66) e depois piloto da aviação civil onde chegou a comandante da TAP, reformado desde 1998. Conviveu com a população, fula e balanta, de Catió e arredores, incluindo Príame (a tabanca do cap 'comando' graduado João Bacar Jaló, 1929-1971).

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região de Tombali > Catió > BCAÇ 2930 (Catió, 1970-72) >  O então maj inf Mário Arada Pinheiro, 2.º cmdt do BCAÇ 2930, com a "rainha de Catió" e algumas das suas netas (?)... Em chão nalu, ela era fula. As miúdas mais pequenas estão "meio escondidas", envergonhadas ou intimidadas (como era normal, na presença dos "tugas")... (**)

Foto (e legenda): © Mário Arada Pinheiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Será a mesma senhora? A "rainha do Catió", fotografada por volta de 1964/66, pelo João Sacôto, e seis ou oito anos mais tarde, em 1972, pelo Mário Arada Pinheiro?

Ambos os fotógrafos lhe chamam "rainha de Catió", " mulher grande", "fula em terra de nalus"... Mas o Cherno Baldé, o nosso assessor para as questões etnolinguísticas, tem dúvidas, tendo deixado este comentário no poste P24549 (*):

(...) "Em Catió, na altura, o Bairro dos fulas, melhor dizendo futa-fulas, era logo à entrada em Priame, onde também vivia a família do Cap 
Cmd João Bacar Jaló. Por isso, quer-me parecer que a mulher grande aqui apresentada como a "rainha de Catió" poderia muito bem ser uma das suas viúvas ou uma familiar muito próxima, para merecer as visitas de um alto oficial do Batalhão sediado em Catió.

"Os fulas não têm rainhas e muito menos no chão Nalú, mesmo estando em terras conquistadas pelos seus antepassados. Talvez o Mário Arada Pinheiro nos possa esclarecer a dúvida." (9 de agosto de 2023 às 16:29 (...)

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Cherno, estou agora, neste mês, quase todos os dias com o coronel Mário Arada Pinheiro, tem casa de férias aqui na Praia da Areia Branca... Pertencemos ambos ao GAPAB / Vigia (Grupo dos Amigos da Praia da Areia Branca). Vou-lhe "espicaçar" a memória, que é muito boa para quem já teve a felicidade de chegar aos 90 anos. (E ainda há dias o vi a conduzir aqui na Lourinhã.) Realmente nunca vi nenhuma rainha "fula"... Dos nalus conheci, em 2008, o "rei", Salifo Camará, falecido em 2011... Aliás, "Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus" (tinha 87 anos em 2008).

Em Angola, sim, houve várias rainhas, que ficaram na história, começando pela mais célebre, Mwene Nzinga Mbandi (c. 1582, - 1663), também conhecida por rainha Njinga ou Ginga, ou Ana de Sousa (para os portugueses).

Vamos lançar o desafio aos nossos dois fotógrafos e aos nossos camaradas que tenham passado por Catió... Quem é (era ou foi) esta "mulher grande, rainha de Catió"? (***)
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Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 28 de março de 2019 : Guiné 61/74 - P19628: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VII: Catió e arredores: contactos com a população civil

(**) 9 de agostoi de 2023 > Guiné 61/74 - P24540: Fotos do álbum do cor inf ref Mário Arada Pinheiro, antigo 2º cmd do BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72) e cmdt do Comando Geral de Milícias (Bissau, 1972/73)

(***) Último poste da série > 30 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24519 Fotos à procura de... uma legenda (175): Capinadores e "homens armadas" em Cutia, tabanca e destacamento no setor de Mansoa, ao tempo do BCAÇ 2885 (1969/71) (José Torres Neves, capelão)

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23000: Blogpoesia (765): "Para ti, Ó Mulher Grande", por Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 11 de Fevereiro de 2022 com mais um dos seus trabalhos verso, desta vez dedicados às Mulheres Grandes de Teixeira Pinto, afinal a todas as Mulheres Grandes da Guiné do nosso tempo:

Mais uma vez a enviar para a Tabanca mais esta coisinha e porque já há muito tempo que não o faço.
Porém, não me esqueço de visitar a Tabanca porque também é minha.

Um Grande Abraço para todos os Tertulianos em Especial Para seus Régulos e Chefes de Tabanca.
Albino Silva


PARA TI, Ó MULHER GRANDE

Para ti ó Mulher Grande
Tu que és Mulher e Mãe
És a mulher da Guiné
És igual à minha também.

Para ti ó Mulher Grande
Aquela que na Guiné vi
Em Bolanhas que trabalhavas
Em Tabancas que conheci.

Vi em ti ó Mulher Grande
Coisas que não tinha visto
E para nunca esquecer
Vim aqui escrever isto.

Eu te via pelas matas
Quando a lenha ias apanhar
Que a carregavas à cabeça
Para a Tabanca levar.

Tomavas conta dos filhos
Na Bolanha ias trabalhar
Ainda ias de redes à pesca
Para o teu peixe pescar.

Cultivavas a vianda
No sal ias trabalhar
Cuidavas tua Tabanca
Andavas sempre a lutar.

No solo de tua Tabanca
De vassoura improvisada
Lá ias varrendo tudo
Eras mulher asseada.

Sem luxos mal vestidas
Tudo era bem ao natural
E mesmo na alimentação
Te alimentavas muito mal.

Sei que a cultura africana
Que é diferente da minha
Assim via a Mulher Grande
Dar aquilo que não tinha.

O que mais me custava ver
Quando davas de mamar
Ao filhote agarrado a peles
Sem leite para se alimentar.

Quantas mulheres guineenses
Com seus filhos a chorar
Sem ter alimentos ou pão
Para sua fome matar.

Trabalho árduo na bolanha
Trabalhavas sem descansar
E quando chegava a colheita
O bandido te ia roubar.

Reconheço Mulher Grande
Com a vida difícil de levar
Quando na tabanca, doente
Sem mesinho para tomar.

Quantas vezes na tabanca
Aquelas que fui visitar
Socorrê-las, dar-lhe mesinho
Mulher Grande eu ia curar.

Sinceramente ficava triste
Quando as via tanto sofrer
Quando as queria ajudar
E nada podia fazer.

Ainda hoje vejo Mulheres
Na imensa África a sofrer
Na tabanca ou deslocadas,
aos poucos as vejo morrer.

Vão morrendo de doentes
Com fome sem ter que comer
Ao colo delas seus filhos
Com suas Mães a morrer.

Enquanto vão tendo forças
Com a fome vão chorando
E já sem forças e sem Pão
Mães e Filhos se vão calando.

Tanta coisa estragamos
Quando podíamos oferecer
Àquelas pessoas que sofrem
Sem ter nada para comer.

Para ti ó Mulher Grande
De quem eu me lembro bem
Eras uma Mãe da Guiné
Mas igual à minha Mãe.

Para ti ó Mulher Grande
Quantas vezes eu fazia
Da comida que era pra mim
E com vós eu repartia.

Para ti ó Mulher Grande
Eu sempre me hei-de lembrar
Daquilo que pouco tinhas
E ainda me querias dar.

Eras tu ó Mulher Grande
Descalça e a caminhar
Com os pés todos cortados
Quando tu ias pescar.

Para ti ó mulher Grande
Corajosa trabalhando
Também em noites de Ronco
Em tabancas te via dançando.

Hoje não estou na Guiné
Mas nunca eu me esqueci
Da Mulher Grande e Mãe
Muitas que na Guiné vi.
Mulher Grande da Guiné
Um dia ainda vais ver
Por nunca me esquecer de ti
Eu voltarei a escrever.

Por:
Albino Silva
Sol. Maq. 011004/67
CCS/BCaç 2845
Guiné - 1968/70
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Notas do editor

Poste anterior de Abino Silva de 14 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22719: Blogpoesia (760): Operações e Missões, e dos nomes que lhes davam (7) (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845)

Último poste da série de 13 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22996: Blogpoesia (764): "O perfume das cores"; "Remate" e "As flores do rio", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

domingo, 8 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8243: Memória dos lugares (155): Bedanda 1972/73 - A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (2) (António Teixeira)




1. Publicam-se as restantes 8 fotos subordinada ao título "A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda", enviadas em mensagem do dia 5 de Maio de 2011 pelo nosso camarada António Teixeira* (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73).


A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (2)










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Nota de CV:

Vd. poste de 7 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8239: Memória dos lugares (154): Bedanda 1972/73 - A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (1) (António Teixeira)

sábado, 7 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8239: Memória dos lugares (154): Bedanda 1972/73 - A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (1) (António Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada António Teixeira* (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73), com data de 5 de Maio de 2011:

A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda.
Hoje serão já todas Mulher Grande, se por acaso ainda existirem.
Acreditem que tenho saudades... delas, daquela terra, daquela gente.

Um abraço
António Teixeira




A Mulher, Menina, Bajuda de Bedanda (1)









Fotos: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8045: Memória dos lugares (151): Bedanda 1972/73 - O Seis do Cantanhez (António Teixeira)

Vd. último poster da série de 6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8229: Memória dos lugares (153): Cacine, ao tempo do Pel Rec Daimler 2049 e da CART 1692 (António J. Pereira Costa)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7252: (In)citações (18): Branco, na volta! Branco, na volta!, repetia a Fatemá em 2005... Com a sua morte perde-se um elo de ligação com os portugueses que passaram pelo regulado de Contabane (José Teixeira)

 1. Zé Teixeira disse em comentário ao poste P7249:


Não me lembro da Fatemá [, foto à esquerda, em 2005], quando trilhei as picadas de Quebo e Mampatá [, em 1968/70]. 


Recordo o Régulo Sambel, seu marido,  e a sua dedicação e fidelidade a Portugal.

O seu filho, o nosso amigo Suleimane, actual Régulo de Contabane, esse sim, como soldado milícia partilhou comigo algum...as aventuras em Mampatá. Hoje prezo muito a sua amizade e a da sua esposa, a Ádada,  que conheci ainda bajuda. Que bonita que era e ainda é!


Tal como o Paulo Santiago, tive a felicidade de conviver com a Fátemá em 2005, quando a Ádada [, foto à esquerda, em 2005] me reconheceu, passados trinta e cinco anos (que belo e feliz momento!). 


Estava a saborear este encontro, quando vejo surgir à porta da sua morança a velhinha Fatemá, que se dirige a mim com um sorriso, para logo me abraçar e com as lágrimas nos olhos me pedir Branco na volta, branco na volta !

Por mais que lhe dissesse que agora só lá íamos para matar saudades, ela insistia: Branco na volta!... Seguiu-se uma amena conversa, interrompida aqui e além pelos seus bisnetos que queriam brincar comigo ao fotógrafo.

Voltei em 2008. Notei que estava mais parada, porque os anos não perdoam. Retenho a imagem de uma mulher linda, apesar da idade, lúcida e sobretudo, tal como o filho e outros familiares que conheço, muito ligada a Portugal e aos portugueses que por lá passaram.

Com a sua morte perdeu-se um forte elo de ligação, com os portugueses que pisaram aqueles trilhos do Regulado de Contabane.


José Teixeira
[ Esquilo Sorridente]

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P7249: In Memoriam (60): Morreu Fatemá, Mulher Grande de Sinchã Sambel (ex-Contabane), mãe do Régulo Suleimane Baldé (Paulo Santiago)




MORREU A FATEMÁ!


1. Mensagem de Paulo Santiago* (ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), com data de 8 de Novembro de 2010:

Telefonema que recebi, às 23.00 horas de ontem, do Zé Teixeira, que recebera a mesma notícia do Carlos Nery, que, por sua vez, a recebera de um antigo milícia.

MULHER GRANDE, GRANDE SENHORA, que conheci há 40 anos, tendo-a visitado em 2005  (*) e 2008.

Viúva do Régulo de Contabane, Sambel Baldé, mãe do actual Régulo, Suleimane Baldé, ex-1.º Cabo do PEL CAÇ NAT 53, que tive a honra de comandar.

A Fatemá ficou na memória de inúmeros militares que foram passando por Contabane, Aldeia Formosa e Saltinho, onde na outra margem do rio Corubal, nos anos de 70-71, foi construído o Reordenamento de Contabane, hoje chamado Sinchã Sambel.

O meu convívio, mais intenso, com a Fatemá decorreu no período em que vivi naquele Reordenamento, Maio a Agosto de 72. Nos dias em que não havia saídas para o mato, quase sempre, a seguir ao jantar tinha longas conversas com o Sambel e a Fatemá.

Ela lembrava-me a minha avó Clementina que me enviou o bolo-rei mais delicioso que até hoje comi, apesar de muito duro quando o recebi em Bambadinca, história que já contei.

A Fatemá era dotada de grande jovialidade e simpatia. Ainda hoje quando encontro algum ex-militar da CCAÇ 2701, sabendo que estive recentemente na Guiné, vem a pergunta - e a Fatemá ainda é viva? Como é que ela está?

Em Fevereiro de 2005, acompanhado pelo meu filho João, apareci de surpresa em Sinchã Sambel, a Fatemá fez-nos uma recepção que jamais esqueceremos. Sem o saber desencontrara-me do Suleimane que tinha vindo, dias antes para Lisboa, e a Fatemá, naquele dia foi régulo e chefe de tabanca. Ela mobilizou toda a aldeia para receber os visitantes. Foi uma tarde, prolongou-se pela noite, de fortes emoções onde pontificava aquela figura matriarcal que no final nos ofereceu um cabrito.


Sinchã Sambel, 2005 > Fatemá e Paulo Santiago, ladeados por amigos. Por de trás, João Santiago, filho do Paulo, que também quis sentir as emoções de seu pai ao voltar à Guiné da sua juventude.



Na Guiné, onde a esperança de vida é muito baixa, a Fatemá era uma excepção notável, e com certeza única, tempos atrás ultrapassara os cem anos. O Suleimane, ontem, quando lhe telefonei disse-me que a mãe tinha 114 (!?) anos, e sendo assim, nasceu no séc XIX, passou pelo séc XX e vem morrer no séc XXI. Soube envelhecer com dignidade, para quem nunca soube o que era botox ou pilling, a Fatemá tinha uma pele lisa, com muito poucas rugas, e para além deste aspecto exterior, possuía uma cabeça cheia de memórias. Em 2005, falou-me dos militares portugueses que foi conhecendo ao longo dos anos da guerra, uns que eu conhecia, outros não. Curiosamente, esqueceu o comandante da CCAÇ 3490, ou fez por bem não o mencionar.

Em Março de 2008, encontrei-a muito prostrada, muito apática, e já não me reconheceu

Ontem à tarde, segundo o Suleimane, "ficou-se"... morreu de velhice.

Hoje, às 10.00 horas, seria enterrada.

Que Alá a tenha em descanso.

Aguada de Cima, 8 de Novembro de 2010
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7208: In Memoriam (59): A todos quantos deram graciosamente a sua vida (José Teixeira)

(*) Sobre a viagem de 2005, vd o conjunto de sete postes que o Paulo escereveu na notável série As emoções de um regresso:



sábado, 17 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1604: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (12): J. L. Mendes Gomes

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 728 (Catió, 1964/66) (1) > 1965 > Mulher Grande de Catió.

Foto: © J. L. Mendes Gomes (2007). Direitos reservados.



1. Mensagem do Joaquim Luís Mendes Gomes:

Assunto - Ex-desertores... tertulianos ou não?...

Meu caríssimo Luís:

Antes de mais, os meus cumprimentos de chegada. Regressei de Berlim. Cheguei bem. Começava a entrar em sofrimento, com saudades deste cantinho nosso solarengo e soalheiro. Somos uns pobretas... muito ricos. Chegou de frio, de céu baixo, pardacento e uma língua intragável.

Aqui estou. Com acesso à Net quando quero. Li, reli o teu/nosso maravilhoso blogue. Pus-me a par das brisas, tempestades e morteiradas...que por ele vão.

A daquela mini-polémica, entre marinheiros e infantes, por causa da fogachada da Orion ou da Hydra, sobre a minha CCAÇ 728... Podia ter sido mais trágica, mas deu para jamais esquecer. Tiro curvo?...Quem é que o disse?...Bem razante, lá de cima até cá baixo. Não questiono que tenha passado despercebida... Tanta coisa grave, muito grave passava em branco... Estranho que tudo isto não conste nos arquivos militares!...

Dei uma espreitadela na Internet, sobre a Lista de todas as Operações Militares, sobretudo as da Guiné que são as que conheci. Fiquei de boca aberta com o elenco de uma meis dúzia, apenas... Que é das outras?... Que andámos nós todos a fazer aqueles anos todos- pareceram séculos... de pesadelo - a fazer nas Áfricas? À caça de gambuzinos?...ou à pesca de sardinha?...

O nosso País desabou, não sei se se vai levantar...Cá por mim, espero e faço tudo para que sim.

Gostei e agradeço o teu empenho em pôres lá os meus textos sobre o dia a dia de Catió (1). Como esperava, já reencontrei as preciosas fotos do meu tempo. Com ajuda da expert daqui ao lado, e que foi como minha Madrinha de guerra... Desde o Cachil/Como, que tudo começou... já lá vão quarenta e três anos...Vai ser possível mandar-te as mais representativas...

E agora, vou meter o meu bico na vexata quaestio, em epígrafe (2)...É só a minha opinião, respeitadora de quem não a partilhe, como é óbvio.

Quando, logo nos começos, me deparei com as primeiras linhas da história do Medeiros Ferreira, confesso que a minha primeira reacção foi negativa, de rejeição, dum magoado... por reparar. E fiquei à espera do que se viria a dizer, entre nós. Já esperava que esta questão não fosse pacífica... Não vou ser original nem dizer mais do que já foi dito, porque não sou capaz de ver melhor.

Compreendo que quem partiu de cá, foi arriscar a vida, perder e ganhar... dos melhores anos da juventude, viu tombar a seu lado amigos da alma e guardas do corpo e coração...Pela Pátria, que somos todos nós, os de antes, de durante e do depois... Uns com amor, outros com sentido de dever, outros porque não foram capazes de dizer não... De todos estes, os últimos, penso, foram os em menor número...

Quem fugiu, jamais pode descalçar a nódoa da traição... Pelo menos para com os seus camaradas de destino: fugiram, deixaram-nos para trás. Ninguém em perigo ou sofrimento gosta de ficar esquecido... e para trás... Por isso a reacção de rejeição é justa, legítima e muito humana. Penso eu. Se já não há Pátria, com este sentido solidário, andamos todos a fazer figuras de urso...ou de macacos. O País não passa duma confusa sociedade anónima de irresponsabilidade ilimitada... Preferível seria a selva...

Mas, logo depois do 25 de abril, durante aqueles turbulentos tempos que aqui vivemos, abertas as portas para quem quis voltar, aí vieram eles...lá de Paris, da Suiça e sei lá donde. Com luzentes canudos universitários e toda a escola que lá tiraram...Uns próximos, outros próximos dos mais próximos das figuras ou figurões da proa... Foi vê-los a trepar, na escada escancarada da política, passando por cima de tudo e todos, nas escolas, nos empregos... subir...subir, como balões.

Escarneceram e fomentaram o desprezo por nós, ex-combatentes, como uns coitaditos...sem tomates, como os seus, deles, claro.

Que fizeram esses, especialmente, os que se guindaram às cadeiras do poder...nas universidades, nas empresas, em São Bento, por nós?... Que andam a fazer os seus herdeiros e bastardos?...

Durante muitos anos, os ex-combatentes não tinham uma só lápide nem de ardósia ou monumentos em honra dos seus mortos!...Só mais tarde, apareceu aquele muro aproveitado das paredes de outro vetusto monumento, mais parece o muro dum cemitério (onde até as letras de tinta d'água, se foram ... à chuva e ao sol... em tantos nomes...) com um lago sem cisnes e duas guaritas descabeladas... Alguma vez aquela amostra de mau gosto tem a estatura, a dignidade, do que se propõe e que é devido?...

Creio bem que irá ser nos corações dos nossos netos, ou seus filhos, que vai nascer a verdadeira chama do carinho e da gratidão pelo que fizeram seus avós...

Algum dos desertores já nos brindou, os da Tertúlia, com algum gesto ou palavra de simpatia?... Conhecendo-os eu como conheço, estou mesmo a vê-los a rir às gargalhadas da fogueira que para aqui fazemos... Por isso, penso que venham, entrem na tertúlia, mas com pedidos sinceros de desculpa... Até lá, cada um use o boné que escolheu...

Aqui fica a minha colherada. Sincera e respeitosa. Para que conste. Se quiserem mais, passem no blog... bico de pato.

Um abraço enorme do tamanho da Terra para Ti e toda caserna.

JMendesGomes
Ex- Alf Mil
CCAÇ 728 (Catió, 1964/66)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo

11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar

1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG

20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia

2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo

(2) Vd. último post sobre a questão dos desertores:

16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1599: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (11): Paulo Salgado