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segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24971: Notas de leitura (1650): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
Entrevistado na dimensão ainda em voga da História Oral, o comandante Pedro Pires fala da sua vida ao serviço do PAIGC e do PAICV. Confesso que me toca positivamente o que ele comenta quanto à dedicação às causas pela luta da independência dos dois países, não há para ali nem charamelas nem o vemos atrelado a nenhuma carro triunfal, resistiu a muita insídia e comentários soezes por parte da oposição, quando perdeu em 1991, faz-nos ver que Cabo Verde caminha saudavelmente como uma democracia liberal, é um verdadeiro farol africano. Não se entenderá, à luz dos conhecimentos históricos, que continue a dar como certo e seguro que Spínola e a PIDE/DGS mandaram matar Amílcar Cabral, foi mantra de grande conveniência durante algum tempo, acontece que não há nenhum, absolutamente nenhum, documento que comprove qualquer ligação do Governo de Bissau, da delegação da polícia política com o assassinato de Cabral, houvesse e dele se teria feito a devida publicitação, mas não há, não houve marinha portuguesa à espera do barco de Inocêncio Kani, e é preciso ter um grande estômago para pôr como coordenador do complô Momo Touré, não sei como pessoas com pesadas responsabilidades históricas ainda têm e tanta desfaçatez, e parecem aliviadas quando propalam tais inverdades.

Um abraço do
Mário



Comandante Pedro Pires, memórias da sua vida e da sua luta na Guiné-Bissau (2)

Mário Beja Santos

Pedro Verona Pires, após a sua deserção das Forças Armadas portuguesas juntou-se ao PAIGC em Conacri, foram-lhe atribuídas múltiplas missões, acompanhou a luta da libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Após a independência de Cabo Verde, foi Primeiro-ministro entre 1975 a 1991 e seu Presidente de 2001 a 2011. Este livro sobre o Comandante Pedro Pires é o resultado de uma longa entrevista realizada em Cabo Verde por uma equipa da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas: Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde, entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel, FGV Editora, Brasil, 2021. O entrevistado regista a história da sua vida, mediada pelo método da História Oral. Obviamente que nos vamos circunscrever das suas declarações até à independência da Guiné-Bissau e sequelas da rutura Guiné-Cabo Verde.

Pedro Pires assume elevadas responsabilidades na luta da Guiné-Bissau, é um quadro político de peso e é nessa altura que é questionado pela equipa entrevistadora sobre o assassinato de Amílcar Cabral em 20 de janeiro de 1973. Começa por referir que Amílcar Cabral já tinha alertado sobre a probabilidade desse risco, a partir da recolha de várias informações de amigos no seio do exército português. Considera ter havido falhanço nos serviços de segurança, o próprio Amílcar Cabral não teria dado o valor necessário a tais informações. Nesse dia, 20 de janeiro, Pedro Pires encontrava-se na base de Kandiafara, na Frente Sul, as informações pareciam suspensas, só quase ao anoitecer é que alguém lhe veio dizer que ouvira na BBC a notícia do assassinato. Através de um emissário enviado a Boké receberam-se pormenores dos acontecimentos pelo responsável local, José Pereira, fora em Boké que Inocêncio Kani fora detido.

Uma semana depois, na companhia de outros líderes, como Nino Vieira e Cármen Pereira, estão em Conacri, assistem às cerimónias de homenagem a Amílcar Cabral, o ambiente encontrado era pesado e de muita tristeza. Pedro Pires propõe aos seus colegas do Comité Executivo de Luta a realização de uma reunião extraordinária para análise da situação, fez-se a reunião e traçaram-se novas linhas de orientação, todos voltaram para as frentes de luta, ele regressou à Frente Sul. Dá-se a sua visão sobre o apuramento das responsabilidades sobre os acontecimentos do assassinato, justifica a importância da operação Amílcar Cabral que tinha como objetivo geral a intensificação e multiplicação da ação militar nas três frentes, era necessário tornar a vida insuportável aos militares portugueses. Associa tais acontecimentos ao golpe de Estado de 25 de Abril, detalha ao pormenor o cerco a Guileje, e não deixa de ressalvar a diferença introduzida na luta pelos mísseis Strela. Fala num embate que teria tido lugar em território manjaco da qual um tenente dos Comandos africanos se passou para as forças do PAIGC.

A explicação para o assassinato do líder fundador do PAIGC pôde dar muito alívio a Pedro Pires, mas não tem qualquer consonância com factos documentais e elementos de prova. Que era urgente travar Amílcar Cabral antes que fosse tarde demais para a sobrevivência do Império português; que no plano interno português tinha crescido a oposição e o descontentamento pelos sacrifícios humanos, económicos e financeiros impostos ao país; que o prestígio e a credibilidade internacional de Amílcar Cabral atingira a sua quota máxima e estava em andamento uma dinâmica que devia conduzir à emergência do Estado soberano da Guiné-Bissau; que as autoridades coloniais, num esquema de guerra antissubversiva, aproveitara-se de alguns traidores que fomentaram a divisão do PAIGC entre guineenses e cabo-verdianos; refere antecedentes como a Operação Mar Verde, em que se procurara liquidar Amílcar Cabral; que Inocêncio Kani era o principal responsável pelo crime de traição.

Este mantra fez o seu percurso útil para liquidar os elementos do complô que os tribunais revolucionários decidiram, fez-se um hábil desvio histórico da fundamentada e multisecular tensão entre guineenses e cabo-verdianos, hoje é argumento de venda para puros nostálgicos, faz deliberadamente esquecer que não se podem entender os acontecimentos de novembro de 1980 e o afastamento da liderança cabo-verdiana na Guiné sem ter em conta a tensão existente em Conacri e mesmo nas bases do PAIGC no interior da Guiné, Pedro Pires nem refere que no dia do assassinato Inocêncio Kani esteve sempre na companhia de Osvaldo Vieira, e que este assistiu à distância ao assassinato do líder – pormenor de pouca importância, claro. Para consolo de nostálgicos e permanente enigma para a história é a destruição de todo o material que se acumulou sobre os julgamentos dos elementos associados ao assassinato. Há explicações que são de farsa, pôr o Momo Touré a liderar uma sedição de centenas de pessoas é por de mais caricato, não tinha nem envergadura nem credibilidade para tal cometimento. E penso que não se tem feito qualquer pressão para ouvir as figuras que participaram nos julgamentos (caso de Joaquim Chissano), que disseram ter lido toda a documentação (caso de Ana Maria Cabral), os testemunhos de quem compareceu em tribunal e não sofreu da pena capital, etc. São de presumir razões fundadas para manter esta pesada barreira de silêncio.

Pedro Pires fala do segundo congresso do PAIGC, da eleição de Aristides Pereira, a líder do PAIGC, e descreve-se o processo da Independência da Guiné-Bissau e tudo quanto aconteceu até ao reconhecimento de Portugal da Guiné-Bissau como Estado independente.

Não se pode desdizer que Pedro Pires não seja um homem de consciência tranquila sobre o seu comportamento político como Primeiro-ministro de Cabo Verde, e ele próprio explica os insultos miseráveis que sobre ele proferiram elementos de oposição. Teria tudo a ganhar em mostrar de corpo inteiro que soubera perder as eleições em 1991, que as calúnias proferidas ficaram por demonstrar, responde aos seus entrevistadores com elevado nível de tolerância, escusava de dizer qual era, no seu entender, a origem do MpD:
“Muitos foram militantes do PAICV. Por outro lado, houve gente de boa-fé entusiasmada com a abertura política que quis uma alternativa ao PAICV. Era um grupo heteróclito. Constituía uma autêntica frente dos contra. Faziam parte desta aliança ex-militantes do PAICV dececionados, os trotskistas, os herdeiros do colonialismo, os despromovidos socialmente que tinham perdido privilégios de classe, funcionários desonestos sancionados, os imediatistas à espera de resultados milagreiros em curto prazo, gente que discordava da Independência, também pessoas de boa-fé que queriam uma mudança do Governo e, ainda, os fiéis que acreditaram nas intrigas veiculadas pelo clero católico, pela rádio e pela imprensa escrita de inspiração católica. Foi mais ou menos isso. Era esse o contexto sociopolítico em que lutou o PAICV, naquela altura, e os adversários contra os quais se tinha batido”.

Comentários completamente escusados, diga-se em abono da verdade. Ao comandante Pedro Pires saem por vezes comentários que não o dignificam. Já aqui repontei com aquela sua tirada de que os Comandos Africanos cobiçavam trazer artigos das bases do PAIGC, eram artigos que eles não tinham à sua disposição no mercado da colónia, escreveu num prefácio do livro O PAIGC Perante o Dilema Cabo-Verdiano (1959-1974), de José Augusto Pereira, Campo da Comunicação, 2015. Enfim, dislates pouco abonatórios para um líder do seu tamanho.


Pedro Pires no serviço militar em Portugal
Pedro Pires na Guiné-Bissau
Entrevista de Pedro Pires a uma equipa da Escola das Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, junho de 2019: (https://www.youtube.com/watch?v=A7eXvPIwie8)
Ilha do Fogo, Cabo Verde
Pedro Pires nas cerimónias da Independência da Guiné-Bissau
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Notas do editor

Poste anterior de 11 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24943: Notas de leitura (1648): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24960: Notas de leitura (1649): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24027: (In)citações (228): Na morte do Francisco Silva (1948-2023), relembrando o cmdt do Pel Caç Nat 51, Nuno Gonçalves da Costa, assassinado por um dos seus homens, em Jumbembem, em 16/7/1973 (Manuel Luís R. Sousa, SAj Ref, GNR)

1. Comentário (*) do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa (sargento-ajudante da GNR na situação de reforma; ex-soldado da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4512/72, Jumbembem, 1972/74; autor do livro "Prece de um Combatente - Nos trilhos e trincheiras da guerra colonial" (2012) (**): tem 46 referências no nosso blogue, e entrou para a Tabanca Grande em 31/3/2011.
 

A MORTE DO ALFERES NUNO GONÇALVES DA COSTA

por Manuel Luís Rodrigues Sousa

(excerto do meu livro "Prece de um Combatente", 2012, imagem da capa à esquerda).

Em março ou abril de 1973, Jumbembém foi reforçado com um pelotão de militares nativos, para suprir a falta do 1.º pelotão acabado de ser colocado em Canjambari, um quartel a sul de Jumbembém, a cerca de doze quilómetros, juntamente com outro pelotão de Cuntima, em substituição de uma companhia que dali foi retirada.

Desse pelotão de nativos, o Pel Caç Nat 51,  apenas os comandos, o alferes, Nuno Gonçalves da Costa,  e um furriel, eram de origem metropolitana.

Num dia em que se realizava a habitual coluna de reabastecimentos a Jumbembém, Cuntima e Canjambari, a 
16 de julho de 1973, um dos elementos deste pelotão pediu ao alferes Costa, ao seu comandante, para o deixar seguir na coluna de Jumbembém para Cuntima para visitar familiares.
Tratando-se de um militar rebelde e indisciplinado, como forma de o castigar, o alferes não autorizou a sua deslocação a Cuntima.

Perante esta recusa, o referido militar deslocou-se ao quarto do alferes, em fim de comissão e quase formado em medicina, com um futuro promissor pela frente, disparando contra ele dois ou três tiros de G3, atingindo-o na região do abdómen.

Foi-lhe prestada a assistência possível na enfermaria, enquanto se aguardava a evacuação por meios aéreos que entretanto foi pedida.

Passada pouco mais de uma hora veio a falecer, perante a impossibilidade de ser evacuado por falta desses meios aéreos, cujo uso era já particularmente restritivo, em consequência dos mísseis Strela ao dispor do PAIGC.

Este caso ilustra bem a perda do controlo aéreo na Guiné das Forças Armadas Portuguesas a que faço referência noutra parte do livro.

O referido alferes Costa era natural de Campos de Sá, S. Jorge, Arcos de Valdevez.

Após a sua morte, foi substituído pelo alferes Francisco Silva. Foi nestas circunstâncias que o alferes Silva chegou a Jumbembém. 

Que descansem em paz o alferes Silva, bem como malogrado alferes Costa. (****)

30 de janeiro de 2023 às 19:24

(Revisão e fixação de texto: LG)
__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de janeiro de  2023 > Guiné 61/74 - P24022: In Memoriam (467): Francisco Justino Silva (1948-2023), médico, ortopedista, ex-alf mil, CART 3492 / BART 3873, Xitole, e Pel Caç Nat 51, Jumbembem (1971/73) cerimónias fúnebres, hoje, em Porto Salvo, na igreja local, com velório a partir das 16h00; missa de corpo presente às 14h00 de 3.ª feira, seguindo o funeral para o cemitério de Carnaxide


(***) Vd. postes de:


(...) Presumo que o alferes devia estar deitado. Deve ter-se levantado e foi nessa altura que o homem pegou na G3 e, traiçoeiramente, disparou três tiros à queima-roupa sobre o oficial português.

Este último ainda foi levado para a enfermaria, onde se prestaram os primeiros socorros, ao mesmo tempo que foi pedido, com a maior urgência, a sua evacuação aérea. Como estava a perder muito sangue, foi pedido sangue e, voltou a ser pedido insistentemente, o máximo de urgência na sua evacuação, que tardava em aparecer.

E tanto tardou que o alferes não resistiu aos ferimentos e faleceu, sem que aparecesse qualquer meio aéreo para o socorrer. Esta situação indignou todo o pessoal da companhia, desde o soldado até ao comandante.

O nativo foi preso com arames nos pulsos, atrás das costas, enquanto os próprios elementos do Pel Caç Nat 51, bem como a milícia queriam fazer justiça pelas próprias mãos (linchá-lo). Valeu-lhe o nosso comandante, que ordenou:

- Não lhe toquem!

Mas, mal ele virava as costas, alguns militares mais revoltados descarregavam a sua ira em cima do assassino, que foi depois colocado na casa do motor (gerador), que se situava ao lado do tanque da água.

Ali permaneceu o prisioneiro até meio da tarde, altura em que o nosso comandante, penso que por causa da evacuação não se ter efectuado e achando que o comandante em Farim teve alguma culpa nesta falta, resolveu ir a Farim levar o corpo do alferes em sinal de protesto.

Deslocamo-nos então numa coluna motorizada (já não sei quantos nem quais pelotões), com o corpo do defunto numa viatura “Berliet” e uma bandeira nacional a cobri-lo, até Farim (sede do Batalhão 4512).

A coluna fez-se sem fazer a habitual picagem, tal era a revolta, desagrado e excitação que grassava em todo o pessoal da Companhia. Um risco acrescido, mas justificado pela hora tardia para o fazer.

Viam-se aqui e ali soldados e graduados com as lágrimas nos olhos, chocados com um desfecho fatídico que o alferes assassinado não merecia, porque todos eram conhecedores e concordantes de que ele era boa pessoa e bom para os nativos do Pel Caç Nat 51. Talvez bom demais,  ainda hoje o penso e digo! Segundo ouvi dizer na altura, ele, quando isso lhe era solicitado, inclusive emprestava dinheiro aos militares do seu pelotão.

A coluna chegou à entrada de Farim, abrandou mais um pouco e continuou a sua marcha, enquanto os militares que a compunham saltaram para o chão e acompanharam as viaturas a pé. Ao passar defronte ao edifício de comando, estava em posição de sentido e continência um graduado (ou era o comandante - Ten Cor Vaz Antunes -, ou o 2º comandante Major Menezes, já não me lembro bem).

Este é o relato com que fiquei gravado no pensamento desse dia.

Também trouxemos o nativo assassino que, pelo caminho fora na viatura onde seguia, alguns soldados, em certas alturas do percurso, continuaram a dar-lhe o “tratamento especial”, tendo o mesmo chegado a Farim num estado físico muito debilitado.

Disseram-me posteriormente que ficou preso em Farim e depois seria enviado para a “Ilha das Cobras”.

Para substituir o comando do Pel Caç Nat 51, foi destacado o alf mil at inf Francisco Silva (madeirense), que apareceu na 2ª Companhia do BCAÇ 4512 logo após esta tragédia. (...)


(****) Último poste da série > 27 de dezembro de  2022 > Guiné 61/74 - P23921: (In)citações (227): As cheias, estas e as outras (Hélder V. Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

terça-feira, 12 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23424: O consulado do general Bettencourt Rodrigues (2): A Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número.


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > O célebre e velhinho caça-bombardeiro T6 G, tanbém conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) Arlindo T.Roda (, o grande fotógrafo da CCAÇ 12, juntamente com o Humberto Reis). Os T 6G desempenharam o seu  importante papel ao longo da guerra.... Mas eram "poupadinhos" em combustível (menos de 200 litros por hora em média), quando comparados com os "glutões" dos Fiat G-91 (c. 1800 litros em média, por hora). 

O míssil terra-ar Strela, se não lhe ditou a morte, afectou a sua exploração operacional pela FAP. Como diz José Matos,  "o  efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise" (, ou seja, 1973).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


I. A segunda directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues (*), é a Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número. No essencial, é decalcada da Directiva nº 20/73 de 29Mai73, do anterior Com-Chefe, gen António Spínola

Directiva nº  20/73 de 29Mai73 - Condições em que é executado o apoio aéreo as FA do TO face à evolução da situação.

(...) A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar, impôs profundas alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das forças de superfície (F.S.). Aquelas alterações traduzem-se por: 

(1) Cancelamento de acções operacionais da Força Aérea; 

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específicos, para cada tipo de aeronaves; 

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das F.S. (...)

Reproduz-se a seguir o excerto publicado da CECA (2015), pp. 288-292.  

Reveja-se depois o estudo do investigador independente José Matos (e membro da nossa Tabanca Grande), suportado por dados empíricos, sobre o  impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (**)

Neste estudo José Matos refere "que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio." (...)

II. Directiva para o apoio aéreo, de 30Nov73, sem número.


"1. SITUAÇÃO

a. A utilização pelo lN, no TO da Guiné, de mísseis terra-ar  [Strela, de fabrico russo], impôs alterações no emprego da Força Aérea, com reflexos na doutrina operacional, não só da Força Aérea, como ainda das Forças de Segurança (lapso, deve ser Forças de Superfície) (FS).

b. Aquelas alterações traduzem-se por:

(1) Cancelamento de algumas acções operacionais da Força  Aérea.

(2) Modificação de procedimentos de voo, de carácter geral e específico, para cada tipo de aeronaves.

(3) Modificação de procedimentos na execução de acções de apoio pelo fogo em proveito das FS.


2. ACÇÕES OPERACIONAIS DA FORÇA AÉREA CANCELADAS

São canceladas as seguintes acções operacionais da Força Aérea:

a. DCON  [Direcção de Controlo D Delta - ponto trigonométrico... ] ("DO-27" - armado, a baixa altitude). [... ]

b. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações]    ("T-6" - armado). [...]

c. ATAP [ Ataque de Apoio]   ("T-6" - armado). [ ]

d. ATAP  [ Ataque de Apoio]  ("FIAT G-91" armado com foguetes e metralhadoras). [ ]

e. ATIR  
[Ataque Independente em Reconhecimento; ] - ATID  [Ataque Individual Ririgido] ("FIAT G-91" com foguetes e metralhadoras). [ ]

f. RVIS [Reconhecimento Visual ]  ("DO-27" a baixa altitude). Substituída por RFOT [Reconhecimento Fotográfico ].

3. PROCEDIMENTOS DE VOO DE CARÁCTER GERAL

São estabelecidos os seguintes procedimentos de voo, aplicáveis a todas as aeronaves e em todos os tipos de missões:

a. Altitudes de voo - acima de 6.000 pés e abaixo de 200 pés.  
[1 pé=30,48 centímetros. ]

b. Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude).

c. Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido.

d. As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo.

e. Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.

f. As subidas e descidas nas pistas do interior do TO são executadas dentro da área de manobra cuja segurança é garantida pela FS:

(1) Nas pistas de escala de aviões de transporte médio (Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar) - de acordo com o procedimento anteriormente estabelecido.

(2) Nas pistas de escala de aviões de transporte ligeiro - 2.000 metros a partir da pista, quer lateralmente, quer nos topos (4.000 x 6.000 metros).

g. A proximidade da fronteira, as áreas de reacção antiaérea com misseis terra-ar e as áreas de maior actividade do lB onde, segundo notícias recebidas, se presume a existência de mísseis
terra-ar, levaram a considerar operativas para "DO-27" apenas as pistas constantes do Anexo A  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

h. Atendendo aos condicionamentos expressos em 3.g. são considerados heliportos de utilização normal apenas os indicados no Anexo A 
[omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

4. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS E RESTRIÇÕES NA UTILIZAÇÃO DAS AERONAVES

a. TGER médio ("NORDATLAS" e "C-47").

(1) São normalmente utilizadas as pistas de Nova Lamego, Bafatá, Aldeia Formosa e Cufar. A pista de Farim é utilizada apenas em casos especiais.

(2) A execução das missões tem carácter inopinado; os dias e horas são acordados de véspera até às 17h00 entre o COAT e a Repartição PessLog do Comando-Chefe. Esta Repartição
informará a Chefia dos Transportes e a Unidade destinatária com a antecedência conveniente para efeitos de aviso aos passageiros, preparação da carga e transportar e montagem
da segurança da área de manobra. [... ]

b. TGER  
 [Transportes Gerais ]    ligeiro. Condicionado por condições meteoreológicas.

(1) "DO-27"

(a) As disponibilidades de carga a transportar são:

  • Descolagem de Bissau 300 Kg
  • Descolagem de outras pistas 200 Kg

(b) O número de descolagens por missão é reduzido para 4 (incluindo a descolagem de Bissau), excepto para o sector de Tite/Bolama em que se admitem 6. [... ]

(i) O pedido de uma acção TEVS 
 [ Transporte de Evacuação Sanitária]  é elaborado de acordo com o Anexo B [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(2) Helicóptero - "ALIII"
Adoptam-se os procedimentos estabelecidos para "DO-27" no que se refere a TGER e TEVS.


c. PCV 
 [Posto de Comando Volante ] ("DO-27")

Realizado acima de 6.000 pés, destina-se a fazer trânsito de comunicações, e conduzir grupos empenhados em operações e a referenciar posições para apoio de fogo, desde que as FS tenham possibilidades de sinalizar as posições próprias utilizando fumígenos.

d. Ataque ao solo (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ].

(1) "FIAT G-91". [... ]

e. TMAN  
 [Transporte de Manobra]  (Helicóptero "AL-III")

(1) As colocações e recuperações de pessoal devem efectuar-se, sempre que praticável, em locais distintos e afastados.

(2) O número de vagas deve ser o menor possível.

(3) As recuperações devem ser reduzidas ao mínimo indispensável.

(4) As evacuações de feridos da zona de operações e as recuperações devem ser efectuadas de pontos afastados de locais de contacto com o lN.

(5) As aproximações aos pontos de colocação e recuperação são sempre efectuadas à altitude mínima possível.

f. RFOT 
[Reconhecimento Fotográfico ] 

(1) A baixa altitude, para objectivos pontuais.

(2) A 10.000 pés, na escala de 1/30.000, com possibilidades de ampliação até à escala de 1/7.500.

g. AESC  
Ataque em Escolta ]   (Helicóptero "AL-III")

(1) A escolta a formações de helicópteros é executada por dois helicópteros armados.

(2) A escolta a um helicóptero é efectuada por um helicóptero armado.

h. DACO [Direcção de Apoio de Comunicações de Operações] 

O avião mantém-se a uma altitude de segurança e destina-se a fazer trânsito de comunicações entre as FS e o COAT   
[Comando Operacional Aero Terrestre  ]   e a indicar aos pilotos dos "FIAT G-91" a base de fogos lN, no caso de se verificar um ataque e ser pedido apoio de fogo.


i. DLIG   [Missão Diversa de Ligação]

Acompanhamento de aviões "DO-27" empenhados em acções de transporte (TGER, TMAN ou TEVS) e a helicópteros que efectuem percursos a muito baixa altitude.


5. PROCEDIMENTOS A SEGUIR PELAS FS NA EXECUÇÃO DE ACÇÕES DE APOIO PELO FOGO

a. As restrições impostas à Força Aérea nas actuais circunstâncias condicionam, de forma muito particular, as acções de apoio pelo fogo, não só pelas consequências desastrosas que podem advir de um erro de localização das NF, como ainda pela necessidade de se
introduzirem distâncias de segurança.

b. 

(1) Até ao aparecimento do míssil, as posições ocupadas pelas NF e pelo lN eram identificadas visualmente pelos pilotos. Este procedimento já não é realizável, em virtude de a 6.000 pés de altitude ou acima não ser possível identificar pela vista as posições ocupadas pelas NT e pelo lN. As posições ocupadas pelas NT terão de ser identificadas por forma (de preferência coloridos, exceptuando a cor verde). A posição do lN a atacar terá de ser definida por azimute magnético e distância a partir das posições das NT ou por granadas de fumos de morteiro (de preferência coloridos exceptuando a cor verde). 

Há que ter em atenção as distâncias de segurança adequadas (Anexo C)  [omisso, não disponibilizado pela CECA, 2015 ]O ATAP pode, em casos específicos, ser executado por dois helicópteros armados que, além do ataque ao solo, também se apoiam mutuamente. A sua presença na zona é por períodos curtos. Quando conveniente, podem ser lançadas do helicóptero granadas de fumo para sinalização de objectivos a atacar por aviões "FIAT" (em alerta).

(2) Quando as NT fazem um pedido de apoio de fogo urgente devem informar:

- Se houve flagelação a redutos defensivos (aquartelamento, bivaques, etc), meios móveis (navios, viaturas, etc) ou contacto lN no mato.

- Qual o armamento utilizado pelo lN.

- Se, à altura do pedido, ainda está em curso o fogo lN ou há quanto tempo teve lugar.

- As condições meteorológicas na zona (nebulosidade e visibilidade), quando possível.

6. PREMISSAS A CONSIDERAR PELO CZACVG 
 [Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné]  NA DECISÃO - PROCESSO ACEITAÇÃO / RECUSA DUM PEDIDO DE APOIO DE FOGO

a. Possibilidades da artilharia e das armas terrestres da dotação normal das NT.

b. Possibilidades de apoio aéreo e oportunidade de intervenção.

c. Meios existentes em voo e no solo e capacidade dos diversos sistemas de armas.

d. Condições meteorológicas (aeródromo de partida, trânsito e zona de acção) e evolução prevista.

e. Rendimento a esperar em face dos elementos conhecidos.

f. Situação no local em face do armamento a utilizar e a reacção antiaérea previsível ou provável na zona e nos trânsitos. [... ]"


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 288-292 (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

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Notas do editor:


(...) A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). 

 A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo. (...)

(...) As perdas provocadas pela acção do míssil reflectem-se de imediato na capacidade operacional do Grupo Operacional 1201 (GO1201), que tem na sua orgânica a Esquadra 121, onde estão os Fiat, T-6 e DO-27, a Esquadra 122 com o Alouette III e a Esquadra 123 com o Noratlas e C-47. 

O GO1201 dispunha em março de 1973, em Bissalanca, na BA12, de 53 aeronaves entre aviões e helicópteros (...) . Desta forma, os abates de março e de abril traduziram-se numa perda de 9,4% das aeronaves do GO1201. Mais importante ainda, 8 dos cinco aviões perdidos pela acção do míssil, dois deles eram aviões Fiat, o único jacto de combate que a FAP dispunha na Guiné. A Esquadra 121 tinha, nessa altura, onze G.91 passando, então, a ter nove. (...)

(...) Ultrapassada a fase de surpresa inicial, realizada a análise das perdas sofridas e deduzindo, ainda que empiricamente, o funcionamento da nova arma, dada a escassez de informação, o Comando da Zona Aérea introduz uma série de condicionamentos nas missões realizadas pelas diversas aeronaves. As primeiras medidas cautelares são adoptadas em meados do mês de abril e são as seguintes:

  • T-6G – Cancelamento das missões de apoio próximo às forças terrestres e de ataque ao solo de natureza independente;
  • Fiat G.91 – Execução apenas de missões de bombardeamento a picar (BOP) e de metralhamento a picar (MAP), com entrada a 10 000 pés (3300 m) e saída a 3000 pés (990 m);
  • DO-27 – Cancelamento das missões de Reconhecimento Visual (RVIS) e de Posto de Controlo Volante (PCV); redução das missões de TGER e de TEVS (Transportes Gerais e Evacuação);
  • Noratlas – Execução de missões de transporte limitado a 3000 kg de carga, a fim de assegurar a maior razão de subida das aeronaves dentro da zona de segurança garantida pelas forças terrestres; canceladas as missões de lançamento de cargas aéreas;
  • C-47 Dakota – Execução de missões de transporte aéreo limitado a 1500 kg de carga;
  • Alouette III – Execução de missões de TGER e TEVS por duas aeronaves, a baixa altitude, uma limpa e a outra armada para protecção do conjunto e de apoio de fogo das tropas e do meio aéreo de TEVS, na zona de operações das forças terrestres; execução de missões de TGER apenas para pistas interditas ao DO-27. (...)

(...) As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causa-efeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais. (...)

(...) Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara (...).

Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. 

No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973. (...) 

6 de novembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)

(...) É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno.

Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido (...).  Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.

O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437, pilotado pelo Tenente Castro Gil, é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local. (...) 

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21431: FAP (121): Cor pilav Gualdino Moura Pinto, comandante da BA 12 (1971/73), já falecido: "um grande líder" (Victor Barata, fundador e editor do blogue Especialistas da Base Aérea 12, e membro sénior da nossa Tabanca Grande)


Guiné > Bissau > Bissalanca > B 12 > 1973 > Esta foto recorda um dia de aniversário do Clube de Especialistas, em Bissalanca, tendo sido convidado o comando da BA 12 (1971/73), o  cor pilav Gualdino Moura Pinto (à esqureda) e o ten cor pilav José Lemos Ferreira (à direita)

Foto (e legenda): © Victor Barata (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Victor Barata: (i) foi especialista de Instrumentos de Bordo, 
esteve na BA 12, Bissalanca (1971/73), na linha da frente das DO 27"; 
(ii) terrou em tudo o que era bocado de pista;  
(iii) membro da Tabanca Grande desde maio de 2006.

1. Com a devida vénia, reproduzimos a seguir um excerto de um poste do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74, da autoria do nosso amigo e camarada Victor Barata, membro  da nossa Tabanca Grande da primeira hora (com mais de três dezenas de referências), fundador e editor daquele blogue:

Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 > Quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012 > Voo 2730:  O Grande Comandante  Moura Pinto:


(...) Companheiros, há personagens na nossa vida que pela sua conduta, e pelas mais variadas acções, nos marcam para sempre.

(...) Pois bem, vou falar do Coronel Moura Pinto, como um verdadeiro líder, homem de poucas falas, alto, magro, com grandes qualidades humanas. (*)

Remonta ao ano de 1973, quando entre Março e Abril, a nossa Força Aérea perdeu Grandes Homens, companheiros do dia a dia dia que lutavam pela mesma causa que nós mas que o destino quis que partissem primeiro: ten cor pilav Brito, major pilav  Montovani, furriéis mil pil Baltazar e Ferreira. 

A instabilidade estava instalada, o receio, principalmente em quem operava com aeronaves de pequenas velocidades, apoderou-se, por se desconhecer o tipo de arma utilizada pelo PAIGC para abater os nossos aviões.

É nestas ocasiões que se distinguem os grandes Comandantes: o coronel Moura Pinto mandou reunir na sala de operações os 42 pilotos presentes na Base e, com a serenidade que lhe era virtude, foi dizendo:

"Havia garantia de que a arma utilizada pelos guerrilheiros para abater as nossas aeronaves era um míssil”.

Em seguida afirmou ter duas certezas, uma, fruto das suas convicções pessoais, outra, resultado da sua experiência de oficial: a primeira era muito subjectiva e resumia-se numa frase: Só é atingido pelo míssil quem tiver esse destino traçado. A segunda, também se dizia em poucas palavras: 

"Ninguém pode ter medo do míssil, porque o piloto que vai voar com medo está mais vulnerável e acaba por ser atingido."

Depois para reforçar a sua argumentação linear, recordou o ditado latino: "A sorte protege os audazes".

Estas afirmações no ambiente tenso que pairava na sala, tiveram um impacto extraordinário. Gerou-se uma descompressão colectiva, embora estivessem todos ainda apreensivos. Faltava na sala um único piloto, Furriel Santos, por se encontrar de serviço ás operações.

Nesse momento a porta do fundo da sala abriu-se e entrou o piloto em falta, pedindo licença para falar. Toda a assembleia virou a cabeça em sua direcção. O comandante Moura Pinto autorizou-o a falar. Com desenvoltura,o furriel Santos informou ter recebido um pedido de evacuação de feridos graves de um Batalhão do Exército que tinha sido atacado. Vinha pedir instruções. 

Diz-lhe o Coronel Moura Pinto:

"Responda que se vai fazer a evacuação. Mande preparar o helicóptero. Quem faz essa evacuação sou eu".

Voltou-se para a assistência e perguntou: 

"Meus senhores quem quer colocar alguma questão? "

Reinou o silêncio entre toda a gente; 

"Se não têm perguntas, eu já disse tudo, e, como há  coisas mais importantes a fazer, vou-me embora." (#)

Foi fazer a evacuação.

O desfecho desta reunião teve impacto fortíssimo no moral dos pilotos, o ânimo passou a falar mais alto, abafando os últimos resquícios do medo natural.

Descanse em paz, meu COMANDANTE! (**)
Victor Barata
Melec/Av Inst

(#) Nota: Esta passagem foi retirada do livro "A Força Aérea na Guerra de África: Angola, Guiné e Moçambique 1961-1974",  de autoria de Luís Alves de Fraga, ,Coronel da FAP na reserva (Editora Prefácio, 2004, 158 pp.).

Postado por Especialistas da BA 12 às 22:29:00

[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação no nosso blogue: LG]

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sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21391: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLIV: Jaime Frederico Mariz Alves Martins, maj grad inf (Oeiras, 1936 - Guidaje, 1973)

  






Cor inf ref Morais da Silva


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual acima], membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972 ]

Sobre o major graduado de Infantaria  Jaime Mariz, temos várias referências no nosso blogue.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21085: Blogoterapia (295): O Covid-19 e os mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)



1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 14 de Junho de 2019:


O COVID- 19 E OS MÍSSEIS STRELA

O que terá a ver uma coisa com a outra? Aparentemente nada. Mas se pensarmos um pouco mais friamente conseguimos encontrar algumas semelhanças nas mudanças que ambos provocaram. Nós, os que vivemos aquele tempo na Guiné temos ainda bem presente as alterações com que durante algum tempo tivemos de conviver.

Se agora para enfrentar o COVID-19 tivemos que ter todos os cuidados, entre eles o confinamento, que para a nossa geração do ponto de vista emocional não ajuda mesmo nada, com a agravante de não se saber até quando…

Os Strela quando apareceram também levou alguns dias a saber o que era. Se os primeiros a sofrer as consequências foram os pilotos que, neste caso, eram como que a linha da frente, os guarda-costas daqueles que em terra, muitas vezes necessitavam da sua ajuda. Durante algum tempo essa ajuda da forma que acontecia antes dos Strela deixou de acontecer, pelo que todos sofremos se não fisicamente, do ponto de vista mental foi terrível. Uns mais que outros… a minha companhia teve um desses exemplos, uma mina anti-carro acionada por uma viatura a poucos metros do arame, de um dos sítios onde nós estávamos, fez quatro feridos, alguns com gravidade, estiveram cerca de três horas à espera que os viessem buscar no local onde os hélis normalmente desciam quando lá paravam. E nós ali à espera de os ver chegar, mas eles não apareceram.

Mesmo para quem não viveu situações assim será fácil de “ver” qual o sentimento de raiva e revolta que se apoderou de nós. Ao fim daquele tempo de espera foi necessário levar os feridos até Cufar, pelo rio, para além do nosso pessoal com os três sintex que tínhamos na companhia, participaram também os fuzileiros que estava no Xugué. Era já noite quando um avião aterrou na pista para os levar para o hospital. Foi terrível a marca que esse acontecimento nos deixou… a conversa do momento era qual de nós será o próximo?... A partir daí a força aérea continuou a andar por lá, mas de forma diferente, antes dos strela durante os bombardeamentos desciam quase junto às árvores. Depois do aparecimento dos Strela, pelo menos naquela zona, passaram a ser feitos a grande altitude, comparando com o que era antes

Também o COVID-19 fez alterar o nosso comportamento. Era o que menos desejávamos. Com a idade que temos e ter por perto a sombra invisível do maldito vírus que nunca se sabe por onde se encontra. Acabou por alterar o comportamento das pessoas a nível mundial. Falando de nós portugueses, será que alguém alguma vez terá pensado que para ir à farmácia, ao restaurante, ao hospital, ao banco etc, tinha de ir de máscara e esperar à porta autorização para entrar?…

Será que os humanos vão interiorizar o que tem estado e ainda continua a acontecer. Ou vão continuar a pensar em chegar a Marte e a outros sítios… e quando confrontados com um COVID ficam de quarentena sem saber muito bem o que fazer.
Seria certamente o tempo indicado para refletirmos, e já agora, para termos a noção da nossa dimensão na terra…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20776: Blogoterapia (294): A mente, de quando em vez, leva-nos a sítios onde já não queríamos ir... (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

terça-feira, 9 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21058: Blogues da nossa blogosfera (133): A Tabanca do Centro publica uma preciosa carta do Joaquim Pinto Carvalho, ex-alf mil da CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73), sobre o resgaste do ten pilav Miguel Pessoa, em 26 de março de 1973, por um grupo de tropas paraquedistas da CCP 123 / BCP 12 e pelo grupo do Marcelino da Mata


Lourinhã > Atalaia > Porto das Barcas > 7 de junho de 2020 > O Joaquim Pinto Carvalho na sua casa de verão, onde fez o "confinamento" por causa da pandemia de COVID-19, e onde  se  reune também a Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã.  

Esta casa dos "Duques do Cadaval",  é também conhecida por "Atira-te ao Mar" ou "Porta-aviões", designação dada pelos amigos (e camaradas), Luís Graça e João Rebelo, respetivamente. ("By the way", a "duquesa do Cadaval" tem, por graça, o nome Maria do Céu Pinteus.)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Com a devida vénia. e as necessárias adaptações ao nosso formato (*),  transcrevemos o seguinte poste do blogue da Tabanca do Centro, de que é "régulo" o Joaquim Mexia Alves e editor principal o Miguel Pessoa (, diretor também da "Karas de Monte Real"):

Sábado, 30 de maio de 2020 > P1231: Uma relíquia com  47 anos...

Do nosso camarigo Joaquim Pinto Carvalho recebemos um mail em que dava a conhecer correspondência trocada há cerca de 47 anos com a então sua namorada, mais tarde esposa, em que referia o contacto tido com o famoso Marcelino da Mata e as histórias por ele contadas nessa ocasião, nomeadamente um resgate de um piloto da FAP perdido no meio das matas de Guileje.

Aqui fica a história, que publicamos na data em que este nosso camarigo comemora mais um aniversário (   ).

Que os festejos sejam adequados às normas de contenção que a actual situação exige...
A Tabanca do Centro

Caro Miguel

Tomo a liberdade de te enviar um excerto duma carta que escrevi, há cerca de 47 anos, quando me encontrava na Guiné (Bedanda). Essa carta e o que nela descrevo ficou no esquecimento, por todo este tempo. Encontrei-a porque ando a recolher tudo o que escrevi durante o período em que estive na guerra para eventual publicação.

O relato dos “factos”, por quanto retive, foi-me feito directamente pelo próprio Marcelino da Mata.

Penso que, tomado como verdadeiro o depoimento, não defraudará a verdade histórica, mas poderás, ou não, confirmar. Também não é “essa” verdade o mais importante para mim, mas a leitura que nesse momento fiz do episódio. Para mim é um documento que, agora ao ler, me traz alguma emoção, mais que nostalgia, e que me é grato partilhar contigo. (...)

O excerto faz parte de uma carta que escrevi à então minha namorada, com quem vim a casar (doutra forma ter-se-ia provavelmente perdido este relato) e, por essa razão, envio-te uma reprodução da carta original.

No entanto, para facilitar a leitura, abaixo transcrevo, na íntegra, esse meu relato, sem pretensões jornalísticos nem de exercício literária, mas que é genuíno, acredita! Se corresponde à factualidade e aos sentimentos pessoais que, em tais circunstâncias, procurei então perscrutar em quem não conhecia, logo me dirás!



Guiné > Região de Tombali > Susetor de Guileje > 26 de março de 1970 > Resgaste do ten pilav Miguel Pessoa, cujo Fiat G-91 timha sido abatido na véspera por um míssil Strela (**). No resgate, dois bigrupos  da CCP 123 / BCP 12,  cap João Cordeiro era o comandante do 1.º bigrupo e o cap Norberto Bernardes do 2. bigrupo, que actuavam isolados. A outra força é o grupo "Os Vingadores", do Marcelino da Mata-

Os créditos fototográficos são  atribuídos ao gen ref Norberto Bernardes, que entre 11 de junho de 1972 e 17 de fevereiro de 1974,  prestou serviço na CCP123 / BCP12. Cortesia do Miguel Pessoa.


O MARCELINO DA MATA

(Carta enviada pelo Joaquim Pinto Carvalho em 28 de Março de 1973)

“Decerto não ouviste ainda falar dum tal Marcelino da Mata e do seu grupo de “Vingadores” – tal como são chamados aqui. É um grupo especial de combate que não atinge a vintena de homens. Não são “turras” ainda que fardem e se armem à maneira turra, utilizando mesmo emblemas do PAIGC.

Pois o Marcelino e o seu grupo estiveram entre nós alguns dias e, porque se foram embora esta manhã, já poderei falar-te deles. Para reconheceres as qualidades (?) desse grupo basta o seu nome - “OS VINGADORES”.

Nas veias corre-lhes a guerra em vez de sangue e não importam os objetivos. São chamados a actuar isoladamente quando as circunstâncias o exigem e só se sentem bem aí.

O Chefe tem nada menos que três cruzes de guerra e uma Torre Espada. É, entre nós, o combatente mais famoso, depois de Spínola, creio, tal como nas fileiras do PAICG, o Nino de quem se diz primo.

Não vou repetir-te as histórias que ele contou, mas relato a última saída que fizeram já durante a sua estadia aqui.

Chegou notícia de que um piloto de FIAT (bombardeiro a jacto) tinha desaparecido junto da fronteira com a República da Guiné, a algumas dezenas de quilómetros daqui. Uma companhia de “páras” andou durante várias horas à sua procura sem qualquer resultado. Na madrugada seguinte, este grupo saiu e ainda não era meio dia, já o haviam localizado e enviado para Bissau. Este é um outro aspecto da guerra.

Agora imagina o que seja um homem sozinho, numa região estrangeira (Rep. Guiné), desarmado, sofrendo ainda o susto que apanhou ao sentir o avião atingido e ao lançar-se de para-quedas.

Andou cerca de dois quilómetros na direcção do quartel e se os “páras” o não encontraram terá sido pela necessidade de se esconder em qualquer buraquinho logo que ouvisse o mínimo ruído de gente, pois dizem que os paraquedistas passaram a cerca de 100 metros dele, o que em plena mata é bastante.

Pois, “os Vingadores” conseguiram recuperá-lo. Esse piloto terá nascido uma segunda vez, não duvido. Estava deitado – e talvez já meio alucinado, quando o encontraram. Ao ver o grupo aproximar-se chamou-lhes todos os nomes possíveis e imagináveis, mandou-os para a merda e outras coisas mais, dado que seria difícil reconhecê-los. Quando o Marcelino que é alferes por promoção, o agarrou quando tentava fugir e lhe disse quem era deve ter sido um momento de loucura.

Esse piloto que deveria sentir-se já irremediavelmente perdido poderá seguir descansado para Bissau e reabilitar-se do temor e de toda a revolução psicológica que deverá ter experimentado dentro de si.


Foi-se um avião (que deve ter custado alguns milhares de contos), mas salvou-se uma vida que não se pode avaliar em dinheiro. É, sem dúvida, uma outra dimensão da guerra. Mesmo assim não terá saldado as muitas mortes que já devem ter feito nas operações em que entraram.

Mas, deixando em paz os vingadores…"





Original da carta enviada em março de 1973


Não sei se te surpreendi, nem sei se outros “camaradas”, ao tempo, fizeram igual… Há memórias que não podem ser esquecidas!

Fica um forte abraço, esperando que no meio desta “guerra” pandémica tudo vos esteja a correr bem.

Joaquim Pinto Carvalho

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Nota do editor da Tabanca do Centro:

O texto apresentado está conforme a carta enviada pelo Joaquim Pinto Carvalho em 28 de Março de 1973, que quisemos manter. Mas será conveniente prestar alguns esclarecimentos sobre o que aqui é descrito.

Na verdade não houve forças nossas no terreno a tentar recuperar o piloto no dia em que ele foi abatido. A primeira identificação do local em que ele se encontrava só ocorreu cerca das cinco da tarde, não havendo tempo disponível para efectuar o resgate (, com a  noite iria cair muito rapidamente).

No dia seguinte foram posicionados dois grupos na orla da mata referenciada - um com 25 pára-quedistas chefiados pelo Cap Norberto Bernardes e um segundo grupo com 25 pára-quedistas chefiados pelo Cap Cordeiro, que acompanhavam o grupo de Operações Especiais do Marcelino da Mata (14 elementos).

Foi aliás o primeiro grupo que localizou os destroços do avião e recuperou o pára-quedas e o capacete do piloto. Foi depois mandado parar e estabelecer a segurança, avançando então os grupos do Cap. Cordeiro e do Marcelino da Mata para resgatar o piloto, entretanto localizado.

Quanto ao possível estado alucinado do piloto, não exageremos... embora já começasse a ter os platinados a falhar... E os insultos que ele mandou ao pessoal parecem totalmente justificáveis, quando os primeiros elementos da equipa de resgate com que se depara são africanos equipados com fardas cubanas e armados com Kalashnikovs... (**)

O editor (que por sinal era o piloto em questão...)
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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 24 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21006: Blogues da nossa blogosfera (131): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (47): Palavras e poesia

(**) Vd. postes de:

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20963: FAP (115): O último ano do Fiat G-91 - Parte I (José Matos)



Fig. nº 1  – Recuperação do Tenente Miguel Pessoa. 

Crédito fotográfico – Capitão Delgadinho Rodrigues 







Fig. nº 2 – Destroços do Fiat G.91 5419 pilotado pelo Tenente-Coronel Almeida Brito. Crédito fotográfico: Roel Coutinho 




1. Mensagem de José Matos:

Data - sábado, 25/04, 14:20


Assunto - Fiat na Guiné

Olá, Luís.

Acabou de sair um artigo meu na Revista Militar sobre o último ano Fiat na Guiné. Foi um ano terrível e envio-te o PDF da revista e também o artigo em word para publicar no blogue. Agradecia que divulgasses dado a temática.

Este ano vai haver mais algumas novidades, pois está para breve a saída do meu livro sobre o Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné.

Ab, José Matos


O último ano do Fiat G.91 na Guiné 

por José Matos 
,
[Publicado originalmente na 
Revista Militar N.º 4 – abril 2020, pp. 395-414-
Cortesia do autor e editor]



José Matos [, foto à direita]: Investigador independente em História Militar, tem feito pesquisas sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular em revistas europeias de aviação militar e de temas navais. Colaborou nos livros “A Força Aérea no Fim do Império” (Lisboa, Âncora Editora, 2018) e "A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana" (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019).

É autor, com Luís Barroso, do livro, a sair brevemente, "Nos meandros da guerra: o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné" (Lisboa, Editora Caleidoscópio, 2020).

É membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo cerca de 3 dezenas e meia de referências no nosso blogue]



O último ano do Fiat G.91 na Guiné foi o mais difícil com a perda de cinco aviões, três deles abatidos por mísseis terra-ar SA-7 “Strela”.

O impacto desta nova arma na actividade aérea foi considerável, mas rapidamente a Força Aérea Portuguesa (FAP) adaptou-se à nova ameaça continuando a voar nos céus da Guiné. Os G.91 da Esquadra 121 desempenharam, nesse âmbito, um papel importante na resposta à guerrilha, sendo o principal vector de ataque e de apoio táctico às forças portuguesas nos meses derradeiros da guerra.

No dia 25 de Março de 1973, ao começo da tarde, o quartel de Guileje, no sul da Guiné, é flagelado por fogo de artilharia. O ataque é desencadeado em plena luz do dia para provocar a reacção da Força Aérea[1] e os militares no quartel pedem apoio aéreo a Bissalanca, onde estão sempre dois Fiat G.91 de prontidão.

Passado pouco tempo, um G.91 pilotado pelo Tenente Miguel Pessoa está na área de Guileje. Voando a baixa altitude, Pessoa procura vestígios do inimigo na zona de Gandembel, um pouco mais a norte de Guileje, mas subitamente, uma explosão faz o Fiat estremecer. O piloto tenta, desesperadamente, controlar a aeronave, mas sem sucesso. O motor está morto, as superfícies de comando não respondem, e o solo aproxima-se velozmente. Pessoa puxa a alça de ejecção sobre a cabeça e sofre o impacto da ejecção, que o lança para cima e para longe, abandonado o avião condenado, que explode com o impacto no solo.[2]
 

Contudo, ejectara-se já muito tarde. Demasiado baixo para que o pára-quedas se abrisse completamente, caiu com violência entre as árvores, acabando com uma perna partida. Ninguém sabe se está vivo ou morto, mas, ao final da tarde, consegue disparar um very-light que é visto pelo Tenente-Coronel Almeida Brito que participava com um Fiat, nas buscas. [Fig. nº 1, acima]

Na manhã seguinte, desloca de Bissau um grupo de pára-quedistas, em dois aviões Noratlas e um avião Dakota, para a Aldeia Formosa com o objectivo de resgatar o piloto. Os pára-quedistas são depois helicolocados na mata e rapidamente encontram vestígios do piloto. São depois secundados por um grupo de comandos africanos que acaba por encontrar Pessoa, sendo este levado para Guileje de helicóptero e depois para Bissau.[3] 

Na altura, ainda não o podia saber, mas fora a primeira vítima dos novos mísseis terra-ar SA-7 Strela 2, de fabrico soviético e recentemente adquiridos pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde).

Três dias depois, a 28 de Março, outro Fiat, desta vez pilotado pelo Tenente-Coronel Almeida Brito é também abatido por um Strela, no sul da Guiné, provocando a morte do piloto [Fig. nº 2, acima]. 


Na manhã desse dia, o Centro de Operações da Base Aérea n.º 12 (BA12) intercepta uma mensagem proveniente da guerrilha que referia a presença de uma viatura na estrada de Ché Ché para Madina do Boé, no sul da Guiné, com uma individualidade importante do PAIGC. Dois G.91 em alerta na BA12 descolam e dirigem-se imediatamente para Ché Ché. A partir daí percorrem o trilho até Madina do Boé e continuam até próximo da base Kambera, já no território da Guiné-Conakry. Não tendo descoberto nada, os dois pilotos (Tenente-Coronel Almeida Brito e Capitão Pinto Ferreira) fazem o percurso inverso, a cerca de 500 pés de altitude. Na picada entre Gobije e Madina do Boé, a 3 km da fronteira, Almeida Brito dá conta a Pinto Ferreira de uma mata suspeita. Nesse mesmo instante, o avião de Brito explode no ar atingido por um SA-7. 


Um segundo míssil é disparado contra Pinto Ferreira, que faz uma manobra brusca, passando muito baixo sobre o terreno e, saindo assim, fora do alcance do míssil. Em seguida, sobe para os 10 mil pés para identificar o local do incidente e comunica à base o sucedido.[4] 


Além de Comandante do Grupo Operacional 1201 (GO1201), Brito era um oficial experiente e muito estimado pelos restantes pilotos. A sua morte provoca grande consternação em Bissalanca. Percebe-se depois que a mensagem interceptada era falsa e que se destinava apenas a atrair os aviões a uma armadilha. Com a morte de Brito, o comando do GO1201 passa para o Major Fernando Pedroso de Almeida.

O impacto do míssil na actividade aérea dos G.91 sente-se de imediato. O número de horas voadas pelos caças passa de 30 horas na última semana de Março para 22 horas na primeira semana de Abril e para apenas 9 horas na segunda semana desse mês, quando a ameaça do míssil ganha contornos dramáticos com o abate de 2 aviões Dornier DO 27 e um T-6. 
Porém, na semana seguinte, volta a aumentar para 22 horas e atinge novamente as 30 horas, na última semana de Abril, o que mostra que os “Tigres” se adaptaram à nova ameaça.[5] 


No entanto, a perda de dois jactos afecta também o quantitativo atribuído à BA12. De 11 aviões disponíveis, os “Tigres” passam para 9. A situação leva, em Junho, a que sejam atribuídos mais 2 Fiat à ZACVG (Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné) para compensar as perdas de Março, sendo o 5428, acabado sair de IRAN, cedido pela Base de Monte Real (BA5) e o 5434, ainda em IRAN, retirado da reserva nas OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico).[6] Os 2 aviões chegam à BA12 em meados de Julho.[7] 



Novas tácticas

O aparecimento do Strela leva a Força Aérea, logo em Abril, a informar-se sobre as suas capacidades e limitações de forma a adoptar contramedidas. Em Lisboa, a Direcção Geral de Segurança (DGS) obtém informação sobre o míssil através dos Serviços Secretos Alemães (BND), informação que depois é transmitida ao Secretariado-Geral da Defesa Nacional (SGDN) e às chefias militares, nos três cenários de guerra africanos.

A informação recolhida junto do BND indica que o SA-7 não tem capacidade de actuação acima dos 1500 metros de altitude (5000 pés) nem abaixo dos 50/60 metros (160/190 pés) - embora informações recolhidas mais tarde mostrem que o SA-7 podia actuar até aos 8000 pés (2400 metros)[8] - e que é possível evitar o míssil por meio de manobras evasivas e da adopção de altitudes de segurança. 


A informação da DGS refere também as características positivas e negativas do míssil salientando, nas positivas, o manuseamento e utilização fácil, além da alta velocidade e mobilidade da arma. Quanto às negativas, era referido que só são possíveis tiros de perseguição, e a impossibilidade de utilização em todas as condições meteorológicas, o alcance efectivo relativamente pequeno, os reflexos térmicos provenientes do solo que podiam confundir o sensor de infravermelhos, a fácil identificação pelo rasto de fumo e ainda o baixo peso da ogiva (1kg), que exigia o impacto directo do míssil para a destruição do alvo. [9]

Munidos desta informação, os “Tigres” passam então a usar novas tácticas de aproximação ao alvo e fuga, de forma a evitar os mísseis. As missões de ataque ao solo passam a ser feitas com altitudes de entrada e saída mais elevadas. 


Nas missões ATIP (Ataque Independente Planeado), o início da picada começa nos 10 000 pés com a largada de bombas a 6000 pés, sendo que o ponto mais baixo da trajectória não deveria situar-se abaixo dos 2500 pés. Nas missões ATAP (Ataque de Apoio Próximo), os Fiat podiam levar apenas bombas tendo que executar as missões nas mesmas condições de ATIP.[10] 


Além disso, a actuação em parelha passa a ser obrigatória, pois permite que um dos caças fique em posição de vigilância fora do alcance do míssil, perscrutando o solo e o espaço aéreo em torno do outro jacto, que efectua o ataque, com o intuito de detectar disparos do míssil e lançar, na frequência de intercomunicação, a mensagem de alerta de míssil. 


Relativamente ao disparo do SA-7 podia ser detectado tanto pela assinatura que deixava no terreno como também no ar. No terreno, a assinatura era caracterizada pelo aparecimento repentino duma bola de fumo muito branco, resultante da ignição e expulsão projéctil do tubo de disparo. No ar, a assinatura era formada pelo rasto de fumo da carga impulsora de combustível sólido, indiciando a trajectória do projéctil. Desta forma, quando um piloto visse um Strela a aproximar-se podia sair fora do alcance relativamente estreito do detector de infravermelhos através de uma rápida mudança de altitude e direcção.


As manobras evasivas 

A eficiência destas manobras é confirmada mais tarde, em Outubro de 1973, quando um atirador de mísseis do PAIGC, Armando Baldé, se entrega na guarnição de Tite às forças portuguesas. O ex-guerrilheiro revela então que os insucessos nos lançamentos do míssil contra o G.91 se deviam sobretudo à dificuldade do Strela em adquirir o alvo durante a picada do avião e também devido ao facto dos pilotos saírem dos passes de bombardeamento ou tiro, numa manobra de volta muito apertada, que superava as capacidades de manobra do míssil. [11] 

Esta táctica exigia, contudo, frieza e presença de espírito da parte do piloto, para executar a manobra mantendo o mais correcto equilíbrio entre a aceleração e a ascensão. Se apertasse demasiado (na gíria aeronáutica “se aplicasse muitos Gs”) o avião perdia velocidade e razão de subida, muito rapidamente. A geometria da volta passava a ser rectilínea quando olhada do solo. Caso enfrentasse um atirador de Strela experiente e calmo, podia ser abatido se o atirador atrasasse o disparo do míssil, na expectativa de que o piloto cometesse o erro descrito.

Outra excelente manobra de evasão era metralhar a picar e sair dos passes de tiro a descer em volta até ao nível um pouco acima do topo das árvores. Com esta manobra expunha-se muito menos a fonte de emissão de infravermelhos do avião, o cone de escape, à leitura do sensor de infravermelhos do míssil, comparativamente ao que acontecia quando se faziam saídas de ataque a subir, onde essa exposição era maior. A possibilidade de sobrevivência aumentava muito, conferida tanto pela velocidade como pela protecção oferecida pela baixa altitude, onde o calor irradiado pelo solo suplantava o emitido pelo avião. 


Este procedimento tinha, todavia, o problema da última aeronave a sair do passe de tiro não ter a vigilância e o aviso do outro avião, quanto a um eventual disparo do míssil. Desta forma, quando praticada, esta manobra exigia um cuidadoso planeamento da saída do último caça do passe de tiro. Com o decorrer do tempo, alguns pilotos praticaram este procedimento.[12]

 
As grandes ofensivas da guerrilha 

Sabe-se hoje que as primeiras acções com o míssil visavam sobretudo preparar o terreno para duas grandes ofensivas da guerrilha contra duas guarnições de fronteira: Guidage e Guileje.[13] [Fig. nº 3]

Em primeiro lugar, os guerrilheiros atacam e isolam o quartel de Guidage, perto da fronteira com o Senegal. O primeiro bombardeamento a Guidage acontece a 6 de Abril e aproveitando a evacuação de um ferido em DO-27, os guerrilheiros abatem dois aviões destes, além de um T-6, que participa, mais tarde, na operação de busca dos aviões abatidos.[14] O quartel fica praticamente isolado durante todo o mês de Maio. As vias de comunicação são minadas e as colunas de reabastecimento caem várias vezes em emboscadas. 


A situação leva as forças portuguesas a montar uma operação em grande escala (Operação Ametista Real), contra a base de Kumbamori, no Senegal, para a qual é mobilizada uma força de 450 comandos com o apoio de meios aéreos. A Esquadra 121 participa na operação com seis aviões Fiat, cada um equipado com duas bombas de 750 libras. Logo ao começo da manhã do dia 20 de Maio, os “Tigres” levantam voo de Bissalanca, mas um dos aviões pilotado pelo Capitão Pinto Ferreira é obrigado a regressar devido a uma colisão com um pássaro, que lhe danifica o motor. Para aterrar em segurança, o piloto larga as bombas com as cavilhas de segurança, no rio Geba. 


Entretanto, os outros cinco jactos entram em acção e bombardeiam a zona onde se supunha estar situada a base.[15] As bombas atingem alguns paióis de munições provocando rebentamentos violentos.[16] A base é depois atacada pelos comandos, que se envolvem num longo combate com os guerrilheiros. Só ao início da tarde, após duros combates, os comandos retiram da zona com o apoio da Força Aérea. A manobra de retirada é lenta e difícil e é pedido apoio de fogo aéreo e os Fiat, que tinham ficado em alerta na BA12, voltam a descolar rumo a Kumbamori para apoiar a retirada.[17] Nenhum avião é atingido, embora existissem na zona mísseis Strela. 






Fig. nº 3 – As grandes ofensivas da guerrilha na Guiné em 1973. Infografia: cortesia de Paulo Alegria.



Guidage resiste com grande custo ao cerco da guerrilha, sendo visitada, a 13 de Maio, pelo General Spínola, que desceu de helicóptero na povoação sitiada.[18] Spínola incita os militares a resistirem e sob o comando do Tenente-Coronel Correia de Campos, a guarnição aguenta o cerco até ao final de Maio, nunca abandonando a posição.[19] 

Depois de Guidage é a vez de Guileje, no sul da Guiné. Este quartel ficava situado numa zona vital da rota de reabastecimento da guerrilha e o seu abandono seria uma vitória importante para o PAIGC.

A guarnição de Guileje é sujeita a violentas flagelações, entre os dias 18 e 21 de Maio. Nesta última data, o quartel é bombardeado com intensidade e fica sem comunicações rádio com Bissau e com as Unidades mais próximas. 


Nessa altura, a 22 de Maio, o comandante da guarnição, Major Coutinho e Lima, decide abandonar Guileje com tudo o que lá havia, permitindo a entrada do PAIGC no quartel, três dias depois, sem qualquer resistência. A guerrilha permanece no quartel apenas algumas horas retirando de seguida. Os militares e a população de Guileje refugiam-se em Gadamael Porto, mas os guerrilheiros, motivados pela vitória alcançada, atacam de seguida Gadamael. 


Os primeiros bombardeamentos começam no dia 31 de Maio e prolongam-se pelos dias seguintes de forma intensa provocando grandes estragos no quartel e também a fuga de muitos militares.[20] Os Fiat actuam logo nos primeiros dias, bombardeando as posições de artilharia do PAIGC, na vizinha República da Guiné.[21] 


Quanto a Gadamael, resiste graças à intervenção de duas companhias de tropas paraquedistas enviadas para a defesa do quartel.[22] 
Depois da perda de Guileje, o comando militar em Bissau, não podia perder mais nenhum quartel no sul da Guiné, daí o empenho na defesa de Gadamael. 

Como se pode ver, mesmo no pico da crise militar, os Fiat de Bissalanca continuam a voar actuando tanto a norte na zona de Guidage e Binta, como a sul em Guileje e Gadamael, sendo flagelados algumas vezes quer por mísseis terra-ar, mas sem consequências,[23] quer pelas armas antiaéreas de Kandiafara nos ataques que fazem a esta base da guerrilha no país vizinho para aliviar a pressão sobre Gadamael. [24]

O número de horas de voo dos “Tigres” [Fig. nº 4] sobe assim de 83 horas em Abril para 128 horas em Maio. Como se pode ver pelo gráfico seguinte, a exploração operacional dos G.91 aumenta a partir de Agosto/Setembro mantendo uma média mensal de 150 horas até ao final do ano. A média dos 10 meses é, no entanto, de 130 horas mensais.[25] [Fig. nº 5]




Fig. nº 4 - Linha da frente em Bissalanca. 
Crédito fotográfico: Alberto Cruz





Fig. nº 5 - Exploração operacional: horas de voo (1973)


 

 A saída de Spínola 

A difícil situação militar leva Spínola a escrever, a 22 de Maio de 73, ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), General Costa Gomes, e ao ministro do Ultramar, Silva Cunha, pedindo um reforço de meios para a Guiné “não tanto em ordem à obtenção do sucesso militar, mas tão-somente à prevenção de um colapso a prazo mais dilatado.” [26] 

Spínola alerta Costa Gomes e Silva Cunha para a possibilidade de um colapso militar na Guiné, o que provoca grande preocupação em Lisboa. É então decidido enviar o CEMGFA à província para se inteirar da situação.[27] Costa Gomes desloca-se à Guiné a 6 de Junho e fala com os diversos sectores militares para diagnosticar a situação. 


No fim da visita, a 8 de Junho, preside a uma reunião no quartel-general em Bissau, com a presença de Spínola e dos principais comandantes militares no território. Durante a reunião, os oficiais presentes, defendem que a situação militar exige um retraimento do dispositivo que evite o aniquilamento das guarnições de fronteira e concentre meios na zona mais interior da província de forma a “ganhar tempo e consolidar um reduto final que “in extremis” ainda possa permitir uma solução política do conflito.”[28] 


Outra preocupação manifestada na reunião é a possibilidade da guerrilha usar meios aéreos e Spínola alerta para a “extrema gravidade que se revestirá um ataque aéreo a Bissau, dada a vulnerabilidade dos órgãos essenciais de apoio logístico.”[29] 


Face a esta análise, Spínola salienta a necessidade urgente de novos meios de combate na Guiné capazes de contrabalançar o crescente poderio militar do PAIGC. Para a Força Aérea são pedidos 8 aviões de transporte Skyvan, 12 caças Mirage, 5 helicópteros e 1 radar de detecção. A este pedido acresce ainda mais homens e material para o Exército, além de lanchas para a Marinha. No fecho da reunião, Costa Gomes refere que não é possível, por absoluta falta de meios, reforçar o teatro de operações com os pedidos feitos por Spínola, mas concorda com a remodelação do dispositivo no sentido da retracção das unidades de fronteira.[30]

A impossibilidade de fornecer novos meios de combate e a alteração no dispositivo levam Spínola a escrever uma nova carta ao ministro do Ultramar manifestando a sua discordância quanto à retracção do dispositivo militar e ao abandono de certas áreas geográficas junto às fronteiras deixando à sua sorte as populações aí residentes, solução com a qual não se identificava, embora a considerasse necessária perante a falta de meios.[31] Desiludido com a política seguida pelo Governo, Spínola terminava a carta pedindo a sua substituição, o que só aconteceria em Setembro, com a chegada à Guiné, do General Bettencourt Rodrigues.

É já com Bettencourt Rodrigues que as forças portuguesas na província recebem algum reforço militar em homens, material AA de 94 mm (obsoleto como arma antiaérea) e um navio patrulha, mas nada que permita aumentar substancialmente o potencial de combate na Guiné.[32] 


A 24 de Setembro, numa cerimónia na região do  Boé, o PAIGC proclama, perante um grande número de convidados estrangeiros, a independência da Guiné-Bissau, mas esta nova situação não tem impacto no desenrolar da guerra.

A FAP tenta recuperar a iniciativa aumentando as missões de ataque assim como o espectro de actuação das aeronaves empenhadas. Além das missões diurnas, a Força Aérea começa também a desenvolver missões nocturnas usando para esse efeito, o G.91 e um C-47 adaptado a missões de bombardeamento.
 

(Continua)

[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação no blogue: LG}
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Referências:

[1] Hernández, Humberto Trujillo, El Grito del Baobab, Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2008, p.114.
 

[2] Pessoa, Miguel, Um Fiat Abatido in a Guerra de África de José Freire Antunes, Volume 2, Círculo de Leitores, 1995, pp. 987-990.
 

[3] Rebocho, Manuel Godinho, Elites Militares e a Guerra de África, Roma Editora, 2009, p. 306
 

[4] Estado Maior da Força Aérea, Processo n.º 1242 de Averiguações por Acidente em Serviço, de José Fernando de Almeida Brito, Bissalanca, 3 de Abril de 1973, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico (SDFA/AH).

[5] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 13, 14, 15, 16 e 17/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Arquivo da Defesa Nacional (ADN) /F2/SSR.002/87.

[6] Informação nº 198 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Atribuição de Fiats à ZACVG, 6 de Junho de 1973, SDFA/AH-SEA/Guiné 1964-1974/Fiat Processo 430.121.

[7] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 28 e 29/73 do COMZAVERDEGUINÉ, ADN F2/SSR.002/87.

[8] Relatório imediato da Delegação em Moçambique da DGS, Assunto: Míssil solo-ar Strela 2, 3 de Novembro de 1973, ADN/F3/1/1/1.

[9] Informação Suplementar do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: União Soviética: Míssil Terra-Ar individual GRAIL (SA-7), Fonte: DGS, 9 de Abril de 1973, Lisboa, ADN SGDN/5681/7.

[10] Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, Arquivo Histórico-Militar AHM/DIV/2/4/228/2.

[11] Fraga, Luís Alves, A Força Aérea na Guerra de África (1961-1974), Editora Prefácio, Lisboa, 2004, p. 113 e Relatório Imediato nº 5641/73/DI/3/SC da DGS sobre o míssil solo-ar Strella-2, 31 de Outubro de 1973, ADN/F3/1/1/1.

[12] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.

[13] Calheiros, José Moura, A Última Missão, Caminhos Romanos, Porto, 2010, p. 634.

[14] SITREP Circunstanciado n.º 14/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87 e José Moura Calheiros, op., cit. p. 439.

[15] Catarino, Manuel, Operação Ametista Real in As Grandes Operações da Guerra Colonial, Volume 10, Presselivre, Imprensa Livre SA, Lisboa, 2010, pp. 47-52 e José Moura Calheiros, op., cit. p. 433.

[16] Relatório da Operação Ametista Real, Bissau, 26 de Julho de 1973, Arquivo Histórico Militar AHM/DIV/2/4/133/2.

[17] Catarino, op., cit. p. 54.

[18] Entrevista de António Spínola a Manuel Bernardo in Marcelo e Spínola: A Ruptura – As Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo, 1973-1974, 3ª Edição, Edium Editores, Porto, 2011, p. 209.

[19] Calheiros, op., cit. pp. 437-463.

[20] Calheiros, op., cit. pp. 516-521.

[21] Informação prestada ao autor pelo TGen. Martins de Matos.

[22] Calheiros, op., cit. pp. 513-545.

[23] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87.
 

[24] Calheiros, op. cit., p. 543.

[25] SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, ADN/F2/SSR.002/87 e 88.

[26] Spínola, António, País Sem Rumo, Editorial SCIRE, 1978, p. 56.

[27] Cunha, Silva, O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 53.

[28] Acta da reunião de Comandos de 8/6/73, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Processo n.º 2202, Pasta A, ADN F3/17/34/4.

[29] Ibidem.

[30] Ibidem.

[31] Spínola, op., cit. pp. 60-62.

[32] Estudo do CCFAG sobre a área do Boé, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Processo n.º 2202, Pasta A, ADN F3/17/34/4.

[33] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de dezembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20503: FAP (114): O helicóptero Alouette II