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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24599: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (8): Bonjour tristesse!


Foto: © Luís Graça (2011)

Contos com mural ao fundo (8) >   Bonjour tristesse!

por Luís Graça (*)



Nada fazia prever, quando o Teodoro nasceu, que estaria predestinado a ser padre. Pelo menos não havia nenhum sinal exterior dessa predestinação, desse chamamento de Deus.

− Nenhum rasto de estrela ou cauda de cometa a apontar para a minha casinha de xisto. (Apesar de tudo, sempre era melhor do que a loja da vaca e do burro, em cuja manjedoura nascera o Menino Jesus, em Belém.) − comentaria ele, com um misto de ironia e melancolia, mais tarde, em 2008, quarenta anos depois da sua partida para França, onde fixara residência. Nunca mais voltara à sua aldeia,  na Serra da Lousã, a não ser então, depois da reforma.

Vinha de uma família serrana, pobre e humilde.

− O meu pai não era carpinteiro como José, mas um simples cantoneiro de limpeza, assalariado da Câmara Municipal, pago à semana ou à jorna, já não me lembro bem ao certo. E tínhamos umas leiras, em socalcos, roubadas à floresta, onde os meus pais faziam a horta…

Tinha cabelo ruivo e olho esverdeado.

− Chamavam-me o “Rucinho”. Jesus era moreno, de olhos e cabelos pretos, como qualquer palestiniano, segundo rezavam os livros. − brincava ele, ao evocar os tempos em que andara  no seminário, chegando a subdiácono, e depois fora expulso,  ao se descobrir que "vivia amancebado e tinha fugido para França"...

Teodoro era oriundo da Beira Litoral. Nado e criado na Serra da Lousã, era o penúltimo de seis filhos, quatro rapazes e duas raparigas. Nasceu em meados de 1944, a nove meses do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa.

No início dos anos 50, já havia sinais, embora pouco percetíveis, de desertificação das aldeias das serras da Lousã e do Açor, fenómeno que se veio agravar a partir da década seguinte. E em 2008, na sua aldeia,  haveria apenas três ou quatro velhos, um dos quais tinha andado com ele na escola.

Nos anos 50 havia escola na sede da freguesia, num edifício construído pelo Estado Novo.

− E, claro, bandos de putos, de pé descalço, a cheirar a tojo, a urze, a resina e a fumo, uma das imagens poéticas que irei guardar de minha infância pobre, mas apesar de tudo livre e feliz.

O professor de instrução primária achava que era uma pena o seu melhor aluno perder-se nos caminhos da vida, o mesmo era dizer, nos trilhos da serra. Ou nas sete partidas da emigração. Afinal, o que é que poderia esperar do futuro se lá ficasse depois de tirada a quarta classe? 

− Quando muito, vir a ser lenhador ou ajudante de madeireiro como o meu mano mais velho, pastor de cabras ou ovelhas como o meu primo, talvez cantoneiro de limpeza como o meu pai, ou até na melhor das hipóteses guarda-rios  ou  guarda-florestal, com direito a farda, arma e licença de porte de arma, enfim, uma autoridade como sonhava a minha pobre mãe, que Deus já lá tem. Mas o mais provável era a fazer a trouxa e correr mundo, com aconteceria mais tarde com os meus irmãos e os meus vizinhos. 

E num aparte, acrescentou com tristeza:

− Coitada, morreu cedo, a minha mãe. E foi seguramente para o céu, mesmo não sabendo ler nem escrever.

Não, o seu destino seria mais nobre: “ Servir Deus na Terra, ser pastor de almas”… A expressão era do seu pároco, que fazia o favor de ser amigo da família e seu protetor. Mesmo franzino, o Teodoro já ajudava à missa, depois de feita a primeira comunhão.

O professor também achava que o seu “Rucinho” (era assim que o tratava com solicitude paternal) já estava predestinado ao magistério divino, embora tendo nascido numa família “pobre, mas honrada”.

− Sim, porque nem todos os pobres eram honrados, havia-os pobres e mal agradecidos − lembrava o professor nas aulas numa turma de pés-descalços.

Com uma cunha do seu amigo e condiscípulo de seminário, o bispo castrense, o seu querido aluno Teodoro haveria de entrar num bom seminário, de modo a fazer jus ao seu nome (do grego Théodoros, “dádiva de Deus”).

− Que seja tudo para glória de Deus e a bem da Nação ! − proclamou o mestre-escola, fazendo instintivamente a saudação romana, no final do seu discurso de homenagem e de despedida do Teodoro.

E, dirigindo-se diretamente ao “filho do cantoneiro”, fez questão de desejar-lhe um futuro auspicioso.

− E quem sabe se ainda não hás de chegar a cónego ou até bispo, honrando a tua família e a nossa terra… e, já agora, este teu humilde e dedicado professor ?!

Os pais do “Rucinho”, como ele era conhecido na aldeia, sorriam timidamente, disfarçando, mal, uma pontinha de natural orgulho, enquanto o pároco, impaciente, aguardava a sua vez de falar a seguir ao professor, perante a turma e o escasso povo que àquela hora ali se juntara, desbarretado e de pé, para ouvir dos caciques da terra a decisão sobre o futuro de um dos seus filhos.

O padre começou por se dirigir ao casal, pais do “feliz contemplado”:

− Queridos pais, não chorem a não ser de alegria. Para além da honra, é uma prova de gratidão. Dar um filho a Deus é retribuir-lhe o milagre da vida, e vós sois ricos, Deus deu-vos logo seis rebentos!

E, depois, virando-se para o “herói da aldeia” (o primeiro rapaz que saía para ir estudar):

− Meu menino, está decidido. Vais para o Seminário Menor,  da diocese de Lisboa. Eu e o teu professor chegámos à conclusão que era o melhor para ti.

Estava traçado o destino de Teodoro. E, a seguir, o padre aduziu algumas das razões da bondade da escolha. Por um lado, os pais não o podiam mandar para o liceu, e o mais perto era Coimbra. Por outro, nos seminários do Patriarcado de Lisboa, "comia-se bem":

−E tu, rapaz, estás a crescer, precisas de comer bem!

Toda a gente se riu. Mas o santo homem prosseguiu o seu discurso:

− Eles têm mais recursos do que a nossa diocese. Depois têm bons professores. E estão bem relacionados. Lisboa é a capital do império e é lá também que está o capital… Mas, não menos importante, são um rebanho que está sob o cajado de um bom pastor.

− … Sua eminência reverendíssima o Senhor Cardeal-Patriarca Dom Manuel II. Um dos grandes príncipes da Igreja Católica, Apostólica, Romana − atalhou o professor, interrompendo intempestivamente o representante de Deus.

Não perdendo o fio à meada, o pároco também reforçou a sua admiração pelo Cardeal-Patriarca Manuel Cerejeira:

− … que ainda poderá chegar a sentar-se na cátedra de São Pedro, se for esse o desígnio de Deus. Seria uma grande honra para Portugal e para a nossa Igreja!

O Teodoro não tugiu nem mugiu. Ainda não tinha direito à palavra nem estava pronto para tomar decisões sozinho. Mas, aparentemente, mostrava-se resignado com o destino que Deus e os seus representantes na terra lhe haviam talhado. Só disse, que sim, baixinho, que ia “ser um menino bem comportado para contento de todos”…

O professora preparara gratuitamente o Teodoro para o exame de admissão ao liceu, que ele fez com brilhantismo em Coimbra.  Quando o júri lhe perguntou pelos rios e serras de Portugal, não falhou nem uns nem outros, mesmo que só conhecesse um rio (o Mondego, além do Ceira, claro, que corria à sua porta), e uma serra, a sua, a da Lousã (e, muito ao longe, a Serra da Estrela, que era a mais alta de Portugal continental).

Estavam ali os dois velhos caciques da terra (faltava o terceiro, o regedor). Eram velhos amigos (ou estavam condenados a sê-lo):

− Se fossem bois, dificilmente formariam uma junta capaz de trabalhar em equipa sobre a mesma canga − recordaria muito mais tarde, com saudade, o Teodoro, quando soube da notícia da morte de um deles.

Na realidade, raramente estavam em sintonia, dadas as personalidades fortes de que eram dotados, e os estreitos horizontes em que viviam, emparedados entre serras desde os anos 30.

"Germanófilo" (a expressão era do Teodoro), o professor tinha seguido, com sentimentos contraditórios, entre a euforia e a depressão, os altos e baixos da sorte das armas na Segunda Guerra Mundial. E, na escola, todos os meninos haviam chorado a morte do Hitler. A bandeira nacional ficara a meia haste mais do que os três dias do luto nacional, decretado pelo Governo. Uma decisão “por conta e risco do professor”…

O padre não gostou, mas também não comentou. 

Afinal, cada um tinha a sua jurisdição. Cada galo no seu poleiro. E a Deus o que era de Deus e a César o que era de César. Dentro da igreja e no adro, mandava ele. 

 É verdade que não morria de amores pelo Hitler, só queria que a mortandade da guerra acabasse. E que os pobres dos refugiados pudessem voltar às suas casas, mesmo destruídas.

Naquele tempo, as notícias do horror de Auschwitz e dos demais campos de concentração ainda não tinham chegado à Serra da Lousã, mesmo que ali tão perto da cidade dos doutores (pelo menos em linha reta).

Mais do que o padre, o professor era "um indefetível de Salazar" (sic). E do Estado Novo. Mas já sem grandes ilusões... e sobretudo ambições políticas a nível pessoal, uma vez gorada a possibilidade de integrar em 1938 a lista única de deputados à Assembleia Nacional.

Fora injustamente acusado por inimigos políticos da Lusa Atenas (Coimbra), de na sua juventude, na escola do magistério primário, ter distribuído propaganda dos Nacional-Sindicalistas, o partido de Rolão Preto (que se situava à direita de Salazar, e chegou a ser seu rival e a estar preso e, a seguir, ser exilado. em 1934).

Ir para Lisboa e ser deputado era o seu sonho. 

Estava deveras  esperançado na cunha do Professor Bissaya Barreto, amigo do seu avô materno (ambos naturais de Castanheira de Pera). Membro da União Nacional, depois da cisão dos Integralistas Lusitanos, remeter-se-ia ao "autoexílio da Serra da Lousã" (sic), sentindo-se um lídimo e legítimo descendente dos Viriatos. E "pronto  a combater, com as armas da fé e da razão, os novos grandes inimigos da civilização cristã e europeia, a oeste o capitalismo americano e a leste o bolchevismo soviético".

Portugal felizmente tinha sido poupado à hecatombe, lembrava o pároco, graças ao "génio político e diplomático do Salazar, um beirão como ele" (citação do Teodoro).

Em 1954, o Teodoro tem 10 anos. O seu professor está, entretanto, com 45: solteiro, sem filhos, era um homem amargurado e precocemente envelhecido. Para mais um acidente há uns anos atrás, no tempo do irmão mais velho do “Rucinho”, havia manchado a sua carreira e quiçá a sua reputação.

Como era norma na época, vigorava na escola a pedagogia da violência e da dor, personificada na Santíssima Trindade: a menina dos cinco olhinhos, o ponteiro e a pesada manápula do/a professor/a. A um dos seus miúdos, o professor dera um chapadão. O aluno, “cábula”, de frágil constituição, e para mais “filho de fraca gente” (sic), desequilibrou se e bateu com a cabeça na esquina da carteira, revestida com cantoneira de ferro.

Ficou com um hematoma subdural, a que ninguém ligou. 

Nada que preocupasse o professor ou os pais. Nódoas negras no pescoço, braços e pernas era coisa que não faltava na "canalha".  Dias mais tarde caiu, na sala de aulas, no chão, redondo, inconsciente. Levado para casa, numa padiola, ficou de cama uns dias, com panos de água fria e rodelas de batata na cabeça.

Chamado à cama do doente, que gritava desalmadamente com dores agudas na cabeça e febre alta, o médico municipal torceu o nariz e achou por bem mandá-lo para o velho hospital universitário de Coimbra, onde pelo menos havia um aparelho de raio X. 

 Vinte e quatro depois, a criança morreria.

O inspetor escolar, vindo de Coimbra, lido o relatório da autópsia, e torcidos os fartos bigodes,  não estabeleceu nenhum nexo de causalidade entre a alegada bofetada do professor (falara com alguns alunos que haviam presenciado a cena, além dos pais), a queda do miúdo e a sua morte uns dias depois.

O professor foi ilibado, para bem da Nação e da corporação.

Mas o caso fora comentado na aldeia, nas redondezas e até na vila, para embaraço do professor (e do padre, que optou pelo silêncio cúmplice).  tanto mais que eles eram reconhecidamente as autoridades morais e espirituais daquela comunidade serrana. Acabou por prevalecer, como sempre, a velha lei do silêncio. Já que “na Serra da Lousã, desata a língua à noite e cala-te pela manhã”.

− E o próprio tempo encarregou-se de apagar a memória do pobre Inocêncio (era o nome do colega do meu irmão mais velho). Mas o meu professor, coitado, esse  nunca mais seria o mesmo.

"Roído pelo remorso", sentindo-se culpado, no seu íntimo,  pela morte do aluno, ajudou a pobre família a fazer o luto, deu-lhe inclusive algum apoio monetário, e sobretudo jurou a si próprio que nunca mais usaria a violência física nas aulas. 

 E cumpriu.

− Talvez isso ajudasse a explicar, pelo menos em parte, o carinho paternal que ele sentia por mim, e por mais um ou dois dos seus alunos, naturalmente, o reduzido lote dos melhores alunos, o “pelotão da frente”.

Nesse dia, no já longínquo ano de 1954, memorável para a aldeia, houve uma merendinha, ao fim da tarde. Cada família ofereceu um pouco do que tinha no fraco fumeiro (um enchido ou outro, guardado na talha de azeite) e na minguada salgadeira (onde se guardava então o porco, quem o criava e matava, e que era a "arca frigorífica dos pobres", muito antes da eletricidade chegar à serra) . E a mãe do Teodoro cozera pão com torresmos no forno. Assinalava-se assim festivamente o fim do ano escolar e a ida, para o seminário, do melhor aluno do mestre-escola.

O padre (“um homem simples, santarrão, mas bom garfo e melhor copo”, segundo o retrato feito pelo Teodoro), sorriu de orelha a orelha, feliz por ver o seu pequeno rebanho ali junto, aconchegado, e de barriga farta.

O mestre-escola tinha contribuído com algumas guloseimas para a "canalha", trazidas da vila. Ele era de Vieira do Minho, de uma família nobre, do lado do pai, “de boa cepa miguelista mas arruinada”.

Um e outro, o professor e o padre eram amigos, ambos monárquicos, mas nem sempre sabiam disfarçar as suas diferenças e desinteligências em questões de fé, de ciência, de história e até de política.

O professor às vezes gostava de lembrar por brincadeira (ou “por maldade” ?), a origem do padre. Era de Belmonte, terra de “judeus ex-comungados”, “marranos”, “cristãos novos”…

Mais subtil, o vizinho sorria com bonomia. Vingava-se chamando-lhe “camisa azul”, o que tinha o condão de irritar o antigo seguidor, “em má hora” (sic), arrependido, do Rolão Preto.

− Mas, no fundo, entendiam-se, estavam bem um para o outro e cultivavam uma relação de amor-ódio, exacerbada pelo celibato, a solidão e a miséria da aldeia, perdida na serra − concluía o Teodoro.

O professor era o único que tinha rádio, a par do homem da “venda”. 

E recebia alguns jornais e revistas da capital. Tirando o padre, o comerciante (um antigo combatente em França da Primeira Guerra Mundial, que também era o regedor), o carteiro, um ou outro guarda-florestal, ou até algum almocreve que se aventurava pelos caminhos da serra, com os sacos de sal para as salgadeiras (mas também com as notícias e os mexericos do exterior), não tinha ninguém com quem pudessem ter uma conversa, “decente, cristã e civilizada”. 

A "revolução nacional" ainda não chegara à aldeia, tirando o edifício da escola e o lavadouro público. Ao fim de semana, iam à caça. Era o seu único vício, para além da boa mesa. E a eles juntava-se por vezes o médico municipal, que morava na vila.

Depois de a sua mãe ter morrido, cedo, o padre passou a ter uma criada. Viúva, sem filhos, como convinha, mas que fazia a melhor chanfana da Serra da Lousã. Uma vez por outra, o padre e o professor iam à vila para tratar de assuntos de serviço. Deslocavam-se de motorizada, o professor, ou num velho Ford T, o padre. A estrada era macadamizada, cheia de buracos. O padre já se queixava muito da coluna, e agora só raramente dizia missa fora da sede da freguesia. E ainda tinha a secreta esperança de ver o seu "Teodorozinho" herdar-lhe o púlpito. Em tempos, na sua juventude, era o melhor pregador da Quaresma de toda Serra da Lousã e até da Serra do Açor. Mas, desgraçadamente, perdera o dom da palavra. E já ninguém o requisitava para as cerimónias da Semana Santa, fora da sua paróquia.

− Deus o dá, Deus o tira  − resignava-se ele.

− Coisas de velho! – rosnava a criada.

O Teodoro frequentava a casa paroquial nas férias. Seguramente era a melhor casa da aldeia e já tinha dado guarida ao bispo de Coimbra e a um ou outro lente da velha universidade de Coimbra, atraídos pelos bons ares da Serra, que faziam bem aos pulmões, pela caça e pela chanfana e pelo cabrito da “viúva do abade” (como galhofava o professor, não sem uma pontinha de ciúme),

O professor tinha casa de função, mas almoçava habitualmente na “venda”, o único estabelecimento comercial da aldeia, misto de pensão, casa de comidas, taberna, mercearia e posto dos correios. Fazia os melhores pratos de caça e de cabrito.

Defraudando logo no início as expectativas do mestre-escola e do padre, o seminarista Teodoro foi um aluno mediano. 

Fazia questão de justificar-se, com a adaptação a um ambiente completamente novo e estranho onde, no refeitório e nas aulas, se aprendia a comer de garfo e faca e a saber falar com os ricos. Escapava à tirania dos extremos, “os muito maus e os muito bons”, dizia ele.

Por outro lado, não pertencia ao grupinho dos “manteigueiros". os que "davam graxa aos padres” (sic). E que eram os meninos bonitos dos prefeitos e dos professores. Ali ninguém mais o tratava por “Rucinho” ou “Teodorozinho”. E a competição era grande pelas boas graças de Deus e dos seus poderosos representantes na terra.

Aos alunos com mau aproveitamento escolar, descartavam-nos logo ao fim do primeiro ou segundo ano. Punham-lhes lá fora o baú com os parcos haveres (lençóis, camisas, cuecas, botas…),  à porta do seminário, e recambiavam-nos de volta às agruras da vida nas suas aldeias ou vilas. Só lhes interessavam os bons e os muito bons alunos, os outros ficavam caros à Igreja da diocese e aos seus beneméritos (entre eles algumas senhoras piedosas, esposas de grandes agrários do Ribatejo que em dias de festa deixavam uma boa esmola ao senhor reitor).

De uma colheita de cem, talvez um chegasse à meta, ou seja, tivesse a graça divina de ser ordenado sacerdote.

− Meus filhos, sois muitos os chamados, mas poucos os escolhidos – resignava-se o venerando reitor a quem os seminaristas chamavam a “múmia”, de tão velho e mirrado… E de quem se dizia que era um heroico sobrevivente das lutas assanhadas da República contra o clero e os seminários.

O Teodoro era tímido e “tanso” (sic), mas vingava se no futebol. 

Era “sarrafeiro”, embora sempre leal, não se atirava para o chão quando perdia a bola, simulando uma falta. Era persistente, sabia sofrer, mostrava valentia, respirava saúde. A última coisa que o seminário queria era gente "fraca dos pulmões". Eram tudo qualidades que os “olheiros” dos professores e prefeitos valorizavam… 

Tinha "Bom" a comportamento. Também não era mau no latinório, sendo condição imprescindível para ingressar na teologia, no sétimo ano, o latim e o grego.

Aprendera cedo a andar em rebanho com as outras “ovelhas do Senhor”, procurando nunca se tresmalhar. Ou não tivesse ele também aprendido a apascentar as cabras do tio.

Pedia, por outro lado, ter sido selecionado para a “Schola Cantorum”, o coro dos meninos da igreja, constituído pelas melhores,  as mais puras vozes infantis ou "vozes brancas"... Era um lugar disputado porque um privilégio,,, Mas as hormonas do crescimento traíram-no.

− A minha voz já estava precocemente a mudar. Tinha boa voz, ouvido musical, assobiava muito bem, sabia imitar os pássaros, do pombo bravo ao rouxinol… Mas de que é que isso servia, todos esses saberes serranos,  a um futuro padre ?

Saber falar em público também era uma das qualidades apreciadas num sacerdote. Não era um dos pontos fortes do Teodoro. Faltava lhe também a sofisticação dos meninos da cidade, o seu ar serrano ainda se colava à pele, como a resina dos pinheiros quando andava à caruma. Também não escrevia muito bem, embora sem grandes erros de ortografia. Precisava de ler mais, recomendava-lhe o professor de português.

Não guardava, de resto, as melhores recordações dos primeiros anos do seminário, bem pelo contrário. Um dia havia de passar ao papel,  depois de se reformar,  as suas memórias de infância e adolescência.

Em 1957, aos 13 anos tinha apanhado a gripe asiática. 

Fecharam as portas do seminário, logo no início do ano letivo de 1957/58, mandaram toda a gente outra vez  para casa. Muitos anos depois, ainda não sabia como chegara a casa, na Serra da Lousã. A arder em febre,  fora levado para a aldeia no dorso de um burro com o pai pela arreata, depois de chegar de comboio, do ramal de Coimbra-Lousã. O padre, alertado pelo homem da “venda” (o único que tinha telefone), não podia ir buscá-lo no seu Ford T. A essa hora tinha um enterro de um vizinho de uma aldeia próxima.

Chumbou no 3º ano, por doença. 

Esteve na enfermaria, por diversas vezes, e teve que ser internado no hospital da misericórdia (com ida inclusive ao Hospital de São José, em Lisboa) sem os médicos atinarem com o raio da doença. Afinal, era uma doença do crescimento. Os padres deram-lhe a possibilidade de repetir o ano, depois de umas longas “ férias forçadas” na casa paterna,

1958 foi outro ano de terror, com o comício do general Humberto Delgado na praça defronte  ao seminário. 

Os padres puseram toda a gente encafuada na igreja, a rezar em voz alta, de mãos viradas para o céu. Uma cena lancinante ("hoje hilariante", recordava o Teodoro)... Mais tarde, o reitor, com um sorriso estampado na cara de múmia, deu no refeitório a grande notícia esperada e desejada pela Santa Madre Igreja: o senhor contra-almirante Américo Deus Rodrigues Thomaz era o novo presidente da República!

Contra todas as expectativas, o Teodoro chegou ao fim do curso de teologia e recebeu a ordem de subdiácono.

Era “lutador e marrão”, lembrava um dos seus condiscípulos e um dos raros amigos que conseguiu fazer ao longo daqueles anos todos.

Nunca teve propriamente uma crise de vocação. Teve naturalmente alguns momentos em que foi posta à prova a sua fé e, por tabela, a sua vontade de se dedicar inteiramente a Deus, o que significava não conhecer mulher, não se casar e não ter filhos.

Talvez a maior provação, que podia ter levado a uma grave crise, foi justamente, no início das férias grandes, no verão de 1958, aos 14 anos, depois do “grande susto das eleições do Humberto Delgado” (como ele recordava 50 anos depois)…

Esse momento (de dúvida, hesitação, provação ou tentação mais propriamente dita), ia-lhe custando caro, no final do 3º ano (que ele repetira, com sucesso). Já nas férias grandes, viajava ele de comboio, de regresso a casa na serra, devendo apear-se em Coimbra B e apanhar o ramal da Lousã.

Já era mais espigadote do que os outros miúdos. “Com 14 anos era já rapaz feito”. E não era mal apessoado, com ar de “irlandês” (quem sabe se descendente de algum dos pobres soldados levados pela corrente do rio Ceira, no combate de Foz do Arouce , em 15 de março de 1811, durante a retirada de Massena, no final da terceira invasão francesa).

− Mas, desembucha… Que desgraça, afinal, que é que te aconteceu ou que susto apanhaste?

− Vi o rabo a uma rapariga empoleirada na janela do comboio.... A dizer adeus,  muito efusivamente,  a alguém (talvez um rapaz, imaginava eu), que estava do lado de fora, na plataforma da estação…

− Onde ?

− No Entroncamento.

− E depois?

− Não tinha cuecas…

− Como assim ?

O Teodoro reconstitui-me esta “cena do pecado” de que ainda tinha uma viva memória, ao fim de meio século: ficou vermelho como um tomate saloio quando ela, que estava de costas, se voltou… e fez questão de se sentar, mesmo à sua frente. Percebeu que ele estava ruborizado, sorriu “matreira como o diabo” (sic). Estavam sozinhos os dois, cada um no seu banco de pau corrido, numa carruagem de terceira classe da CP - Caminhos de Ferro Portugueses.

− Então, ela levantou-se ligeiramente. Abanou o rabo, ajeitou a saia e, com as pontas de dedos, como se fossem pinças, foi-na puxando muito lentamente para cima, enquanto ao mesmo tempo afastava as pernas…

− Uma cena de sedução, altamente erótica, ó Teodoro! − comentei eu. – Uma sessão de strip-tease privativa para o padreco!

− Então ela diz-me candidamente: Bonjour tristesse ! (#)

Ele percebeu, com o seu já razoável francês do terceiro ano, que ela era francesa… Ficou tão envergonhado que não conseguia dizer-lhe mais nada do que um tosco, desajeitado “Excusez-moi, madame!” (queria dizer “mademoiselle”).

Ela notou que ele ficara tão perturbado que desatou a rir a bandeiras despregadas… E logo a seguir, tranquilizou-o num português do Brasil com “accent parisien”:

Joli garçon!... Não seja bobo, menino!... Meu nome é Carol. E o seu ?

Mais calmo, o Teodoro e ela foram a conversar como se já fossem “velhos amigos”, misturando palavras em francês e português… 

Ela era estudante, vinha para um curso de verão, já falava razoavelmente o português, tinha família no rio Grande do Sul, e queria ser tradutora-intérprete… Ele foi incapaz de dizer-lhe que andava a estudar para padre… Era mais velha do que ele talvez quatro ou cinco anos.

Saíram ambos em Coimbra B. E ela deu-lhe um beijo rechonchudo de despedida…Não usava batom, mas os seus lábios eram lava de vulcão!...

Que sortudo!... No comboio até à Lousã, não parou de saborear o prazer e a glória daquele efémero momento que ele bem gostaria de ter podido eternizar. Deu dois estalos na cara para se certificar de que não estava a delirar…

Mas à medida que se aproximava da serra da sua infância, era invadido pelas imagens do terror bíblico, a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, a ex-comunhão, os diabos pretos a chicotearem-no, as labaredas do inferno a reduzirem-no a cinzas…

Vade retro, Satanás! – gritou a plenos pulmóes, já cá fora, enquanto se metia a caminho, perfazendo os últimos quilómetros até casa, com a mala às costas, a suar como um touro.

Mal chegou, pediu intempestivamente ao pai para no dia seguinte ir roçar mato para castigar o corpo e “manter a mente sã”.

− Nunca falei disto a ninguém, a nenhum dos meus condiscípulos ou sequer amigos… Muito menos ao meu confessor e ao meu diretor espiritual que, felizmente, no ano seguinte,  já não eram os mesmos…

Mas nessas férias, "o raio do diabo, sob a forma da fogosa francesa, assombrou-o diversas vezes de noite"... Muitos terços lhe custou a penitència!

Continuou, entretanto,  a aprender a cultivar a doce mentira e o amargo cinismo da "santa casa".  Ao novo confessor, em Almada, só relatava os pecados veniais, os pecadilhos. Chegou ao fim do curso de teologia, ao 12º ano, aos 23 anos, subdiácono, com uma folha limpa. Só chumbara um ano, no 3º, por doença…

− Chegava ao fim (ou quase ao fim…) mas sem curriculum para poder aspirar um dia a ser cónego ou até bispo, como era desejo dos meus amigos e protetores, o padre e o professor da minha aldeia.

Foi um aluno médio em filosofia e em teologia.

− Havia gajos mais brilhantes do que eu.  que seguiram depois as suas vidas. Entraram no seminário e saíram quando melhor entenderam. Não desistiram nem foram expulsos, a meio do caminho. Entraram na universidade. Foram juízes, advogados, professores, um ou outro engenheiro ou médico. Nenhum quis ser padre, eu devo ter sido uma segunda ou terceira escolha de Deus. Refugo,  é o termo. Refugo de Deus.   Com direito a sotaina. negra como os corvos, e cabeção, como a coleira dos escravos.

O Teodoro não se sentia bem na sua nova pele.

O pai desgraçadamente morrera cedo de acidente de trabalho, na queda de uma ravina. Já não teve a alegria de o ver cortar a meta (cortar a meta não era bem o termo tinha chegado à praia depois de um longo naufrágio; não queria morrer na praia, para mais, não sendo marinheiro nem sabendo nadar, afinal, não passava de um serrano mal preparado para enfrentar por sua conta e risco o mundo e os seus perigos).

Tinha vivido numa redoma de vidro.

Pior do que isso, crescera no universo concentracionário do seminário, mesmo que, com o tempo e a influência do Vaticano II, a instituição se tenha aberto mais à sociedade civil.

Discutiu muito com o seu diretor espiritual sobre o rumo a tomar ao fim de 13 anos. As raízes da sua vocação sacerdotal vacilavam como o ainda frágil castanheiro que o seu pai plantara no logradouro da casa de xisto, quando ele entrara no seminário?

Como sempre, o diretor espiritual não lhe pediu opinião. Sentenciou, lacónica e algo ameaçadoramente.

−Farás um compasso de espera de dois anos até que Deus te ilumine o caminho.

− E se Deus, que tem tanto que fazer, se esquecer de mim, um ser insignificante ?!

− Os caminhos, o relógio e o calendário de Deus não são os nossos. Vai à luta, enfrenta e vence as tentações do mundo… Deus mandar-te-á chamar quando sentir que estás pronto… Está atento aos seus sinais.

Aos 23 anos, o Teodoro sentia-se "um soldado de Deus,  desarmado e desorientado". 

Na Serra não precisava de bússola sabendo onde o sol nascia e onde se punha... Sabia onde ficava o castelo de Arouce, onde ia “brincar às guerras dos cristãos e dos mouros”, enfim, conhecia todos os trilhos, como as palmas da sua mão, as árvores que tinham ninhos, os melhores castanheiros, as melhores fontes de água pura e cristalina… Mas o mundo era mais vasto do que a sua Serra. E sobretudo mais confuso e traiçoeiro.

Sair do seminário não lhe convinha. 

Em 1967, aos 23 anos, tinha pela frente uma pista cheia de obstáculos: a tropa, a guerra colonial, a incerteza do futuro. Sabia que dentro das quatro paredes, mesmo claustrofóbicas, do seminário, estava "são e salvo". E que se perdesse esse vínculo, quase feudal, mas umbilical, os padres mandavam-no  logo para a tropa. Como acontecera com todos os seus antigos condiscípulos (alguns tinha-se safado para França).

Com a tropa e com a guerra,  hipotecava o seu futuro durante pelo menos três ou quatro anos. 

E ele tinha ânsia de viver, como o pássaro da sua gaiola de menino e moço que tinhas ganas de voar e fugir daquela prisão para sempre. Mas o Cerejeira e o Salazar tinha-lhe feito a cama.

− Se não queres ser padre, meu sacana, tu que andaste a chular a Igreja, vais então combater pela pátria − pensava o Teodoro com os botões da sua sotaina.

Tomou então a decisão mais prudente: até 69, tinha carta branca do Seminário Maior. E ninguém lhe pedia contas.

− Eram já as ondas de choque do terramoto do Vaticano II. Ainda não era o ciclone do século, era pelo menos uma tempestade de verão. O Vaticano II estava a provocar estragos naquela casa. As deserções eram muita, aumentando de ano para ano. Ficavam "os santos, os beatos e os malandros" (os que só pensavam na melhoria das habilitações literárias…).

O único problema é que não tinha um chavo no bolso, precisava de comer. beber, dormir, viajar… Pedir aos seus irmãos, nem pensar, preferia rebentar de fome…

Ofereceu os seus préstimos a alguns párocos e paróquias das dioceses de Lisboa e Setúbal. 

 Tinha uma carta de recomendação, mas poucos sabiam o que fazer com um subdiácono (uma ordem maior, tal como diácono, padre ou bispo, mas que o papa Paulo VI acabou por abolir passados uns anos, em 1972). Tinha que ler o breviário, não podia casar, etc. Mas o que é que fazia um subdiácono, na prática ? Não muito mais do que um acólito… Podia  coadjuvar o diácono, ajudar à missa, ler a epístola, dar catequese, fazer formação cristã e pouco mais… Eram, além sido,  atividades não-remuneradas. Não podia administrar os sacramentos. Com uma “cunha”, talvez pudesse dar aulas nalgum colégio particular ou até explicações…

Numa das paróquias encarregou-se da folha dominical, tirada a “stencil”. Noutra, passou a coordenar a JOC, a Juventude Operária Católica. Era uma terra de fábricas e bairros de lata e aqui começou a sua perdição: enamorou-se da Josefina, uma militante jocista, para mais legalmente menor, ainda não tinha atingido a maioridade (naquele tempo, aos 21 anos). 

O Teodoro não estava, política, moral e intelectualmente preparado para lidar com os problemas dos jovens operários católicos. A sua realidade, a dura realidade fabril,  era-lhe estranha: os salários de miséria, as condições de trabalho, os horários, as prepotências das chefias diretas, o trabalho de sapa dos sindicatos ainda clandestinos, a subversão comunista, a injustiça social, a angústia juvenil, as pulsões do sexo, o despertar das mulheres, a revolução, a guerra (o Vietnam estava ao rubro, mas também a Guiné, aqui ainda mais perto…)

Havia um mundo a desmoronar-se lentamente, o mundo que ele conhecia. 

Fora educado na cartilha da santíssima trilogia, Deus, Pátria e Família. E também não estava preparado para receber a notícia, confusa, do acidente que vitimara Salazar e que vinha criar um grande ansiedade entre os portugueses, a respeito do futuro do regime e do país, para mais em plena guerra do ultramar.

Da doutrina social da Igreja, só conhecia, estranhamente, a “Rerum Novarum” de Leão XIII, em vigor, setenta anos depois. Os novos ventos do Vaticano II começavam a chegar a Portugal, ainda sob a forma de uma brisa, pouco ameaçadora para um clero conservador e sobretudo amordaçado.

Começava-se a ouvir falar de “padres operários”, semi-clandestinos, tal como de “católicos progressistas”, à revelia da hierarquia da Igreja e da polícia política.

Josefina, uma rapariga destemida, para não dizer ainda imatura, temerária, apaixonada, generosa e solidária “até demais”, espicaçava-o com a experiência de “padre operário” qne ele tinha que fazer, mesmo sem autorização dos seus superiores hierárquicos. Foi ela que o empurrou para a fábrica.

O subdiácono Teodoro ("tímido e tanso", repetia ele...)  lá se encheu de coragem e arranjou então maneira de ir trabalhar numa das fábricas da CUF, de adubos, no Barreiro, no setor de cargas e descargas.

Havia já falta de braços, com a guerra e a emigração. O posto de trabalho não exigia grandes qualificações. Era um trabalho sazonal (e braçal) que rapidamente seria  abolido com a automatização dos postos, passados uns tempos. Deu apenas como habilitações a 4ª classe, e fez questão de esconder a sua condição de subdiácono, para não levantar quaisquer suspeitas. Mostrou as mãos, que não tinham calos, o que intrigou o técnico de gestão de pessoal que lhe fez a entrevista de recrutamento,. Puseram-no a ler um excerto de um exemplar do “Avante” clandestino (!)… Percebeu a marosca, leu devagar, com erros, sem emoção, como se fosse um pobre diabo com a 4ª classe mal tirada… Agarrou-ser ao emprego, com unhas e dentes, era o seu ganha-páo. Mas saía derreado da fábrica.

Há uns meses que já morava com a Josefina numa casa atamancada, sem água nem esgostos (a não ser uma retrete).

Primeiro viviam como “irmãos em Cristo”, e depois já “em pecado”. No bairro, e por causa dos mexericos da vizinhança, não se deu a conhecer como “padre operário”. Tinha que andar de balde na mão, acarretando a água do fontanário público. Estranhavam, mas não diziam nada, a presença ali daquele "senhor bem parecido"...

Grávida (não usava nem sabia o que era a pílula), a Josefina, em pànico, arranjou maneira de ir ter com uma irmã em França. Recusou.se a fazer um desmancho.. O Teodoro foi encostado à parede: “Era a mulher da sua vida (a primeira de resto com quem tinha dormido) e a mãe do seu filho”-

− Não a podia abandonar!... 

E aí definitivamente morreu nesse dia o padre que ele ainda não era de corpo inteiro.

Tirou o passaporte, arranjou maneira de ir a um congresso da JOC Internacional, em Billancourt, a “cidade vermelha”, meteu-se no comboio para Paris. Morria de medo de a PIDE o poder intercetar em Vilar Formoso, por alguma denúncia ou algum passo mal dado. 

Ia “fardado de padreco” e, como era ruivo, não parecia que era portuguès. Até à fronteira não abriu o bico. 

Respirou fundo, de alívio, quando lhe puseram o carimbo no passaporte.

No seu compartimento ia um grupo de emigrantes portugueses que, passada a fronteira, abriram o farnel e o garrafão. Disse então as primeiras palavras de português, quando o convidaram a partilhar do farnel… Que era, de facto, padre e que ia a um encontro religioso em Paris. Foi recebido com palminhas nas costas. Comeu, bebeu, dormiu, ressonou. Achou mesmo que se “enfrascou”, não estava habituado àquele “carrascão” trepador…

Josefina (aliás, Joséphine), ansiosa, estava à sua espera. Já de barriga grande. 

Trazia um grupinho de jocistas portugueses e franceses, seus amigos.  Não fora o diabo tecê-las, cantaram apenas as primeiras estrofes da Marselhesas, nada de baladas do Adriano de Oliveira ou do Zeca Afonso… Era a senha (combinada por telefone) para reconhecer a "comissão de boas vindas":

Allons, enfants de la Patrie! / Le jour de gloire est arrivé, / Contre nous de la tyrannie / L'étendard sanglant est levé!...  

E a contra-senha, dita por ele próprio, em francês:

Monsier l’abbé, soyez le bien-venue chez nous! (####)

Na imaginação fértil da Josefina havia bufos da PIDE por todo o lado, em Paris…

Epílogo:

O Théo (como começou a ser conhecido entre os novos amigos da Josefina, aliás Joséphine) ficará por França o resto da sua vida.

A sua situação legal e canónica só ficou resolvida após o 25 de Abril de 1974. O Seminário Maior deu conta da sua falta quando o subdiaconato foi extinto pelo Vaticano, em 1972. Soube-se então que ele tinha “fugido” para França e andava “amancebado".

Mais grave ainda, fora dado como refractário pela tropa.

O Exército andava à sua procura. A GNR foi bater à porta da casa paterna. Em vão. Também não sabiam dele os irmãos e vizinhos, que a mãe, essa, estava já acamada, com uma doença incurável… Foi expulso do seminário e o ministério do interior cassou-lhe o passaporte..

A mãe morreria em finais de 1973, de cancro.

Ele não pôde vir ao seu funeral. Sentiu uma enorme revolta pela "madrasta da pátria", a terra  que o vira nascer.  Incompatibilizou-se, entretanto, com os irmãos por “questões de lana caprina”, a fraca herança dos pais (uma casa de xisto, uns barracos, umas leiras e um pinhal). Só voltaria à sua terra em 2008, já “retiré”, reformado,  aos 64 anos.

− Filho desnaturado, eu me confesso!...

Veio mostrar  a um dos filhos e a alguns dos netos a serra, a sua terra, o cantinho onde nascera....

Infelizmente já não a reconheceu, à sua aldeia. 

Acabara por ficar com a casa paterna, dando tornas aos irmãos, espalhados pelo mundo. Quis-se reconciliar com o passado. Com as economias de uma vida e algumas ajudas (nacionais e comunitárias), estava a pensar restaurar a casa, de acordo com um plano da câmara municipal. Mas o filho e os netos não acharam grande graça às casas de xisto. Aquilo parecia o Portugal dos Pequenitos que tinham visitado em Coimbra. A Disneilàndia em Paris, isso, sim, era um mundo... Além do mais, os putos não apanhavam a internet na serra... Todos foram unânimes em preferir um apartamento na Figueira da Foz, para grande desgosto do pai e avò Théo.

A sua aldeia estava agora “gentrificada".

E só ganhava alguma vida no verão, quando a gente de fora, que não lhe dizia nada (de Coimbra, Figueira, Aveiro, além de estrangeiros) vinha abrir as portas e as janelas das casas...

Gentrifiée, c’est çá ?!... Gen-tri-fi-ca-da… É o mesmo fenómeno que se verifica, no campo e na montanha,  em França, há muito mais anos…

Tinha-se separado da Joséphine, “a mulher da sua vida".

Vivia agora só. E já longe de Paris, que se tornara demasiado cara e complicada para ele, “que ia para velho”… O seu planeado regresso a Portugal seria adiado. Foi ao alto da serra dar uma vista de olhos: foi  uma dor de alma vê-la tão desfigurada pelos incèndios das últimas décadas. 

A sua vida em França não tivera nada de exaltante. 

Os franceses, no final dos anos 60, precisavam eram de trolhas para a construção civil e “des ouvriers spécialisés” (OS) para as linhas de montagem automóvel… Quando ele lá chegou ainda sonhava com um emprego limpinho, de fato e gravata, mesmo mal pago a mil francos… E os “padres operários” também morreriam cedo, com o fim das utopias do maio de 68 (que ele já não apanhou, nem sequer os restos das pedras da calçada). 

Continuou católico mas pouco. 

Foi fazendo filhos (quatro), com uma vidinha regulada pela tríade “metro-boulot-dodo” (casa-trabalho-casa). Âs vezes dava-lhe para procurar, entre a multidão, o rosto da Carol, a atrevida francesa que fez, com ele, "a viagem de comboio da sua vida", entre o Entroncamento e Coimbra. 

Só mais tarde, passados uns bons anos, é que descobriu, numa livraria parisiense, a romancista Françoise Sagan, a autora do “Bonjour tristesse!”… Muito provavelmente era o livro que a Carol tinha pousado no assento do comboio e que estaria  a ler durante a viagem…

Nunca me falou dos empregos que teve. 

Deixou Paris, por volta dos 40 anos de idade, veio mais para o “Midi”, o sul… E numa pequena cidade de província, com uma razoável comunidade de patrícios, montou um negócio por sua conta: uma loja de queijos e vinhos portugueses, "uma provocação para o chauvinismo dos franceses (que fazem gala de ter os melhores queijos e vinhos do mundo")… 

A princípio dava para as sopas, mas a pouco e pouco a qualidade do queijo da Serra e de alguns dos nossos vinhos DOC começou-se a impor-se… Ao fim de uns anos, não estava milionário mas vivia bem. Conseguiu pôr os filhos a estudar na universidade. Os netos nunca aprenderam a falar o português, não se reconheciam, por isso, na terra do avô e da avó (esta, da Estremadura).

Quando, no verão de 2008, se despediu da sua antiga aldeia (agora uma das famosas "aldeias de Xisto" da Serra da Lousã), numa tarde com um magnífico pòr do sol, mas com o pesado pressentimento de que nunca mais lá voltaria, lembrou-se de novo da frase da Carol / Sagan e, prafraseando-a, teve um ataque de choro, c0mpulsivo, exclamando, de braços abertos:

− Bonsoir... tristesse!!! (##)


© Luís Graça (2023)

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Notas do autor;

(#) Bom dia, tristeza 

(##) Boa tarde, tristeza! 

(###) Avante, filhos da Pátria, / Chegou o dia da glória, / Contra nós se ergueu / O estandarte ensanguentado da tirania. 

(####) Senhor padre, seja bem vindo à nossa casa.

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24572: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (7): Sozinho, como um cão

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23830: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (54): A nossa geração que foi "a salto" para a França, nas aldeias da raia d' Espanha


Antº Rosinha, II Encontro Nacional
da Tabanca Grande,Pombal, 2007.
Foto: LG
 1. Mensagem de António Rosinha, o "nosso mais velho", "colon" em Angola (desde os anos 50, e onde fez a tropa e a guerra, em 1961/62), "retornado" em 1975, emigrante no Brasil, cooperante na Guiné-Bissau (como topógrafo da TECNIL, em 1987/93), um dos últimos dos nossos "africanistas",  membro da Tabanca Grande desde 29/11/2006 (ou seja, "um senhor senador"):

Data - 28 nov 2022 17:32  

Assunto - A nossa geração que foi "a salto" para a França, nas aldeias da raia d'Espanha


Desde os anos 50 até 1961 já havia "passadores" para a França, em todas as fronteiras da Beira Alta, Trás-os-Montes e Alto Douro.

Em alguns concelhos mais que noutros, logo a seguir à I Grande Guerra, já se ia para a França pelo processo do "a salto"..

Só que, a partir de 1961  acelerou essa actividade, e talvez, mesmo sem estatísticas, se possa dizer sem exagero que 50% de jovens entre os 18 e os 20 anos foi para a França, nas inúmeras aldeias, hoje desertificadas em maioria, dessas regiões do interior Beirão e Transmontano.

Será que a Guerra do Ultramar não podia mesmo dispensar aquela quantidade de soldados?

Era já um hábito muito enraizado, semi-clandestino, bem junto às fronteiras espanholas, a ida para a França..

Já era a alternativa ao Brasil e outras Américas a ida "a salto"  para a França ou nos porões da CNN (Compamhia Nacional de Navegação)  e CCN (Companhia Colonial de Navegaçãpo) para Angola e Moçambique e mesmo para África do Sul e Congo Belga..

As nossas velhas aldeias do interior, onde podia haver muita "carne para canhão", para a Guerra do Ultramar, 3, 4, e mais, filhos varões por família, na inspecção anual,  que podiam ser 20 ou 30 por aldeia, por ano,.uma grande parte ia para a França, por meio de "passadores", muitíssimo pouco clandestinos, pois eram figuras bem públicas nas regiões fronteiriças.

Como a partir de 61 tudo era apto para a guerra, ao fim de 13 anos, exceptuando amparos de família, e não sobrepondo dois ou mais irmãos, qualquer aldeia do interior poderia ter fornecido média de 20 por ano vezes 13 anos eram 260.

Só em fardamento, G3 e viagens, reduzindo para metade (praças havia muitas), era uma boa poupança..
Havia escassez era de capitães, não de praças.

Se de 260, 130 fossem para a França, farda, viagens sem custos para o Estado, e envio de remessas mensais, continhas à Salazar...será que os "passadores" não mereciam uma condecoração ou um prémio? Aliás, eles pagavam-se bem sem correr riscos cá em Portugal, e na fronteira francesa os riscos eram apenas para os emigrantes.

São muitos milhares das fronteiras beirãs e transmontanas que hoje, já reformados da França, a maioria com reformas completas, eles e as esposas também, são eles que dinamizam um pouco as velhas aldeias, pelo verão, pelos finados, Natal e Páscoa, aquelas aldeias desertificadas.

E ainda fazem um esforço enorme para entusiasmar os filhos e netos, alguns já franceses, a virem a terrinha dos pais, adquirindo apartamentos e casas junto às praias, que é mais convidativo para os jovens.

Vêm mais assiduamente os emigrantes reformados da França às suas aldeias,do que aqueles que foram à guerra e fizeram a vida em Lisboa ou Porto, como que são emigrantes também.

Foi com muito esforço que estes "franceses" fizeram a sua vida na França, não só pela língua, a maioria sem estudos, máximo a velha 4ª classe, e sujeitos, como qualquer emigrante, a trabalhos que o cidadão natural rejeita.

Salário, evidentemente o mínimo, a não ser quando adquiria alguma especialização.

Era à base de privações que conseguiram grande parte das economias para construir casa nova na aldeia, aldrabados muitas vezes por empreiteiros sem escrúpulos, fazer alguns depósitos bancários, aldrabados muitas vezes também por banqueiros e gerentes sem escrúpulos. e vivendo em condições degradadas em França para evitar pagar renda de casa.

Provavelmente todos os concelhos ao longo das fronteiras beirãs e transmontanas têm o seu monumento, pequeno ou mais vistoso com a lista por aldeias, dos seus filhos que morreram na Guerra do Ultramar.

Dalgumas aldeias talvez não tenha morrido ninguém em África, pois foi mais provável um ou outro terem morrido nas estradas de Espanha, pelas vacances, lançados em grandes carros, para matar saudades.

Estes jovens refratários, ou desertores ou que simplesmente já estavam para lá antes das inspecções, e não regressaram, fariam mesmo falta naquela guerra? Será que se notou a falta de soldados rasos?

Sim,  rasos, atendendo que a maioria dos jovens de que falo, "a salto", andaram apenas na escola primária, os que os pais dispensavam da vida do campo, nem todos souberam o que era a reguada do professor.

Lembro que, embora o pessoal saísse à socapa para a França, não iam avisar no Edital à porta da igreja ao Domingo, evidentemente, a sua partida, mas aquela clandestinidade era muito mal disfarçada, daí, até desde o regedor, o presidente da freguesia e algum da União Nacional desde o "passador",  indivíduo grandemente bem relacionado, até a algum bufo da PIDE, era tudo mais ou menos conivente.

Com mais todos esses mancebos em África, o resultado final da guerra era o mesmo que foi.

Embora este êxodo tenha ajudado à desertificação,  esta era tão inevitável que, mesmo com o fim da guerra, continuou, em quase todas as velhas aldeias daquelas regiões. São raríssimas as excepções em que a desertificação não acontece.

Mas,  se muitos os sexagenários e septuagenários reformados, não regressam definitivamente ás suas aldeias, deve-se a algumas explicações que eles dão:

  • Uma, são os filhos e netos já radicados definitivamente na França;
  • Outra explicação deles, é que em Portugal é tudo muito complicado.

Eu compreendo-os na perfeição nestas duas explicações.

E é uma pena que existam estas duas razões para eles não regressarem, principalmente a segunda. que é "estupidamente" verdadeira e real para esta gente, eu próprio senti ao fim de 5 anos no Brasil e um ou outro na Guiné.

Para tratar qualquer coisa (Registos, procurações, Câmaras, passaportes, saúde, etc.) em curto espaço das férias, só à base de "cunha", a velha corrupçãozinha. (Parece que actualmente alguma coisa terá melhorado, a anti-cunha.)

Quando se põe a questão da imigração/emigração actual no mundo, principalmente a clandestina como foi o caso desta que falo para a França, a única clandestina, costuma-se fazer comparações, e até semelhanças. Mas as semelhanças são muito ténues.

Era bom que o português não precisasse mais de emigrar, embora muitas vezes já seja por "tradição".

Antº Rosinha

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de outubro de  2022 > Guiné 61/74 - P23703: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (53): A Sebastiana Valadas (1º episódio da série da SIC, "Despojos de Guerra") e os "cantineiros do mato" em Angola

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23680: Blogoterapia (303): A maldição de um veterano de guerra, é que nunca esquece (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)

1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 5 de Outubro de 2022:

Olá companheiros de jornada.

Há já alguns anos que não vamos dando notícias, no entanto, sempre estiveram no nosso coração, porque foram vocês que nos ouviram e compreenderam em determinado momento da nossa vida quando tentámos tirar de cima de nós o peso de todas aquelas recordações da maldita guerra colonial que todos nós vivemos nas savanas e pântanos da então província da Guiné.

O dedicado companheiro Carlos Vinhal, sempre lembrou o dia do nosso nascimento e no último, agradecemos lembrando que naquela época andávamos por lá confusos, não sabendo se o o “oceano estava longe do mar”. Era verdade, porque infelizmente saímos da nossa aldeia do interior para ir participar nesta horrível guerra com a cultura dos livros aos quadradinhos que líamos, e que eram os únicos a que tínhamos acesso e eram as tais histórias do Mandrake, do Kit Carson, do Robin dos Bosques ou do Tarzan.

Esta era a nossa cultura até entrarmos no mercado da emigração. Depois, felizmente tivémos ascesso a outras escolas onde tivémos conhecimento da realidade do que foi a História de Portugal com a então África Portuguesa, não ficando lá muito espantados com que íamos aprendendo, como por exemplo o relacionamento e o porquê da presença de Portugal em África.

E as coisas começaram a clarificar-se. Assim compreendemos hoje o País Portugal estar a ser em parte colonizado por pessoas que antes foram colonizadas. É a vida, dizem alguns. Mas talvez seja a história a repetir-se agora em sentido inverso. É a tal frase onde dizíamos que o “oceano estava longe do mar”.

Sabiam que o comércio transatlântico de escravos guardava os segredos mais sombrios que, o para nós herói Infante D. Henrique, o Navegador de Portugal, ajudou a tornar o país Portugal em líder do comércio e na exploração, inclusive em África?

Que a escravidão entre as nações e tribos africanas existia muito antes de Colombo chegar ao Novo Mundo? E que África tinha uma robusta economia escravagista, sendo os escravos capturados e negociados por várias tribos e governantes africanos? E que foram vendidos a comerciantes oriundos de Portugal nos portos africanos, em troca de mercadorias que incluíam tecidos tingidos, armas de fogo, ferramentas e, às vezes, ouro?

Que Portugal se tornou no líder europeu no tráfico de escravos? Os seus navios e comerciantes aliaram-se ao Reino Africano do Kongo no século quinze, permitindo-lhes controlar a maior parte da costa de África e que o comércio entre europeus e africanos foi imposto aos últimos, com condições vantajosas para os primeiros?

Embora hoje as evidências sugiram o contrário, dizendo que várias tribos africanas ditavam os termos de comércio para os europeus, reforçados por combates armados ocasionais, tudo isto à medida que Portugal começou a explorar a sua então colónia do Brasil no tal Novo Mundo e onde precisava de uma força de trabalho.

Assim, o comércio tornou-se bastante lucrativo para os comerciantes e carregadores portugueses, financiados por um consórcio bancário que nem era português, tinha a sua origem em Génova. E mais, tinham as suas fortalezas e os seus portos estabelecidos na África, onde observavam os escravos capturados por seus parceiros africanos e, muitas vezes, os africanos estavam presos há meses, pois queriam garantir uma carga pronta quando os navios chegassem. Isso porque nenhum comerciante queria uma estadia prolongada na costa de África, numa época repleta de doenças.
Hoje tudo isto é história, no entanto naquela época, Portugal era dono de quase toda a costa de África e, o governo colonizador de Portugal de quando éramos jovens, queria continuar a sê-lo, obrigando-nos a ir combater, vendendo a “alma ao diabo”.

E nós, jovens oriundos da Europa, com uma educação de aldeia, onde os princípios honestos de família vinham de há séculos, fomos combater num horrível cenário, onde muitas vezes a angústia, o desespero e o medo, nos colocava numa situação horrível, onde entre outras coisas o álcool nos aliviava a mente, pelo menos por momentos, pois este cenário estava lá, estava sempre presente, era a cara da guerra, com feridos e mortos em combate para ambos os lados, incluindo a população civil desarmada.

E tudo isto para quê? Naquela época os famintos, os doentes, os analfabetos e a miséria eram constantes e, infelizmente continuaram, mesmo depois, quando parecia que já havia paz, fazendo-nos lembrar que de facto saímos de África físicamente, mas possívelmente não trouxémos as armas, as bombas e as balas, deixando lá apenas, como seria nossa inteira obrigação, todas as maravilhosas armas da paz do século XX.

E como o destino não perdoa, os antes colonizados estão agora aí a colonizarem um país que foi colonizador, e nós, antigos combatentes, que lutámos em outro continente, num cenário horrível e miserável, estamos a ser constantemente vítimas dessa nova colonização.

Para todos, queridos companheiros combatentes, desejo que continuemos muitos e muitos anos por cá, e com saúde, porque infelizmente, devido à idade avançada, vamos desaparecendo, todavia o corpo e a mente de um veterano de guerra, reage automáticamente aos disparos da memória, sentindo de novo em certos momentos, as feridas, o medo e o horror que por si passaram, enquanto presente num cenário de combate.

Porque a maldição de um veterano de guerra, é que nunca esquece. Contudo, já o dissemos em algumas vezes, o medo ou talvez coragem, que nos ajudou a sobreviver num campo de batalha, não funciona muito bem agora, nesta avançada idade, mas ainda vai sendo possível assumir o control dessa horrível vivência e, vamos continuando a expulsar alguma energia positiva que nos resta, daquela que nos foi roubada, pelo desastre da Guerra Colonial Portuguesa em África.

Tony Borie
Outubro de 2022

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23393: Blogoterapia (302): Uma história verídica com o seu quê de humano (José Colaço, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557)

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23311: Agenda cultural (812): Exposição no Palácio da Cidadela de Cascais, de 13 de maio a 28 de agosto de 2022: "Portugal e Luxemburgo: países de esperança em tempos difíceis"

 

Cartazes da exposição

1. Informação que nos chega por via do nosso amigo e camarada João Crisóstomo (Nova Iorque) que está em Portugal há mais de um mês, devendo partir no domingo para  a Eslovénia, terra da sua esposa Vilma. Visitou esta exposição, no dia 27 do corrente, na companhia de amigos, adorou e recomenda aos nossos leitores.


Portugal e Luxemburgo – Países de Esperança em Tempos Difíceis


A exposição Portugal e Luxemburgo – Países de Esperança em Tempos Difíceis, com curadoria de Margarida de Magalhães Ramalho e Claude Marx, e que foi criada em 2020 para o Centre Culturel de Rencontre Abbaye de Neumünster na cidade do Luxemburgo, abre amanhã, 13 de Maio, no Palácio da Cidadela de Cascais.

Focada no papel de Portugal durante a II Guerra Mundial como porto de abrigo de refugiados luxemburgueses e de como o Luxemburgo, décadas mais tarde, se tornou o destino de muitos portugueses que fugiam da ditadura e/ou da miséria, a escolha da vila de Cascais prendeu-se com o facto de ter sido na Casa de Santa Maria, fronteira ao Palácio da Cidadela que, no início do seu exílio em 1940, a Grã duquesa Charlotte e a sua família viveram durante alguns meses.

A mostra está subdividida em várias secções relativas ao conflito mundial, que vão desde as razões da ascensão do nazismo e o desencadear da guerra na Europa até ao destino dos que fugiam. Relata também as dificuldades encontradas pelos refugiados na sua rota de fuga e o papel de Aristides de Sousa Mendes no salvamento de milhares de pessoas. 

Aborda ainda a política de neutralidade de Portugal e a passagem de milhares de refugiados por terras lusas, incluindo a estada da família Grã-ducal em Cascais. Por fim, debruça-se sobre a evolução do Luxemburgo no contexto europeu do pós-guerra e a ditadura repressiva portuguesa, que ditou o atraso económico do país e que obrigou muitos a partirem.

Em Cascais, a exposição foi ainda enriquecida com conteúdos contemporâneos ligados a artistas luso-luxemburgueses, como a instalação Memória Episodika do artista plástico Edmond Oliveira, baseada na experiência de vida do seu pai, um dos primeiros emigrantes a chegar ao Luxemburgo; ou as fotografias de Paulo Lobo, que refletem o impacto da presença portuguesa na paisagem luxemburguesa.

O design é da dupla Sara e Pedro Gonçalves e a museografia de Luísa Pacheco Marques. A reposição da exposição em Portugal foi possível graças aos apoios da Câmara Municipal de de Cascais, da Câmara Municipal de Almeida, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Europeus do Luxemburgo, do Ministério da Cultura do Luxemburgo, do Centro Nacional de Audiovisual e das empresas luxemburguesas POST, WEALINS et LOSCH Digital Lab.


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Nota do editor:

Último poste da série > 8 DE MAIO DE 2022  Guiné 61/74 - P23245: Agenda cultural (811): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, 11 de junho de 2022, sábado, 11h00: Luís Graça apresenta o livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul"

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22977: Notas de leitura (1418): "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada (2021), por Arsénio Chaves Puim, um caso de grande sensibilidade sociocultural e de amor às suas raízes (Luís Graça ) - Parte III: a influência dos "calafonas"



Capa do livro do nosso camarada Arsénio Chaves Puim, "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada, Santa Maria, Câmara Municipal de Vila do Porto, 2021, 286 pp. Capa: Ilha de Santa Maria, do cartógrafo Luís Teixeira, 1587, Biblioteca Nacional de Florença.



1. Em 20/12/2021, por altura do Natal, o Arsénio Puim mandou-nos uma mensagem por email em que, para além dos votos natalícios,  nos dizia, entre outras coisas:


(...) "Talvez estranhamente depois da minha vivência como capelão militar na Guiné, em vez de publicar um livro sobre este território e a sua guerra e a minha experiência nesse meio, optei por escrever sobre aspectos etnográficos e históricos relativos à minha pacata ilha de Santa Maria, nomeadamente, a linguagem tradicional do seu povo.

Na verdade, sempre gostei e tive curiosidade por esta temática dos falares populares. Já na Guiné, como referes, interessei-me um bocado pelo estudo do crioulo, uma língua que sempre achei muito bonita, muito expressiva e muito sonante. E sobre isso escrevi mesmo alguns trabalhos, baseados no contacto com a população local.

Isto não que dizer que, depois de regressar aos Açores, não tenha publicado, nos jornais, diversos trabalhos de natureza social e política - sobre a guerra colonial, as guerras internacionais e , sobretudo, sobre a guerra, como realidade histórica, sem causa justa, fruto da loucura e estupidez dos homens. Nestes escritos jornalísticos também abordei criticamente a passividade e conluio escandaloso da Igreja com o monstro da guerra". (...)

Estamos a falar de Arsénio Chaves Puim que, além de nosso camarada, é apresentado na Wikipédia, na entrada sobre a Ilha de Santa Maria. como um dos nove marienses ilustres: "historiador, etnógrafo, co-fundador e primeiro diretor de 'O Baluarte de Santa Maria' (segunda série), opositor ao Estado Novo, presidente da Câmara de Vila do Porto e pároco de São Pedro e Santa Bárbara".

2. Vê-se que o seu último livro, agora em 2ª edição, "revista e acrescentada", e cuja capa voltamos a reproduzir acima (*), foi escrito com muito carinho, amor e até paixão... Sem pretender ser enciclopédico, nem se arrogar o estatuto de investigador académico, Arsénio Puim não quis que a geração dos seus pais desaparecesse de todo sem que a memória da suas marcas identitárias, e nomeadamente, o seu "falar", ficassem registadas para a posteridade... 

Para além do desaparecimento físico dos seus progenitores,  dos seus vizinhos e dos seus conterrâneos dos seus pais, o autor está, de certo modo,  a tentar prevenir, ou amortecer, de algum modo, os efeitos, avassaladores, da passagem do cilindro compressor da globalização... e a perda da identidade açoriana, em geral, e mariense, em particular.

Pequenas comunidades como as ilhas do arquipélago dos Açores estão de há muito sujeitas à influência de multiplos factores de "aculturação" externa... A periferia geográfica,  a colonização do território, a pesca da baleia, a emigração para a América do Norte, a presença militar norte-americana, os contatos com o exterior,e, mais recentememte,  os meios de comunicação, as novas tecnologias de informação e comunicação, a integração europeia, o desenvolvimento económico, o turismo, etc., tudo isso, teve e tem influência na cultura do povo da ilha, a sua maneira de ser, de estar e de falar.  

Santa Maria, é bom recordar, é a ilha mais  oriental e mais meridional do arquipélago, a mais antiga do ponto de vista geológico (mais de 8 milhões de anos) e a primeira a de ser descoberta (em 1427).

O autor dedica um subcapítulo aos "americanismos" no léxico mariense (pp. 97-110). Distingue-se três períodos que terão sido marcantes na formação desses "americanismos" ou "calafonismos" (de "calafona", termo de origem obscura, que designa, nos Açores, na linguagem informal, o emigrado que retorna aos Açores, em especial o que vem da América):

(i)  a emigração para os EUA  no últmo quartel do séc. XIX e primeiro do séc. XX;

(ii) a instalação, na ilha, de uma base militar de apoio às Forças Aliadas já no final da II Guerra Mundial (fins de 1944);

(iii) a emigração para os EUA e para o Canadá a partir da década de 50 do século passado, e que levou à redução da população, em menos de  três décadas, em cerca de metade (, tendo a ilha  hoje cerca 5,5 mil habitantes, segundo o censo de 2001).

"Embarcados, às vezes clandestinamente, em barcos baleeiros ou navios cargueiros, tiveram de enfrentar dias ou meses, e mesmo, anos muito difíciais no mar antes de desembarcarem nas costas do novo mundo (...). Uma vez na América, trabalhavam duramente, a troco de um salário módico, e viviam em condições bastante precárias (pág. 97).

Parte desta vaga de gente migrante voltou para a ilha, com algum pé de meia, logo no virar do século XIX.  Um número mais significativo de famílias de Massachusetts tiveram de  regressar na sequência da Grande Depressão de 1929-1933. Analfabetos na sua maior parte, estes emigrantes que retornam à ilha natal,  vêm "acalafonados" e vão "enriquecer" o léxico popular local com vocábulos e expressões do inglês falado na América.

Uma segunda influência é a dos militares norte-americanos estacionados na ilha a partir de finais de 1944, em número da ordem de algumas boas centenas.

"Desde os primeiros tempos, o nosso emigrante, que, na quase totalidade, não possuía qualqier conhecimento da língua inglesa, foi apreendendo uma série de vocábulos deste idioma, sobretudo chavões, que exibia insistentemente nas suas visitas à iha" (pág. 100).

Feito este pequeno enquadramento, o autor elenca mais de uma centena de "americanismos" ou "calofonismos" que, no entanto, têm tendência para irem desaparecendo lentamente do falar quotidiano, nomeadamente entre as camadas mais jovens, escolarizadas.

3. Aqui vão, a título exemplificativo (e não exaustivo, a lista do autor são 121 entradas), e com a devida vénia, alguns vocábulos e expressões, que também ilustram bem a capacidade de adaptação e o espírito prático e expedito do mariense que passou por terras do tio Sam e que "aportuguesou" o inglês do dia a dia... Há termos "deliciosos", corruptelas do inglês, e que têm de ser ouvidas com o sotaque mariense. Entre parênteses, a origem em inglês. 


Aisiulieira ("I'll see you later"): até logo, vemo-nos mais tarde...

Alvarozes ("overall"): fato-macaco que se veste por cima de outra roupa;

Àpestéres ("upstairs"); o andar de cima;

Beibicêra ("babysitter): aquela que toma conta de crianças;

Bisi ("busy"): ocupado, atarefado;

Biznas ("business"): negócios, assuntos;

Camâne ("come on"). vamos lá embora;

Chança ("chance"): oportunidade;

Chape ("shop"): fábrica, oficina;

Côrte ("court"); tribunal;

Dampo ("dump"); lixeira;

Drinque ("drink"): bebida;

Esquiusemi ("excuse me): peço desculpa;

Estôa ("store): loja, armazém;

Faite ("fight"): luta, briga;

Frijueira ("refrigerator"): frigorífico;

Friza ("freezer"): congelador;

Garbitche ("garbage"): lixo:

Jampar ("to jump"): saltar;

Landre ("laundry"); lavandaria;

Lóia ("lawyer"): advogado;

Màquêta ("market"): mercaddo;

Mechim ("machine"); máquina;

Maneija ("manager"): gerente, gestor;

Naice ("nice): bonito;

Naife ("knife"): naavalha;

Ófas ("office"): escritório, oficina;

Pari ("party"): festa;

Perigôde ("very good"): muito bom;

Pinche ("pension"): pensão de reforma;

Pinotes ("peanuts"): amendoim;

Pinhos ("pins"): alfinetes de pendurar roupa;

Raivar ("to drive"): guiar, conduzir um carro;

Râladeis ("holidays"): férias (, mais usado pelos emigrantes canadianos);

Ritaia ("retired"):  reforma, reformado;

Sanababicha ("son of a bitch"):  filho da mãe;

Sinó ("snow"): neve;

Spicar ("to speak"): falar;

Tanquiú ("thank you"); obrigado;

Teicarizi ("take it easy"):  calma, devagar!;

Tèlaveija ("television"): televisão;

Trablas ("troubles): problemas, chatices;

Ueiramanète ("wait a minute"): espera um minuto;

Vaqueichas ("vacations"): férias... 


(Continua) (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores :


18 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22819: Notas de leitura (1399): "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada (2021), por Arsénio Chaves Puim, um caso de grande sensibilidade sociocultural e de amor às suas raízes (Luís Graça ) - Parte I: "Muitos parabéns, muitos parabéns, muitos parabéns!"

(**) Último poste da série > 7 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22975: Notas de leitura (1417): “A crise alimentar e o estado socialista na África Lusófona”, por Rosemary E. Galli, artigo publicado na Revista Internacional de Estudos Africanos, n.º 6 e 7, Janeiro/Dezembro de 1987 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 12 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21999: Agenda cultural (769): "Judeus portugueses na América: uma outra diáspora", de Carla Vieira (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2021, 344 pp.)


 Carla Vieira: "Judeus portugueses na América: uma outra diáspora" (2021). 


Título: Judeus Portugueses na América: Uma outra diáspora
Autora: Carla Vieira
ISBN: 9789896269036
Ano de edição ou reimpressão: 03-2021
Editor: A Esfera dos Livros
Idioma: Português
Dimensões: 165 x 235 x 20 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 344
Tipo de Produto: Livro 
Classificação Temática: Livros > Livros em Português > História > História de Portugal

Preço de capa: c. 18,5 €

Fonte: Bertrand Livreiros

Sinopse:

A Liberdade, que desde 1886 recebe de chama na mão quem se aproxima de Manhattan, guarda aos seus pés a memória de uma diáspora com origens no outro lado do Atlântico.
Emma Lazarus, a autora do poema gravado no pedestal da estátua, conseguia recuar a sua ancestralidade até um judeu de Lisboa que, em 1738, chegara naquela mesma cidade de Nova Iorque. Mas a história dos judeus portugueses na América do Norte havia começado bem antes, quando, em meados do século XVII, o navio St. Catrina aportou em Nova Amesterdão, trazendo a bordo 23 refugiados do Recife.

A gesta continuou ao longo das décadas e séculos seguintes, repleta de personagens inolvidáveis. Do rabino patriota ao príncipe mercador, do herói revolucionário ao daguerreotipista do Faroeste, da matriarca que escrevia poemas ao médico que catalogava as maleitas da Virgínia, este livro revisita estas e outras histórias de judeus portugueses que marcaram os primórdios dos Estados Unidos da América.

O presente livro resgata do esquecimento as histórias destes indivíduos cujas vidas espelham a extraordinária epopeia dos judeus portugueses, uma outra «Expansão» da língua e cultura ibéricas pelo mundo, perpetuada por um grupo marginal, perseguido, alvo de ostracismo, mas, ainda assim, capaz de se reinventar, de reconstruir vidas e fortunas, e de manter aceso o sentimento de pertença a uma entidade grupal que atravessava impérios e culturas. 

Lá fora, apelidavam-nos de «a nação portuguesa».Apesar de dignas de nota, estas e outras histórias da diáspora judaico-portuguesa na América do Norte têm sido praticamente votadas ao silêncio pela historiografia portuguesa. Um silêncio ainda mais ensurdecedor quando comparado com a proficuidade com que a literatura norte-americana trata o tema, mote de numerosos livros e artigos publicados em periódicos de referência.

Suprimir uma lacuna? Só em certo ponto. Afinal, esta não é uma obra historiográfica. É um livro de divulgação científica, destinado ao leitor comum, que não abrirá este volume à procura de material e referências para o seu trabalho académico. O rigor nos dados transmitidos e a metodologia aplicada na busca de informação são comuns a um estudo historiográfico, mas não a forma nem os objectivos. 

A intenção é que o leitor se envolva na trama partindo de casos particulares, em registo biográfico, que abrem janelas para um retrato do tempo e das comunidades em que se inserem e dos episódios históricos dos quais participam. 

O aparato crítico inerente a um estudo historiográfico, como as notas referenciais ao longo do texto, foi sacrificado em prol de maior fluidez do texto. Para minorar essa ausência, no final do livro poderá encontrar uma breve nota sobre as fontes e bibliografia consultadas na composição de cada um dos capítulos. E ainda há muito mais por saber.


Autor: Carla Vieira

Carla Vieira é investigadora de pós-doutoramento no CHAM – Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e membro da Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste. 

Nos últimos anos, tem centrado a sua pesquisa em torno da diáspora sefardita e das relações luso-britânicas no século xviii. É autora de vários artigos científicos publicados em revistas da especialidade portuguesas e internacionais, bem como dos livros 

(i) Uma amarra ao mar e outra à terra. Cristãos-novos no Algarve (1558-1650) (2018), baseado na sua tese de doutoramento, 

(ii) Mendes Benveniste. Uma família nos alvores da Modernidade (2016), em co-autoria com Susana Bastos Mateus, 

e (iii) Olhão, Junho de 1808. O levantamento contra as tropas fracesas através da imprensa e literatura da época (2009), que recebeu o Prémio Nacional de Ensaio Histórico Francisco Fernandes Lopes.

Para mais informações ou contato com a autor:

Victoria Gallardo > victoria.gallardo@esferalibros.com

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Nota do editor: