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quarta-feira, 24 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14794: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (14): Este Feminismo... é "muinta" feio!

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª Ref, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 16 de Junho de 2015:

Aqui vai uma tentativa de participação com um texto que me foi sugerido num convívio a que fui.

Um Ab.
TZ


A MINHA GUERRA A PETRÓLEO

14 - Este Feminismo é muinta Feio!

Sabemos por experiência da nossa vida que as chamadas causas fracturantes, entre as quais o feminismo se encontra, começam por se afirmar de modo exuberante e muito contestatário, agressivo até. No fundo, trata-se de uma afirmação da subversão. Naquele tempo, aprendemos a atribuir a esta palavra uma carga negativa, quando ela pode ser aplicada a diversos sectores da vida como, por exemplo, às artes.

As artes são frequentemente sacudidas por um grupo de artistas que concluem que a sua arte não está a evoluir e se limita a repetir indefinidamente os mesmos procedimentos, a apresentar o mesmo tipo de obras, tanto que, às vezes até dá a impressão de que se entrou a copiar, reduzindo a inovação a pormenores.

Nessa altura, o tal grupo resolve “virar a mesa” e tornar-se notado pela agressividade com que faz a contestação às práticas artísticas até aí vigentes. Não há outra maneira de o fazer. Só se fazem modificações profundas… modificando profundamente.

São então contestadas as regras e as normas que até aí se seguiam, essencialmente perguntando porque é que se faz assim e se não se poderá fazer de outro modo. E, normalmente a resposta dos conservadores é pouco satisfatória, quando não é tão absurda como “sempre foi assim! Mudar para quê?

Dei toda esta volta bastante larga para vos recordar que o feminismo que conhecemos nos anos setenta está hoje ultrapassado, mas que quando surgiu teve de o fazer de forma ruidosa e contestatária, pondo em causa as regras do funcionamento da sociedade até aí tidas como imutáveis. Hoje, aceitamos e defendemos, todos, certos princípios, procedimentos e valores que, naquela altura, tínhamos como ridículos e destituídos de senso.

Nós próprios assimilámos as novas normas e, hoje, achamo-las normais e aceitamo-las como se não houvesse outras.

Mas é frequente que a tal corrente ou grupo contestatário vá para além do admissível resvalando rapidamente para excessos que não estavam de todo no espírito dos contestários que deram o seu melhor, colidindo ruidosamente com a “ordem estabelecida” e enfrentando corajosamente os conservadores, frequentemente retrógrados e ansiosos de que nada mude.

Isto vem a propósito do que tem sucedido ultimamente nos convívios de ex-combatentes a que tenho ido. Tendo pertencido a quatro unidades de nível Companhia tenho sempre que fazer cinco saídas - uma com o blog - para os convívios anuais, aos quais, como é hoje frequente e bem, comparecem também esposas, companheiras, irmãs, em suma: raparigas da nossa geração.

Pois ultimamente em dois desses convívios circulou e impôs-se rapidamente a “novidade”: senhoras para um grupo de mesas e homens para o outro. Nem queria acreditar no regresso machismo, mas de sinal contrário. Vocês lembram-se de que nas festas antigas, as mulheres iam para lado falar “lá das coisas delas” e os machões latinos iam para outro falar dos “seus assuntos”, normalmente “gajas” e aventuras similares não incluídas nos 80% da votação do último inquérito do Luís Graça. E não houve maneira de as convencer. Depois, perguntei as razões para este retrocesso e aí é que eu fiquei cheio de dores no espírito. Eram elas que achavam desinteressantes “aquelas coisas deles” (muitas vezes repetidas), aquela violência toda que não faz sentido nenhum e que “já aconteceu há tanto tempo”. Assim ficavam no aconchego da sua conversinha sobre “cá as nossas coisas delas”. Ainda me disseram que, alguns, no regresso a casa, vinham enervados e perturbados, o que justificaria, por si só uma maior atenção (digo eu…). Sentiam-se mal em contacto com os homens que falavam alto, diziam asneiras e davam palmadas uns nos outros. Alguns riam-se e outros… até choravam. Uma balbúrdia! Uma verdadeira desgraça!

Isto não pode acontecer no meu país!

Todos e todas somos portugueses (talvez infelizmente) e a solidariedade entre homens e mulheres é um valor que já chegámos à conclusão de que devemos cultivar, especialmente nos da nossa geração. Claro que algumas só ouviram falar “daquilo” depois de casadas, mas outras, através das cartas, sabiam bem o que por lá sucedia. E às que só souberam depois de namoradas e casadas ocorre perguntar: em que país é que viveram durante aqueles anos? Como é possível que tudo lhes tenha passado ao lado? É capaz de ser uma questão cultural, digo eu que sou mauzinho…

Já tenho pensado que se tivéssemos estado presos durante dois anos, longe dos nossos e delas tivéssemos mais aceitação. É que o ambiente concentracionário é mais compreensível, por estar mais visível. E aquelas fotos dos “quartéis” não estimularão a imaginação sobre a maneira como ali se vivia? E a alimentação repetitiva e confeccionada como podia ser? E as horas de sol e de chuva, com o suor a escorrer em bagas grossas? E o paludismo, as matacanhas e outras bichezas que o National Geogrphic ali regista?

Como viram não falei da guerra em si. Essa sim é que é difícil de imaginar.

Não falei das minas, das emboscadas, das flagelações do regresso das colunas ou das patrulhas com um camarada em padiola ou às costas. Isto seria mais difícil de imaginar.

Donde virá esta repulsa que se instalou em algumas das nossas companheiras ao ponto de se dedicarem a banalidades?

Mas o pior é que hoje, nos nossos convívios falamos da “guerra”, pois sim, mas certamente, já há muito que outros assuntos começaram a ser falados: os filhos, os netos, a política (porque não?), da saúde ou falta dela e tantos outros relacionados com o funcionamento do país que nos disseram que íamos servir e defender (de quê?) e no qual, no fim de tudo, nos revemos. Talvez porque não temos outro…

Peço, portanto, aos organizadores dos convívios que evitem esta prática sexista - mulheres para um lado e homens para o outro - que não é digna de cidadãos de corpo inteiro num país civilizado, que nós teimamos em tentar ser. Às mulheres peço que não esqueçam o seu papel de companheiras - uma conquista positiva do feminismo - iguais em direitos, mas também em deveres, que passam por aceitar o outro tal como a vida o foi fazendo e muito mais agora quando a idade pesa. Acima de tudo somos companheiros e amigos uns dos/as outros/as e “Cidadões” e Cidadonas(?) que não devem aceitar o retrocesso civilizacional que representa a separação fundamentada no sexo. Senão… vamos arrepender-nos. Mas já começamos a estar habituados.

Mem-Martins, 16 de Junho de 2015
____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14572: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (13): Uma da nossa Intendência

domingo, 14 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11838: Os filhos do vento (13): Em busca do pai tuga: um reportagem, 3 vídeos, 19 histórias, 19 rostos, 19 nomes à procura do apelido paterno... Hoje no "Público", domingo, dia 14. A não perder.


Capa da página do Público 'on lin', de hoje  > "Filhos do vento: guerra colonial; as histórias dos filhos que os portugueses deixaram para trás". Vale a pena compar a  edição a papel (1€60), ler, comentar e guardar a resportagem "Em busca do pai tuga" (Revista 2, pp. 10-19)  e depois ver os três vídeos disponíveis. (Motivo adicional para comprar a edição em papel: o nosso Jorge Cabral queixa-se de que é vítima de "idadismo"... Vd. Revista 2 > "Velhos ? Não. Somos todos contemporâneos", reportagem de Catarina Fernandes Martins, pp.26-27. De facto, este país já não é para velhos) (LG)


1. Como já fora  anunciado (*), saiu no jornal "Público", de hoje, domingo dia 14, na Revista 2, a reportagem dos enviados especiais à Guiné Bissau Catarina Gomes, Manuel Roberto e Ricardo Rezende sobre os "filhos do vento"... 19 histórias, 19 nomes, 19 dramas...de "restos de tugas"...

 "No tempo da guerra colonial havia quem lhes chamasse 'portugueses suaves', agora, há entre os ex-combatentes quem prefira 'filhos do vento'. A maioria dos filhos de ex-militares portugueses com mulheres guineenses guarda pedaços de história incompletos, com a ambição de que um dia esses poucos dados os venham a reunir aos pais.  A expressão que dá título a esta página foi usada pela primeira vez, para se referir aos filhos de ex-militares portugueses com mulheres guineenses, pelo ex-furriel José Saúde, no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Três vídeos (cada um com cerca de 10 minutos casa) contam estas histórias dos "filhos de vento"...

Restos de tugas (11' 52'')


TESTEMUNHOS ( a recolher pelo Público)

"Este é um espaço de debate. Qualquer testemunho que inclua dados pessoais não será publicado. A identidade dos pais não é divulgada por motivos de reserva da vida privada. O envio de informações que julgue relevantes para a busca destes filhos de ex-militares portugueses deverá ser feito para o email filhosdovento@publico.pt"

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11377: (Ex)citações (218): Sexo em tempo de guerra... e brancos mpelelé no pós-independência (Cherno Baldé / José Teixeira / António Rosinha)



Uma das belíssimas fotos da série temática "A Mulher, menina, bajuda de Bedanda", da autoria do nosso nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 -Bedanda, 1971/73).
Foto: © António Teixeira  (2011). Todos os direitos reservados
1.  Seleção de comentários ao poste P11360 (*)


(i) Cherno Baldé

A sexualidade é, desde sempre, um tema sensível, em particular se tivermos em conta a carga moral ou moralista de cariz cultural ou religioso que o acompanha nas nossas sociedades.

Falando de relações sexuais entre a tropa e as nossas mulheres (locais) que não podem ser confundidas com prostituição, sendo esta uma dimensão distinta dentro do mesmo e grande campo sociológico, a minha opinião é que no decurso da guerra e em função do aumento do numero do contigente militar no TO, da fixação mais prolongada, da diminuição da frequencia das operações e saidas ao mato em determinados sitios, da aclimatização e perda relativa do medo da diferença e do outro, do estranho, etc..etc, terá havido maiores espaços sociais de convivialidade e de aproximação entre as partes que, por sua vez, favoreceram e facilitaram as relações de intimidade.

No caso concreto de Fajonquito, uma tabanca grande para a época que recebera numerosas familias fugidas da guerra a volta e habitada por uma população Fula e Mandinga, coexistiram lado a lado uma espécie de prostituição semi-profissional, protagonizada por algumas mulheres viuvas ou solteiras sem esperanças de voltar a casar, quase sempre de outras etnias não muçulmanas e que, por isso, eram imunes a pressão comunitária local. Mas, também, algumas bajudas Fulas cairam no charme dos jovens brancos e pasmem-se, era por amor, pela curiosidade e gosto da aventura ou simplesmente por violação as vezes consentida e fraqueza pessoal ou humana.

Os casos da prostituição eram bem controlados porque eram feitos por profissionais do sexo que não raras vezes alugavam os serviços de pessoas terceiras dentro de um grande sigilo profissional.

Paradoxalmente, a maior parte dos filhos "mestiços" que resultaram dessas relações fortuitas aconteceu com as nossas bajudas Fulas ainda jovens e inexperientes, quase crianças sem contar com os casos de aborto ou de infanticídio.

Os primeiros casos conhecidos e que resultaram em filhos de carne, osso e cabelos ondulados ou de capim seco, são de meados de 1969, mas a maior parte aconteceu depois de 1970 tempo que coincide com as duas últimas companhias.

Conheci muita bajuda fula ingenua e doidamente apaixonada por soldados metropolitanos, mas infelizmente, parece que não havia recíprocidade de sentimentos. Aos soldados apeteciam-lhes fazer sexo e descarregar suas baterias com as nativas e mais nada, pois a mentalidade colonial de superioridade racial debaixo dos seus camuflados não lhes permitia ter outra forma de ver as coisas e de se relacionar com o nativo, "indígena" logo inferior.

É evidente que hoje, todos nós temos uma forma diferente de ver as coisas e de justificá-las.

(ii) José Teixeira:

Obrigado Cherno pelo ponto de vista que expressas e que é o resultado de uma visão atenta dos acontecimentos in loco.

Tu, melhor que qualquer um de nós podes explicar bem este fenómeno. Creio que na realidade a visão ou concepção de ser "superior" do militar branco só em poucos casos lhe permitia um apaixonamento real, mas da outra parte também se colocavam reservas a meu ver naturais, porquanto um militar branco não ficaria na Guiné, após a passagem à "peluda".

Muitos de nós tínhamos assumido compromissos de namoro, noivado e casamento em Portugal.
No entanto conheci camaradas que se apaixonaram por jovens africanas e não eram correspondidos, pois já estavam prometidas em casamento na maior parte dos casos. Também conheci jovens africanas apaixonadas por camaradas meus.

Eu ainda hoje trago na mente a imagem da minha lavadeira, como a mais linda mulher que conheci, a qual estava prometida a um filho do chefe de tabanca, pelo que se distanciava de nós. Nas vezes que voltei à Guiné, tive a oportunidade e a alegria de me reencontrar e conviver com ela e com o marido
As intimidades partilhadas, eram em muitos casos resultantes de um aproveitamento por parte do militar branco do seu poder económico e o poder das armas, aliados às necessidades hormonais como diz o C. Martins, de uma juventude afastada do seu modus vivendi.

(iii) Cherno Baldé:

A minha visão deste fenómeno em particular não pretende ser completa, nem neutra e muito menos deve ser vista como imparcial, é simplesmente uma opinião de quem (con)viveu a época com as suas naturais limitações de análise, viu e sofreu juntamente com os seus irmãos "mulatos" as difíceis experiências e as mil e uma interrogações sem respostas de crianças que estavam a crescer num mundo que à partida não devia ser deles e eram tratados em conformidade.

Acontece que o fenómeno dos filhos mestiços entre nós não era de todo inédito, pois já os comerciantes lusos, em tempos anteriores, tinham feito filhos num contexto diferente e com comportamentos diferentes.

Os da primeira vaga (comerciantes) eram mais responsáveis e assumiam sempre a sua progenitura, muitos dos quais eram enviados para estudar em colégios na metrópole e não havia problemas de maior.

Os filhos da tropa, abandonados, quase todos, viraram brancos "mpelelé" no período após independência.

As promessas de casamento entre familias eram de facto uma realidade, particularmente no seio dos grupos islamizados, mas também não se pode apresentar nenhum caso em que um soldado "tuga" fosse apresentar-se aos pais de uma bajuda com uma proposta séria de casamento, nenhum.

Posso garantir-vos que a maior parte das mulheres casadas com soldados nativos ou milicias daquela época já estavam prometidas a outras familias ou pessoas, mas sempre que foram colocadas perante factos reais (por força do estatuto militar, capacidade financeira ou decisão firme das filhas e pretendentes), os anciões guineenses souberam sempre decidir pela razão, pela bondade e bom senso que caracteriza a mentalidade primitiva dos africanos da época.

Reconheço e aceito o meu etnocentrismo, obrigado e mais não digo,

PS - E, por sinal, são estes filhos de comerciantes lusos, caboverdianos e sãotomenses que, mais tarde, bem instruídos e conhecedores do mundo e da realidade portuguesa, vão formar a nata da elite politica que vai reivindicar o direito a emancipacao e a independência dos territórios do ultramar.

(iv) Antº Rosinha

Não se deve confundir uma simples queca de um soldado ou de qualquer jovem numa breve passagem (2 anos) pela África colonial, com o fenómeno da mestiçagem luso-africana ou luso-brasileira.

Toda a secular colonização portuguesa foi baseada num ambiente mestiço.

Os últimos anos (13) de guerra do Ultramar colonial, que representam o fim do império, não são representativos do ambiente colonial.

O ambiente mestiço das colónias portuguesas (antes da guerra) era muito respeitável, e foi pena que se extinguiu ou esteja em vias de extinção porque era um modelo digno de ser preservado e imitado.

O PAIGC guineense eliminou esse ambiente mestiço com o 14 de Novembro de 1980.

Penso que se está mantendo e desenvolvendo esse fenómeno em São Tomé, Caboverde e Portugal.

O "bulyling" sobre estudantes mestiços no liceu de Bissau, após o 14 de Novembro era perigoso e muito difícil.

Colega meu sãotomense teve que reenviar os filhos para Portugal, nesses tempos.

Pessoalmente penso que era naquele bem-estar mestiço que sonhavam os fundadores do MPLA. PAIGC e FRELIMO, quando resolveram partir para a independência.

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Nota do editor:


(*) Último poste da série > 8 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11360: (Ex)citações (217): Lavadeiras... e favores sexuais na Empada do meu tempo (José Teixeira / Arménio Estorninho, "maiorais" da CCAÇ 2381, 1968/70)

domingo, 14 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8670: Blogoterapia (185): Ageism ou a discriminação face à idade? (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 12 de Agosto de 2011:

Boa noite
Sexta-feira à noite com um fim de semana à porta, quem é que se lembra de "amandar" para a blogosfera trabalho para os editores? Quem?

Estive a rever o texto anexo e, como já "amadureceu" durante um mês, resolvi enviá-lo com desejos de bom fim de semana e um abraço
José Martins



Ageism ou discriminação face à idade?

Já não sei quando, o facto que aqui recordo ocorreu, mas já foi há dois ou três anos, mais provavelmente no segundo trimestre de 2008.
Inscrevi-me para uma formação da então CTOC (Câmara dos TOC’s, hoje Ordem) que deveria ter a duração de 12 horas, sendo de oito horas no primeiro dia e as restantes quatro no dia imediato.
.
As acções de formação são “como que obrigatórias” já que por cada hora de formação é atribuído “um crédito”, créditos esses que terão de somar 70 em cada biénio, necessários para a continuidade do exercício da profissão.
Passada esta nota explicativa, entremos na história, que começa na cantina da Universidade Lusíada, à Junqueira/Lisboa.

Depois da credenciação e obtenção dos cadernos de apontamentos sobre os temas versados na formação, vários impostos provavelmente, estava a “fazer horas” tomando uma bica, quando se aproximou alguém que, trazendo numa mão uma chávena de café e na outra os cadernos distribuídos, me perguntou se se podia sentar na minha mesa.
Acedi, naturalmente, à solicitação do colega, apesar da sala apresentar muitas mesas vazias, tendo-se apresentado como sendo Gabriel.

Naturalmente entabulamos conversa mas, curiosamente, não foi sobre a matéria fiscal que ali nos levava.
Na aba do meu casaco ostentava o emblema da Liga dos Combatentes e, provavelmente, foi essa a razão pela qual fui procurado por esse colega que, a páginas tantas, me disse que também éramos “colegas de guerra”, ou melhor “camaradas de armas” lembrando que “colegas” eram as “outras senhoras”.
Realmente tinha reparado que coxeava um pouco e apertado por baixo do braço trazia uma bengala para apoio.

Falámos de banalidades, como se impunha, e disse que era do Algarve e, não tendo podido inscrever-se na acção que ia decorrer em Faro ou noutro local mais próximo onde a mesma decorresse, optara por deslocar-se a Lisboa para não perder a oportunidade de assistir à apresentação do tema.

A idade que apresentava e como depois vim a saber, era mais do que aquela que eu contava. Ele já estava no limiar dos 65 anos e tinha ido para o ultramar como Alferes Miliciano Atirador, onde viria a ser promovido a Tenente a meio da comissão, por ter sido mobilizado já com algum tempo de serviço na metrópole. Lá, como oficial subalterno mais antigo, tocou-lhe comandar uma coluna de reabastecimentos que, devido a uma manobra inopinada do condutor, a viatura fez detonar uma mina não detectada que originou que ficasse algumas horas “entalado” na viatura em que seguia, o que lhe valeu, além da fractura da perna nunca recuperada, passar aos serviços auxiliares até ao final da comissão.

Com a aproximação da hora de início da formação, aproximámo-nos da sala que nos estava destinada, a acção decorreria simultaneamente em várias salas, mas nós estávamos destinados à mesma, pelo que, apesar da atenção que tínhamos de dedicar ao formador, fez com que nos “aproximássemos” mais, para além da profissão e condição de combatentes.

Acabamos por procurar, no exterior das instalações da universidade, um local para almoçar, optando por uma daquelas tascas que por ali abundam e, pela concorrência natural entre todas, acabam por fornecer refeições aceitáveis e a preços convidativos.

Aqui, e noutros momentos que a seguir descriminaremos, fiz o papel de ouvinte. Era curiosa a história da sua vida. E, se a sua experiência militar não lhe trazia recordações agradáveis, pois apesar da deficiência não era considerado DFA (deficiente das forças armadas), nem lhe tinha sido atribuído qualquer grau de desvalorização mas, o que lhe trazia maior desgosto, era a forma como se considerava descriminado pela sociedade em geral, nomeadamente mais pela idade do que pela deficiência.

No dobrar do século XX para o século XXI, aconteceu-lhe aquilo que, a maioria da nossa geração tinha como “dado adquirido”: um emprego para a vida, com dez, quinze e mais anos de antiguidade, tendo apenas conhecido alguns empregos, de alguns meses, aquando do início da carreira profissional e antes de cumprir a tropa.

Estando no Algarve, foi fácil encontrar uma colocação num agente imobiliário que, além de proceder ao estudo e organização de empreendimentos, acabava na maior parte dos casos, em prestar serviço de gestão, assistência e manutenção nos edifícios, já que muitos dos proprietários eram estrangeiros.
Mas, sem que qualquer sinal tivesse sido sentido, a empresa acabou por fechar, com um passivo enorme, devido a transacções não reflectidas na contabilidade e falta de pagamentos ao Estado, ficando a totalidade dos empregados, nos quais o Gabriel se incluía, no desemprego, sem direito a qualquer indemnização, já que a empresa tinha elevadas dívidas, e os seus activos estavam quase todos hipotecados.

Foi nesta altura que, já que uma desgraça nunca vem só, a situação familiar acentuou-se, não só porque os rendimentos diminuíram substancialmente, mas a sua presença em casa, por inactividade profissional, levava ao inverso da situação anterior ao seu desemprego: agora era a esposa que saía antes do marido e, quando chegava a casa, ele já lá se encontrava.
A situação tornou-se intolerável para o Gabriel.

As discussões tornaram-se frequentes, com acusações mútuas, com a presença dos filhos que, já espigadotes, arranjaram um óptimo leitmotif para obterem certas benesses, muitas vezes com a opinião diferente do outro cônjuge, já que utilizavam a expressão “só falta tu estares de acordo. O pai, ou a mãe, já concordaram”.

Esta situação levou a que, para resolver os problemas que se avolumavam, já que encaravam a hipótese de divórcio, ao que os filhos se opunham, não por querer ver os pais juntos, mas porque esse situação levaria à venda da vivenda, ainda que pequena, em que viviam, perto do “mundo dos filhos”, porque estava perto da praia, perto da escola, perto dos amigos, perto das diversões. Nem pensar mudar de casa e, sobretudo, de estilo de vida. Mais lenha a fogueira, em que as labaredas cresciam cada vez mais alto.

Fizeram um acordo: A casa ficaria pertença da mulher, onde viveria com os filhos e ele iria ocupar um anexo nas traseiras, ao fundo do quintal, que dava para a rua paralela. Tudo ficaria resolvido. Tudo não, já que a ocupação do anexo, não permitia a vinda de amigos de fora, para lá passarem as férias. Do mal, o menor.

Estas “recordações” foram reveladas, melhor, foram desabafos desse meu colega, durante o almoço e parte final do dia, em que lhe dispensei algum do tempo que mediou entre o final das acções de formação e o jantar com a família, como se impunha. Ele iria jantar e passar a noite no quarto que tinha alugado numa residencial.

No dia seguinte, de que a formação só ocupava a parte da manhã, prometi-lhe que almoçaríamos e que disporia, caso o quisesse, da parte da tarde para o ouvir.

Já mais descontraídos pelo final da acção de formação, optamos por ir almoçar noutro lugar, mais calmo, junto do rio, uma vez que o tempo estava agradável. Acabamos numa esplanada junto a Belém.
Então, o Gabriel, meu colega de profissão e camarada de armas, deixou correr as suas venturas e desventuras, que eram mais desventuras que venturas.

Como “passou a viver” com do subsidio de desemprego, “emagrecido” por descontos não efectuados, já que parte do vencimento eram “extras e subsídios”, não pode aproveitar nenhum biscate que surgisse na sua área de saber, uma vez que teria de assinar, apesar de electronicamente, as declarações fiscais e, para tal, teria que se inscrever nas finanças como profissional liberal, perdendo o direito ao subsidio de desemprego.

Durante algum tempo conseguiu desenrascar-se, ajudando no gabinete de um colega, mas que pagava mal para o trabalho desempenhado. O Gabriel ia aceitando a situação, já que mais valia não perder a mão e sempre se ia inteirando, in loco, das alterações que iam surgindo na lei, porque até tinha deixado de ter acesso ao computador, como anteriormente.

Mas, se não há bem que sempre dure, não há mal que não acabe.

Como tinha informado a CTOC que poderia dar o seu contacto para qualquer pedido de alguma empresa que necessitasse dos serviços de um TOC, recebeu uma carta de uma empresa, a solicitar que entrasse em contacto com eles. Era uma empresa distribuidora de produtos alimentares.
Contactou-os, trocaram as impressões julgadas convenientes e entrou ao serviço dessa empresa, levando consigo a grata impressão de que o passado não era mais que passado. Todos os problemas tinham terminado e, agora, era o começar uma vida nova, até porque se sentia na plenitude das suas faculdades, para o desempenho da função.

A empresa que o contratou e onde ainda prestava serviço, era dirigida por um casal que, não me recordo se eram marido e mulher, se irmãos ou se primos. Recordo-me, isso sim, de que um deles, o que não tinha dirigido o processo de admissão, pretendia ter ascendente sobre o outro, o que conseguia “vetando”, ou melhor, tentando vetar todas as iniciativas do outro, arrogando-se para si próprio a total “infalibilidade”.

O Gabriel, meu colega, apercebeu-se que, durante a fase de recrutamento, havia outros candidatos mais novos. Provavelmente esses candidatos até tinham habilitações académicas superiores, já que este apenas tinha o Curso da Escola Técnica que depois completara com o Instituto Comercial, mas tinha a prática que, nesta como na maioria das profissões, marca a diferença.

Ajustadas as condições, e desta vez salvaguardando que toda a remuneração seria objecto dos descontos legais, há que prevenir o futuro com os erros do passado, apresentou-se na data acordada para iniciar a sua colaboração.

Do técnico anterior não recebeu qualquer indicação. Este já não estava no mundo dos vivos há já algum tempo, pelo que o Gabriel “herdou” uma “situação anómala”: registos atrasados, declarações fiscais em falta, pagamento não efectuados, muito papel e, sobretudo, muita confusão.

Quando chegou a altura de ser apresentado ao sócio gerente, que não conhecia e de quem apenas havia ouvido falar vagamente, ficou surpreendido pela forma fria, vaga e distante com que foi recebido. Mais: quando ia a sair do gabinete desse gerente não pode deixar de ouvir, e disso fez questão “esse patrão”, ao dizer aos sócio que, “apesar de tantos candidatos, logo foste escolher o velho”, enfatizando a palavra.

Como a vida tem de “ser tocada para a frente”, o Gabriel lá se dedicou à analise da situação fiscal e financeira da empresa, que era a área que poderia deixar “mais mossa” na empresa, inteirando-se da situação real, contactando as finanças e outros departamentos estatais, apresentando requerimentos para suspender processos já em curso e solicitando a prorrogação de prazos para satisfazer os compromissos estabelecidos por lei, alegando para tal a saída, por falecimento, do anterior TOC.

E as “coisas” foram retomando o seu curso normal. A contabilidade foi recuperada, tendo apenas um atraso considerado normal; as contas dos bancos foram controladas e deixou de haver a necessidade de efectuar depósitos imediatos, para restabelecer os saldos positivos nas contas; controlaram-se os créditos sobre os clientes e os débitos aos fornecedores, e os saldos das contas passaram a estar controlados; as obrigações fiscais e parafiscais, foram actualizadas e passaram a ser cumpridas atempadamente; até que, porque quando se julga que já se domina a situação, “aparece um esqueleto do armário”.

Quando, como dizíamos, tudo parecia ter regressado à normalidade, surgem junto do Gabriel, acenando histericamente um papel, perguntando como é que é possível que tenha descorado “aquele assunto”; como é que era possível um profissional, já que como tal o tinham contratado, cometesse uma enormidade daquelas.
Estupefacto perguntou do que é que se tratava, mas como resposta obtinha aquela velha expressão, de quem quer criar um caso seja qual for o motivo, perguntando mais alto “mas como é que é possível tal desatenção?”; como é que é possível “deixar passar um pagamento sem ter avisado para esse facto?”; quem estava a “tentar prejudicar quem?”.

Não foi possível saber, sequer tentar entender o que se passava, já que o papel, melhor, uma fotocópia, lhe foi atirado para a secretária, antes de sair batendo com a porta.
A sua experiência aconselhou-o a, com calma, tentar saber o que se passava.
A falta a que se referia a notificação fiscal, que mencionava um período de há cerca de dois anos atrás, era a falta de entrega da declaração e o competente pagamento de IVA, mas cujo apuramento estava devidamente lançado na contabilidade e o pagamento titulado por um cheque pessoal de um dos sócios, e, por isso, creditado na sua conta.

Os lançamentos contabilísticos estavam correctos, mas havia a falta de prova do pagamento, passando a “pesar sobre os ombros” do novo TOC a responsabilidade daquele processo já que, no entender desse gerente, “os erros de um contabilista, têm de ser pagos pelo que vier a seguir”.

Bem. Parece que deu trabalho, mas a verdade surgiu: Como era no seu gabinete que o anterior TOC tratava de “tudo”, indicava aos seus clientes qual o valor dos impostos que era necessário pagar ao Estado, recebia esses valores, que depositava, e efectuava uma transferência bancária, a partir da sua conta, para a regularização dos pagamentos.

Depois de “desembrulhada”, a situação era simples. Como um dos sócios estava ausente da empresa, para pagar o IVA foi emitido um cheque da conta pessoal de um dos gerentes, situação regularizada no dia seguinte. O contabilista procedeu ao registo da operação, mas, não só não depositou o cheque que recebera, como também não efectuou o pagamento do imposto, já que entretanto adoecera e perdera o controle da situação. Como a conta pessoal do sócio não era analisada pelo mesmo, já que o saldo existente “lhe dava algum conforto”, nem se apercebeu que o montante do cheque nunca foi abatido no seu saldo.

Com a situação esclarecida e verificado que o cheque nunca tinha sido descontado, aliás tinha sido recebido com os “papeis que vieram do gabinete da contabilidade” e ficado retido na “gerência”, foi pago o competente imposto e as coimas e custas do processo, mas ficou sempre como “uma nódoa no curriculum do Gabriel, o velho da contabilidade”, como era conhecido em surdina.

O tempo foi correndo e, talvez um ano depois, apareceu um dos sócios acompanhado por um rapaz, a rondar os trinta anos, que apresentou como seu afilhado, solicitando-lhe que, nas semanas seguintes, arranjasse algum serviço para o rapaz “se entreter e começar a saber o que era a vida “, já que tinha frequentado um curso de gestão na universidade e agora era preciso fazer o estágio.

O Gabriel “adoptou” o seu novo estagiário transmitindo-lhe aquilo que gostaria de ter transmitido aos seus filhos, caso tivessem escolhido a mesma profissão que ele abraçou. O rapaz, que era inteligente, aprendia com facilidade o que lhe era ensinado mas, sempre que podia, arranjava desculpas para não aparecer no escritório. Como não havia a obrigatoriedade da sua presença, apesar de ter “ordenado para fazer face às despesas de rapaz” além das despesas do almoço e do combustível do carro, esses assuntos deviam ser resolvidos a outro nível.

Um dia, em qualquer caso há sempre um dia, o gerente chamou o meu colega Gabriel para tratar de assuntos relativos à contabilidade e, quando este menos esperava, a conversa “virou-se” para a idade e, inesperada e inexplicavelmente, perguntaram-lhe:
- Quando é que se reforma? Já está na idade, não é? Ou pretende antecipar a idade da reforma, como na função pública?

- Não, não estou a contar pedir a reforma antecipadamente. Para ser sincero, nem tenho pensado nesse situação. Quando chegar a altura e se as condições assim o determinarem, será altura para pensar e decidir.

- É que nós estamos a contar entregar a contabilidade ao nosso afilhado. Ele tem aprendido bastante, não tem? Já está capaz de resolver o nosso problema. Tenho que o entusiasmar para se inscrever na vossa associação.

O Gabriel achou estranha esta atitude. Todos sabiam que o “estagiário” ainda tinha uma prova a ultrapassar: a inscrição na CTOC, hoje OTOC, mas mais estranhou o tema daquela conversa que, a todos os títulos, era desprovida de oportunidade, quando toda a atenção se devia concentrar no fecho de contas e apresentação das mesmas.

O almoço, já longo, tinha de acabar, já que o Gabriel ainda ia fazer o percurso até ao Algarve e, ainda, queria passar pelo escritório.
Despedimo-nos e desejando-nos mutuamente felicidades e êxitos pessoais e profissionais, cada um rumou o seu próprio destino.

Nunca mais pensei nesta história. Melhor: pensar, pensei, mas nunca senti o impulso de pegar no telefone e saber o que se passava com esse amigo. O dia a dia, o trabalho, a família, os amigos próximos e com interesses comuns, os novos desafios, e outras coisas mais, levam a que quando nos lembramos de algo, não estejamos no local certo ou à hora adequada para tentar um contacto telefónico.

Neste ano, que se aproxima a altura de chegarem os 65 anos, já que sou da “colheita de 46” e influenciado, talvez, pela leitura do livro “Discriminação da Terceira Idade” da psicóloga Sibila Marques, numa edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos [cuja leitura recomendo, vivamente], lembrei-me deste caso singular, mas que é fruto da tentativa que existe no ser humano de descartar, sempre que é possível, os mais idosos, desprezando a maior parte da vezes o seu “saber de experiência feito”, e, no mundo do trabalho, mesmo que se tenha um resultado de menor qualidade, opta-se por pagar menos, mantendo as novas gerações em situação de precariedade, sem poderem almejar novos voos, acenando-lhes com novos modos de vida mas retirando-lhes a possibilidade de os alcançarem sem recorrerem a créditos que, mais tarde e tarde demais, vêem que não podem manter.

Foi então que procurei o telemóvel do Gabriel e lhe telefonei. Em resposta ouvi uma gravação que, na sua voz impessoal, informava que “o número do telefone para o qual ligou, não está atribuído”.

Teria ligado mal. Enganei-me no número ou não o marquei na totalidade? Bem, nova chamada para esclarecer dúvidas. Não havia qualquer dúvida. Marquei, digito a digito, e a resposta foi a mesma: “o número do telefone para o qual ligou, não está atribuído”.

Pensei e melhor o fiz – passar à fase B: ligar para a empresa directamente.

Sabia o nome da empresa, a tal de distribuição de produtos alimentares, no Algarve, procurei o número de telefone na Internet e validei-o junto da telefónica, pelo que não restava dúvidas que era o número pretendido.

Escutei do outro lado da linha uma voz feminina, que me pareceu jovem, e pedi para me ligarem à contabilidade com o Sr. Gabriel, o Sr. Gabriel Anjos.

Em resposta disseram-me que não trabalhava lá nenhum Sr. Gabriel. Não seria engano no número de telefone?
Respondi que não, que o nome que tinha era Gabriel Anjos e a firma era aquela, e que tinha estado, há já algum tempo é certo, com o Gabriel e que me tinha falado da empresa.

- Não! Sou filha dos donos da empresa, que já existe há mais de quinze anos. Nunca cá trabalhou nenhum Senhor Gabriel e, a contabilidade, sempre foi feita no gabinete de contabilidade do meu avô.

Que se passou então naqueles dois dias, há alguns anos, junto a Belém? Será que foi um sonho que tive que, de tal forma ficou marcado no meu subconsciente, que me pareceu real?

Mas a empresa de distribuição, esse, existe. Falei com a filha dos proprietários, tem nome e número de telefone.

Quem é este GABRIEL?
Algum mensageiro que me quis alertar para o futuro?

José Marcelino Martins
12 de Julho de 2011
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8627: Patronos e Padroeiros (José Martins) (21): Mártir S. Sebastião, Padroeiro dos Arqueiros, da Infantaria e dos atletas (José Martins)

Vd. último poste da série de 10 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8537: Blogoterapia (184): Documentos perdidos, de muito atrás do tempo (José Martins)

terça-feira, 30 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4608: Eu e o João Bacar Jaló, em Catió, em finais de 1964 (Santos Oliveira)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Da esquerda para a direita, o Carlos Silva, o Santos Oliveira e o José Rocha.

Foto: © Santos Oliveira (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem enviada ao nosso co-editor, em 22 de Fevereiro de 2008, pelo Santos Oliveira (*), e que nunca chegou a ser publicado no nosso blogue... Porque ele ontem fez anos, achámos oportuno repescar este texto em que, ao evocar a figura do João Bacar Jaló que ele conheceu em finais de 1964, em Catió, o próprio Santos Oliveira acaba também por revelar facetas da sua personalidade de grande homem, militar e português, a sua nobreza de carácter e o seu sentido de justiça.

Recorde-se que o nosso camarada Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, estve no Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66 (**)...

Caro Briote,

Saudações fraternais

Em 29 de Janeiro [de 2008], escrevi-te:

Caro Briote:

Obrigado pela tua consideração para comigo. Eu ajudo qualquer um de nós, porque um Ranger com preparação especial para ser infiltrado sozinho, é sempre um Homem solitário.

E se isso parece não me ter perturbado (pela preparação que então tive), com o passar dos anos vai-se tornando um enorme e gigantesco problema psicológico em que o pivot principal é a solidão.

Disso, creio, não me livro mais. É demasiado profundo. Portanto só resta abrir um pouco a mente e tentar ser o Eu original (sensível, atento, prestável, etc.).

Fiquei em sentido (e com as lágrimas nos olhos) com a continência que me fizeste.

Fizeste-me lembrar um episódio que se passou em Catió, em finais de 1964, quando aí me desloquei para assistência Médica mais especializada (urinava sangue, porque apenas bebia água, a qual era transportada em pipos de tinto e que a tinto sabia e cheirava).

Estava encostado ao muro da Messe de Sargentos e vejo, vindo desde o Quartel, um Militar Nativo, que, uns dez passos antes, se perfila e me faz continência, conforme os Regulamentos.

Olhei para um lado e para o outro, não vejo ninguém ali perto, correspondi à mesma e só então reparei que era um Alferes (segundo os galões que ostentava). Hesitei, mas acabei por ganhar coragem e chamei:
- Oh, meu Alferes! Por favor. Eu sou quem tem de lhe fazer continência.

Atrás de mim uma risada colectiva de vários camaradas.
-Ele não te conhece e por isso é que te fez continência.
-Porquê ? - perguntei.
-É que ele é Alferes de Segunda Classe.
-Segunda Classe? O que é isso? - retorqui.
-Os nativos, quando comandam tropas, são uma espécie de Graduados, mas são sempre inferiores - esta doeu-me e ainda me dói - aos brancos.

Eu, nunca havia ouvido tal e fiquei escandalizado. Voltei-me para o meu Alferes (de 2ª) e disse:
-Meu Alferes, quando se cruzar comigo, sou eu quem lhe deve continência. Está bem?
-Sim, meu Furrié.

Ali, fiquei a saber (o que era normal em Portugal, mas não desta forma) que havia, classificados, Portugueses de primeira e de segunda.

Foi deste modo que conheci, pessoalmente, o saudoso João Bacar Djaló, a quem, postumamente, homenageio.”

Agora, no Post de 21 de Fevereiro [de 2008] (***), informas que:

Há qualquer coisa que não bate certo. Na altura, finais de 1964, o nosso João Bacar Djaló já usava os galões de Alferes e era filho do Régulo. Tive mesmo uma “competição curiosa” (apostas de Furriéis), num dos dias seguintes ao meu 1º encontro com ele, que me custou uma data de cervejas, apenas porque o mítico Djaló disparou, com a sua velha Mauser, não só mais rapidamente que eu com a G3 em semiautomático, como acertou 4 e eu apenas 3, em cinco tiros. Senti-me envergonhado e nunca, na vida, vou esquecer o seu valor.

É, também por este episódio, que estou seguro que o Alf João Bacar Djaló já usava os galões de Alferes, que, aliás, eram de inteiro mérito, ante o que ouvia ter ele feito pelos nossos.

Sem polémicas, admirável amigo. Não quero, mesmo, polémicas. Já tenho, só pelo que se passou comigo, erros e polémicas Administrativas a mais.

Grato por me leres.

Aquele enorme abraço, do Santos Oliveira
__________

Notas de L.G.:

(*) 24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

(**) Vd. postes da série Álbum Fotográfico de Santos Oliveira:

15 de Outubro de 2008 Guiné 63/74 - P3318: Album fotográfico de Santos Oliveira (1): Tite

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3416: Album fotográfico de Santos Oliveira (2): Tite, Tempestade tropical

10 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3434: Album fotográfico de Santos Oliveira (3): Tite, dia de ronco

15 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3458: Album fotográfico de Santos Oliveira (4): Tite

23 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3505: Album fotográfico de Santos Oliveira (5): Tite, Outubro de 1965

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3577: Album fotográfico de Santos Oliveira (6): Tite e Enxudé

24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

(***) Vd. poste de 20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2569: Tugas - Quem é quem (3): João Bacar Djaló (1929/71) (Virgínio Briote)

Vd. também:

2 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4275: Tugas - Quem é quem (4): João Bacar Djaló (1929/71) (Magalhães Ribeiro)

9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4313: Tugas - Quem é quem (5): João Bacar Jaló (1929-1971) (Benito Neves, Mário Fitas e João Parreira)

sábado, 17 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2274: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (6): Luís Cabral, os assimilados e os indígenas (António Rosinha)

1. Texto do membro da nossa tertúlia Antonio Rosinha , enviado em 14 de Novembro de 2007 (1):

Assunto:
Luís Cabral na RTP, e os assimilados e indígenas

Luís, penso que nunca escrevi tanto em tão pouco tempo, como por tua causa. Primeiro, porque não tenho jeito, segundo porque não gosto.

Penso que nunca tive madrinha de guerra porque era preciso escrever. Peço-te que faças o melhor, quando vires alguma calinada embrulha e manda para o cesto.

Queria falar de uma pessoa, guineense, que vi governar e cumprimentei mais que uma vez, pois ele fazia questão de cumprimentar toda a gente, Luís Cabral. E de um assunto que ele abordou n[o 5º episódio da sére documental, de Joaquim Furtado] A Guerra, que é o assunto dos assimilados e indígenas (2).

Eu, que era um apolítico completíssimo, achava naturalíssimo na altura que uma pessoa que nunca tivesse calçado uns sapatos, que nunca tivesse vestido umas calças, nem pegado num lápis ou papel, deveria ter um estatuto diferente daquela que vestia e calçava como eu, embora os dois fossem negros. Depois das explicações na RTP, não percebi se era errado ou certo fazer a destrinça.

Luís Cabral falou em quarta classe e mais alguma coisa que não entendi bem, mas não sei se chegou a condenar ou a aprovar essa discriminação colonial.

Mas uma coisa eu posso afirmar: Ele, Luís Cabral, enquanto governante, não distinguia muito bem uns e outros, desde que fossem povo, e principalmente rapazes.

E o que vou dizer, sei que temos tertulianos que podem corrigir ou desmentir aquilo que me foi dado observar e que relato. Passou-se pouco antes de Luís Cabral ser deposto em 14 de Novembro de 1980:

Com a Independência, bastante fresca, todos os jovens afluíam a Bissau.. Trabalho a zero, desorganização a mil, qual a solução?

Muito facilmente o governo resolveu o problema: Grandes camiões Volvo à entrada das principais vias de acesso à praça... Logo pela manhã, umas dezenas de polícias de cacetete e armas de fogo, junto a cada camião, e lá iam os camiões carregados para uma esquadra perto do Alto Crim, de onde, com cunhas e alguns pesos, eu consegui tirar 3 ajudantes meus que não possuíam um documento em como trabalhavam para a Tecnil.

Isto é, aquele pessoal era recambiado para as tabancas de origem pois, quer fosse rural ou não, soubesse ler ou analfabeto, se não tivesse trabalho ia para a tabanca. Sem mais comentários.

Passados alguns tempos, Luis Cabral foi substituído. Para melhor? para pior? Melhor, sem comentários, tal a situação a que chegou a Guiné.

Luis, parece que a RTP, com o programa sobre A Guerra, não conseguirá sair do óbvio de há 30 anos para cá. Talvez dê para umas achegas nesta tertúlia.

Um abraço,
António Rosinha

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Nota dos editores:

(1) Vd. posts de:

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2201: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (2): Eu estava lá em 1961 e lá fiquei até 1975 (António Rosinha)

11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1358: Nostalgias (1): No cais do Xime, dois velhos Unimog pedindo boleia a algum barco (António Rosinha, ex-topógrafo da TECNIL)

29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(2) Vd. posta anterior desta série > 1 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2234: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (5): Os bons, os maus e os vilões (Torcato Mendonça)