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sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24653: Notas de leitura (1616): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (2) (Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Publicada em finais de 2015, este trabalho de Álvaro Nóbrega facilita-nos, pela abrangência do estudo, a tomar o pulso à realidade política e social da Guiné-Bissau através da sua complexidade sociocultural, como emergiram as elites, como houve um processo etiológico durante a chamada luta de libertação que acabou por desaparecer dando lugar a formas por vezes amalgamadas de gente de diferentes partidos, até com formação superior, com valores tradicionais, vive-se a perene tensão entre os políticos e os militares, estes às vezes também se juntam para fazerem negócios que dão pelo nome de exportação de madeiras exóticas, tráfico de armas ou narcotráfico. Álvaro Nóbrega compulsa com rigor estes elementos do Estado, disseca a orgânica das elites e expõe os diferentes aspetos que têm vindo a contribuir para dificultar a construção de uma democracia na Guiné-Bissau. É um livro de referência, facilita o debate para entender e procurar superar as disfuncionalidades de um Estado a quem chamam de frágil ou falhado.

Um abraço do
Mário



Uma soberba investigação sobre uma Guiné-Bissau que viveu a guerra civil, dilacerante (2)

Mário Beja Santos

Álvaro Nóbrega, Doutor em Ciências Sociais e professor universitário, é autor de uma obra de referência "A Luta pelo Poder na Guiné-Bissau" (2003), e na sequência desse primoroso trabalho produziu Guiné-Bissau: "Um caso de democratização difícil (1998-2008)", Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015. Este ensaio, de leitura obrigatória, desvela o itinerário ziguezagueante das instituições democráticas e pluralistas na Guiné-Bissau; o investigador reflete a fundo sobre as condições do nascimento do Estado, após uma prolongada luta armada de libertação nacional, elenca sobre as fragilidades, os erros, a vertigem dos cargos, o nepotismo, a tentação tribal, a Nação firme, mas o Estado volátil; enfim, importa esclarecer se faz vencimento aludirmos a um Estado frágil ou falhado ou supor que haverá outros itinerários, que seguramente requerem imensa coragem, a trilhar para consolidar a democracia e o respeito pelas instituições.

Já se passou em revista o nascimento do Estado independente, subsequente a um período de luta, e revelaram-se equívocos e falhas em todo o processo da transição entre um Estado monopartidário para uma democracia pluralista. Agora Álvaro Nóbrega procura saber quem é a elite política da Guiné-Bissau, quem se pauta por princípios da modernidade e quem mantém valores tradicionais. E ajustadamente lembra-nos que o último estudo sério data do período colonial, intitulou-se Mudança sociocultural na Guiné Portuguesa, e foi o seu autor José Manuel de Braga Dias, 1974. Recorda os autores que estudaram o processo histórico da formação das elites, como os princípios por que se regia Cabral foram rapidamente pervertidos e voltaram a ganhar peso a ligação ao chão, a ligação patrilinear ao clã, a utilização de linguagem ofensiva para quem tem família fora da Guiné, invetivando-se a origem sírio-libanesa, cabo-verdiana ou são-tomense.

Como escreve:
“O Movimento Reajustador de 1980 espoletou uma reação popular e hostil aos mestiços, levando a que muita gente da praça, crioula portanto, fosse à procura da sua genealogia de referências étnicas que porventura já estavam algo esquecidas e as recuperasse. Outras optaram contrariados pelo exílio, dando início a um movimento migratória crioulo ou não-crioulo para o exterior. A crioulidade é expansiva e integra indivíduos sem quaisquer ligações biológicas europeias, cabo-verdianas, levantinas e até goesas. Tornaram-se eles próprios gente da praça, sendo vistos como brancos (por se considerar terem adotado os seus costumes) quando visitam as aldeias dos seus pais e avós. A este grupo pertencem, também, alguns islamizados que, pela educação de matriz portuguesa, alcançaram cargos administrativos importantes ainda no período colonial”.

O peso crioulo vai até aos bairros periféricos e aqui a elite moderna interseta-se com as tradicionais. Mas há um momento determinante que mudou a abrangência e a forma das elites: a chegada de novos grupos por via eleitoral. O conflito político-militar iniciado em 7 de junho de 1998 trouxe exacerbamento étnico, começou a falar-se do aparelho de Estado dominado pelos Balantas, do seu conflito permanente com os Mandingas, ganharam influência as elites religiosas, com as mudanças constantes de governos cresceu o apetite pela distribuição de lugares governamentais, lutas internas dentro dos próprios núcleos da elite governante, os interesses grupais, a avidez pela ascensão ao mando e controlo da ajuda internacional ou de fazer parte de um qualquer projeto prometedor de exportações ou até ligação ao negócio de armas ou droga, foi ganhando projeção. O autor não deixa de chamar a atenção para a presença feminina em atividades que ajudam a complementar o rendimento familiar e não deixa de ser curioso analisar os quadros que ele apresenta de distribuição dos deputados por profissão e partido, tendo também em conta a ligação ao funcionalismo público, o nível de escolaridade, onde estudaram, a pertença étnica.

Outra matéria que Nóbrega equaciona é a legitimidade histórica tradicional, isto é, as práticas políticas modernas precisam de se legitimar, em muitos casos, no primado das tradições, e dá exemplos que têm a ver com a retoma do fanado.

O peso político dos militares ganha expressão com o conflito político-militar iniciado em 1998, até aí Nino Vieira tinha mão de ferro sobre a conduta militar, sabia pagar lealdades e distribuir mordomias, isto para sublinhar que não havia uma separação efetiva entre a política e as armas.

A figura da Junta Militar espevitou violências, ressentimentos, descontentamentos, ajustes de contas, rivalidades, servir-se da tropa para conduzir negócios mais do que duvidosos: o abate ilegal de madeiras exóticas, o tráfico de armas, o narcotráfico. Estas Forças Armadas representam um pesado encargo que impediu, impede e impedirá qualquer saúde orçamental. Atenda-se ao que o autor escreve num livro publicado em 2015:
“É um exército de 1869 oficiais (42%), 1218 sargentos (27%) e 1371 soldados. Esta é a razão pela qual o Chefe da Missão Europeia de Apoio à Reforma das Forças Armadas da Guiné-Bissau, entretanto suspensa, declarou que a pirâmide invertida deveria ser normalizada, reduzindo o número anormal de oficiais e suboficiais fazendo aumentar o número de soldados. O problema é de natureza patrimonial. Como os salários são melhores em postos mais altos, há muita pressão dos homens para serem promovidos. A fim de os manter satisfeitos, de assegurar a sua lealdade e incumprimento das obrigações de parentesco, os chefes militares, que não estão condicionados ao controlo civil, são facilmente tentados a dar promoções. Soma-se a este problema a situação não resolvida pelos combatentes da Liberdade da Pátria”.

Todas as iniciativas para reduzir o número de efetivos não têm sucesso, cada vez que há um conflito reintegram-se militares desmobilizados juntamente com novas laivas de combatentes, a resistência dos militares à desmobilização tem a ver com uma vida civil que pouco lhes oferece, sentem que perdem estatuto social e rendimento. E igualmente o autor lembra que contrariamente à maioria dos funcionários públicos cujos salários são pagos com meses e meses de atraso, os salários militares são uma questão mais delicada.

Outro aspeto que se pode considerar relevante para as dificuldades da construção democrática na Guiné-Bissau tem a ver com o papel político das Forças Armadas, aí estão os golpes de Estado para o evidenciar. E o autor desdobra-se em exemplos: em 1999, Ansumane Mané vetou a candidatura de Saturnino da Costa para presidente do PAIGC, proibindo-o de participar no congresso; em 2004 o general Veríssimo Seabra vetou Aristides Gomes para Ministro da Defesa ou dos Negócios Estrangeiros; em 2007, Tagma Na Wai vetou a nomeação de Baciro Dabó para conselheiro presidencial, depois de ter pressionado para a sua exoneração de Ministro da Administração Interna.

São tudo menos pacíficas as relações entre políticos e militares. Atenda-se ao que escreve Nóbrega:
“O respeito pelo guerreiro, o sistema de recompensas e punições, as promoções e as depurações ajudaram a conter os descontentes, até ao dia 7 de junho de 1998. Os amadores, como diria Sori Djaló, passaram a profissionais e o poder político passou a estar refém de umas Forças Armadas que se autonomizaram. O sistema baseia-se na desconfiança e a nomeação de chefias militares próximas, bem como a incorporação de mancebos pertencentes à etnia governante, esta procura minimizar riscos, mas não os eliminam, daí a importância dos serviços de segurança, que vigiam militares e civis, e do sistema de defesa paralelo assente em forças paramilitares com capacidade de combate”. Tudo somado, temos um poder fraco que não controla o poder militar, dele é refém, o único poder temido é o externo. “Os militares estão conscientes de que há algures um limite que, se ultrapassado, pode acarretar a punição da comunidade internacional. É esse o único limite que temem”.

Vejamos agora o presidencialismo e a personalização do poder.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24641: Notas de leitura (1615): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (1) (Beja Santos)

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24533: Notas de leitura (1603): "Análise de Alguns Tipos de Resistência", por Amílcar Cabral; edição conjunta de Monde Diplomatique e Outro Modo Cooperativa Cultural, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Julho de 2021:

Queridos amigos,

O especial interesse desta edição é de incluir uma versão revista da tradução original do crioulo para o português e comentários de investigadores de craveira. O contexto da preparação deste seminário de quadros, que aconteceu em Conacri de 19 a 24 de novembro de 1969, é muito bem apresentado por Carlos Cardoso e Raúl Mendes Fernandes, o PAIGC vivia enormes tensões e a política de Spínola cavara divisões profundas nesses quadros, ao relevar que o desenvolvimento que se pretendia na Guiné era para os guinéus, num pleno respeito pelas tradições e pela melhoria das condições de vida. Foi uma ação psicológica que deu frutos e face à qual Cabral encontrou o seu golpe de asa para mobilizar duas gerações de quadros. Leem-se estas intervenções e é indubitável o vigor do seu génio, estamos perante o construtor de um país.

Um abraço do
Mário



Quando um líder revolucionário, posto à prova, lembrou a verdade da luta do PAIGC

Mário Beja Santos

Esta edição revista e comentada de uma obra basilar para entender o pensamento e ação de Amílcar Cabral, edição conjunta de Monde Diplomatique e Outro Modo Cooperativa Cultural, "Análise de Alguns Tipos de Resistência", 2020, aparece muito bem contextualizada por dois investigadores que procedem a uma leitura analítica sobre tudo o que Cabral disse no Seminário de Quadros de novembro de 1969, em Conacri, dirigindo-se a um conjunto bastante expressivo de participantes, são eles Carlos Cardoso e Raúl Mendes Fernandes. Vale talvez a pena, por isso mesmo, sintetizar as suas observações.

Era um período de graves tensões internas dentro do PAIGC, a direção política e o seu líder encontravam-se numa situação de grande fragilidade, Cabral era contestado, havia o diferendo entre cabo-verdianos e guineenses, rumores e intrigas, o inevitável cansaço dos combatentes devido à longa duração da guerra. E as inovações introduzidas pelo novo governador, António Spínola: campanha de guerra psicológica devastadora, arvorando a causa do desenvolvimento sempre em prol dos guinéus; a africanização da guerra formando uma tropa de elite, os Comandos, seriam o embrião das Forças Armadas da Guiné independente; a propaganda para uma Guiné autónoma, em que as etnias seriam ouvidas regularmente no Congresso do Povo, tudo numa estreita aliança com o chefado tradicional e sobrepondo-se a qualquer tensão religiosa, as peregrinações a Meca ganham insistência. Tudo era difundido e ouvido tanto em Conacri como no mato.

Para rebater quaisquer dúvidas sobre a natureza da luta do PAIGC, Cabral organiza um conjunto de exposições visando a consciencialização dos militantes do PAIGC, dentro de uma lógica que os participantes se iriam transformar em multiplicadores. Como observam estes dois investigadores, a escolha dos participantes procurava uma combinação de duas gerações. 

“Amílcar Cabral tinha uma conceção de luta de longa duração. Esta conceção contrariava as expetativas dos chefes de guerra que ambicionavam uma guerra de curta duração. O Seminário de Quadros foi, por todas as razões apontadas, um fórum estratégico crucial e as intervenções sobre a forma de resistência podem ser consideradas o seu núcleo central”

O que se apresenta nesta edição é uma tradução para português de um conjunto de palestras em crioulo proferidas entre 19 e 24 de novembro.

Ressalta, antes de mais, a assombrosa comunicação pedagógica, com conceitos apresentados de forma simples e sempre com exemplos, nunca descurando a complexidade da explicação. A ideia de transformação histórica longa ligada à luta prolongada tinha a ver com a estratégia de longo prazo, Cabral não tinha ilusões que era imperioso haver tempo para a transformação social, ele próprio ao longo de toda a sua narrativa aponta sem ambiguidades múltiplos erros no seio dos militantes do PAIGC, é severo com quem rouba, com quem maltrata, com o quadro das superstições, por exemplo. 

“Cabral chamava a atenção dos seus camaradas para a necessidade de ter sempre em mente a situação da luta em cada momento. Era, por assim dizer, o bê-á-bá da conduta do militante, tal como ele o concebia”

E daí a perspetiva de “pensar para agir e agir para poder pensar melhor”, uma consigna positiva para estimular o trabalho político, a luta contra o analfabetismo, a intervenção sem medo nos debates, o respeito pela dignidade da mulher e temos depois o corolário lógico de que a resistência é política, é armada, é económica, é cultural, faz apologia a pensar pelas próprias cabeças, a privilegiar a independência de pensamento e as redes de participação. E concluem: 

“Ele continua a fornecer instrumentos úteis para a compreensão de problemas de diferente natureza (política, económica e cultural) enfrentados hoje pelas periferias ou semiperiferias, fios de esperança indispensáveis aos muitos desafios que o atual processo de globalização propõe para as sociedades".

Em torno do conceito de resistência, Cabral vai constituir um poliedro, lança advertências que continuam prementes, muito provavelmente descuradas pelas elites atuais: 

(,,,) “Não podemos aceitar na nossa terra os abusos e os privilégios de grupos ou grupinhos, se de facto queremos libertar o nosso povo. Não vãos libertar o nosso povo só dos colonialistas, mas de tudo quanto o prejudique no caminho do progresso. Temos de eliminar a ignorância, a falta de saúde, e toda a espécie de medo, gradualmente. A maior pressão que existe sobre um povo é o medo. Medo de passar fome, de não ter trabalho, de doenças, de pancada, de ser deportado para S. Tomé, ser preso injustamente. Mas ainda mais, medo de curandeiros, dos que deitam sortes, da conversa dos mouros, do irã, do mato escuro, dos raios, dos relâmpagos. Um povo que tem medo é um povo escravo”

Define a resistência política, há que acabar com todos os abusos, mas também isolar o inimigo.

Afirma-se contra a brutalidade e os horrores da guerra gratuitos: 

“No começo da nossa luta, houve camaradas que nos sugeriram cometer certas atrocidades, mas recusámos. Na nossa luta não há dessas coisas que se passaram noutras terras em África, como matar mulheres e crianças brancas só porque são brancas. Queremos fazer uma resistência política para servir o nosso povo, não queremos que o nosso povo seja sanguinário”

Dirá ao longo de todas as suas intervenções verdades muito incómodas, faz permanentemente apelo aos processos de autossubsistência, fazer-se o reconhecimento daqueles que trabalham a terra e simultaneamente combatem, exige um pleno respeito pela forma como se trata a ajuda internacional, desde a gasolina aos medicamentos, quando necessário ele próprio faz autocrítica, um exemplo: 

“Um erro grave que cometemos na nossa terra foi não cobrar imposto a ninguém depois de a sua área ser libertada. Isso foi um erro. Nós devíamos ser capazes de, depois de libertar uma área como Cubucaré, estabelecer imediatamente o imposto que o povo devia pagar. O imposto, não sendo em dinheiro, podia ser em produtos, para o nosso povo não perder o hábito de pagar impostos e não pensar que, quando tomarmos a nossa terra, não vai haver impostos. Não há terra nenhuma que possa avançar sem pagar impostos”.

É um permanente apelo à mobilização, recorre a fórmulas de orgulho cultural, adianta que a luta que se trava é ela própria o sedimento de uma cultura nova, lembra aos militantes que essa cultura deve desenvolver-se numa base científica, sem crendices. Apela à pontualidade, à discussão, exalta a língua portuguesa. E espraia-se sobre a resistência armada, não poupa as tentações do neocolonialismo e o ponto mais elevado desta pedagogia é estar sempre a apontar para o futuro, demorasse a luta o tempo que fosse necessário, que todos advertissem as populações e multiplicassem a esperança que se estava a construir a História do nosso tempo, havia que manter acesa a esperança de que amanhã se irá viver no progresso.

Repete-se que é um documento basilar para entender o pensamento e a liderança de Cabral e como observam neste livro os seus comentadores é bem patente a pertinência atual da sua narrativa tal como ele expôs em Conacri, em tempos particularmente turvados.

De leitura obrigatória para quem queira entender o que foi o sonho daquele PAIGC que morreu com o seu líder carismático.

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24523: Notas de leitura (1602): "Aldeia Mágica", por Alexandre Faria; Poética Edições, 2019, ilustrações de Ricardo Braz (Mário Beja Santos)

terça-feira, 14 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24142. Blogues da nossa blogosfera (181): Lista de provérbios crioulo-guineenses (página do professor Hildo Honório do Couto, departamento de Linguística, Universidade de Brasília) - II (e última) Parte (M a U)



Guiné-Bissau > Região do Óio > Maqué > 20 de Novembro de 2006 > Poilão, árvore sagrada, habitada pelos irãs, imponente, secular, frondosa, impressionante... mas que deixa de estar ao alcance do machado, da motosserra, do buldózer... Está presente nos provérbios guieenses... Mais uma foto do famoso poilão de Maqué, tirada pelo nosso camarada Carlos Fortunato, ex-fur ml da CCAÇ 13 (Os Leões Negros) (1969/71), na sua viagem de 2006 à Guiné-Bissau e à região do Óio.

Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação do poste P24140 (*):
 recuperação da página do professor Hildo Honório do Couto (Departamento de Lingüística, Universidade de Brasília), sobre provérbios crioulo-guineenses.  Foi capturada pelo Arquivo.pt, podendo ser vista aqui:

https://arquivo.pt/wayback/20090520131527/http://www.unb.br/il/liv/crioul/prov.htm




LISTA DE PROVÉRBIOS - II (e úlima) Parte  (de M a U)


NOTA: As seguintes letras têm valor especial:

N = "ng" do inglês (como em "song")  
 [veja-se: 
Deus fala: pui mon, N judau (= Deus disse: faça sua parte que eu lhe ajudo)]

c = "ch" em inglês (church) [Cuba lê-se "tchuba"]

j = também como em inglês (judge) [Jagudi lê-se "Djagudi]

ñ = como no português "nh" ou "ñ" em espanhol 
 [Galiña lê-se "galinha"]

s = "s" mesmo (saco), nunca como [z] de "casa" [Sibi lê-se "cibi";  sancu lê-se "santchu"]

Nota do editor LG: O leitor português de Portugal pode adaptar a tradução que é em português do Brasil: Si bu misti kume fruta, bu ten ku regua (=se queres comer fruta, precisas primeiro de regar a árvore)... Não quisemos mexer na tradução do autor, por respeito ao seu trabalho)

(139) 

(i) Mandadu ta frianta pe, ma i ka ta frianta korson; 

(ii) Mandadu i ta frianta pe, ma i ka ta frianta korson (= mandar alguém dá descanso ao pé mas não ao coração)

(140) 

(i) Manpatas kru ta kai, kusidu ta kai; 

(ii) Manpatas ta kai kusidu, kai kru (= o fruto do mampatás cai tanto maduro quanto verde)

(141) Mentros ka ta sinti fedos di si boka (= o mentiroso não sente o mau cheiro da própria boca)

(142) 

(i) Mesiñu ki bu ka ta pui na bu caga, ka bu pul na caga di bu kunpañeru; 

(ii) Mesiñu ku bu sibi kuma bu ka na pul na bu caga ka bu pul na caga di utru (= curativo que você não põe em sua ferida, não o ponha na ferida do outro)

(143) 

(i) Mininu koredor, lebal na kabu di reia; 

(ii) Mininu kuridur lebal na ka u di reia;

 (iii) Mininu si falau i ma bu kuri, lebal na kau di reia (= se o menino corre muito, é só levá-lo a terreno arenoso)

(144) Mursegu kuma i na misa Deus, riba di si kabesa k' si urina ta kai (= o morcego mija para cima, a urina cai em sua cabeça)

N

(145) Na no kombersa, ka bu pui boka, pui oreja (= em nossa conversa, não ponha a boca mas o ouvido)

(146) N dadu N da, N ka ta kria kacur (= se dou o que ganhei, não crio cachorro)

(147) Noba ka ta pidi pasaju (= novidades não pedem licença)

(148) Ñambi iasadu, i ka sabi sibi si ta kusidu (= nunca se sabe se o inhame assado está bem cozido)

(149) Ñulidura di pis ka ta tuji barku pasa (= o olhar de esguelha do peixe não impede que o barco passe)

O

(150) Onsa, tudu brabu ki brabu, i ka ta sibi pe di kabasera (= Por mais brava que seja a onça, não sobeno imbondeiro)

P

(151) Paja di kasa, tudu kunpridu ki kunpridu, i ka ta ciga di asna pa bas (= a palha do teto, por mais comprida que seja, não ultrapassa a asna)

(152) Palabra di tras, i uanjan di kosta (= palavras ditas na ausência de alguém ferem)

(153) Panela na fala kaleron: ka bu tisnan (a panela diz à caldeira: não me chamusque)

(154) Panga bariga ka ta kontra ku bunda largu (= caganeira nunca dá em quem tem cu grande)

(155) Papagaiu ta kume miju, pirikitu ta paga fama (= papagaio come milho, periquito leva a fama)

(156) Pati ku pati ka ta kria kacur (= dar e dar de novo não cria cachorro)

(157) Pekador pode kunpridu o kunpridu ma garafa mas iel (= por maior que o homem seja, a garrafa é sempre maior)

(158) Pekadur dalgadu i ta dana moransa (= alguém de maus costumes estraga toda a comunidade)

(159) Pinton cupti galiña, galiña ka paña raiba, pinton k' paña raiba (= o pintinho bica a galinha, que não se zanga; quem se zanga é ele)

(160) Piskadur k' torkia si kanua pa kabalu, i sibi ke k' manda (o pescador que troca a canoa por cavalo sabe porquê)

(161) 

(i) Po pudi tarda o tarda na iagu, i ka ta bida lagartu; 

(ii) Po, tudu tarda ki tarda na iagu, i ka ta bida lagartu (= por mais que fique na água, o pau não vira crocodilo)

(162) 

(i) Praga di buru ka ta subi na seu;

(ii) Praga di buru ka ta ciga na seu (= praga de burro não sobe ao céu)

(163) Puru ka ta kume si ramasa (= o nobre não come o que vomita)

(164) Puti furadu ka ta enci iagu (= pote furado não se enche de água)

R

(165) 

(i) Rabu di sancu i kunpridu, ma si bu rikitil i ta sinti dur; 

(ii) Rabu di sancu i kunpridu, ma si bu na rikitil i ta sinti (= o rabo do macaco é comprido, mas se você o beliscar ele sentirá)

(166) Ratu si ka fila ku si kunpeñeru, i ka ta cama gatu pa raparti elis (= se o rato não se entende com os companheiros, não chama o gato para intermediar)

(167) Ris di lokokon ta nobela ton (= a raiz do lokokon se enrola sobre si mesma)

(168) Riu ka ta inci mar, mar ku ta inci riu (= não é o rio que enche o mar, é o mar que enche o rio)

S

(169) Sabi di ordija kamiñu di fonti (= o caminho da fonte tem cheiro de rodilha)

(170) Saku linpu ka ta firma (= saco vazio não fica em pé)

(171) Sancu beju, gelgelidora ka ta manda i kuspi manpatas ki ieki (= o macaco velho, o coceguento não manda cuspir no mampatás que enche a boca)

(172) 

(i) Sancu ka ta fala kuma si fiju fiu; 

(ii) Tudu fiu ki fiu, nunka bu ka ta fala kuma bu fiju fiu; 

(iii) Tudu fiu ku bu fiu, bu ka ta fala kuma bu fiju fiu (= o macaco nunca diz que seu filho é feio)

(173) 

(i) Sancu ka ta jukta i fika si rabu; 

(ii) Sancu ka ta jukuta pa i fika si rabu (= o macaco não pula sem levar o rabo consigo)

(174) 

(i) Sancu kunsi po ki ta fural uju;

(ii) Kon kuma i ka kunsi po ku ta matal, ma i kunsi kil ku ta fural uju (= o macaco conhece o pau que lhe furou o olho)

(175) Sancu nega papia pa ka paga dasa (= o macaco não fala para não pagar imposto)

(176) Saniñu dana lugar di mankara, ma i ka ta sinti kansera i regua (= o esquilo estragou a plantação de amendoim, mas teve o trabalho de regá-lo)

(176) Sapatu beju ka ta perta si dunu (= sapato velho não aperta o dono)

(177) Seta ka ta de kabesa (= aceitar não dói a cabeça)

(178) 

(i) Si bu banbu na kosta di lifanti, bu ka ta masa paja; 

(ii) Kin ku banbu na kosta di lifanti, i ka ta rosa urbaju; 

(iii) I bambu na kosta di lifanti (= quem anda nas costas do elefante não roça o orvalho)

(179) Si bu da tapada, ka bu suta kau ku bu bati pitu nel (= se você tropeçar, não bata o peito onde tropeçou)

(180) Si bu misti kanblec, bu na kebra kabas (= se você quer cacos, quebre a cabaça)

(181) 

(i) Si bu misti konta, bu ten ku misti liña; 

(ii) Bu misti konta, bu ten k' misti liña; 

(iii) Si bu misti konta bu ten ku misti liña, pa bia, si ka el, di bó i ta dana (= se você quer a conta tem que aceitar a linha)

(182) Si bu misti kume fruta, bu ten ku regua (=se você quer comer fruta, precisa regar [a planta])

(183) Si bu misti obi morna, suta fiju di kantadera (= se você quer ouvir morna, açoite o filho da cantadeira)

(184) Si bu misti obi pasada di bajudesa di bu mame, suta fiju di dona kasa (= se você quiser saber histórias do passado de sua mãe, bata no filho da dona da casa)

(185) Si bu na kuji manpatas, bu ta jubi riba prumedu, pa ka utru bin kai na bu kabesa (= se você colhe mampatás, olhe para cima primeiro a fim de não cair sobre sua cabeça)

(186) (i) Si bu oja dukut muri, dakat ku matal; (ii) Si bu oja kusa muri, sibi kusa ku matal (= se alguém morreu, alguém o matou)

(187) Si bu oja kabesa pirdi, punta bariga (= se a cabeça dói, pergunte à barriga)

(188) Si bu oja karna na pinga, sibi kuma i gurdu (= se você perceber que a caren respinga, saiba que é gorda)

(189) Si bu oja lebri brinka ku lubu, sibi kuma onsa sta pertu (= se você vê a lebre brincar com a hiena, saiba que a onça está por perto)

(190) Si bu oja sancu ba fonti, sibi kuma i ka leba kalma (= se você vir o macaco indo à fonte, saiba que não leva cabaça)

(191) 

(i) Si bu pidi galiña di matu siti, i ta falau pa bu jubi na si kabesa, si tene kabelu, i pa bia i tene siti; 

(ii) Galiña di matu kuma: ora ku bu na pidil siti, bu ta jubi prumedu na si metadi di kabesa; 

(iii) Galiña di matu kuma, antu di bu pidil siti, bu ta jobe nda si si kabisa moju; 

(iii) Galiña di matu kuma, ora ku bu na pidil siti, bu ta jubi prumedu na si metadi di kabesa (= se você pedir óleo de palma à galinha, ela diz para você olhar para a cabeça dela: se tiver penas é porque tem óleo)

(192) Si bu sibi kuma bu ka ten bon porta, ka bu Nguli kuku di tanbakunba (= se você sabe que não tem saída larga, não engula coco de tambacumba)

(193) Si bu sibi kuma bu tene karanga, ka bu bai na metadi di jinti (= se você sabe que tem piolho, não se misture com as pessoas)

(194) 

(i) Sigridu di boka nunka i ka ta kanba dinti; 

(ii) Sigridu di boka ka ta kanba dinti (= segredo de boca não deve ultrapassar os dentes)

(195) Sila ku Prera, dus kurpu nun korson (= Sila e Pereira, dois corpos em coração)

(196) Sintidu di minjer kurtu suma ponta di si mama (= a inteligência da mulher é curta como a ponta de seu seio)

(197) Siti riba con di bijago (= o óleo de palma volta à terra dos bijagós)

(198) Sonbra di pe di kuku, i ka ta taja si fiju (= a sombra do coqueiro não proteje seus filhos)

(199) 

(i) Sonbra di sibi ka ta sonbria bas del, son la fora; 

(ii) Sonbra di sibi ka ta sonbra bas del, son la fora (= a sombra do cibe não sombreia seu pé, mas fora dele)

(200) 

(i) Sorti na pe ki sta; 

(ii) Sorti di pekador sta na si sola di pe (= a sorte está no pé)

(201) 

(i) Sufridor ki ta padi fudalgu; 

(ii) Sufridur ta padi fidalgu (= o sofrimento nos faz nobres)

(202) Sukundi sukundi ka ta para na kamiñu (= o esconde-esconde não pára no caminho)

(203) Susa boka te bu ka kume siti (= sujar a boca com óleo de palma sem comê-lo)

(204) 

T

(i) Tapada ta tuji baka kume fison; 

(ii) Tapadu altu ta tuji baka kumi fison (= a cerca impede a vaca de comer o feijão)

(205) Tartaruga kuma kil ki na bin, sinta bu pera (= a tartaruga diz: sente-se e espere o que virá)

(206)

 (i) Tartaruga misti baja, ma rabada ka ten; 

(ii) Teteriga meste baja mas i ka tene rabada; 

(iii) Tataruga kuma i misti baja, ma i ka ten rabada (= a tartaruga quer dançar, mas não tem ancas)

(207) Tataruga kuma si pe i kurtu ma i ta lebal tudu kau ki misti (= a tartaruga diz que suas pernas são pequenas mas a levam onde ela quer)

(208) Teteriga tene kaska, ma e sabe kabu k' e ta morde Nutru (= as tartarugas têm casco, mas sabem onde morder umas às outras)

(209) 

(i) Tudu beju ku algin beju i ka ta mati bajudesa di si mame; 

(ii) Tudu beju ku [bu] beju, bu ka ta mati bajudesa di bu mame (= por mais velho que alguém seja, não alcança a juventude de sua mãe)

(210) Tudu jiru ku bu jiru bu ka ta pila iagu (= por mais esperto que você seja, não pode pilar a água)

(211) Tudu koitadi ku N koitadi nunka N ka ba parau pratu (= por mais pobre que eu seja, nunca lhe estendi o prato)

(212) Tudu riku ku bu riku bu ka pudi kunpu kasa di feru (= por mais rico que você seja, não pode construir uma casa de ferro)

U

(213) Uju di sancu dalgadu, ma ningen ka ta pui la dedu (= o olho do macaco é pequeno, mas ninguém põe o dedo nele)

(214) Uju ka ta kume, ma i kunsi kusa sabi (= o olho não come, mas sabe o que é saboroso)

(215) Uju sta burmeju, ma i ka ta kema lala (= o olho está vermelho, mas não queima a relva)

(216) 

(i) Un dedu un dedu i ta kaba puti di mel; 

(ii) Un dedu un dedu ta kaba puti di mel (= de dedada em dedada acaba o pote de mel)

(217) Un son mon ka ta toka palmu (= uma mão sozinha não bate palmas)


BIBLIOGRAFIA (*)

Andreoletti, Luis. [1984?]. Ditus kriolus. Pessano (MI): Stampa MIMEP.

Biasutti, pe. Arturo. 1987. Vokabulari kriol-portugis. Bubaque: Missão Católica (Apêndice)

Bull, Benjamim Pinto. 1989. O crioulo da Guiné-Bissau: filosofia e sabedoria. Lisboa/Bissau: Mininistério da Educação / INEP.

Chataigner, Abel. 1963. Le créole portugais du Sénégal: observations et textes. Journal of African languages 2,1.44-71.

Couto, Hildo Honório do. 1996. Os provérbios crioulos da Guinee-Bissau. Revista internacional de língua portuguesa 16.100-114.

----------------------------------. 1999. O uso de provérbios nas regiões crioulófonas. Lenguas criollas de base lexical española y portuguesa. Frankfurt/Madri: Vervuert/Iberoamericana, p. 321-334.

Montenegro, Teresa. 1994a. Um mundo de provérbios. Tcholona 1,2/3.55-57.

------------------------. 1994b. Provérbios crioulos: a arquitetura das imagens. Soronda - Revista de estudos guineenses 18.39-76.

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segunda-feira, 13 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24140: Blogues da nossa blogosfera (180): Lista de provérbios crioulo-guineenses (página do professor Hildo Honório do Couto, departamento de Linguística, Universidade de Brasília) - Parte I (de A a L)

Portal dos animais > Abutres  (com a devida vénia...)

1. Os animais "também falam" nos provérbios guineenses...  Já aqui lembrámos, em tempos,  o jagudi (lê -se djagudi)  (abutre-de-capuz, nome científico Necrosyrtes monachus) numa fábula em que entra o falcão (*):  o jagudi não é ágil, elegante, superior, altivo, nobre, aristocrático e guerreiro como o falcão  mas nem por isso deixa de ter o seu lugar na criação e de desempenhar o seu papel na natureza. É certo que ele é pouco considerado tanto pelos humanos como pelos outros animais. É feio, é repelente, é desastrado, é  necrófago... E citávamos alguns provérbios. crioulo-guineenses:

(i) Kal dia ku sancu fala jugude manteña si ka pa rispitu di kacur;

ou, noutra variante:

(ii) Kal dia ku sancu fala sakala manteña si i ka na disgustu di kacur

Entenda-se: o macaco só conhece ou cumprimenta o jagudi no velório do cão.

Mas também há um outro provérbio que, de certo modo, vem em defesa do jagudi:

(iii) Jugude ka bai fanadu, ma i kunsi uju... Leia-se: o jagudi não foi à circuncisão, não passou pelo ritual do fanado, mas consegue ver as coisas, ou seja, não é parvo de todo, não o tomem como tolo...

2. Continuamos a rever a nossa lista (já antiga e que nunca tinha sido  atualizada, aumentada, corrigida,  melhorada até agora...) dos cento e poucos blogues e outras páginas na Net  que faziam parte da nossa blogosfera (c. 110) (**)... 

Essa  lista constava (e continuará  a constar,   depois de revista)  na coluna estática do nosso blogue, no lado esquerdo.

Cerca de metade desses blogues e outras páginas deixaram de estar "on line".  Nalguns casos têm novos endereços. Noutros casos, pura e simplesmente desapareceram. Alguns destes  blogues e  "sítios" (ou "web pages")  felizmente foram "capturados" (podendo por isso ser recuperados) através do Arquivo.pt.

É o caso da página de 
Hildo Honório do Couto, professor de linguística  (Departamento de Lingüística, Universidade de Brasília).sobre provérbios crioulo-guineenses.

Antigo endereço: 

http://www.unb.br/il/liv/crioul/prov.htm.

Endereço no Arquivo.pt:

https://arquivo.pt/wayback/20090520131527/http://www.unb.br/il/liv/crioul/prov.htm

Era uma página que consultávamos com alguma frequência, e que vem citada várias vezes no nosso blogue. Servia também para refrescarmos os nossos elementares conhecimentos do crioulo da Guiné. A sua utilidade e o seu interesse justificam a nossa opção por recuperá-la, através do Arquivo.pt.  

Aqui o valioso trabalho, de recolha e sistematização destas pérolas da sabedoria popular guineens (irónicas umas,  corrosivas  outras,  deliciosas quase todas ) feito pelo  prof  Hildo Honório do Couto,  fica   ao alcance de todos os lusófonos . Fizemos algumas pequenas correcções (de uma ou outra gralha) e adaptações. O autor aceita e agradece os comentários  do leitor.  

Também nesta matéria (a da paremiologia, a recolha , o  estudo e a interpretação  dos provérbios populares da sua terra) contamos com a preciosa ajuda do Cherno Baldé, nosso assessor para as questões etno-linguísticas...


PROVÉRBIOS CRIOULO-GUINEENSES  

Prof Hildo Honório do Couto (Brasil)


Aqui estão 217 provérbios do crioulo português da Guiné-Bissau. Como se pode ver, alguns deles apresentam variantes, algumas apenas de escolha de determinado vocábulo, outras mais radicais. Nesse caso, apresento as variantes com a sub-numeração (i), (ii) e assim por diante. Entre parênteses, encontra-se uma tradução relativamente livre, que sempre tem por base a primeira variante (i), no caso de haver variantes.

Infelizmente, os provérbios não estão acompanhados de uma interpretação. Na verdade, para entendê-los é imprescindível saber-se que fatos culturais estão implícitos. Quem quiser embrenhar-se nesse domínio pode consultar a bibliografia apresentada mais abaixo [Vd, poste a seguir, nº 181, desta série]

Andreoletti (1984) é a maior coleção de provérbios crioulo-guineenses que já veio a lume, ou seja, 466. Ele não fornece tradução nem explicação. Parece que não foi feita uma revisão da publicação. Entretanto, tem o mérito de ser o primeiro livro inteiramente dedicado só aos provérbios guineenses.

Quanto a Biasutti (1987) , trata-se de um dicionário crioulo-português. Em apêndice ele elenca 60 provérbios, muitos deles reproduzidos de notas manuscritas de Andreoletti.

Em Bull (1989), que é falante nativo de crioulo, temos uma seção inteira dedicada aos provérbios - são 95 ao todo -, acompanhados de tradução em português e comentários bastante detalhados.

Chataigner (1963) é um artigo que faz um apanhado geral do crioulo, incluindo 77 provérbios. Este texto tem a peculiaridade de tratar da variedade do crioulo falada na região do sul do Senegal, chamada de Casamansa. É uma variedade muito mais conservadora do que a da Guiné-Bissau, sobretudo porque perdeu o contato com a língua portuguesa desde o final do século passado. Como se pode constatar, nos provérbios guineenses - e no crioulo guineense em geral - pode-se notar a influência da língua e da cultura portuguesa.

Quanto a Montenegro (1994a, 1994b), trata-se de um dos estudos mais percucientes sobre os provérbios crioulo-guineenses, sempre seguidos de ampla exemplificação. Ela mora na Guiné-Bissau há muitos anos, portanto conhece a cultura local como ninguém.

Em Couto (1996, 1998), finalmente, pode-se encontrar, além de interpretação de alguns provérbios, muitas referências bibliográficas. Inclusive comentários sobre as tarefas da paremiologia.

Espero que este pequeno inventário paremiológico guineense possa ser de interesse para algum internauta. Gostaria de ouvir seus comentários, sugestões e críticas.

Hildo Honório do Couto | Departamento de Lingüística | Universidade de Brasília | 70910-900 Brasília, DF, Brasil | e.mail: hiho@unb.br

* * * * *

LISTA DE PROVÉRBIOS - Parte I (de A a L)

NOTA: As seguintes letras têm valor especial:

N = "ng" do inglês (como em "song"); 

c = "ch" em inglês (church); 

j = também como em inglês (judge); 

ñ = como no português "nh" ou "ñ" em espanhol; 

s = "s" mesmo (saco), nunca como [z] de "casa".

A

(1) Abo i rasa goiaba: bu ka ten kabaku (=você é como a goiaba, não tem cavaco)

(2) Abo i rasa polon: si bu na kai, bu ka ta kai abo son (=você é como o poilão: se cair não cai sozinho)

(3) 

(i) Abo k' ten caga, bu ka ta sinti si ceru; 

(ii) Nunka algin ka ta fala kuma si caga na fedi (=você que tem ferida não sente o seu cheiro)

(4) Ami i lubu k' kema kosta (=eu sou a hiena que tem as costas queimadas)

(5) Ami i rasa papaia: N ka ta durmi na bariga di algin (=eu sou como o mamão: não fico parado na barriga de ninguém)

(6) Anduriña kuma i na pupu riba di kabesa di ñor deus, i ba kai riba di si kabesa (=a andorinha disse que caga na cabeça do senhor deus, mas caiu sobre sua própria cabeça)

B

(7) Baga baga i ka ten tarsadu, ma i ta korta paja (= o cupim não tem terçado, mas corta capim)

(8) 

(i) Baga baga ka ta kata iagu, ma i ta masa lama; 

(ii) Baga baga i ka ta kata iagu ma i ta masa lama (= o cupim não busca água, mas amassa o barro)

(9) Bagic ta masi ku si fortuda (= o hibisco cresce com sua sorte)

(10) 

(i) Baka ki ka ten rabu, Deus ta banal; 

(ii) Baka ku ka ten rabu Deus ku ta banal (= à vaca que não tem rabo, abana-a Deus)

(11) 

(i) Baka misti korda, i ka tenel, kabra tenel, tok i na rasta; 

(ii) Kabra ten korda tok i na rastal; baka mistil, ma i ka ta oja; 

(iii) kabra tene korda i ta rastal, baka misti i ka ta oca (= a vaca quer corda mas não a tem; a cabra a tem mas a arrasta)

(12) 

(i) Bakia baka di kunankoi; 

(ii) Bakia baka di kunankoi: sin liti, sin nata;

 (iii) Bakia baka di kunankoi sin litti nin nata (= a boeira pastoreia a vaca mas não aproveita nem o leite nem a nata)

(13) 

(i) Bardadi i suma malgeta: i ta iardi; 

(ii) Bardadi i malgos, ma i sertu (= a verdade é como a malaguete: ela arde)

(14) Bariga i ka ta kosadu ku laska di kana (= não se coça a barriga com lascas de cana)

(15) Bariga ka fila ku arus, ki-fadi miju (= barriga que não se dá bem com arroz, muito menos se dará bem com milho)

(16) Bariga pode debu o debu ma bu ka ta toma faka bu rumpil (= por pior que a barriga esteja, você não a corta com a faca)

(17) Bentana fiu na bida teña (= a carpa é feia mas vira tainha)

(18) 

(i) Bentana mora ku lagartu, si falau kuma lagartu ka ten uju, fia; 

(ii) Si bentana falau kuma lagartu fura uju, fia, pa bia elis ku ta kume lama juntu (= a carpa mora com o crocodilo: se ela lhe disser que ele não tem olho, acredite)

(19) 

(i) Bianda di kaleron ka ten dunu;

(ii) Bianda, ora ki kusidu, i ka ten dunu (= comida na panela não tem dono)

(20) Bianda sabi ka ta tarda na kabas (= comida saborosa não demora muito na panela)

(21) Bias bu ta sibi dia di bai, ma bu ka ta sibi dia di riba (=em viagem, só se sabe o dia de ir, mas não o de voltar)

(22) Bibidur di lagua ka ta dibi fabur (=quem bebe água na lagoa não deve favor a ninguém)

(23) Bibus na cora, ki-fadi mortus (=se os vivos choram, que dizer dos mortos)

(24) 

(i) Boka ficadu ka ta ientra moska;

 (ii) Na boka ficadu i ka ta ientra moska (= em boca fechada não entram moscas)

(25) Bolta di mundu i rabu di punba (=as voltas que o mundo dá são como as asas da pomba)

(26) Bon sapatu pe jingidu (= sapato bom em pé tordo)

(27)

 (i) Bu ka sibi si bu mama di bunda i gros, son ora k'i tene mandita; 

(ii) Bu ka ta sibi si bu mama di bunda gros, son ora ki tene mandita (= você não sabe se sua bunda é grande, a não ser quando ela tem furúnculo)

(28) Bu kunbidadu sala, bu ientra kuartu (= você é convidado para sala, você entra no quarto)

(29) Bu na duguña fundu, bu ka punta bentu (= você debulha muito sem perguntar ao vento)

(30) Bu na kuji manpatas, bu ka na jubi riba (= você apanha está colhendo mampatás sem olhar para cima)

(31) Bu na toka bu na baja (= você toca, você dança)

(32) Bunitasku di iagu salgadu i bunitu, ma i kansadu bibi (= a beleza da água salgada é grande, mas ela é desagradável para beber)

(33) Bu osa nomi suma lubu (= você desafia a sorte como a hiena)

(34)

 (i) Bu purba liti, bu pidi baka;

 (ii) Garandis kuma bu purba liti, bu pidi baka (= você provou o leite, você pediu a vaca)

(35) Burguñu i ma morti (=a vergonha é pior do que a morte)

(36) Buru tudu karga ki karga si ka sutadu i ka ta janti (= o burro, com pouca ou muita carga, se não é açoitado não anda)

(37)

(i) Bu sai na pilon, bu kai na balai; 

(ii) I sai na pilon, i kai na balen (= você saiu do pilão, caiu no balaio)

(38) Bu sinta riba di baga-baga, bu na rui con (= você está sentado sobre a termiteira, e fala mal do chão)

(39) Bu ten kujer, bu na kume ku mon (= você tem colher, mas come com a mão)

C

(40) 

(i) Cuba cobi i oca kamiñu lalu; 

(ii) Cuba tarda, oca kamiñu lalu; 

(iii) Cuba tarda oca kamiñu latu (= a chuva cai quando a estrada está molhada)

(41)

 (i) Cuba di Kabu Berdi, son di un banda; 

(ii) Anta, es cuba di Kabu Verdi? (= chuva de Cabo Verde, só em um lugar)

D

(42) Deus fala: pui mon, N judau (= Deus disse: faça sua parte que eu lhe ajudo)

(43) Deus ka ta sinta na rabada di ningin (= Deus não senta no traseiro de ninguém)

(44) Deus sibi ke k' manda iagu di mar salga (= Deus sabe porque a água do mar é salgada)

(45) Di li pa pó sinti, kabaku prumedu ku ta sinti (= para o tronco sentir, primeiro a casca tem que sentir)

(46) Dinti mora ku lingu, ma i ta daju i murdil (= os dentes moram com a língua, mas às vezes eles a mordem)

(47) 

(i) Dinti, tudu branku ki branku, i ka ta sai sangi;  

(ii) Garandis kuma dinti ka ten sangi (= os dentes, por mais brancos que sejam, não sangram)

(48)

 (i) Dun di boka i ka ta pirdi si kamiñu;

 (ii) Dun di boka ta tene pe; (iii) Dun di boka ka ta pirdi ku kamiñu (= quem tem boca não se perde no caminho)

(49) 

(i) Dun di boka mas di ke dun di fraskera; 

(ii) Dun du boka, mas dun du fraskera (= quem tem boca vale mais do que quem tem a carteira)

(50) Dun di kujer na kume ku mon (= tem colher, come com a mão)

(51) Dun di un uju ka ta brinka ku reia (= quem tem olho não brinca com areia)

(52) 

(i) Dun du caga ka ta sinti fedos di si pe; 

(ii) Dun di mal ka ta obi si mal (= quem tem chulé não sente o cheiro do próprio pé)

(53) Dus galu ka ta kanta na un kapuera (= dois galos não cantam no mesmo terreiro)

E

(54) E fila suma gatu ku kacur (= eles se dão como gato e cachorro)

F

(55) 

(i) Faka di atorna ka ta moku, i ta moladu;

 (ii) Faka di atorna nunka i ka ta moku;

 (iii) Faka di atorna ka ta moku (= a faca da vingança não está sem corte, está afiada)

(56) 

(i) Fala di magru ka ta ciga na tabanka; (ii) Palabra di magru ka ta obidu na kau di fola baka;  (iii) Kunbersa di magru ka ta obidu na kau di f ola baka (= palavra de magro não é ouvida no lugar de esfolar vaca)

(57) Falta di mame, bu ta mama dona (= na falta de mãe, mama-se na avó)

(58) Febri medi katar (= a febre tem medo do catarro)

(59) 

(i) Fiansa ta kebra kujer di prata;  (ii) Fiansa ta kebra kujer di po (= confiança excessiva pode quebrar colher de prata)

(60) Fiju di gatu ta raña (= filho de gato arranha)

(61) Fiju di sinsibi ka ta maradu di kampaiña (= filho de se-eu-soubesse não traz amarrada em si a campainha)

(62) 

(i) Fiju ta padidu tras di si pape, ma i ka tras di si mame; 

(ii) Fiju ka ta padidu tra di si mame (= filho pode nascer longe do pai, mas não longe da mãe)

(63) Filanta ma panga uju (= combinar antes vale mais que que um piscar de olho)

(64) Firminga ka ta janti, ma i ta ciga (= a formiga não toma a dianteira, mas ela chega)

(65) Forsa di pis, iagu (= a força do peixe é a água)

(66) 

(i) Fulanu ten boka di sanbasuga: i ta murdi, i ta supra; 

(ii) Fulanu i tene boka di sanbasuga, i ta murdi i ta supra; 

(iii) Sanbasuga i ten dus boka, ma i ka ta murdi si kabesa (= ele tem boca de sangue-suga: ele morde, ele sopra)

G

(67) Galiña garbatadur ta fas di kontra ku os di si mame o di si dona (= galinha esgaravatadora pode encontrar osso de sua mãe ou de sua avó)

(68) 

(i) Galiña kargadu ka sibi si kamiñu i lunju; 

(ii) Galiña ka konse si kamiñu lonji; 

(iii) Galiña pindradu ka ta sibi si kamiñu lunju (= galinha carregada não sabe se o caminho é longo)

(69) Galiña ta guarda si frangas bas di si asa, ma kil ku sta fora mañote ta rabatal (= a galinha proteje seus pintinhos debaixo das asas; aquele que escapa o milhafre o arrebata)

(70) 

(i) Garafa ka ta juntu na jugu di pedra; 

(ii) Garafa ka ta ientra na jugu di pedra; 

(iii) Garafa ka dibi di miti na jugu di pedra; 

(iv) Kin k' miti garafa na jugu di pedra, si ka kebra ki ba buska; 

(v) Ku mati garafa na jugu di pedra, si ka kebra ki misti? (= garrafa não se mete em jogo de pedras)

(71) 

(i) Garandi i polon, ma mancadu ta durbal; 

(ii) Polon podi grandi-o-grandi, ma macadu podi durbal; 

(iii) Polon tudu garandi ki garandi, mancadu ta durbal (= o poilão é grande, mas o machado o derruba)

(72) Garandi i puti di mesiñu (= o ancião é um pote de remédios)

(73) 

(i) Garandi ki jungutu, ta ma oja lunju di ke mininu ki sikidu;

 (ii) Beju ki jokoni ta ma uja lonji di ke mininu ki sikidu (= um ancião acocorado vê mais longe do que um menino em pé)

(74) Garandi ku firma ka pasa mandadu; (ii) Garandi en pe ka pasa mandadu (= ancião em pé pode ser incomodado)

(75) 

(i) Garandis fala kuma: joia ku bu kuji na kau di baju, na kau di baju ki ta bin pirdi; 

(ii) Garandis fala kuma joia ku bu kuji na kau di baju, na kau di baju ki na bin pirdi (= os anciãos dizem que o que se ganha na festa, na festa se perde)

(76) 

(i) Garandis fala kuma manganas si ka hululidu i ka ta padi; 

(ii) Manganas si bu ka uli-ulil, i ka ta padi; 

(iii) Manganasa, si bu ka uli-ulil bunda i ka ta padi; 

(iv) Garandis fala kuma manganasa si ka ululidu i ka ta padi (= o manganás, se não chamuscado, não dá frutos)

(77) 

(i) Garandis fala kuma sen mantanpadas i ka sabi tama, ma i sabi konta; 

(ii) Sen mantanpada i ka sabi tama, ma i sabi konta (= os anciãos dizem que cem chibatadas não são agradáveis de tomar, mas de contar)

(78) 

(i) Garandis kuma kasa linpu ka ta somuna; 

(ii) Kasa linpu ka ta somna (= os anciãos dizem que em casa vazia não há barulho)

(79) 

(i) Garandis kuma kanua sin remu ka ta kanba mar; 

(ii) Kanua sin remu ka ta kamba mar (= os anciãos dizem que canoa sem remo não atravessa o mar)

(80) Gatu fartu ka ta montia (= gato farto não caça)

I

(81) 

(i) I ka ten sabi ku ka ta kaba;

 (ii) Puti di mel, i na sabi o sabi, mas i ta ten dia ki ta kaba (= não existe nada agradável que não acabe)

(82) I sabi moska, ki-fadi bagera (= isso agrada a mosca, que dizer da abelha)

(83) I sancu di dus matu (= é macaco de dois matos)

J

(84) Jisilin ka ta kema ku beja dus bias (= o gergelim não queima com vela duas vezes)

(85) 

(i) Jugude ka bai fanadu, ma i kunsi uju; 

(ii) Jugude ka bai fanadu, ma i kunsi uju (= o abutre não foi à circuncisão, mas consegue ver as coisas)

(86) Jungutudu ka ta pui na ragas (= o acocorado não carrega nada no colo)

(87) Justu di bai cur, ka ciga karga don (= só ir ao velório não implica em chorar)

K

(88) 

(i) Kabra nunka i ka ta misa dianti di lubu; 

(ii) Kabra ka ta misa dianti di lubu (= ba cabra nunca mija perto da hiena)

(89) Kabra rispitadu pa bia di si barba (= o cabrito é respeitado por causa de sua barba)

(90)

 (i) Kabra tene barba, ma baka ki si garandi; 

(ii) Kabra tene barba, ma baka ki si pape (= o cabrito tem barba, mas a vaca é sua anciã)

(91) 

(i) Kacur di mangu kuma pa kada kin sibi di si kabesa; 

(ii) Kacur di mangu konta kuma kada kin sibi di si kabesa (= o mangusto diz que cada um sabe de si)

(92)

 (i) Kacur endadur os o pankada; 

(ii) Kacur iandadur, os o pankada (= cachorro vadio encontra osso ou pauladas)

(93) Kacur ka ta tene kacur (= cachorro não tem cachorro)

(94) 

(i) Kacur, tudu brabu ki brabu, nunka i ka murdi si dunu ku ta dal di kume; 

(ii) Kacur, tudu brabu ki brabu, nunka i ka murdi si dunu (= o cachorro, por mais feroz que seja nunca morde quem lhe dá comida)

(95) Kal dia ku galiña di matu pistadu po di dismanca kabelu (= quando é que se emprestou o pau de arrumar o cabelo à pintada)

(96) Kal dia ku galiña di matu sinta na kapuera (= quando é que a pintada ficou no mato)

(97) 

(i) Kal dia ku lubu Ntergadu fumer;

 (ii) Jintis kuma kal dia ku lubu Ntergadu fumer (= quando é que se entregou o fumeiro à hiena)

(98) 

(i) Kal dia ku paja juntadu ku fugu si ka kema ki misti;

 (ii) Kal dia du paja i juntadu ku fugu si i ka kema ki misti (= quando é que se junta palha com fogo que não seja para queimar)

(99)

 (i) Kal dia ku sancu fala jugude manteña si ka pa rispitu di kacur; 

(ii) Kal dia ku sancu fala Sakala manteña si i ka na disgustu di kacur (= quando é que o macaco cumprimenta o abutre a não ser no velório do cachorro)

(100) 

(i) Kama ku bu ka dita nel, bu ka sibi si ten dabi; 

(ii) Dun du kama ki konse si dabi (= você não pode saber que a cama em que não deitou tem percevejos)

(101) Kamalion kuma janti i ka nada, ciga ki tudu (= o camaleão diz que andar depressa não importa, o importante é chegar)

(102) 

(i) Kana seku i ka ta dobradu; 

(ii) kana seku ka ta dobra (= cana seca não se dobra)

(103) Karna di buru ta kumedu na tenpu di coba, di fugalgu na tenpu di seku (= carne de burro se come na estação, a de animal nobre na seca)

(104) Karu beju lestu dana (= carro velho estraga depressa)

(105) Kasa beju ka ta falta barata (= em casa velha não faltam baratas)

(106) Kasamentu ta kaba, ma kuñadadia ka ta kaba (= o casamento pode acabar, mas os laços familiares não)

(107) Kaska fison ka ta kontra ku uña kunpridu (= descascar feijão não combina com unhas grandes)

(108) Kau k'i kosau bu ta kosal; ma kau k'i ka kosau, ka bu kosal, pa bia, si bu kosal, i ta fola (= coce onde há coceira, onde não há coceira não coce, do contrário esfola)

(109) Ken ki basau iagu, son bu ferga kurpu pa i linpu (= se o puserem na água, você tem que esfregar o corpo para que fique limpo)

(110) Ken ki ka ta coranta si fiju, amaña si fiju ta corantal (= quem não faz seu filho chorar, fa-lo-á chorar seu filho)

(111) Ken ki ma bu leña, ta ma bu sinsa (= quem é mais lenha do que você é também mais cinza)

(112) Kil ku urdumuñu tisi na bu mon, bentu ku na bin lebal (= o que a tempestade lhe trouxe o vento levará)

(113) 

(i) Kin ku mata, i ta kabanta fola; 

(ii) Si bu misti forel, para balei (= quem mata, deve esfolar)

(114) 

(i) Kin ku misti forel, i ta para balen; 

(ii) Kin ku misti forel, ta para balei (= quem quer farelo apresente o balaio)

(115) 

(i) Kin ku misti pis, i ta ba moja rabada na iagu; 

(ii) Si bu misti pis, bu ten ku moja rabada (= quem quer peixe tem que molhar o traseiro na água)

(116) 

(i) Kin ku ta durmi ka ta paña pis; 

(ii) Kin ku ta durmi i ka ta paña pis (= quem dorme não apanha peixe)

(117) 

(i) Kin ku ta labra kifri, el prumeru ku ta fidi; 

(ii) Kin ku ta labra kifri, el prumeru ku ta fidi (= quem lavra o chifre é o primeiro a se ferir)

(118) Kin ku ten kabelu na pe, i ka ta kanba fugu (= quem tem pelo nas pernas não deve atravessar o fogo)

(119) Kobra kuma riba tras ka ta kebra kosta (= a cobra diz que dobrar-se para trás não quebra as costas)

(120) Kombe kuma i medi iagu salgadu ma la ki ta mora nel (= o combé diz que tem medo de água salgada, mas é nela que mora)

(121) 

(i) Kon kuma lebsimenti na rosta ki sta; 

(ii) Kon kuma lepsimentu i na uju; 

(iii) Kon kuma lebsimentu na uju ki sta nel (= o macaco-cão diz que a ofensa está no rosto)

(122) Konsiju di beja i misiñu (= conselho de anciã é remédio)

(123) Korda ta kansa kabra, ma i ka ta matal (= a corda cansa a cabra, mas não a mata)

(124) 

(i) Kunpra saniñu na koba; 

(ii) N ka ta kunpra saniñu na koba (= comprar saninho na toca)

(125) 

(i) Kuri ku kosa juju ka ta ndianta; 

(ii) Kuri ku kosa juju ka ta fila; 

(iii) Kore ku konsa juju, ka pode njenta (= correr e coçar o joelho não é possível)

(126) Kusa ki mankañ kuda, tarda ki lingron sibil (= o que faz o mancanha conhece-o há muito o lingueirão)

L

(127) Lagartisa ta bibi ku galiña (= a lagartixa bebe água da galinha)

(128) Lagartu ka ta sinadu murguja (= não se ensina o crocodilo a mergulhar)

(129) 

(i) Lanca fundiadu ka ta gaña freti; 

(ii) Lanca fundiadu ka ta gaña freti (= barco fundeado não ganha frete)

(130) 

(i) Lifanti ka pirgisa ku si dinti; 

(ii) Lifanti ka ta prgisa ku si dinti (= o elefante não se cansa com seu dente)

(131) Lifanti ka ta sinti si tuada (= o elefante não sente o próprio barulho)

(132) 

(i) Lifanti ki nguli kuku, i pa bia i fiansa na si bunda;

(ii) Lifanti ki nguli kuku, i fiensa na si kadera; 

(iii) Si bu oja lifanti na Nguli kuku di sibi, bu ta sibi kuma i fiansa na si trasera (= o elefante engole coco porque confia em seu cu)

(133) Lifanti si na jubi tapada, te i ka entra, i pa bia i ka tene parenti dentru (= se o elefante vê uma cerca e não entra é porque não tem ninguém seu lá dentro)

(134) Lobu ki kema kosta, di sol ki sebedu (= a hiena que tem as costas queimada, é dela que se fala)

(135) Lubu kuma i ka son kusa sabi ki ta incisi bariga (= a hiena diz que não é só o que é saboroso que enche a barriga)

(136) Lubu kuma si sol mansi di repenti, i ka el son ku ta burguñu (= a hiena diz que se amanhecer de repente não é só ele que passará vergonha)

(137) Lubu nin ki bu negal, ka bu dal paja di bobra (= não dê folha de abóbora à hiena mesmo que não gostes dela)

(138) Lutu di mar ka ciga kuspi mon (= luta no mar não exige cuspir na mão)

 (Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23775: Fauna e flora (21): "Ó Falcão, o Jagudi não vai ao fanado, mas olha que não é parvo de todo!"... Uma "fabulosa fábula" guineense sobre o último dos últimos, o que ri melhor...

(**) Último poste da série > 25 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24095: Blogues da nossa blogosfera (179): "Reserva Naval", criado e mantido pelo nosso camarada Manuel Lema Santos, chega ao fim... por razões pessoais e familiares do autor (mas também, em parte, pelo cansaço bloguístico e pela ingratidão das nossas instituições e associações)