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segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23751: Notas de leitura (1512): "O Negro Sem Alma", romance de Fausto Duarte, 1935 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Ninguém espera encontrar nesta leitura uma obra retumbante. Mas faça-se justiça ao derriço, ao completo enamoramento de Fausto Duarte por matérias sobre as quais irá escrever um largo pendor divulgador, entrelaçando etnologia, etnografia e antropologia. Falou-se já nos belíssimos parágrafos que dedicou à baga-baga, agora é a floresta e os seus mistérios, o fanado dos rapazes, a submissão ao Irã, a convivência pacífica entre islâmicos e animistas, mas com barreiras que passam por não aceitar casamentos mistos, os tempos eram outros, os diálogos dentro da floresta, a pretexto de um arrolamento, têm muita curiosidade. Mas as figuras principais estão mal moldadas, não têm nervo, e ficaremos sempre incapazes de nos envolver numa tragédia superficialmente desenhada. Momo, o negro sem alma, que por acasos do destino combateu na guerra das trincheiras e veio altamente condecorado, merecia um recorte literário mais ousado, mais rigoroso, com mais retrato, pois ele simboliza o dramático uso dos africanos, tantos deles verdadeiros heróis da I Guerra Mundial, que depois da tormenta e de servir a guerra dos brancos, foram votados ao abandono.

Um abraço do
Mário



O Negro sem Alma, romance de Fausto Duarte (2)

Mário Beja Santos

Nome cimeiro da literatura colonial guineense, Fausto Duarte (1903-1953) foi escritor, plumitivo e estudioso, devia estar publicamente consagrado como um luso cabo-verdiano que amou desmedidamente a Guiné, que conheceu a palmo, pois foi topógrafo, participou na demarcação de fronteiras, funcionário público em Bolama, e o seu nome está indelevelmente ligado ao Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, para o qual trabalhou afanosamente até à morte. Os Anuários da Guiné de 1946 e 1948, são hoje obras de consulta obrigatório pelo manancial informativo que ele coligiu, tantas vezes apensando imagens elucidativas, muitas delas aproveitadas das edições do referido Boletim Cultural.

Voltemos ao seu romance de 1935, "O Negro Sem Alma". A trama amorosa disseca-se com simplicidade. O chefe de Posto Henrique de Castro, algures no Tombali, tem a sensualidade à flor da pele e sentiu-se seduzido por uma filha de Bubacar Djaló de nome Amenienta, após negociações com este velho Mandinga acertou casamento. Mas Songa, um Nalu, também está de beicinho pela lindíssima bajuda. É neste contexto que surge a figura que dá título à obra, Momo, tratado como um coitado, um corpo sem alma, andou pela Guiné Francesa e acabou a combater na I Guerra Mundial, de onde veio condecorado e com o juízo afetado. Assim que Songa se apercebeu do contrato nupcial de Amenienta, procurou chegar à fala com Bubacar Djaló, este recusa voltar atrás com a sua palavra, manifesta um grande desprezo com a pretensão deste Nalu.

Entrementes, Henrique de Castro pratica a justiça, é confrontado com casais num quadro de divórcio. Aparece uma criança, Salu, será o dramático protagonista no fanado. Momo, o Nalu doido, vive no mato, dorme ao acaso, é hábil caçador, raramente perde a trilha a caça grossa ou miúda ainda que ande de léguas. Fausto Duarte aproveita todas as oportunidades para se exultar as florestas luxuriantes, socorre-se das expressões mais inebriantes, como se exemplifica:
“Ali vivem restos de animais pré-históricos, enormes, deselegantes, num definhamento contínuo, numa degenerescência debilitante de raças; ali crescem, altivos, gigantes de alto fuste, baobás altaneiros, florestas de ébano, de mogno e de pau-sangue e incenso; ali o homem, o puro sangue da criação ancestral, goza ainda dos favores do céu, porque o mato é um permanente celeiro (…) Em África, o indígena apaga-se em presença do mato. O mato é tudo, porque ali vive o Irã a quem o indígena deu formas diversas criando divindades pagãs e uma mitologia interessante e sugestiva”.

Henrique de Castro vai proceder ao arrolamento na sua administração, Fausto Duarte escreve as cerimónias de um fanado de rapazes, as crianças deitadas com uma noz de cola dentro da boca, vai começar a circuncisão:
“O velho ajoelha, olha o fio da lâmina com vista segura, experimenta-o nos dedos nodosos e premindo o prepúcio corta-o ligeiro. O falo sangrento mancha a camisa do neófito que cerra os lábios, sem que um queixume demonstre a crueldade do ato. Apenas um estremecimento dos músculos e depois… o delíquio”. Segue-se o cerimonial dos tambores e os jovens vão para o mato. Henrique de Castro virá a saber que o jovem Salu não resistiu às infeções e morreu.

Prepara-se o cerimonial do casamento entre Amenienta e Henrique, quando Amenienta é introduzida em casa do chefe de Posto, Songa, que não é indiferente à bajuda, propõe-lhe partir, Nalu e Mandinga partem para o chão dos franceses, Henrique que andara numa caçada, regressa e descobre que já não tem noiva. Songa e Amenienta vivem no mato, mais tarde Songa faz uma canoa e mete-se ao rio, um crocodilo está à espreita. Antes, porém, importa relevar, Fausto Duarte deixa-nos uma tónica romântica desta paixão amorosa, este encontro de Romeu e Julieta num dado sítio do Tombali:
“E a noite caliginosa protege com o seu manto de trevas a noiva e o corajoso Nalu. Songa e Amenienta. Passado o enlheamento (confusão), Songa enlevado na presença da bela Mandinga, procurava ao acaso um abrigo. Na pequena mata espessa e frondosa de incensos, crescia uma farrobeira cujas ramagens quase tocavam a terra lentejada pela cacimba. Songa, Nalu avisado e prudente, corta um feixe de capim e ali improvisa um leito sobre a alcatifa de verdura.

As lamentações dos ranídeos, a espaços, interrompiam o silêncio do bosque violado pelos fugitivos. Amenienta seguia curiosamente os movimentos do Nalu. A sensação de se encontrarem fora do alcance dos perseguidores sobrepunha-se ao supersticioso receio que momentos antes os dominava. Momo desaparecera. E eles ali estavam entregues ao seu próprio destino, condenados a uma vida de sobressaltos e de inquietações constantes. Amenienta estiraçou-se sobre a palha, Songa imitou-a. Ambos guardaram silêncio. Sobre o seio da bela Mandinga o coração palpitava com violência, sentindo a ligeira carícia de duas mãos inquietas. A terra unia-os pelo seu hálito noturno: húmus e perfume de flores agrestes”.
E Fausto Duarte, porventura para não ter problemas com a censura, fala em curiosidade, abandono, ritos de dor, gemidos, convulsão, volúpia, êxtase e depois o silêncio.

Caminhamos para a tragédia, Songa arranjara uma canoa para atravessar o rio, pretende ir até Cumbijã, e Fausto Duarte não perde a oportunidade para falar nas galerias florestais, na flora que é tão espessa que a luz dificilmente coada através da folhagem não deixa ver os recônditos da margem cheia de tarrafo. Momo, o negro sem alma, assiste à tragédia, crocodilo prepara-se para devorar Songa e Momo estilhaça-se a cabeça com zagalotes.

Vai anunciar a Amenienta a tragédia, esta, resignada, prepara-se para pedir a reconciliação com o marido branco. E Momo acompanha-a no regresso, Henrique anda todo entregue ao trabalho da montagem de uma charrua que mandara vir de Lisboa. Amenienta e Henrique chegam à fala, Amenienta diz-lhe que ele pode fazer dela o que quiser e Henrique responde que ela pode voltar para a sua povoação, ele não reclamará o dote. É nisto que o criado traz uma carta vinda de Portugal, é a mãe quem lhe escreve a anunciar os trabalhos do campo e a dizer-lhe que Maria Luísa, a filha do maior lavrador daqueles sítios, fala muito no nome de Henrique, “julgo ter descortinado nos seus olhos verdes mais do que uma inocente curiosidade. E tu sabes que os corações das mães jamais se enganam! Estou decidida a reparar a casa e o telheiro onde guardo a lenha. As vinhas prometem, o milho começou a espigar e as fruteiras aguardam teu regresso. Sei que não voltas rico, porque dividiste o teu suor com os pobres pretos que te estimam. Não seja esse o teu tormento! Mais que o dinheiro, valem uma consciência limpa e a amizade da tua mãe”. E é claro, Maria Luísa também manda saudades.

A estória é muito canhota, não haja ilusões. Mas a descrição do Tombali vale tudo, justifica que o leitor procure uma biblioteca pública e tente encontrar este hino ao feitiço guineense.


Expressão da arte nalu, retirada do blogue Ação para o Desenvolvimento, com a devida vénia
Fanado balanta, da ONU News, com a devida vénia
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Notas do editor

Poste anterior de 24 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23734: Notas de leitura (1510): "O Negro Sem Alma", romance de Fausto Duarte, 1935 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 28 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23745: Notas de leitura (1511): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23708: Notas de leitura (1505): Uma escultura de renome mundial, a Nalu (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2022:

Queridos amigos,
Há por vezes a necessidade de lançar um apelo. No caso vertente, trata-se da arte Nalu, que é possível encontrar em museus de grande renome, é elemento construtivo das grandes coleções de arte africana. Não é novidade para ninguém que a arte Nalu e a arte Bijagó são admiráveis. É curioso como há estudos sobre a arte Bijagó e parece que ninguém escreve sobre a arte Nalu, por essa razão aqui se repesca um trabalho de Artur Augusto Silva publicado no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, seguramente que há hoje mais elementos e reflexões sobre esta representatividade plástica, tão credora da nossa admiração. É facto que ainda não bati à porta do Museu Nacional de Etnologia, acontecerá um dia. O que eu pergunto aos meus confrades é se não têm a amabilidade de me informar de quaisquer outros estudos sobre uma escultura que põe a Guiné Bissau em tão conceituados museus.

Antecipadamente grato,
Mário



Uma escultura de renome mundial, a Nalu

Mário Beja Santos

Estava a ser uma manhã de leituras muito interessantes, voltei a folhear os dois cartapácios referentes aos Ecos da Guiné, tudo começou por uma edição da secção técnica de estatística, secção de publicidade, comércio da Guiné, publicação criada em 1949, na governação de Raimundo Serrão, passou depois a intitular-se Boletim de Informação e de Estatística, crónica mensal da colónia, foi aqui que Amílcar Cabral, enquanto responsável pela Granja de Pessubé, no âmbito da Direção-Geral dos Serviços Agrícolas dedicou um punhado de reflexões sobre a indispensável reforma agrícola.

Tinha saudades de aqui relembrar a arte Nalu, há um texto meu no blogue que data de há 10 anos. Bem procurei bibliografia na Sociedade de Geografia sobre esta corrente plástica, nada encontrei, é muito provável que tenha de bater à porta do Museu Nacional de Etnologia, pode ser que tenha mais sorte. Assim, voltei a pegar no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol. XI, nº44, outubro de 1956, deu-me imenso prazer voltar a ler o artigo escrito por Artur Augusto Silva sobre a arte Nalu, ainda é possível encontrar nos alfarrabistas uma separata deste curioso texto. A que se propõe este investigador? Responde logo no início do seu trabalho: “Procuraremos surpreender as suas determinantes, as relações da sua arte com a necessidade de exprimir as preocupações dominantes do agregado social e ainda demonstrar que o meio ambiente condicionou o modo de vida, a sua organização económica e, como resultado desta organização, todas as superestruturas daí derivadas”. Recorda que a etnia Nalu não está circunscrita à colónia da Guiné portuguesa, também tem alguma importância na Guiné francesa, no caso da Guiné portuguesa habitavam as regiões da circunscrição de Catió, Cacine e Bedanda e pontos isolados do Cubisseco (região de Fulacunda).

O autor estima a população Nalu na colónia em perto de 4 mil habitantes. Dedicavam-se à orizicultura, às culturas da cola, banana, laranja e ananases. Habitam só solo continental. Não possuem escrita e só conheciam a literatura oral, o verosímil e o inverosímil andam de mãos dadas, são prolongamentos da mesma realidade. Os Nalus, habitantes de floresta eram, ainda há 40 anos, um dos povos mais primitivos de toda a África. Seguiram-se os contactos com os muçulmanos, tudo começou por aspetos comerciais dado que estes são grandes consumidores de cola, iniciou-se depois a islamização dos mais jovens, a arte Nalu passou a desinteressar as novas gerações, crescentemente islamizadas [esta apreciação de Artur Augusto Silva não se veio a revelar definitiva, a arte Nalu continua a ter grande projeção não só no artesanato guineense, muitos espécimenes são disputados por colecionadores e museus, algumas das maiores leiloeiras internacionais quando fazem leilões de arte africana não é incomum porem à venda arte Nalu e arte Bijagó].

A espiritualidade destes animistas baseia-se na crença das energias, as forças, são estes elementos o que dominam a representatividade plástica Nalu. Nas máscaras refugia-se a energia. A serpente é em toda a zoolatria Nalu um animal de maior prestígio. As máscaras são a síntese de todas as forças vivas. O autor chama a atenção para algo que é a aculturação animista, neste caso os Nalus praticam a circuncisão.

O artista Nalu procura construir unicamente moradas para as forças que animam o seu mundo sobrenatural. É de notar que as máscaras e tambores destinados a folguedos são usados por Nalus e Sossos. O autor avisa-nos que não pôde confirmar se os Bagas também participam deste processo estético.

Em jeito de síntese, Artur Augusto Silva observa que a escultura Nalu nasceu da necessidade de representar as forças a que nós chamamos religiosidade, em termos plásticos escultóricos estas forças prendem-se com a necessidade de ter uma residência porque quando não há lugar qualquer força é inoperante, a pessoa fica à deriva, sem comunicação com o transcendente.

As esculturas são feitas em madeira de poilão ou em mancone. Os Nalus usam uma enxó para desbastar a madeira e um canivete para os trabalhos de pormenor. As tintas usadas: preta, branca, vermelha e verde. Conseguem a tinta branca através da trituração da casca de ostras.

Chegou a hora de bater a outras portas para saber mais sobre a arte Nalu. Será que os nossos amigos guineenses não nos poderão ajudar?

Ninte-Kamatchol, escultura Nalu, Museu Afro-Brasil
Máscara Nalu, Instituto de Arte de Chicago
Máscara Nalu, coleção da Sociedade de Geografia de Lisboa
Arte Nalu, Arquivo Histórico Ultramarino
Povos da Guiné-Bissau, painel de Augusto Trigo
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23690: Notas de leitura (1504): "Deixei o meu Coração em África", por Manuel Arouca; Oficina do Livro, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22726: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte VIII: A lenda da canoa papel (...ou a maldição da pátria de Cabral)




A lenda da canoa papel: 
 ilustrações do   pintor guineense Lemos Djata (pp. 55 e 57): Lemos Mamadjã Hipólito Djatá, de seu nome completo,  conquistou a Medalha de Ouro para a Guiné-Bissau em Paris, França, numa exposição coletiva organizada pela “Associação da Amizade e das Artes Galego Portuguesa”, que decorreu na capital francesa entre os dias 5, 6 e 7 de Outubro 2018, na sala de exposições do "Carrousel du Louvre". 

Nascido em Bafatá, em 1981, filho de Hipólito Djata e de Mariama Foli Baldé. é licenciado em Línguas Estrangeiras Aplicadas, pela  Universidade de Évora. Só em 2000 é que descobre o seu talento artístico. É pintor e escultor.


1. Transcrição das págs. 55-57 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato >
Lendas e contos da Guiné-Bissau



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5


A lenda da canoa papel  
(pp. 55/57)


Segundo reza a lenda transmitida oralmente pelos papéis, quando os portugueses chegaram à Guiné, os contactos que estabeleceram com os papéis da ilha de Bissau foram amigáveis e estes até lhes cederam um terreno para se poderem instalar e negociar. 
Podem ficar com este terreno  disse o Rei Insinhate (31). 

Nesse terreno está hoje o Forte da Amura, mas naquele tempo era um antigo curral, o que serviu para os papéis se divertirem, fazendo troça dos novos moradores. 

Com o tempo, o poder dos portugueses foi crescendo, e começaram a exercer o seu domínio sobre todas as terras circundantes (32). Os papéis ficaram revoltados, porque os estrangeiros diziam que agora era tudo deles, e decidiram partir para a guerra. 
– Os estrangeiros querem roubar o nosso chão, querem cobrar impostos, temos que os expulsar! – diziam os papéis. 

Travaram-se muitas batalhas, mas nelas os papéis perceberam que nunca conseguiriam vencer pelas armas o inimigo. Então os papéis recorreram aos espíritos para os expulsarem, e dirigiram-se aos baloberos (33),  pedindo auxílio. 

Os baloberos responderam: 
–Podemos lançar uma maldição, que irá lançar a infelicidade nas terras da Guiné, e os estrangeiros ir-se-ão embora. 

Mas acrescentaram: 
– Cuidado, porque não haverá mais paz nem prosperidade na Guiné, enquanto os estrangeiros não se forem embora e não for feita uma cerimónia para acabar com esta maldição. Será tanta a desgraça, que ninguém aqui quererá viver, mas vocês têm que aguentar o sacrifício, se querem a vossa terra de volta.
– Nós aguentamos, façam a cerimónia para expulsar os estrangeiros  responderam os papéis. 

Foi feita uma canoa em madeira, e os baloberos, reunidos em cerimónia, invocaram todos os espíritos malignos, fazendo-os entrar na canoa. A seguir enterraram a mesma. Na altura a canoa foi enterrada no mato, mas nesse mesmo local foi mais tarde construído o palácio do Governador, sendo presentemente o palácio da Presidência da República. O local preciso onde a canoa foi enterrada, foi mesmo em frente do Palácio, no local onde está o monumento aos heróis. 

Depois da cerimónia do enterro da canoa, os baloberos lembraram mais uma vez: 
– Quando os estrangeiros se forem embora, esta canoa tem que ser desenterrada, e feita uma cerimónia para acabar com esta maldição, senão nunca mais haverá paz e felicidade na Guiné, por isso os pais têm que passar estas palavras para os seus filhos. Não se podem esquecer de fazer a cerimónia! 

Os baloberos ainda acrescentaram: 
– Esta canoa anda debaixo de terra. O poder dos espíritos é muito forte, ele faz a canoa mover-se debaixo da terra espalhando o mal por todo o lado. Só nós conseguiremos saber onde ela está. 

Quando Portugal reconheceu a independência da Guiné-Bissau, e retirou as suas tropas, os papéis correram a chamar os baloberos, pois chegara a hora de desenterrar a canoa, mas os baloberos disseram: 
- Os estrangeiros ainda não foram todos embora, o Presidente da Guiné-Bissau é Luís Cabral, um estrangeiro, um cabo-verdiano. 

A 14 de Novembro de 1980, o Presidente Luís Cabral é derrubado por um golpe de Estado encabeçado, pelo mítico comandante militar do PAIGC, o papel João Bernardo Vieira, mais conhecido pelo seu nome de guerra 'Nino' Vieira.

 'Nino' Vieira suspende a Constituição e fica a liderar o país à frente do Conselho Militar da Revolução, com nove membros. Os papéis rejubilaram, a canoa tinha expulsado os portugueses dando-lhes a independência, e agora expulsava os cabo-verdianos; todos os estrangeiros tinham sido afastados, e agora era um papel que detinha o poder. 

Tinha chegado a hora de desenterrar a canoa e anular a maldição, e os papéis correram novamente pedindo a intervenção dos baloberos. Poucos dias depois os papéis reuniram-se no centro de Bissau, na Praça A Lenda a Canoa Papel /  'Che' Guevara, pois era ali que os baloberos diziam que estava a mítica canoa. 

Juntou-se uma multidão à volta da praça, e asfalto, cimento, tudo foi arrancado, sendo aberto um buraco enorme em forma de canoa, mas para desespero dos papéis nenhuma canoa apareceu. 

Os papéis, desiludidos com os baloberos, esqueceram a canoa e deixaram de contar esta história aos seus filhos. O Presidente 'Nino' Vieira seria assassinado a 2 de Março de 2009. Perdida e esquecida, será que a canoa papel continua a navegar debaixo do chão, espalhando a sua maldição? 

Esta é lenda da canoa papel.
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Notas de Carlos Fortunato:

(31) Insinhate – O rei Insinhate deu autorização para construção de uma fortaleza e vendeu o chão para a sua construção, conforme documento celebrado a 2 de Janeiro de 1697, do livro “A Guiné do século XVII ao século XIX”, pag.76.

(32) Ocupação da Guiné  Portugal, à semelhança das restantes potências europeias, decide impor a sua soberania às suas possessões, pois sem uma ocupação real corre o risco de perder os seus territórios em África, é uma intervenção de difícil realização para Portugal face aos
poucos recursos de que dispõe, e que exige alianças locais, capacidade de comando e muita coragem.

A divisão da África pelas diferentes potências tem o seu ponto alto na Conferência de Berlim (1884-1885), e leva a uma maior intervenção das potências europeias nas suas colónias. Os papéis nunca aceitarão o domínio estrangeiro, e os seus ataques serão frequentes, infringindo várias derrotas ao exército colonial. Apenas com a derrota imposta a 20 de Julho de 1915 por Teixeira Pinto, Portugal consegue o domínio total sobre a ilha de Bissau (História
da Guiné II - René Pélissier, pag. 176).

(33) Baloberos é a designação dada em crioulo aos sacerdotes animistas que realizam cerimónias nos locais sagrados, as balobas. Cada balobero  coloca o seu pote com água na baloba, junto ao poilão sagrado, para receber os poderes do mesmo e a poder usar nas cerimónias que realiza. (**)

2. Como ajudar a "Ajuda Amiga" ?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque, que já foi inaugurada dia 8 deste mês, com pompa e circunstância), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com
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domingo, 12 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22536: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (5): O meu tabuleiro de ouri (ou "worri", em fula) "

 



O meu ouri

Fotos (e legenda): © António J. Pereira da Costa  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de  do nosso camarada António J. Pereira da Costa cor art ref (ex-alf art, na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmd das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74); tem mais de 170 referências no nosso blogue, para o qual entrou em 13/12/2007; é autor da série "A minha guerra a petróleo"(, depois transformada em livro, editado pela Chiado Books, Lisboa, 2019, 192 pp.) tem um belíssima e valiosa colecão de arte e artesanato guineenses (fula, mandinda, bijagó...) e tem-na partilhado connosco (*): base para copos, bases para copos, pratos e terrina, cachimbos, "cirans", "cafalas", chapéu fula, cinto fula, garrafas forradas a couro, tabuinha com caracteres árabes...

Faltava esse tabuleiro de ouri ou uril (em fula, "worri", segundo o nosso assessor para as questões etnolinguísticas, Cherno Baldé). 

Trata-se de um jogo estratégia, de que há muitas variantes em África (e também na Ásia), equivalente ao nossos jogos de xadrez e damas. A essa família de jogos dá-se o nome genérico de mancala, palavra de origem árabe. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa grafou os vocábulos ouri e uril, ambos de origem duvidosa. (**)

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22530: (Ex)citações (390): o ouri (ou uril) de Madina Xaquili, um jogo de estratégia (Fernando Gouveia / António J. Pereira da Costa / Cherno Baldé)

O ouri de Madina Xaquili, em forma de canoa, feito em pau sangue, e trazido pelo Fernando Gouveia para a sua coleção de arte guineense. As pedras são sementes de coconote. O tabuleiro tem seis buracos de cada lado.


Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Comentários dos nossos leitores ao poste P22526 (*):

(i) Fernando Gouveia:

(...) Em Bafatá joguei várias vezes uril (em francês, "iuri", como então lhe chamávamos), com o ator Carlos Miguel, o "Fininho". De Madina Xaquili, onde cheguei a estar,  trouxe de lá um uril (ou ouri)  em forma de canoa. (...) Ver foto no poste P4585 e toda a história à volta dele. (**)


(ii) António J. Pereira da Costa:

(...) Tenho um jogo do ouri, mas faltam-me algumas peças. São sementes pretas de uma planta que não conheço. Deviam ser 48, mas não tenho tantas, Haverá alguém que me arranje as que me faltam? Pelas minhas contas faltam-me 7 sementes. No meu livro "A Minha Guerra a Petróleo" conto a história das derrotas que o "Balantazinho" me aplicava. O pagamento era feito em Sumol de Laranja ou Ananás... Uma garrafa por cada vitória. 

(...) O meu ouri é em forma de canoa e tem duas "caixas" nas proas para guardar as sementes, antes de começar o jogo. Ja´enviei para o blog fotos das minhas peças de arte guineense. Para esclarecimento é só lá ir(...) (*)

 (iii) Cherno Baldé:

Na minha explanação, disse erradamente que eram 5 buracos de cada lado, na verdade são 6 buracos ou casas de cada lado, onde no início da partida se colocam 4 pedras/sementes em cada uma das casas. O sentido do jogo é sempre de esquerda para a direita, no sentido contrário aos ponteiros do relógio. O jogo faz-se distribuindo a totalidade das pedras/sementes de uma das casas de cada vez.  seguido do adversário que também procede da mesma forma, tentando capturar ou comer (como se diz nas línguas africanas). 

Para a captura usa-se a estratégia do lobo, ou seja,  de atacar o lado mais fraco do adversário. Quando a distribuição das pedras/sementes termina numa casa ou numa série de casas com menos de 4 sementes (2 ou 3),  estas encontradas em situaçao de fragilidade, consideram-se capturadas/comidas e são retiradas e guardadas na ponta do lado direito de cada um dos jogadores. E quando não houver mais sementes, ganha o jogo aquele que tiver mais pedras ou sementes capturadas.

(iv) Fernando Gouveia:

(...) Ainda bem que o Cherno fez a correção dos seis buracos,  e não cinco. Porém no meu tempo, em Madina Xaquili aprendi que só se comia quando nas últimas casas se encontravam ou uma ou duas pedras e só no lado do adversário. (...)
 
(v) Cherno Baldé:

Caro Fernando Gouveia, está certo o que dizes, todavia, para capturar (comer) tens que juntar (distribuindo) mais uma pedra a outra (quando é 1) ou as outras (quando são 2). 

Quando a distribuição das pedras de uma casa termina numa casa vazia (sem pedras) ou numa casa totalizando 4 ou mais pedras, não se pode capturar porque 4 é um número neutro (de segurança mínima), razão porque designo este jogo por estratégia do Lobo que só ataca o lado mais fraco das suas vítimas. 

Neste jogo as casas em risco de ser capturadas são as que tem 1 ou 2 pedras pois que quando se junta mais uma pedra do adversário são capturadas. Cada um dos adversários vai tentar atrair para o seu lado o máximo de pedras e construir casas fortes de ataque ao adversário, acumulando um número significativo de pedras (artilharia) as quais serão redistribuidas no momento oportuno, de modo a poder capturar/matar (comer) o maior número de inimigos/pedras do seu adversário. (...) )***)

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(**) 26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

(...) Relato do 12.º dia – 23JUN69

Essa pureza que referi iria ser quebrada. Em determinada altura ouço, perfeitamente fora do contexto, um gargalhar de dois milícias. O que se passava? À porta de uma palhota um militar metropolitano mostrava a esses dois camaradas africanos um baralho de cartas, daqueles com cenas pornográficas. Interrompi a sessão, chamei o metropolitano e expliquei-lhe, em pormenor, a poluição do seu acto, etc., etc.

À tarde aproveitei para tirar algumas fotos e ir falar com o Braima para saber se ele me vendia a guitarrinha, daquelas típicas, feitas com meia cabacinha, pele de macaco e cordas de fio de pesca. Não o consegui mas falando-se também do seu iuri que ele próprio escavou em pau sangue, com forma de canoa, aqui sim, consegui convencê-lo, considerando essa a peça mais significativa que trouxe da Guiné. (...) 

(***) Último poste de 19 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22386: (Ex)citações (389): Caminheiro, peregrino, pagador de promessas...(Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil prqd, BCP 21, Angola, 1970/72)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18163: Notas de leitura (1028): “Dinâmica da arte Bijagó, Guiné-Bissau – contribuição para uma antropologia da arte das sociedades africanas”, por Danielle Gallois Duquette, editado pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, 1983 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Não é novidade para ninguém que as peças de arte dos Bijagós e dos Nalus são procuradas por museus e colecionadores particulares de todos os cantos do mundo, conferem a esta arte um elevadíssimo grau de imaginação, um sentido estético apuradíssimo e uma criatividade transbordante nas figuras antropomórficas.
A autora esteve presente no arquipélago durante vários períodos da década de 1960, gerou confiança de chefes, religiosos, artistas e procurou entender a dinâmica socio-religiosa de um povo cioso da sua autonomia e da sua vida social horizontal. O artista Bijagó (não esquecer que toda esta investigação decorreu nos anos 1960) está no centro das tensões dinâmicas, tem que cumprir à luz da exigências de quem encomenda dentro do arquipélago e é confrontado com uma procura extremada: a dos colecionadores que buscam peças muito apuradas e um mercado de consumo alargado que se satisfaz com o bom, bonito e barato.

Um abraço do
Mário


Dinâmica da arte Bijagó

Beja Santos

O livro “Dinâmica da arte Bijagó, Guiné-Bissau – contribuição para uma antropologia da arte das sociedades africanas”, por Danielle Gallois Duquette, editado pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, 1983, é o resultado de um trabalho de pesquisa iniciado em 1972, que se prolongou por toda a década e a elaboração do documento final foi a etapa seguinte.

A autora adquiriu os seus diplomas universitários no desenho de arte e confessa a paixão que lhe despertou toda a produção plástica Bijagó, particularmente a estatuária. Trabalho aturado, de convivência com as populações Bijagós que em certas matérias foram extremamente reservadas, há segredos que não podem ser revelados. A autora orgulha-se de ter conseguido um dossiê fotográfico contendo 300 obras observadas no terreno ou nos museus ocidentais. A par da arte Nalu, a arte Bijagó é disputada pelos mais conceituados museus etnológicos em todo o mundo. Explicando a sua investigação diz-nos que o seu trabalho de campo passou por analisar os mecanismos socio-religiosos, é um trabalho que faz apelo ao facto estético total, isto é os objetos fabricados, a indagação da cultura material, o estudo das indumentárias efémeras, o conhecimento da mímica, da dança, dos cantos, da música e da palavra. Considera-se seguidora de Claude Levi-Strauss para explicar que o estudo das máscaras induz o conhecimento dos mitos, pode-se, por comparação, concluir quanto às migrações geográficas.

Prévio ao trabalho de campo foi a elaboração de um questionário em que se procurou aprofundar o conhecimento da estatuária, ornamentos de cerimónia, organizou-se um álbum de trabalho antigos realizados no arquipélago. Como fazem os antropólogos e os etnólogos, a autora muniu-se de ferramentas de escultura que depois trocou com os artistas que lhe permitiram fotografar as suas obras durante o processo de evaporação e aceitaram responder às questões que ela lhes ia pondo.


Seguindo a estrutura da obra, temos um primeiro capítulo onde se dissecam as estruturas sociais dos Bijagós, a organização espacial e arquitetónica dos seus aldeamentos e a configuração dos objetos usuais; no segundo capítulo, procura dar-se a ideia da partilha dos poderes através do estudo dos santuários, pinturas parietais e emblemas usados pelas famílias reais; os terceiro e quarto capítulos tratam dos ritos iniciáticos masculinos e femininos que são fundamentados sobre o estudo da arte do corpo e do aparato cerimonial; o quinto capítulo mostra os aspetos essências da escultura Bijagó, no capítulo seguinte procura-se distinguir o significado da morfologia e no último capítulo compara-se a produção plástica atual com a produção tradicional.

Dissertando sobre a origem dos Bijagós, o que é dado como seguro é a sua origem nilótica, tal como os Balantas são uma sociedade horizontal em que a chefia é repartida pelo Conselho dos Anciãos (a Grandeza), os reis e os sacerdotes. São fundamentalmente animistas. Desde a independência, e com êxito relativo, o PAIGC tem procurado disciplinar o tempo do fanado, proibiu que se batesse nos jovens durante a iniciação do fanado e estipulou que os períodos de iniciação devem decorrer durante as férias escolares; procurou igualmente proibir que os mortos pudessem vir a ser enterrados nas habitações.

A habitação Bijagó, como a Balanta é construída numa elevação de terra com cerca de 30 cm e dotada de um galeria circular exterior. A autora comenta a organização interna do espaço e mostra como os espíritos da família são alvo de um tratamento especial. O utilitarismo estético é muitíssimo apurado e a autora socorre de um exemplo comezinho como são as fechaduras com tratamento decorativo. Passando para os símbolos do poder, é detalhado a simbologia do altar do santuário e a importância da disposição dos participantes nas cerimónias religiosas.


Os Bijagós continuam a prezar a sua autonomia e a imagem que deles vem do passado não é lisonjeira, tirando a bravura, os vários autores que sobre eles escreveram revelam a sua barbaridade, falando de sacrifícios em que os seres humanos eram enterrados com reis, o historiador António Carreira descreveu as reações do Governador Correia e Lança, em 1889, contra a tirania dos reis que sacrificavam crianças, metendo-as nos túmulos com os cadáveres dos dignatários que acompanhavam o falecido no outro mundo. Detalhando a organização, a autora fala sobre o Conselho dos Anciãos como um dos vetores do poder social, apresenta as principais figuras do poder religioso e do poder iniciático, com sacerdotisas, padres e mestres do fanado. Como as de mais sociedade africanas, os Bijagós prezam as classes de idade, dividem a vida do nascimento à morte, o ancião é encarado como o espalho da sabedoria. Entrando nos aspetos etnológicos e antropológicos, são referidas as apresentações dos amuletos corporais, é dito que na sociedade dos Bijagós não há circuncisão nem mutilação genital mas existe a iniciação nos segredos da vida sexual e até no conhecimento dos métodos abortivos.

Centrada agora na arte, a autora descreve os materiais escultóricos e as figuras onde primam os irãs antropomórficos. A escultura tem três direções: motivação religiosa, utilitária e iniciática. Povo hospitaleiro, os Bijagós marcam distâncias, sempre consideraram os continentais como estrangeiros. A independência suscitou ao artista Bijagó novas questões: há missões religiosas que apoiam o fomento do artesanato vendido nalguns locais das ilhas e nalgumas lojas de Bissau. Há compradores que disputam as peças elaboradas utilizadas sobretudo nas danças e rituais, há uma escultura de caráter comercial que vulgariza a arte dos bancos e dos deuses, e no final do seu trabalho a autora interroga-se até que ponto o turismo e a necessidade de sobreviver vendendo obras mais baratas e vulgares não está a afetar a genuinidade artística Bijagó. Importa saber se a arte Bijagó mereceu outros estudos complementares a este, depois da década de 1980.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18153: Notas de leitura (1027): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (15) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16156: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (4): Arte guineense

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 1 de Abril de 2016, reencaminhada a 8 de Maio, com mais algumas fotos sobre a arte da Guiné para o seu Álbum fotográfico:

Olá Camaradas
Desta vez vai arte bijagó.
A terrina com a história do homem a ser engolido por uma cobra enorme. Julgo que deve ser uma lenda comum a vários povos de África e do Brasil. Deve ter uma base qualquer - luta contra a Natureza, contra o predomínio da mulher ou revivalismos do pecado "original" - que eu não conheço e é difícil de determinar.
A outra peça de madeira, o pilão, tem um toque de pirógrafo.
Os antrópologs que se cheguem à frente.

As bases de copos e a base da travessa são trabalho fula com linha ou com palha mais ou menos colorida. O interior da helicoidal é de palha, capim bem seco, julgo eu.

Um Ab.
António J. P. Costa



Terrina

Pilão miniatura


Bases para copos

Base para travessa
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Nota do editor

Poste anterior de 31 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15919: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (3): Arte guineense

quinta-feira, 31 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15919: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (3): Arte guineense

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 21 de Março de 2016, com mais fotos sobre a arte da Guiné para o seu Álbum fotográfico:

A minha colecção de cachimbos.
Destes só um é que foi utilizado e comprei-o directamente ao fumador em Janeiro de 1969 perto do Cumeré.
Não tinham qualquer tipo de filtro e o fornilho era forrado com um pouco de metal flexível, parecido com alumínio.
O tabaco era em folha e enrolado no momento de ser fumado.
Os chapéus eram feitos de de palha de capim(?) enrolada e depois coberta com linha enrolada de várias cores. Acho que era um chapéu de ronco, uma vez que pouco aparecia na vida diária nas tabancas. Protegia bem do sol dada a matéria de que era feito.
Alguém sabe qual o nome destes chapéus?

Um Ab.
António J. P. Costa


Cachimbos


Chapéu Fula
Fotos: © António José P. da Costa
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15681: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (2): Arte guineense

segunda-feira, 21 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15882: Objectos de artesanato guineense, e não só, que trazíamos para oferecer à família e aos amigos (Manuel Coelho, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589)

1. Mensagem do nosso camarada  Manuel Caldeira Coelho (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), com data de 2 de Março de 2016:

Caros editores,
Vi anteriormente publicadas fotos de objectos de artesanato da Guiné, e vai disto desencantei alguns que comprei na proximidade do regresso, com um restinho de "pesos" que tinha no bolso.
Faltam aqui as coisas que já não existem, como por exemplo várias garrafas de bom wisky e de Drambuie, e também bugigangas obtidas no Niassa durante a viagem.
De notar que no porão vinha um grande caixote de madeira, e por obra de magia, quando cheguei a Lisboa, já me faltavam várias coisas entre as quais um serviço de chá.
Vendo bem, quase nada disto teve grande utilidade, valeu a "pequena vaidade" ao mostrar tudo isto à família e amigos e o saborear os "néctares" que aqui no continente estavam fora do alcance dos nossos bolsos!

Abraço
Manuel Coelho






quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15736: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (3): Arte guineense

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 31 de Janeiro de 2016, com algumas fotos sobre a arte da Guiné para o seu Álbum fotográfico:

As esculturas que se seguem foram feitas pelo artesão Mussé (não lhe conheço mais nomes) era nalú e trabalhava à beira-rio, sentado no chão.
O Capitão da Companhia anterior (Sá Nunes) "deu-lhe" um miúdo para que ele o ensinasse e a arte não se perdesse. O Mussé era teimoso e não deixava o miúdo praticar.

Creio que este tipo de arte se perdeu, embora ande por ai, em diversos desenhos um iran - Karamanchol - parecido com um outro que apresentarei, mas mais trabalhado. O Mussé usava um gorro à fula e metia o cachimbo sob o gorro, deixando apenas o fornilho de fora.

As três primeiras são uma Banda que se coloca na cabeça do bailarino apoiada naquela ranhura que está em baixo. O bico mais afiado fica para frente.

As outras duas dizem respeito a outro adorno de dança que chama, se não erro, Lumbé.

A madeira usada era clara, fibrosa e não muito dura. Não sei de que árvore provinha. Não sei em que danças eras utilizadas, pois nunca as vi em uso.






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CIRANS

Julgo que é arte fula, pois foi um soldado fula - o Aliu Embaló - Atirador em 1968 e Campanha, obús 14 / 11,4 em 1971, que mos deu. Tinha nesta altura duas mulheres - a Aminata e a Umu - uma por amor e outra por dever social, dada a estirpe a que pertencia, Vestiam sempre de igual (até o chapéu de sol/chuva), e já havia duas filhas - a Jénabu e a Salimato - uma de cada mulher. Em 1972 nasceu o António Zé que tem este nome em homenagem ao nosso arfero/capitão; este vosso criado.

Este ciran foi construído para oferecer ao meu cunhado Pedro, então com dois anos.

Este ciran, com asa, é para adulto e parece-me mais autêntico.


Um Abraço
António J. P. Costa
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15681: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (2): Arte guineense