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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23719: Historiografia da presença portuguesa em África (339): Três artigos sobre a Guiné nos Anais do Clube Militar Naval (1946 e 1947) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Procurei nos Anais do Clube Militar Naval, no âmbito das comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, artigos assinados por oficiais da Marinha. Encontrei um texto sobre a definição das fronteiras, a importante comunicação de Teixeira da Mota, logo em janeiro de 1946 dado como certo e seguro que Nuno Tristão fora frechado por Mandingas, mas na região do rio Gâmbia, aquela expedição não chegara a terras da Guiné; e por último uma apreciação muito desgostosa do Contra-Almirante Aprá que participara nas operações na península de Bissau em 1894 e que ficara consternado com a falta de preparativos do Governador, segundo Aprá perdera-se a oportunidade de ficar a dominar os povos residentes na península de Bissau.

Um abraço do
Mário



Três artigos sobre a Guiné nos Anais do Clube Militar Naval (1946 e 1947)

Mário Beja Santos

Compulsando números antigos da prestigiada publicação "Anais do Clube Militar Naval", detive-me nos 76 e 77 anos da publicação, 1946 e 1947, respetivamente. Logo com o artigo intitulado "As Fronteiras", escrito pelo Capitão de Mar-e-Guerra Tancredo de Morais. O oficial começa por referir os limites que André Alvares de Almada, no seu Tratado Breve, tratado de 1594 propõe para a região da Senegâmbia, teoricamente território ocupado pelos portugueses: do rio Senegal à Serra Leoa. Ao tempo, esta Senegâmbia era uma espécie de morgadio de Cabo Verde. Os portugueses reconheciam a soberania dos régulos que lhes vendiam os escravos. A questão dos limites vai complicar-se com a chegada dos holandeses, que não encontraram qualquer resistência, que se estabeleceram em Arguim e depois na Goreia, ilha que ninguém defendia – aqui ficaram até 1677, data em que uma esquadra francesa os expulsou. Os ingleses estabeleceram-se na Serra Leoa, não houve qualquer reivindicação portuguesa. Os nossos diferendos diplomáticos serão com a Grã-Bretanha por causa da questão de Bolama e com a França quando esta procedeu a uma ocupação insidiosa do Casamansa. O autor dá-nos um resumo do envio de protestos para Paris e para o Senegal, a diplomacia francesa chegou ao descaro de informar que tinham sido os primeiros a chegar… Honório Pereira Barreto, sempre franco e leal, não deixou de descrever o que era a presença portuguesa em Ziguinchor: “Ziguinchor tinha 7 soldados, era defendida por uma paliçada e uma artilharia desmontada. Devia a sua conservação à família Carvalho Alvarenga. O seu comércio, que era importante, achava-se nas mãos dos franceses, depois que se havia estabelecido em Selho”.

O autor não deixa de chamar a atenção que a reação diplomática à ocupação britânica foi tíbia e insegura. Em vez de se apresentarem factos da ocupação desde o século XV, o mais que se pôde obter foram documentos que datavam do reinado de D. José. E menciona a sentença arbitral do presidente dos EUA, Ulysses Grant. As fronteiras definitivas vão surgir na Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, mas os franceses ainda irão exigir, no processo de sucessivas retificações, mais algumas porções de terra.

Ainda em 1946, no número de março a abril, merece o devido relevo a referência à conferência que Teixeira da Mota proferiu em Bissau em 6 de janeiro desse ano, na abertura do V Centenário da Descoberta da Guiné. Com subtileza, o autor traça em longo preâmbulo considerações sobre a verdade em História, e a obrigação de ir desmantelando tabus e mitos. Era na época dado como assente que o primeiro descobridor que chegara a Guiné fora Nuno Tristão, aparece agora um oficial da Marinha, um jovem historiador, ainda por cima ajudante do Governador, a dizer que nada se passou assim. Descreve a descida progressiva da costa ocidental africana, a passagem do Cabo Bojador em 1434, no ano seguinte o mesmo Gil Eanes e Gonçalves Baldaia iniciaram a exploração da Mauritânia e chegaram a Angra dos Ruivos; e no ano seguinte o mesmo Baldaia foi ao Rio de Ouro e à Pedra da Galé. Seguem-se expedições em 1441 em que aparece pela primeira vez o nome de Nuno Tristão; em 1443 são descobertas as ilhas de Arguim e das Garças , foi um dado fundamental para o projeto henriquino, ergue-se em Arguim uma feitoria, tudo por causa do negócio do ouro; no ano seguinte, o cavaleiro-navegador Lançarote descobre mais ilhas, chegava-se à costa da Mauritânia, era a Terra dos Negros; em 1444, Diniz Dias avançava ao longo da costa dos Jalofos e descobria o Cabo Verde – os portugueses aproximavam-se das fontes do ouro. No Senegal e no Cabo Verde souberam pelos Jalofos que perto, para o sul, corria um largo rio, o rio Gâmbia, onde também abundava o ouro. Em 1446 larga do Algarve uma caravela capitaneada por Nuno Tristão, leva a bordo 30 homens. Chega ao Cabo dos Mastros, Nuno Tristão e os 30 homens embarcam em dois batéis, são cercados por canoas de indígenas e atingidos por flechas envenenadas, Nuno Tristão é uma das vítimas mortais. E Teixeira da Mota conclui: “Nuno Tristão não passou na realidade do Estuário Salum-Jumbas, que é propriamente um conjunto de braços de mar que se estende por algumas dezenas de milhas um pouco ao norte da foz do Gâmbia. Os indígenas que mataram Nuno Tristão eram Mandingas. Nuno Tristão não esteve, portanto, em 1446 em território atualmente português, mas traçou o destino que fosse ele o primeiro português a encontrar gentio de uma das etnias que pululam a Guiné Portuguesa. Quis o destino que esse contacto se manifestasse da forma brutal que o caracteriza. Os poderosos imperadores do Mali, que lá muito para o Oriente, das margens do Níger, em Niani, sua capital, dirigiam os vastos domínios, ignoravam talvez a existência daquele chefe mandinga. Enquanto a grandeza mandinga entrava no ocaso levantava-se a portuguesa”.

Temos por último o artigo intitulado "A Companhia de Guerra da Marinha na Campanha da Guiné de 1944", aparece no 77.º ano, número de janeiro e fevereiro de 1947, assina A. Aprá, Contra-Almirante. Ele refere-se à companhia de guerra da Marinha que embarcou em Lisboa no transporte África, isto em fins de março de 1894, passou o mês de abril em Bissau apetrechar-se, havia que comprar chapéus de palha em Cabo Verde, fizeram-se a bordo polainas, bornais de lona e manteve-se a atividade física e os preparativos militares com exercícios diários no ilhéu do Rei. A Guiné era um distrito militar autónomo, quem iria conduzir as operações era o governador, o Coronel de Artilharia Vasconcelos e Sá. A coluna saiu de Bissau a 10 de maio, foram considerados importantes aspetos logísticos como o recrutamento de carregadores para transportar água e munições. O efetivo da companhia era 259 homens; tinha uma seção de metralhadoras com 25 praças e 1 oficial, 1 médico com 3 enfermeiros e 6 maqueiros, participava ainda uma seção de administração naval. E relata que tudo começou numa confusão na distribuição de cargas pelos carregadores, só se pôde partir às 8 da manhã, avançaram sobre Antim, fazendo fogo sobre o objetivo, só perto dele é que se verificou resistência, quando se chegou a Antim a povoação estava completamente vazia. Começou a falta de água, os rebeldes só apareciam dando tiros isolados. Depois das 2 da tarde chegou a ordem de retirar com as devidas precauções, esta companhia de guerra da Marinha veio acompanhada por uma companhia de Angola. Verificou-se uma enorme agitação porque os carregadores procederam a saque, isto quando havia punhetes para transportar, e o contingente militar acusava fadiga, e temia-se que os rebeldes atacassem a qualquer momento. Regressou-se ao acampamento de Antim depois de 7 horas de marcha, não havia a menor provisão de água e a refeição preparada era um autêntico desastre só no dia seguinte é que apareceu água e um rancho decente.

Aguardavam-se ordens para que esta companhia de Marinha saísse do Alto de Antim e avançasse sobre Antula. Houve troca de impressões sobre a ordem de marcha, à tarde veio ordem do governador dizendo que era tarde para começar a marcha sobre Antula e no dia seguinte chegava a notícia de que o mesmo governador considerava ser suficiente o castigo dado ao gentio; mais tarde regressou-se à praça de Bissau onde se embarcou no navio África. E o contra-almirante Aprá termina com uma apreciação altamente crítica:
“Assim terminou a campanha de 1894, mandada acabar por quem direito. Foi incompleto o serviço? Sim. Mas foi a primeira vez que uma força europeia de uma certa importância entrou em operações de guerra na Guiné. Nada estava preparado, não havia planos, organização, nem se pensou em abastecimentos.
Se tivesse havido um verdadeiro Estado-Maior, e serviços administrativos regulares, se tivesse havido um modesto serviço de transportes e não estivessem na mão de carregadores gentios que só marcham com as forças para matar, roubar e incendiar, enchendo-se de despojos e abandonando as nossas cargas, tenho o pressentimento que a companhia de Marinha que, no dia 10 de maio, tinha ganho um verdadeira ascendente sobre o gentio fugia apavorado com o nosso avanço, essa companhia sozinha tinha feito ocupação da ilha de Bissau. Do exposto se concluí que a coluna organizada em 1894 não foi encarregada da ocupação militar da ilha de Bissau, foi como diz o Governador e o Governo Central concordou, um castigo dado ao indígena pelos altos de selvajaria anteriormente praticados. É a este ponto que quero chegar, não pode considerar-se um desastre que em campanha me parece ser sinónimo de derrota”
.

E assim termina a colaboração alusiva ao V Centenário da Descoberta da Guiné nos Anais do Clube Militar Naval.


Uma bela fotografia de Andrea Wurzenberger captada na Guiné, com a devida vénia
Um comboio de embarcações comerciais no rio Geba
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23700: Historiografia da presença portuguesa em África (338): Viagens por alguns títulos do Boletim Geral das Colónias (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 23 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23102: Historiografia da presença portuguesa em África (309): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (13) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Há que reconhecer o incontestável mérito desta investigação, Senna Barcelos, à luz dos conhecimentos do seu tempo, procurou fazer um levantamento da história de dois territórios desde a chegada da presença portuguesa, é hoje muito fácil dizer que já se investigou muito e que se esclareceu pontos que o autor deixou na obscuridade. O dado relevante é a pesquisa nos arquivos a que ele procedeu de forma meticulosa de modo que podemos dizer sem hesitação que é a primeira vez que se possui um quadro histórico dessa presença na Guiné até ao momento em que esta foi desanexada de Cabo Verde, em 1879. Há lacunas, caso da presença missionária, que está hoje felizmente coberta no trabalho incontornável de Henrique Pinto Rema. Senna Barcelos dá-nos um retrato ímpar dessa presença, envolve-a numa atmosfera de permanentes conflitos com os gentílicos, vivem entre eles em pé de guerra, sempre numa atitude de conquista, e só muito gradualmente vão aceitando a presença portuguesa que ganhará alguma efetividade depois da campanha de Teixeira Pinto na ilha de Bissau. E são elementos que não constam do trabalho de Senna Barcelos, para o tempo ele deixou-nos um quadro valioso do que foi acontecendo no Casamansa e de como a diplomacia portuguesa ao submeter a questão de Bolama e territórios adjacentes à postura arbitral do presidente dos EUA Ulysses Grant garantiu a dimensão sul do território da Guiné-Bissau. Para que conste.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (13)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

Hoje se conclui este punhado de recensões a uma obra incontornável, Senna Barcelos irá despedir-se do leitor no exato momento em que a Guiné, ainda sem fronteiras definidas, se autonomiza de Cabo Verde, um desastre militar ocorrido em chão Felupe desencadeou tal decisão política tomada por Lisboa. Em 26 de abril de 1859 faleceu na Praça de Bissau Honório Pereira Barreto e o Governador-geral pronto declarou: “A morte do honrado, inteligente e patriota desinteressado, Honório Pereira Barreto, Governador da Guiné, que muito temos a lastimar, não foi efeito de causas extraordinárias. A falta do único homem que conhecia profundamente a Guiné, que estendia a sua influência para o interior e na costa a uma grande distância, instruído e sempre pronto ao serviço do seu país é uma perda irreparável”.
E o autor traça um extenso currículo dessa figura determinante da primeira metade do século XIX na Guiné. Em fevereiro do ano seguinte, o Governador-geral deu ao novo Governador da Guiné, António Cândido Zagalo, instruções sobre as diferentes obras de utilidade para o distrito, a saber, no caso de Bissau: obter uma área em volta da praça de São José de Bissau que deverá ser limitada e defendida, reparar as muralhas da Praça e desentulhar os fossos, cuidar do reparo do quartel, construir uma alfândega e um cais em frente da vila, cuidando também do estabelecimento de uma povoação em frente da vila de Bissau, no Ilhéu do Rei. Quanto a Cacheu, impunha-se alargar a área da povoação da vila, reparar os quartéis e alojamentos, construir um cais em frente da povoação tal como em Bissau. E tanto em Bissau como em Cacheu o novo Governador devia ter em vista a abertura de poços, próximos às povoações, que forneçam água aos habitantes para usos domésticos.

Mas recuemos a 1858, a questão de Bolama marca hostilidades permanentes. Em 4 de junho aportara a Bolama um vapor de guerra inglês carregado de arroz para distribuir aos escravos, ali refugiados, dos seus donos, de Bissau, Rio Grande e Ilha das Galinhas. Fazia esta distribuição o preto David Lawrence, encarregado daquela ilha pelo governo inglês. Depois daquela data nenhum outro navio inglês visitou Bolama, acabou-se o arroz e os escravos voltaram à casa dos seus donos. Os ingleses, à falta de argumentos para provarem os seus, quanto à legitimidade da posse de Bolama e áreas circunvizinhas, continuavam a provocar conflitos com os portugueses, pretendiam promover uma colonização inglesa com escravos portugueses, a troco de umas libras de arroz. Mais adiante, esteve iminente um grande conflito provocado por este David James Lawrence, senhor da Ponta Lawrence em Bissássema contra o negociante português Martinho da Silva Cardoso, senhor da Ponta Martinho, o Governador Zagalo teve de intervir. Senna Barcelos refere que o governador recebera uma carta de um súbdito britânico, Thomas W. Cowan, mestre-escola em Bolama, condenando o procedimento de David Lawrence. Zagalo procurou apurar a verdade dos factos e pediu o apoio das autoridades gentílicas, o conflito ficou temporariamente sanado. Mas, entretanto, o Governador da Serra Leoa escreveu ao Governador da Guiné declarando que tinha em posse tratados que comprovavam que Bolama, o Rio Grande de Bolola e Buba pertenciam à Grã-Bretanha. Zagalo respondeu-lhe polidamente, deixando para as autoridades de Lisboa a resposta. E escreve para o Governador-geral: “Não posso deixar de duvidar da legalidade dos documentos apresentados, porque os reis designados no termo da cessão da ilha de Bolama jamais foram senhores daquela ilha, nem das outras do Arquipélago dos Bijagós, a quem pertencem, e não aos Beafadas do citado rio, cuja margem esquerda até Bolola também pertence aos reis de Orango e Canhabaque que à força conquistaram aos Beafadas em época muito anterior à data do referido termo de cessão”. E no mesmo documento o Governador clarifica a falta de direitos históricos dos franceses no Casamansa.

A diplomacia portuguesa procura uma arbitragem para a questão de Bolama, é o que faz o Conde do Lavradio junto de Lord John Russell. As reivindicações britânicas a Bolama não param, do lado português envolvem o Duque de Loulé e o Conde d’Ávila. A questão que Portugal propõe que se submeta a arbitragem é o exame do fundamento com que as duas nações, Portugal e Inglaterra, reclamam a posse e a soberania da ilha de Bolama, e também o facto de a Inglaterra clamar ainda mais alguns territórios no continente africano.

Senna Barcelos não esquece de registar outros conflitos, caso do que se passa na região do Geba em 1865, envolvendo Futa-Fulas contra Mandingas. O território do Geba pertencia ao rei de Ganadú, este resistiu ao ataque dos Fulas e estes pediram a paz. Também nesse ano o Governador-geral deu conhecimento de um contrato feito pelo Governador de Cacheu com os régulos das regiões limítrofes de Ziguinchor. À volta do presídio de Geba, os Fulas revelavam-se hostis, a questão só será apaziguada mais tarde. Prosseguem as hostilidades britânicas, a bandeira portuguesa é sistematicamente arreada em Bolama, e enquanto isto se passa reacendem-se os conflitos no Rio Grande entre Fulas e Beafadas.

Em 26 de outubro de 1868, solicitou o ministro Carlos Bento ao nosso diplomata em Washington, Miguel Martins d’Antas, a sua intervenção junto de Mr. Seward para este diligenciar se o presidente dos EUA se prestava a arbitragem, a resposta favorável chega a 20 de novembro. O Conde d’Ávila dirige a redação da exposição histórica e jurídica dos factos, acompanhada das provas aduzidas em apoio da mesma, a qual foi enviada para Washington. A sentença favorável a Portugal foi proferida a 21 de abril de 1870 e em 1 de outubro desse ano a bandeira inglesa foi arreada em Bolama. Em maio do ano seguinte determinou-se que o território da Ilha de Bolama e do Rio Grande fosse considerado um concelho do distrito da Guiné.

Dá-se a insubmissão da região do Churo a Cacheu. No final do ano de 1876 criou-se na Guiné uma comarca judicial, com sede em Bissau. E chegamos ao desastre de Bolor. Em 30 de dezembro de 1878 foi massacrada na margem direita do rio Bolor uma força militar que para ali fora com o governador do distrito. O impacto do desastre chega a Lisboa e o Governo decretou em 18 de março de 1879 a desanexação do distrito da Guiné da província de Cabo Verde, a Guiné passava a ser uma província independente e o seu primeiro Governador foi Agostinho Coelho.

Há que fazer o comentário de que estes últimos anos do acompanhamento dos factos históricos da Guiné por Senna Barcelos decorrer a um ritmo muito apressado e apresentado de forma muito sincopada. Ele termina o seu trabalho dizendo: “Ao fim de darmos as nossas investigações que datam de 1460 podemos dizer que os maiores benefícios que a província experimentou começaram em 1859”.

E aqui também damos por finda a extensa recensão daquela investigação que bem merece se encarada, em período contemporâneo, como o primeiro arremedo historiográfico que foi conferido à Guiné.


Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
Imagem retirada do blogue ePortuguêse, com a devida vénia
Destroço da estátua de Honório Pereira Barreto no interior da fortaleza de Cacheu
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23085: Historiografia da presença portuguesa em África (308): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (12) (Mário Beja Santos)

sábado, 2 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22589: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (16): Mais algumas fotos dos meus passeios: Bolama, junho de 2021


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > A estátua de Ulysses Grant, "ao luar"...



Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > A estátua de Ulysses Grant, vista de dia...


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 >  Guarita de um antigo quartel militar português, em ruinas  (possivelmente o do CIM - Centro de Instrução Militar)



Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Outra  guarita de um antigo quartel militar portuguê, em ruínas  (possivelmente o do CIM - Centro de Instrução Militar)



Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Antigo edifício da Câmara Municipal. Em completa ruina.


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Outra vista do antigo edifício da Câmara Municipal. Em completa ruína.



Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 >  Antigo quartel, agora refeitório,  pertencente à escola da Formação de Pescadores do Ministério das Pescas.



Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Escola Superior de Educação (ESE), Unidade de Ensino Amílcar Cabral 



Foto nº 8A> > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > 
Escola Superior de Educação (ESE), Unidade de Ensino Amílcar Cabral. Aqui formam-se professores.



Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Depósito de água



Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 >  Porto de Bolama.


Foto nº  11 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Cais do porto de Bolama, cheio de sacos de caju.
 

Foto nº  12 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Praia de Bolama de Baixo.


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Patrício Ribeiro (português, natural de Águeda, da colheita de 1947, criado e casado em Nova Lisboa, hoje Huambo, Angola, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. XX, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda; membro da nossa Tabanca Grande, com 107 referências no blogue):


Data - quinta, 30/09, 18:31

Assunto - Fotos de Bolama, junho 2021

Luís, envio mais algumas fotos, dos meus passeios.


Bolama, junho de 2021

Numa noite, no final de junho 21, em que a lua estava muito ativa, era a maior lua do ano, tirei esta foto ao Presidente Ulisses. (Foto nº 1).

A estátua tinha voltado para cima do pedestal “e com a sua cabeça” (Foto nº 2). Fiquei surpreendido… 

O busto esteve deitado durante décadas no quintal da casa do governador (perto da estátua
dos aviadores Italianos) e de lá desapareceu a cabeça. O seu desaparecimento, originou diversos problemas a algumas pessoas.

Esta questão foi muito comentada em Bolama e Bissau, no meio da comunidade portuguesa (Na última foto que tinha eu enviado de Bolama para o blog, não havia estátua, só o pedestal).


A estátua em 1964. Cortesia do blogue
Bolama Minha Terra  e do ACTD - Arquivo
Científico Tropical Digiatl
Seguem fotos da porta de armas e guaritas, de alguns antigos quarteis portugueses (Fotos nºs 3, 4 e 7).  Construídos provavelmente depois da Reunião na Presidência do Concelho em Maio de 1969, onde se passou a dar formação militar. Aqui se deu instrução ao DFZ 21 e 22 (Operação Mar Verde, António Luís Marinho)

Junto mais algumas fotos, do que era a Bela Bolama. Por onde alguns, os últimos os amantes do Império se passearam, criando emprego aos antigos subordinados, até ao fim das sua vidas. Eram os “doidos do império” (Angoche, Carlos Vaz Marques)

Como podem ver nas fotos do Palácio (Camara Municipal), já só restam as colunas, os morcegos, perderam a casa grande. Junto foto (Fotos nº 5 e 6).

A escola de formação de professores, Escola Superior da Educação, Unidade de Ensino Amílcar Cabral.  (Fotos nº 8 e 8A), continua a funcionar em pleno, mesmo com as greves de diversos meses dos funcionários públicos. Também é uma agradável surpresa, que os professores e alunos estejam tão intTeressados. A escola tem o apoio da ONG Portuguesa FEC (Fundação Fé e Cooperação). Tem aulas diurnas e noturnas.

Junto ainda fotos do depósito de água (Foto nº 9). bem como do porto de Bolama de Baixo, por onde desta vez desembarcamos em Bolama (Fotos nºs 10 e 11).

Saímos de Bissau de bote para Bolama de Baixo, foram 3,5 h de viagem, mesmo com os fatos para a chuva, tomamos banho de água salgada, chegamos à bonita praia que também é o porto (Foto nº 12). Depois seguimos de viatura até à cidade, pelo meio dos cajueiros.

A Ilha de Bolama transformou-se num grande produtor de caju. Teve influência a instalação da fábrica de descasque de caju, que o Comandante Alpoim Galvão instalou na ilha, a partir da qual exportava para todo o mundo o caju já descascado e biológico, em vácuo. Era transportado em canoas, até Bissau.

Fotos do porto de Bolama, por onde saíram milhares de toneladas de caju, que era transportado em canoas para Bissau. Este ano a Guiné, já exportou 200.000 toneladas.

Atualmente não há barco de carreira para Bolama, só para Enchudé, depois há que apanhar um camião e muito pó, até S. João,  e dali a travessia é feita de bote de madeira, para Bolama.

No regresso a Bissau, mais uma vez na canoa de transporte, 2,5h, pelo canal da Coroa de Bolama, que fica seco, com a maré baixa.

Fotos para recordar, a quem por aqui andou há 50 Anos.

Abraço,

Patrício Ribeiro
impar_bissau@hotmail.com

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Notas do editor:

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21363: Historiografia da presença portuguesa em África (231): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
Esta viagem de José Augusto Martins aporta dados de alguma utilidade, em primeiro lugar, o deslumbramento que ele revela pela Natureza e pela beldade feminina; mostra-se chocado pelas condições degradantes de quem habita em Bissau e tece considerações acerca da ocupação do território que mostram que este alto funcionário desconhecia aspetos fundamentais da presença portuguesa, à luz da Convenção Luso-Francesa de maio de 1886, a despeito da perda de uma parcela histórica, o Casamansa e a povoação de Ziguinchor, o tratado veio consagrar uma superfície que jamais tinha sido ocupada pela colonização portuguesa. José Augusto Martins é um narrador exímio, vale a pena acompanhá-lo na Guiné do princípio ao fim.

Um abraço do
Mário


Impressões de viagem quando a Guiné já era província, com fronteiras definidas (3)

Mário Beja Santos

O livro de viagens intitula-se "Madeira, Cabo Verde e Guiné", o seu autor é João Augusto Martins, veremos mais adiante que foi alguém influente na definição das fronteiras da colónia, a edição foi da Livraria de António Maria Pereira, 1891. É um testemunho único o que nos deixa alguém que andou a fixar fronteiras na Guiné, depois da Convenção Luso-Francesa. É extremamente crítico, se por um lado o vemos fascinado pelo feitiço africano, vai desvelando as mazelas do nosso comportamento colonial.
Veja-se o que ele nos diz sobre a superfície do território: “Segundo a Convenção estabelecida com a França, em 1886, os direitos da soberania portuguesa abrangeriam uma extensão de território, que, sobre o mapa, regula por 40 a 45 mil quilómetros quadrados, limitando-se porém a 70 ou 80 quilómetros quadrados os realmente dominados por nós até hoje. Os centros da nossa ocupação oficial resumem-se a Buba, Farim, Geba, Cacheu, Bolama e Bissau, sendo este último o de maior importância comercial”. Claro que os dados da superfície da Guiné estão errados, mas sabemos que a presença portuguesa estava mitigada, havia uma parte do território adquirida por Honório Pereira Barreto, a nossa presença em Bolama resultava da sentença arbitral do presidente norte-americano Ulysses Grant, e muitos dos testemunhos apresentados sobre a nossa presença em Buba, Geba e Fá advertiam para o estado arruinado das instalações e ao abandono progressivo dos colonos. João Augusto Martins vai falando de todas as regiões por onde passou, verificou a decadência da região de Bula, diz mesmo que cessou a exportação da mancarra, outrora tão abundante no rio Grande da Guinala, se bem que tenham aparecido outros mercados, como a borracha, a cera, o marfim, os couros e o arroz. Fala inclusivamente dos Bijagós que ele não visitou, enuncia o nome das ilhas e dos ilhéus principais, fala das riquezas em borracha, azeite de palma, arroz e madeiras e apela a que se institua no arquipélago um sistema administrativo, ao tempo muitíssimo ténue.

João Augusto Martins embarca na falácia de que a delimitação da Guiné se tinha traduzido numa perda enorme de território, isto quando se sabe que a nossa presença era marcadamente na orla costeira, o ponto mais longínquo era Geba, que entrara em declínio comercial e populacional. Como andara na fixação de fronteiras referiu-se aos limites atuais da nossa presença, manifesta-se inquieto com a decadência comercial a que chegara a colónia, tinham desaparecido grande número de casas estrangeiras estabelecidas em Bolama, decrescera o rendimento do imposto do tabaco e no meio daquela penúria continuava um estadão de secretarias e de funcionalismo ocioso, desorientado e sem vida própria.
É nesse contexto que emite uma exortação, sem esconder a crítica amarga:
“Quando um país sem condições de garantia nem de interesse pouco a pouco se desmembra em benefício de outras nações, dá lugar a que todos tenham o direito de supor que desmoralizado e enfraquecido, não pode mais utilizar com os seus esforços de colonização a parte territorial de que se sequestra. Dá lugar a que todo o português de hombridade e de carácter tenha o direito de pedir a venda das colónias improdutivas como todo o médico tem o dever de pedir a amputação de um membro esfacelado quando o organismo enfraquecido já não pode galvanizar de vida.
Os homens públicos do nosso país, apesar do que dizem todos os dias a imprensa e os adversários políticos, vivem medíocre e parcamente e morrem quase todos pobres. Mas o que é verdade é que, sendo pessoalmente honrados, poucos se preocupam em parecê-lo; é que, com relação às colónias, que só na vida contemporânea portuguesa o que resta de todo um ciclo de ininterruptos fastígios, que representam hoje o elemento mais positivo da nossa nacionalidade, com relação às colónias, não as conhecendo nem tratando de as conhecer devidamente, fazendo alarde de sentimentos patrióticos que se avolam com as palavras e se desvanecem com as letras, não tomando na verdade compreensão o século que atravessamos, faltando-lhes de todo o critério para julgarem devidamente dos problemas africanos, nada têm feito senão fantasmagorias ridículas, e infelizmente fatais à nossa integridade”.

E parece então que se dirige a todo o país, pede-lhe levantamento e regeneração:
“Ser pequeno e fraco não é um título de desprezo; mas ser ridículo e tíbio é motivo de vergonha.
A decadência política é a fonte perene de todos os nossos males; é a ela que se deve a imobilidade das nossas indústrias e da nossa instrução, a estagnação das nossas colónias e o adormecimento das nossas energias como povo”.

(continua)



Imagens retiradas do livro "Madeira, Cabo-Verde e Guiné", de João Augusto Martins.

Baobá-africano

Imagem tirada da Wikipedia, com a devida vénia. 
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21340: Historiografia da presença portuguesa em África (230): "Madeira, Cabo Verde e Guiné", de João Augusto Martins; edição da Livraria de António Maria Pereira, 1891 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19599: Notas de leitura (1160): “Bijagós, Património Arquitetónico", por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, Fotografia de Francisco Nogueira (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,

O livro é irresistível, pelo rigor do conteúdo e pela preciosidade das imagens. Os Bijagós sempre provocaram um grande fascínio tanto pelos dons naturais, pela cultura, pela identidade do povo que durante séculos viveu em contenda com o continente, nomeadamente com os Beafadas, os vizinhos mais próximos.

Não se pode ficar indiferente com estes cadastros do legado colonial, impressiona o que se construiu e o que ainda está a tempo de ser conservado. Felizmente que alguma cooperação garante restauros e trava o aniquilamento de edifícios emblemáticos do que fora concebido com capital com contornos imperais.

Quem perdura o seu amor pela Guiné não pode deixar de olhar esta obra primorosa sem orgulho e indignação.

Um abraço
do Mário



Bijagós e o seu património arquitetónico: que beleza de livro!

Beja Santos

O património arquitetónico dos Bijagós é uma edição da Tinta-da-China, tem por autores Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade e fotografias de altíssima qualidade de Francisco Nogueira. Tem história, enquadramento urbanístico, análise do espaço tradicional Bijagó e do espaço colonial e desvela os mais significativos edifícios coloniais. 

Na base do empreendimento está o projeto “Bijagós, Bemba di Vida! Ação cívica para o resgate e valorização de um património da humanidade”, uma parceria do Instituto Marquês de Valle Flôr e da organização não-governamental Tiniguena. Trata-se de um estudo que se insere no projeto de conservação dos recursos naturais e de desenvolvimento socioeconómico numa das zonas centrais da Reserva da Biosfera do Arquipélago de Bolama-Bijagós: as ilhas Urok.

Os autores preparam-se bem e o resultado está à vista, nesta edição cuidada, edição para guardar pelo cuidado posto no grafismo e na riqueza das imagens, fala-se dos Bijagós e de um património colonial que ameaça ruína, as imagens são tão impressivas que ninguém pode deixar de indignar-se com o descalabro que por ali vai.

A herança arquitetónica bijagó compreende o passado, através da compreensão dos textos, dos enquadramentos e das suas influências em comparação com outros patrimónios guineenses e coloniais; está o registo fotográfico do património existente e indaga-se o futuro, alguém tem que responder pela salvaguarda de um património comum de uma região com 88 ilhas e ilhéus, num total de 10 mil quilómetros quadrados. 

Há menção dos Bijagós em documentos dos descobridores a partir de 1457, são da maior importância as narrativas do navegador veneziano Luís de Cadamosto e do navegador genovês Uso de Mare. Os primeiros registos cartográficos surgiram em 1468 quando o navegador alemão Valentim Fernandes terá chegado às imediações de Canhabaque.

O processo de crescimento de Bolama está relacionado com a história e a cultural mercantil na região de Quínara e no rio Grande de Buba. O povo Bijagó vivia em permanente tensão com os Beafadas que se espraiavam entre Tombali e Fulacunda. A presença portuguesa era episódica e a hostilidade Bijagó indisfarçável aos colonos. Bolama foi fundada em 1752, muito depois de outras vilas e cidades da Guiné, quando o governo português ordenou ao Coronel Francisco Roque de Sotto-Mayor, Governador de Bissau, que tomasse posse da ilha, erguendo um padrão esculpido com as armas dos reis de Portugal. Recorde-se que a ilha de Bolama só pertenceu oficialmente a Portugal em 1870, após a arbitragem pelo presidente norte-americano Ulysses Grant do conflito luso-britânico.

A estrutura urbana baseia-se em modelos europeus: grelha ortogonal, reticulada, implantada a nordeste da ilha, e em contracto direto com o mar. Impuseram-se inicialmente os edifícios da Alfândega, o Palácio do Governador e Casa Comercial Gouveia. Surgiram depois outros edifícios-chave: o Banco Nacional Ultramarino, a Escola, o Arsenal e o Hospital, a Câmara Municipal e os Paços de Concelho. A escala da cidade de Bolama, observam os autores, é definida por um grande número de edificações térreas, pontualmente marcada por construções com dois ou mais pisos. Nos anos 20 do século XX, surgem planos da autoria do engenheiro Guedes Quinhones inspirados nos modelos humanos ingleses do final do século XIX, da Garden City, de Sir Ebenezer Howard e dos ideais norte-americanos da City Beatiful Movement.

Quando Bolama deixou de ser capital, em 1941, tentou-se torná-la um destino turístico muito apetecível, daí as piscinas municipais, o cineteatro e o complexo balnear da praia de Ofir. Hoje, os seus largos e praças perderam grande parte do caráter, em virtude do abandono dos serviços públicos. Era tal a beleza e a graciosidade da cidade que muitos a tratavam por Nova Mindelo e nos meios intelectuais dizia-se que aqui se tinha radicado o berço do crioulo.

Folheia-se o álbum fotográfico e sentimos o coração pequenino com as ruínas do antigo Palácio do Governador, as ruínas de Bubaque, estão entregues às ervas a casa de férias de Luís Cabral e as casas inacabadas para generais. De premeio, os autores mostram-nos a organização das tabancas Bijagós, construídas em clareiras, têm um ar delicado na envolvente paisagística.

Uma imagem muito bela pode potenciar no leitor um cruel sofrimento, ele tem que perguntar porquê a decomposição daquele edifício da central elétrica, como ainda guarda majestade a Câmara Municipal em ruínas, como é grotesco o belo exótico das ruínas do Hospital Militar e Civil, e como ainda resiste o Palácio do Governador e o Quartel Militar. Há uma Bolama que nasce e renasce. Por exemplo, o edifício da Alfândega foi totalmente recuperado pela cooperação espanhola, AICCID. O cineteatro de Bolama resiste, é um assombro de Arte Deco já tardio. A Escola Superior de Educação é um dos equipamentos de maior interesse da Bolama atual. Ficamos sem fôlego a ver a notável Imprensa Nacional, os autores advertem para o seu enorme potencial turístico e museológico.

A análise patrimonial não se circunscreve à ilha de Bolama, já se falou de Bubaque, Canhabaque tem património em decadência, aqui se mantém de pé o monumento comemorativo das operações de pacificação de 1935-1936.

Os autores concluem que é muito grande a qualidade patrimonial deste arquipélago e que é iniludível a importância do legado patrimonial do colonialismo português, ainda há muita recuperação, conservação e restauro que podiam tornar esta região muitíssimo apetecível pelos dons que a natureza que lhe ofereceu.

Enquanto lia com sentimentos contraditórios este álbum de indiscutível interesse, procurando conhecer as linhas da presença colonial, tanto na fase de consolidação de Bolama como capital da província da Guiné e o período posterior, até ao momento da independência, sempre de coração contrito com o património em ruínas, lembrava da visita que aqui fiz em 1991, a embarcação a chegar ao cais de onde se avista aquele espantoso monumento em pedra que Mussolini ofereceu à cidade de Bolama em homenagem aos aviadores italianos mortos, procurava as placas esmaltadas com os nomes insignes dos políticos da I República que aqui ficaram consagrados, passeara-me neste mar de ruínas perplexo como era possível dois povos espezinharem esta esplendorosa memória de uma vida em comum.

Pescadores bijagós
Imagem retirada do blogue LusONDA, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)

sábado, 30 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17810: Historiografia da presença portuguesa em África (94): Sentença arbitral do Presidente Ulysses Grant na questão de Bolama (Mário Beja Santos)

Ilha de Bolama
© Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
É sobejamente conhecida a disputa que ocorreu no século XIX entre a Grã-Bretanha e Portugal pela posse de Bolama. Para os britânicos, era uma peça importante, na linha costeira entre a Gâmbia e a Serra Leoa. Falhara a colonização que tivera à frente Philip Beaver, morreram às centenas.
A sentença arbitral é uma bela peça para os usos diplomáticos do tempo. E faz inequivocamente parte da história de Portugal e da Guiné-Bissau, o político português que coordenou a operação foi premiado com o título nobiliárquico de Duque de Ávila e Bolama, vai ser o mau da peça quando proibiu as Conferência Democráticas do Casino, que tanto prestígio trouxeram a Antero de Quental.
Mas é uma outra história.

Um abraço do
Mário


Monumento aos aviadores italianos, com a legenda “De Benito Mussolini à cidade de Bolama”, o mais importante monumento da chamada arquitetura fascista na Costa Ocidental de África


Sentença arbitral do Presidente Ulysses Grant na questão de Bolama

Ulysses Grant

Tendo sido atribuídas ao Presidente dos Estados Unidos as funções de árbitro em virtude do protocolo da conferência realizada em Lisboa, em 13 de Junho de 1868 entre os Ministros os Negócios Estrangeiros de S. Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal e o Enviado Extraordinário de S. Majestade o Rei da Grã-Bretanha no qual foi convencionado que as respetivas reivindicações dos dois Estados à Ilha de Bolama e outros pontos da África Ocidental fossem submetidas à arbitragem e decisão do Presidente dos Estados Unidos da América, que deveria resolver em última instância e sem apelação.

E tendo o árbitro, de acordo com o mesmo protocolo, nomeado uma entidade com o fim de estudar cuidadosamente cada uma das alegações apresentadas pelas duas partes; E considerando que a dita Ilha de Bolama e os ditos territórios vizinhos foram descobertos por um navegador português em 1446; que muito antes do ano 1792 estava feito um estabelecimento em Bissau, no Rio Geba e mantido até hoje debaixo da soberania portuguesa; que no ano de 1699, pouco mais ou menos, foi constituída uma colónia portuguesa em Guínala, no Rio Grande, que em 1778 era uma razoável povoação habitada somente por portugueses que ali tinham vivido de pais para filhos; que a linha da costa de Bissau para Guínala, passando pelo Rio Geba compreende toda a parte continental em frente da Ilha de Bolama; que a Ilha de Bolama é adjacente ao continente e tão próximo que os animais a atravessam nas marés baixas; que desde 1772 até hoje, Portugal reivindicou os seus direitos à mesma ilha; que a ilha antes de 1792 não estava habitada nem ocupada com a exceção de alguns acres na ponta Oeste, onde uma tribo indígena fazia algumas plantações; que os direitos de Inglaterra derivam de uma cessão feita em 1792 pelos chefes indígenas, numa época em que a soberania de Portugal estava já estabelecida na parte continental e na ilha; que o Governo Português não desistiu dos seus direitos, e hoje em dia ocupa a ilha com uma colónia de perto de 700 habitantes; que, tendo a Grã-Bretanha tentado confirmar os seus direitos depois de 1792 com novas concessões dos chefes indígenas, nenhuma delas foi reconhecida por Portugal; e considerando que não são precisos mais esclarecimentos em relação a qualquer dos pontos discutidos: 
Eu, Ulysses S. Grant, presidente dos Estados Unidos, julgo e decido que os direitos do Governo de S. Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal à Ilha de Bolama na Costa Ocidental de África e a uma porção do continente em frente da Ilha, estão provados e estabelecidos.

Feito em triplicado na cidade de Washington, em 21 de Abril de 1870.

U. S. Grant
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17801: Historiografia da presença portuguesa em África (93): a questão dos missionários católicos na Guiné (Armando Tavares da Silva, historiador)

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17419: Historiografia da presença portuguesa em África (77): "Guiné, Alvorada do Império", 1952, um álbum de glórias do Governador Raimundo Serrão (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Maio de 2017:

Queridos amigos,
Nunca tinha ouvido falar neste álbum de glorificação do Governador Raimundo Serrão, que sucedeu a Sarmento Rodrigues.
Aqui se conta a história como cheguei à biblioteca ultramarina da Caixa Geral de Depósitos, hoje proprietária do riquíssimo arquivo histórico do Banco Nacional Ultramarino, onde há documentação de grande importância para o estudo da história da Guiné.
Agradeço publicamente à senhora D. Filomena Rosa a gentileza que teve em fotografar todas estas imagens que nos ajudam a conhecer um pouco mais o passado da Guiné.

Um abraço do
Mário


Guiné, Alvorada do Império, 1952

Beja Santos

Vale a pena contar a história de como tomei conhecimento desta obra. Licitei-a num leilão de livros online, jamais ouvira falar em tal livro, o que acontece é que alguém licitou mais forte e arrebatou-me a presa. Fui no dia seguinte à casa de leilões e folheei o livro, que tem a forma de um álbum. É a consagração propagandística do Governador Raimundo Serrão, que governou a Guiné de 1949 a 1952. É pois um álbum de vaidades em que se omite discretamente que o governador inaugurou muita coisa deixada pelo seu antecessor, Sarmento Rodrigues. Pedi informações aos bibliotecários da Sociedade de Geografia de Lisboa; palavra puxa palavra foi-me referido o arquivo histórico do BNU, ali seguramente poderia consultar o exemplar. Contactei o Gabinete de Património Histórico da Caixa Geral de Depósitos, assim cheguei à Biblioteca Ultramarina, sediada em Sapadores. Descobriu uma carrada de leituras para fazer e refazer. E alguém me chamou à atenção para um património de investigação valiosíssimo, poucas vezes frequentado: os relatórios de exercício do BNU na Guiné, de 1916 até 1974. É por estas e por outras que estou firmemente convencido que a minha relação com a Guiné só acaba quando eu acabar.

Vejamos agora a surpresa desta “Guiné, Alvorada do Império”. Não se esconde de modo algum que não se trata de um álbum de glórias, abre-se mesmo com o seguinte parágrafo: “Decorre o terceiro aniversário da posse do Governador Engenheiro Raimundo Serrão. Esta obra fica a assinalar uma data e a marcar para a vida da Guiné um dos seus passos mais decisivos. O engenheiro Serrão é um puritano da arte, um perfeito esteta que o escalpelo da sua ação e experiência burila e retoca com segura mestria e amplia até, como se asas gigantescas a atirassem a grandes alturas, em busca de perfeição”. Está tudo dito.

Depois um pouco de história antes de chegarmos aos triunfos que consagraram a obra do governador. Primeiro, uma galeria de governantes. Fala-se depois da pacificação, dizendo que o período da ocupação, de 1879 a 1918 é uma comovedora odisseia; soldados e colonos, irmanados pelos mesmos sentimentos, trouxeram à Guiné a certeza dos seus destinos e a Portugal esse orgulho adormecido que tornou grande, essa grandeza que encheu séculos e concebeu impérios ao fluxo de novas civilizações. Dá-se realce às operações do Capitão Teixeira Pinto na pacificação, das três imagens que ali se publicam sobre Abdul Indjai retirei uma que não conhecia, até agora não a tinha visto publicada.

Seguem-se imagens de Bissau de ontem, o cais do Pidjiquiti está sempre presente, a residência do governador era bem modesta, mostram-se os principais edifícios, havia repartições públicas dentro de Amura, com os seus canhões apontados para o Geba mas também para Intim e Bandim. Mais adiante fala-se de uma obra de grande valor humanitário, o Asilo da Infância Desvalida, fundado em 1934. E depois um atropelo de imagens, onde se misturam celeiros, depósitos de água, centrais elétricas, a chegada do ensino liceal, a Estação Zootécnica de Bissorã, alguma pompa e circunstância na inauguração de diferentes postos sanitários, caso de Bambadinca e Contuboel. No final, um rol de trabalhos para glória do governador Serrão. Tenho para mim que é valor de muitas destas imagens que justifica o pedido que fiz à responsável pela biblioteca ultramarina para nos ceder este acervo e só espero que vos satisfaça a curiosidade de olhar uma Guiné que já não existe.

Peço a vossa atenção para o texto da sentença arbitral de Ulysses Grant, o presidente norte-americano que dirimiu a chamada questão de Bolama. A sua estátua foi criminosamente derretida, tirou-se aos bolamenses e aos guineenses em geral um vestígio da sua identidade.
















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Nota do editor

Último poste da série de 19 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17377: Historiografia da presença portuguesa em África (76): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte V: De regresso, de Bafatá a Bissau, sexta-feira. 7 de fevereiro, com passagem por Fá (Mandinga), Bambadinca, Xitole e Porto Gole