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sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23977: "Una rivoluzione...fotogenica" (6): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte V: os "hospitais" do mato e o pessoal de saúde cubano

 

Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC,  cubano, o dr. António,  auscultando uma idosa/ Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 17 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Cuban doctor Antonio checking up heartbeat - 1974 (Nesta altura havia mais um cirurgião e um enfermeiro cubanos, cujos nomes não são conyecidos, na base de Sara, para além do dr. António, de apelido também desconhecido.)



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC,  cubano, o dr. António auscultando uma criança ao colo da mãe  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 18 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Cuban doctor Antonio checking up heartbeat - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC,  cubano, o dr. António auscultando uma rapariga / Foto ASC Leiden - Coutinho Collection - B 20 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC, cubano, o dr. António,  auscultando uma jovem mulher / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 21 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC, cubano, o dr. António,  falando doentes, sempre na presença de um intérpetre (ao centro)  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 22 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974.



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > PAIGC: uma enfermaria no mato.  Doenets acamados.  / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 14 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Patients in infirmary - 1974



Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > PAIGC: uma enfermaria no mato. Cama com rede mosquiteira. / Foto : ASC Leiden - Coutinho Collection - B 16 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Patients in infirmary - 1974



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uiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 >: PAIGC: Enfermaria ou posto médico : "sala de espera" ao ar livre / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 19 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - “Waiting room” - 1974






Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. O PAIGC munca controlou 2/3 do território da antiga Guiné Portuguesa, na altura da luta armada pela independência. Foi um mito habilmente fabricado e explorado por Amílcar Cabral.   Nem nunca teve "hospitais" no interior do território, em zonas como a base de Sara, a sudeste do Morés e a nordeste de Mansoa. Teve, isso sim, pequenas enfermarias do mato, guarnecidas por um ou outro médico cubano e enfermeira local, formada "ad hoc"... As condições de higiene, segurança, assepsia e antissepsia, eram deploráveis. Fazia-se, excecionalmente, alguma pequena cirurgia ambulatória (sem banco de sangue, anestesia geral,  gerador elétrico, ou simples material  para desinfeção e esterilização, ou até simples água potável, etc.) e consultas, "públicas", de clínica geral, como as fotos de Roel Coutinho (*) documentam. 

O médico holandês deve ter passado por aqui  algumas semanas, pelo menos fotografou os seus colegas cubanos a trabalhar em condições inacreditáveis...  O arsenal terapêutico era extremamente rudimentar. Em casos mais graves mas excecionais,  os doentes podiam ser  transportados até à fronteira do Senegal, de padiola (operação que levava 4 dias), e depois   em viatura automóvel até ao hospital de Ziguinchor.

Estas fotos também fazem, de algum modo, parte daquilo a que chamos uma "estética da guerra de libertação"... A saúde, a educação, os "armazéns do povo", etc., foram temas bastante focados pelos fotojornalistas e outros visitantes das "regiões libertadas" do PAIGC (***)... 

Sabemos, de resto, que "não há revoluções sem propaganda".  Sem mitos, rituais,  "folclore", "mentiras piedosas",  etc.  Mas, no caso do médico Roel Coutinho, acreditamos na sua boa fé. As suas fotos (mais de 700) pretendem documentar uma realidade, exótica para ele, mas sobre a qual não parece fazer juízos de valor. As suas fotos só foram doadas à ASC Leiden e tornadas públicas na Net quando a "revolução...fotogénica" de Amílcar Cabral e do seu PAIGC já há muito tinha passado de moda...


2. Já aqui transcrevemos em tempos o depoimento de um médico-cirurgião cubano,  Domingo Diaz Delgado (n.1936), respeitante à sua  passagem, no segundo semestre de 1966, pelas bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Sará, na Frente Norte (**).



[…] "Luís Cabral levou-me até Ziguinchor. Aí permaneci dois ou três dias, tendo-me encontrado com os chefes militares mais importantes que actuavam no Norte da Guiné, entre eles Osvaldo Vieira (1938-1974) porque, como era o primeiro cubano que ali chegava, estavam à minha espera.

Despediram-se de mim [6 de julho de 1966] e saí com um grupo de combatentes. Era noite quando cruzei a fronteira por essa zona escoltado por uns quantos. A caminhada, feita por um terreno acidentado, para mim foi terrível. Demorei quatro a cinco horas até chegar à primeira base guerrilheira que se chamava Sambuiá. Passei a noite nessa base, já com os pés bastante maltratados.

Essa caminhada que fiz em quatro ou cinco horas, quando regressei fi-la em cinquenta minutos, porque tinha menos trinta quilos e levava já um ano caminhando naquele terreno.

Passada a noite nesse lugar, de madrugada retomámos a caminhada até à próxima base da guerrilha, penetrando profundamente no território da Guiné (Bissau).

À volta de quarenta minutos caminhámos com uma vegetação que nos protegia da aviação, mas para alcançar o rio Farim, que teríamos de atravessar para chegar à base de Maqué, faltava ainda percorrer sete quilómetros muito planos, e sem qualquer protecção natural".

(...) "Pouco habituado a estas tarefas, caminhava lentamente face ao estado em que estavam os meus pés e todo o corpo. O meu estado de desespero também começou a dar sinais e que não me deixava ficar tranquilo, e não dava conta que olhavam para o céu, uma vez que naquele lugar os helicópteros armados e os jactos (aviões de guerra), metralhavam e matavam quem fosse detectado. Os guerrilheiros estavam desesperados porque tinham que zelar pela minha segurança, pois era o primeiro médico que ali chegava.

Finalmente chegámos ao rio Farim, onde o abundante caudal tornava difícil a sua travessia nas pequenas canoas que eles fabricavam com troncos de árvores. Atravessámos o rio e chegámos pela noite à base de Maqué, onde levava dois dias a andar e estava bastante mal.

No trajecto tivemos de beber água em más condições. Ali a água potável era a dos rios, e eles habituaram-se a fazer uns buracos na terra, bem localizados e escondidos para encherem quando chovia. Ao longo do itinerário realizado sabiam onde tinham os buracos para tirar a água com terra e era a que, a partir desse momento, comecei a beber.

Como era o primeiro grupo cubano na Guiné (Bissau), não tínhamos antecedentes. Quando cheguei à base de Maqué já as diarreias começavam a fazer estragos, mas nem por isso deixámos de comer o que encontrávamos pelo caminho. No dia seguinte, antes de amanhecer, reiniciámos a caminhada, avançando pelo país até alcançar a base de Morés. Nesse lugar estivemos um dia, seguindo, depois, uma nova caminhada até chegar à base onde permaneci cerca de seis meses: Sará". […]





Guiné - Bisssu > Região do Oio > Base de Sará > 1966 > Cubanos:  da esquerda para a direita, o instrutor militar tenente Alfonso Pérez Morales (Pina); o ortopedista Tendy Ojeda Suárez; o cirurgião Domingo Diaz Delgado e o médico de clínica-geral Pedro Labarrere. (In: Hedelberto López Blanchi - "Historias Secretas de Médicos Cubanos", La Habana, Ediciones "La Memoria", Centro Cultural "Pablo de la Torriente Brau", 2005, 237 pp. Com a devida vénia...)

Acrescente-se que o Domingo Dias Delgado, nome de guerra Demétrio (passou dois anos na Guiné=, escreveu ainda recentemente um livro de memórias (2018): "Memorias de Demetrio : un médico guerrillero en Guinea Bissau" (La Habana, Cuba : Editorial Capitán San Luis, 2018, 189 pp,, + ilustrações)




(...) "A base de Sará estava praticamente no centro do território. Aqui já estavam dois companheiros médicos do meu grupo, dos três que saíram de Cuba em avião, o ortopedista Teudi Ojeda e o médico Pedro Labarrere, e os três fomos os únicos que naquele tempo [1966] estivemos na Zona Norte. De Sará, estávamos a quatro dias de distância da fronteira [Senegal] e não era fácil transportar coisas para lá.

Tínhamos um pequeno arsenal de medicamentos, instrumentos cirúrgicos, mas muito rudimentar, para resolver problemas que se apresentassem naquele tipo de conflito. A possibilidade de enviar feridos até à fronteira era muito escassa, pela distância e a maneira de os transportar, e a forma como se movimentava o inimigo.

O acampamento mudava de lugar em certas ocasiões, pois apesar de que nesse tempo era uma base guerrilheira, não se podia permanecer fixo e havia que mudá-lo constantemente para maior segurança. Chegou o momento em que detectaram a base, e a aviação a atacou e a metralhou em várias ocasiões.

De qualquer maneira, nós permanecemos cerca de seis meses nessa base [até dezembro de 66] e depois de vários bombardeamentos vimo-nos na obrigação de mudar o hospital [enfermaria no mato] para outro lugar que ficava a hora e meia dessa base". […]




Mapa da Frente Norte – região do Oio – assinalando-se as bases por onde passou o médico Domingo Diaz Delgado, no 2º semestre de 1966: Sambuiá, Maqué, Morés, Sará.

Infografia: Jorge Araújo (2018)



Guiné > PAIGC > 1970 > Algures, numa "área libertada" >  "Dzsungel lakók", em húngaro, gente do mato...  A guerra de libertação teve muito pouco de romântico. Os militares portugueses que combateram o PAIGC na Guiné, sabem quão duras eram as condições de vida, tanto dos seus combatentes como da população sob o seu controlo, dentro das fronteiras do território da antiga província portuguesa da Guiné ... A foto é do fotojornalista húngaro Bara István (n. 1942) que visitou, a partir de Conacri, algumas dessas regiões, no sul, em 1970, embebbed nas fileiras do PAIGC.

Foto: Foto Bara (http://www.fotobara.hu/galeria.htm)  
(já não está disponível "on line", a não ser no Arquivo.pt: https://arquivo.pt/wayback/20090707123742/http://www.fotobara.hu/galeria.htm)


3. Escreveu o António Graça de Abreu ("Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz, Editores, SA, 2007, p. 94):

Mansoa, 3 de Maio de 1973

Na região de Mansoa, as NT capturam mais elementos IN, ou aparentados com os guerrilheiros, do que em Canchungo. Normalmente chegam ao nosso CAOP com um aspecto lastimável, a subnutrição, as doenças, a miséria têm tomado conta deste pobre povo que vive nas regiões libertadas.

Os prisioneiros são quase sempre mulheres que se deslocam às povoações controladas pelas NT, a fim de venderem por exemplo mancarra (amendoim), óleo ou vinho de palma, e são capturadas nas estradas ou nos caminhos em volta dos nossos aquartelamentos.

Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados. Dói, só de olhar. 

São interrogadas, é-lhes pedido todo o tipo de informações sobre os acampamentos, o armamento, as aldeias controladas pelo IN onde vivem os seus maridos, os seus familiares. 

Como é natural, estas mulheres falam muito pouco e também magoa o coração ver como são tratadas. É minha tarefa comprar-lhes uns trapinhos novos para tapar o corpo, umas sandálias de plástico para protegerem os pés.

Também se capturam elementos IN dos sexo masculino. Há dias um deles, que gozava de um regime de semi-liberdade, foi apanhado a fugir do quartel, já do outro lado do arame farpado, Deu a desculpa de que ia cagar.

Alguns prisioneiros são utilizados como guias nas operações das NT contra os santuários IN. Quando começa o tiroteiro, têm o hábito de escapar e de se refugiar na mata, por isso, às vezes seguem à frente das NT levando uma corda grande amarrada em volta da cintura. Se tentam a fuga,  procurando desligar-se da corda, são por norma abatidos.(...)

(Seleção e negritos: LG)

_________


(***) Vd. poste de 4 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23947: "Una rivoluzione... fotogenica" (1): Uma reportagem e um livro decisivos, e que consagram a estética da "guerra de libertação", "Guinea-Bissau: una rivoluzione africana" (Milano, Vangelista, 1970, 200 pp.), dos italianos Bruno Crimi (1940-2006) e Uliano Lucas (n. 1942)

domingo, 8 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23962: "Una rivoluzione...fotogenica" (4): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte III: Cambança(s)

 


Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança do rio, em canoa > Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 13 - Life in Sara, Guinea-Bissau - Local “ferry” - 1974



Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança do rio, em canoa > Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 14 - Life in Sara, Guinea-Bissau - River “ferry” - 1974



Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança, em canoa >
Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 17 - Life in Sara, Guinea-Bissau - River crossing by canoe - 1974



Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança, em canoa >
Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 16 - Life in Sara, Guinea-Bissau - “Ferry” reaching the other river bank - 1974



Guiné-Bissau > Região de Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Cambança, em canoa >
Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 15 - Life in Sara, Guinea-Bissau - Old man stepping onto the “ferry” - 1974



Guiné-Bissau  > Campada > Fronteira com o Senegal > Roel Coutinho na escola de ensino secundário ("college") /  Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 7 09 - Campada college on the northern frontline, Guinea-Bissau - 1974 

(Observação da ASC Leiden: Campada,  na fronteira com o Senegal,  a 35 km a leste de São Domingos, entre Sedengal e Ingoré na estrada  Bissau - Ziguinchor.)





Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)  


1. O médico neerlandês Roel Coutinho é uma figura mediática no seu país, com grande prestíg
io científico e profissional, tendo-se destacado na luta e prevenção do HIV/SIDA,mas também na pandemia de gripe A (H1N1) em 2009 e mais recentemente na pandemia de Covid-19. 

Nasceu em 1946, sendo de origem portuguesa, sefardita, do lado paterno. A mãe é também de origem judia, alemã. A família teve que se esconder durante a ocupação alemã, na II Guerra Mundial, e foi vítima de antissemitismo no pós-guerra. 

O jovem médico Roel Coutinho esteve entre março de 1973 e abril de 74, na Guiné.Bissau e no Senegal.  Além de ter pretado cuidados de saúde pública (vacinação, etc.), nas áreas sob controlo do PAIGC, documentou também, fotograficamente, muitos aspetos da vida das  populações locais bem como da guerrilha, com destaque para o quotidiano, a educação e a saúde. De volta à Holanda (em abril de 1974), especializou-se em microbiologia médica. Em 1975 contribuiu para a erradicação da varíola no Bangladesh. 


Roel Coutinho, 2016, foto de
Patrick Sternfeld / capa da revista "Benjamin",
junho 2016, ano 28, nº 104.
Com a devida vénia...

Apesar de reformado, mantém uma ligação à Fundação PharmAcess, criada em 2001 pelo seu colega, o prof Joep Lange (1954-2055) para levar medicamentos a toda a África subsariana ("If we can get cold Coca-Cola and beer to every remote corner of Africa, it should not be impossible to do the same with drugs" / Se conseguimos levar Coca-Cola e cerveja frescas a todos os cantos remotos da África, não deve ser impossível fazer o mesmo com os medicamentis", dizia Joep Lange, que orreu em 17 de julho de 2014, no ataque ao voo Malaysia Airlines 17, em que viajava para participar da 20ª Conferência Internacional do HIV/SIDA em Melbourne).

2. Em entrevista à revista trimestal "Benjamin" (junho 2016, ano 28,
nº 104, pp. 17-19), publicada pela 
JMW - Joods Maatschappelijk Werk
(em inglês, "JMW - Jewish Social Work", "Trabalho Social Judaico", em português), Roel Coutinho aceita falar da sua ascendência portuguesa e judaica, além naturalmente da sua juventude e da sua carreira académica. 

 A entrevista é em neerlandês, língua que não dominamos, mas fizemos em simultâneo tradução do texto, em pdf, em inglês e em português, com a ajuda do Google Tradutor.


Resumindo algumas das respostas às perguntas da entrevistadora (Margalith Kleijwegt):

(i) Os pais eram judeus, não religiosos.

(ii) Conheceram em Amsterdão e se casaram no início da guerra;

(iii) Em Laren, a sudeste de Amesterdão, na província da Holanda do Norte,  conseguiram a solidariedade de uma famíia holandesa que os escodeu, durante um ano e meio; foi aí que nasceu a sua irmã mais velha; depois tiveram que mudar de esconderijo, com regulardade, até que conseguiram novos papéis de identidade, graças à cumplicidade de alguém no município,

(iv) Foram tempos de grandes dificuldades que deixaram marcas profundas na família, nos pais e na irmã.  Mas a guerra, o pós-guerra e o antissemitismo eram discutidos em casa, se bem que às escondidas. Falava-se dos parentes e amigos dos pais que morreram deportados.

(v) Não fez o "Bar Mitzvá", aos 13 anos (como manda a tradição judaica"), porque os pais não eram religiosos. O pai era de origem judaica portuguesa, a sua família existia há séculos na Holanda / Países Baixos. "O meu pai era anarquista, era de esquerda, a religião não era importante para ele. A minha mãe, de origem alemã, também nºao teve educação religiosa"

(vi) Na adolescência, Coutinho foi vítma de atitudes racistas, No ensino secundário, tinha um amigo do peito, praticavam desporto juntos e gostavam de conviver um com o outro. Um dia o jovem Coutinho teve uma paixoneta inocente pela irmão mais nova do amigo. E, para sua surpresa, o pai da rapariga foi de uma intolerância atroz. Durante anos Coutinho sofreu com esta expriência traumatica por parte do pai de um amigo, que já durante a guerra era um  antissemita.

(vii) Coutinho foi estudar medicina e viajou depois de um ano para Israel por alguns meses com um amigo não-judeu. Ele acha que essa viagem pode ter tido algo a ver com a anterior experiência traumática. A viagem foi cativante e divertida mas ele em momento algum se sentiu identificado com Israel.

(viii) Durante o seus tempo de estudante de medicina, Coutinho também foi inesperadamente atacado por um colega, que estava bêbado, e que lhe lançou à cara que ele e a sua espécie deviam ter sido todos mortos nas câmaras de gás. Coutinho ficou sem palavras, incapaz de reagir.

(ix) Confessa que este incidente foi menos dramático que o primeiro, mas ele ficou a pensar: “Se eu tivesse sido mais conscientemente judeu, eu teria podido responder melhor. Se tu tens amigos judeus, podes falar sobre isso, trocam experiências, mas eu tinha que ser judeu, o que nunca assumi"

(x) Hoje, mais velho e reformado, interessa-se por história, lê muito sobre a guerra e  em especial sobre a história dos judeus neerlandeses.

PS - A perseguição aos judeus, durante a II Guerra Mundial, foi um duro golpe para a comunidade iudaica de origem portuguesa, em Amesterdão: 3.700 dos 4.300 judeus de origem  portuguesa pereceram.

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sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23953: "Una rivoluzione...fotogenica" (3): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte II: Mulheres e crianças




Guiné-Bissau > Região do Oio  > Sara > Março-abril de 1974 > Mulher fumando cachimbo enquanto cozinha / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 27 - Life in Sara, Guinea-Bissau - Women cooking - 1974 (Sara ficava a sudeste do Morés, a nordeste de Mansoa)


Guiné-Bissau > s/l > Março-abril de 1974 > Mulher com  criança / Foto:    ASC Leiden - Coutinho Collection - B 37 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Woman and child - 1974


Guiné-Bissau > s/l > Março-abril de 1974 > Mulher com  criança / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 29 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Woman with child - 1974


Guiné-Bissau > s/l > Março-abril de 1974 > Mulheres cozinhando /  Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 38 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Woman cooking - 1974
 
Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)




 

Senegal > Ziguinchor > 1973 > O dr. Roel Coutinho vacinando em massa / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 07 - Ziguinchor, Senegal - Vaccination - 1973.


O neerlandês Roel Coutinho era de origem portuguesa, sefardita, pelo lado do pai:  os seus ascendentes devem ter-se exilado na Holanda / Países Baixos, em meados do séc. XVII, por razões religiosas, numa época em que se intensificou a perseguição aos "cristãos-novos" em Portugal, talvez ainda no tempo dos Filipes, mas abrindo a outros portugues "marranos",  como  o nosso grande médico Ribeiro Sanches (Penamacor, 1699 - Paris, 1783), que foi continuar os seus estuods  em Leiden, em 1730).

Coutinho é autor de uma notável documentação fotográfica (mais de 700 imagens)  sobre a antiga Guiné portuguesa, onde esteve como médico cooperante ao lado do PAIGC, cerca de um anos (até abril de 1974).

Roeland Arnold (Roel) Coutinho nasceu em Laren, município da província da Holanda do Norte, Países Baixos, em 4 de abril de 1946). É um médico neerlandês, microbiologista, foi o  primeiro diretor do Centro de Controlo de Doenças Infeciosas, como parte do Instituto Nacional da Saúde Pública e do Ambiente.  Foi professor da Universidade de Amsterdão e da Universidade de Utrecht.  

Tem origem judaica portuguesa, do lado paterno (Coutinho). A mãe era de origem alemã. Casaram no início da II Guerra Mundial. Contraíram febre tifoide. Com uma declaração do serviço de saúde municipal, conseguiram o adiamento da sua deportação para a Polónia.  

Aproveitaram, entretano, para se esconder com a filha em casa de conhecidos em Laren. Depois do nascimento do Roel, já depois da guerra, a família mudou-se para Blaricum. Coutinho fez o ensino secundário em Hilversum (a 25 km a sudeste de Amsterdão e 14 km ao norte de Utrecht). Licenciou-se em medicina em Amsterdão e fez estágio no Centro de Controlo de Doenças (CCD) de Atlanta, EUA.

Em seguida, trabalhou, em 1973/74, como jovem médico de medicina tropical na Guiné-Bissau e no Senegal, ao tempo da luta do PAIGC. De volta à Holanda (1974), especializou-se em microbiologia médica. Em 1975 contribuiu para a erradicação da varíola em Bangladesh. 

Em 1977 tornou-se chefe do Departamento de Saúde Pública do Serviço de Saúde Comunitária (GGD) em Amesterdão. Empenhou-se  no combate às doenças sexualmente transmissíveis, após o vírus da imunodeficiência humana (VIH) e a síndrome da imunodeficiência (SIDA) adquirida terem sido  

Em 1984, Coutinho doutorou-se pela Universidade de Amsterdão com uma tese de dissertação sobre doenças sexualmente transmissíveis entre homens homossexuais: estudos sobre epidemiologia e prevenção,  com o professor Jan van der Noordaa (1934-2015)
 
Em 1989 tornou-se professor de epidemiologia e provenção de doenças infeciosas do Centro Médico Académico da Universidade de Amsterdão. Em 2000 foi nomeado diretor geral do GGD em Amesterdão. A 1 de fevereiro de 2005 juntou-se ao Instituto Nacional da Saúde Pública e do Ambiente como diretor de sector do Centro de Controlo das Doenças Infeciosas.

Roel Coutinho também foi responsável pela Equipa de Gestão de Surtos Epidémicos, órgão consultivo das autoridades de saúde do seu país, orientada para a prevenção e o combate de epidemias. Ele aconselhou, entre outras coisas, sobre a pandemia de gripe A (H1N1) que eclodiu em março de 2009. Coutinho foi visto e ouvido nos órgãos de comunicação social várias vezes após o surto epidémico.

Em 15 de agosto de 2013, ele foi sucedido por Jaap van Dissel, chefe do Departamento de Doenças Infecciosas do Centro Médico da Universidade de Leiden.

Entre 2011 a 2018, Roel Coutinho foi professor de Ciências da Vida na Universidade de Utrecht. Em 2018 aposentou-se. Mas continuiy a trabalha para a Fundação PharmAccess para melhorar a saúde na África. 

Nos anos 1997-2015, enquanto professor da Universidade de Amesterdão, Coutinho orientou cerca de 49 alunos de doutoramento no Academic Medical Center Amsterdam.  As teses investigaram várias doenças infecciosas, incluindo doença do legionário, hepatite A e hepatite C, e doenças venéreas, como gonorréia, mas especialmente HIV. 

Na Universidade de Utrecht, mais quatro invstigadores de Coutinho obtiveram o grau de doutoramento em infecção por transfusão de sangue, febre Q, doença de Lyme e gastroenterite,  em 2016-2019. 

Durante a crise pandémica  nos Países Baixos,  Cuntinho apareceu regularmente como especialista em programas televisivos, como o "talk show" OP1 da NPO1.  

Fonte: adapt. de  Wikipedia > Roel Coutinho (em neerlandês)
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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23949: "Una rivoluzione...fotogenica" (2): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte I: aspetos da vida quotidiana

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23949: "Una rivoluzione...fotogenica" (2): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74: aspetos da vida quotidiana


Guiné-Bissau > Março de 1973 > Cambando o rio, de canoa, em Canjambari (rio Canjambari?) / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 1 08 - Life in Canjambari, Guinea-Bissau - Canoeing across the river - 1973


Guiné-Bissau > Campada > Outono de 1973 > Vida em Campada > Um miúdo com uma jovem mulher /  Fonte: ASC Leiden - Coutinho Collection - 15 04 - Life in Campada, Guinea-Bissau - 1973  Observação: Campada,  na fronteira com o Senegal, a  35 km a Este de São Domingos, na fronteira com o Senegal,  35 km a leste de Sao Domingos, entre Sedengal e Ingoré na estrada  Bissau - Ziguinchor.




Guiné-Bissau > s/l  > Março / abril de 1974 > Rapariga pilando o arroz / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 30 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Pounding rice - 1974.


Guiné.-Bissau > Região de Oio > Arredores da base de Sara, a sul do Morés > 1974 > Um homem remendando a câmara de ar de uma bicicleta doada pela Noruega / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 20 09 - Life in the villages around Sara, Guinea-Bissau - Patching the Norwegian-donated bicycle tyres - 1974 (Observação: Sara a nirdeste de Mansoa,  a sul do Morés).
 

Guiné. Bissau > Região de Oio > Arredores da base de Sara, a sul do Morés > Março / abril de 1974 > Um imã toma conta de um doente leproso / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - C 21 - Life in Sara, Guinea-Bissau - Imam takes care of a leprous patient - 1974


Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023) 



1. O neerlandês Roel Coutinho, de origem portuguesa, sefardita, pelo lado do pai (os seus ascendentes devem ter-se exilado nos Países Baixos, em meados do séc. XVII, por razões religiosas, numa época em que se intensificou a perseguição aos "cristãos-novos" em Portugal), é autor de uma notável documentação fotográfica sobre a antiga Guiné portuguesa, onde esteve em 1973/74, como médico cooperante ao lado do PAIGC. 

Tinha então 26/27 anos (nasceu em 4 de abril de 1946). Tornar-se-ia mais tarde um  conhecido virologista, microbiologista, epidemiologista e professsor universitário. Notabilizou-se contra o HIV / SIDA, 

Apresentamos hoje uma seleção das suas fotos sobre a "vida quodiana", em especial nas zonas de fronteira, controladas pelo PAIGC. Roel Coutinho não é um fotógrafo profissional, mas estas imagens têm inegável valor documental. O autor tem já aqui, no nosso blogue, uma meia dúzia de referências. Estamos-lhe gratos pela sua generosidade e a autorização do uso das suas fotos no nosso blogue de antigos combatentes da Guiné.


2. Sobre a origem da coleção, leia-se aqui;

(...) "A partir de maio de 2016, a Coleção Coutinho passou a estar disponível "online" no Wikimedia Commons. 

Este acervo é composto por cerca de 1250 fotografias (negativos e diapositivos). Estas imagens obtidas tiradas pelo professor e microbiologista Roel Coutinho, de Amesterdão e Utrecht, no Senegal e na Guiné-Bissau, em 1973 e 1974. 

Coutinho (n. 1946) trabalhou como jovem médico nas chamadas “zonas libertadas”, controladas pelo PAIGC, o movimento político e militar que lutava contra o domínio português na Guiné-Bissau. 

Uma seleção de 750 fotografias foi digitalizada e disponibilizada em acesso aberto na Wikimedia com uma licença Creative Commons, para que qualquer pessoa possa usar essas fotografias livremente. A seleção pode ser encontrada aqui:

As fotografias dão uma boa visão do quotidiano durante a luta de libertação contra Portugal. Nas fotos vemos lojas, tratamentos médicos e atividades militares. Exemplos: crianças e soldados em salas de aula no mato, operações médicas em pleno mato, campanhas de vacinação, restos de um avião abatido, lojas do povo, danças. O futuro primeiro presidente da Guiné-Bissau (Luís Cabral) pode ser visto em foto durante a festa de casamento do futuro primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Francisco Mendes (nome de guerra: Chico Té).

A Coleção Coutinho foi doada ao Centro de Estudos Africanos de Leiden  (Stichting Afrika-Studiecentrumm Leiden)  por Roel Coutinho. A ideia de digitalizar as fotografias e “doá-las” à Wikimedia sob uma licença Creative Commons foi sugerida por Jos Damen. "Slides" e negativos foram digitalizados por GMS Digitaliseert, em Alblasserdam. 

Os metadados (descrições) foram estruturados por Michele Portatadino e traduzidos por ele para inglês e português. Harro Westra cuidou das implementações técnicas e o "wikipediano" Hans Muller carregou as 750 imagens no Wikimedia Commons usando a tecnologia GLAMwiki Toolset

O projeto, conduzido por Jos Damen,  foi financiado pela ASC Leiden. Estão em estudo planos para publicação de uma brochura e a organização de uma pequena exposição (espera-se que também se realize na Guiné-Bissau). 


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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23947: "Una rivoluzione... fotogenica" (1): Uma reportagem e um livro decisivos, e que consagram a estética da "guerra de libertação", "Guinea-Bissau: una rivoluzione africana" (Milano, Vangelista, 1970, 200 pp.), dos italianos Bruno Crimi (1940-2006) e Uliano Lucas (n. 1942)

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19716: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004: repescando velhos postes (1): Um dos bu..rakos em que vivemos: o destacamento do Mato Cão, na margem direita do rio Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca (Joaquim Mexia Alves)


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão >  Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >   Vista do Rio Geba e bolanha de Nhabijoes,  partir do "planalto" do Mato Cão. (*)


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão >  Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >  O "nosso quartel" (**)


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão >  Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >  As instalações do pessoal, ao fundo, e o comandante do destacamento visto de "mandinga", já "apanhado do clima"... (***)

Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > Mato Cão > O Ten Cor Polidoro Monteiro, último comandante do BART 2917, o Alf Médico Vilar e o Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba... (****)

Foto tirada em Novembro ou Dezembro de 1971 no Mato Cão, após ocupação da zona com vista à construção de um destacamento, encarregue de proteger a navegação no Geba Estreito e impedir as infiltrações na guerrilha no reordenamento de Nhabijões, um enorme conjunto de tabancas de população balanta e mandinga tradicionalmente "sob duplo controlo".

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > O alf mil Joaquim Mexia Alves, posando com um babuíno (macaco-cão) mais o Braima Candé (em primeiro plano), tendo na segunda fila, de pé, o seu impedido, o Mamadu, ladeado pelo Manga Turé. (*****)


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > Vista parcial das modelares instalações do 'resort' turístico... (*****)


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > Pel Caç Nat 52 > 1973 > "A chegada à estância era sempre um momento vivido com prazer"... O sintex era a única ligação... à outra margem do Rio Geba (e nomeadamente, a Bambadina). (*****)

Fotos (e legendas): © Joaquim Mexia Alves (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Em homenagem ao Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro, membro da comissão organizadora do Encontro Nacional da Tabanca Grande, desde 2010, ex-alf mil da CART 3492, (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15, (Mansoa) (1971/73), fomos "revisitar" um dos seus muitos postes, aqui publicados, e reproduzimos alguns excertos da "deliciosa" e "bem humorada" descrição de um dos "aposentos bunkerizados" (ou "bu...rakos") em que viveu, no TO da Guiné: o destacamento de Mato Cão, no setor L1 (Bambadinca), sito na margem direita do Gebo Estreito,  no troço entre o Xime e Bambadinca. A função do destacamento era,. primordialmente, garantir a segurança do tráfego fluvial, que vinha de (e ia para Bissau)... Na época, o rio era navegável até Bafatá, mas o grosso da navegação civil fazia-se até Bambadinca, e os navios da marinha (LDG) aportavam ao Xime.

Socorremo-nos de algumas fotos suas,  do Paulo Santiago e do Luís Mourato Oliveira (, o qual foi  o último comandante do Pel Caç Nat 52 a passar pelo "bu...rako" do Mato Cão).  

(...) Chegava-se ao Mato Cão, (tiro-lhe o de), vindo de Bambadinca, pelo rio Geba, de sintex a remos, aportando aos restos de um antigo cais (?), onde se desembarcava.

(...) Logo à esquerda, e com vista para a bolanha do lado do Enxalé, ficava o complexo dos balneários, sobretudo a zona de duches. Dado o clima ameno e soalheiro, estes duches ficavam ao ar livre, e eram constituídos por um buraco no chão, que dava acesso a um poço, cheio de uma água leitosa, e que respondia inteiramente aos melhores padrões da qualidade de águas domésticas.

Os utentes colocavam-se à volta do referido buraco e, alegremente, todos nus em franca camaradagem, (nada de más interpretações!), utilizavam uma espécie de terrina da sopa, em alumínio da tropa, presa por umas cordas, e que, trazida à superfície cheia de água, era a mesma retirada da referida terrina com umas estéticas latas de pêssego em calda, derramando depois os militares a água sobre as suas cabeças para procederem aos seus banhos de limpeza.

Para se chegar ao destacamento propriamente dito, subia-se então uma ladeira íngreme, (o burrinho da água só a conseguia subir em marcha atrás), acedendo-se então à parada à volta da qual, mais coisa menos coisa, se desenvolvia todo o complexo militar.

À esquerda, salvo o erro, ficavam os espaldões de dois morteiros 81 e respectivas instalações, dormitórios do pessoal do pelotão de morteiros. Um pouco mais à frente e do lado direito ficava o bar e a sala de banquetes, toda forrada a chapas de zinco e assim também coberta, sendo aberta do lado da frente para o exterior, como convém a instalações de férias em climas tropicais.

A arca a pitrol refrescava as cervejas que o pessoal ia com todo o prazer consumindo. Fazia também algum gelo para dar mais alegria aos uísques emborcados, sobretudo ao fim da tarde.

(...) Os quartos de dormir eram todos situados abaixo do chão, cavados na terra, para que assim não se perdesse o calor que tanta falta fazia nas longas noites de Inverno da Guiné!

Por cima, o telhado, de chapas de zinco, era sustentado normalmente em paus de cibo, que assentavam em graciosos bidões cheios de uma massa de cimento e terra. Lembro-me de como era agradável o jogo que então fazia, quando deitado na cama, os ratos, de quando em vez, passeavam por cima do mosquiteiro, e com pancadas secas os projectava contra o tecto, voltando depois a cair sobre o mosquiteiro. (...)

No espaço central deste planalto, (porque o Mato Cão era um pequeno planalto), erguiam-se as tabancas do pessoal africano do Bando do 52.

Tudo estava rodeado de umas incompreensíveis valas sobretudo para o lado Sinchã Corubal, Madina, Belel, junto à qual, se a memória não me atraiçoa, estava uma guarita térrea com uma metralhadora Breda.

Ao fim da tarde, e na esplanada do bar e sala de banquetes, bebendo umas cervejas e uns uísques, o pessoal esperava ansioso o ligar da iluminação pública, o que curiosamente nunca acontecia, talvez pelo facto de não haver gerador no Mato Cão.

Bem, o Mato Cão era um verdadeiro Bu…rako, tendo apenas a vantagem, valha-nos isso, do pessoal amigo do PAIGC não ter incomodado muito durante a minha estadia. (...)

Ah,… uma coisa boa… tinha um lindíssimo Pôr-do-Sol! (*****)


Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala de 1/50 mil > Detalhes: posição relativa de Bambadinca, Nhabijões, Mato Cão, Missirá, Sancorlá e Salá. O PAIGC só mandava (alguma coisa), a partir de Salá... tendo "barracas", mas a noroeste, na zona de Madina / Belel). Já no OIo havia a "base central" de Sara Sarauol... O destacamento, mais a norte de Bambadinca, no setor L1. era Missirá,  guarnecido por um Pel Caç Nat (52 ou 63, em diferentes períodos) e um pelotão de milícias... Vários camaradas nossos, membros da Tabanca Grande, andaram por outros sítios, "pouco recomendáveis"...  A Madina/ Belel (que já não vem neste excerto do mapa) ia-se uma vez por ano, na época seca...para dar e levar porrada.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de novembro de  novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo ("iscas de fígado de 'bandido' com elas"), "pãezinhos crocantes com chouriço" e... "macaco cão [babuíno] no forno com batatas a murro"!...

(**) Vd. poste de  7 de dezembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16808: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (5): o destacamento de Mato Cão - Parte I

(***) Vd. poste de  9 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16936: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (8): o comandante do destacamento de Mato Cão "travestido" de... mandinga

(****) Vd. poste de 11 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4321: Os Bu...rakos em que vivemos (9): No Mato Cão, com o Ten-Cor Polidoro Monteiro, em finais de 1971 (Paulo Santiago)

(*****) Vs. poste de 11 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4317: Os Bu...rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)