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quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23594: Historiografia da presença portuguesa em África (332): Região de Tombali, "chão balanta"? [Cherno Baldé, n. circa 1960 / Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014)]


Distribuição das povoações do Cantanhez, segundo J. P. Garcia de Carvalho (1949) (Desenho de A. Teixeira da Mota) (*)


I. Os militares portugueses que estiveram na Guiné, no período da guerra colonial / guerra do ultramar (1961 / 74), a começar pelos oficiais (quer do QP quer milicianos),  tinham muito poucos conhecimentos etnográficos e historiográficos sobre o território (a não ser alguns estudiosos como o oficial da Marinha, A. Teixeira da Mota e, claro, os agentes da administração colonial... e os missionários). 

Não admira, por isso, que haja por vezes, nos nossos escritos, informações erróneas ou menos precisas como, por exemplo, dizer que a região de Tombali é (ou era, naquele tempo)  "chão balanta". (**)

(...) "A população de Bedanda é hoje predominantemente fula, quando a região foi sempre,
ao longo dos anos, chão balanta.(...) (In:"Panteras à Solta", de Manuel Andrezo, ed. autor, s/l, 2010, pág. 76)

É verdade que os balantas, nos anos 60, estavam em maioria, demograficammete falando e constituíam, só por si, o grosso da guerrilha.  Mas a sua presença na região não tinha mais do que 40 e tal anos... Vários grupos étnicos foram passando por aqui ao longo dos séculos, a começar pelos nalus... 

A este respeito, vamos reproduzir dois pontos de vista, guineenses, o do Cherno Baldé (assessor do nosso blogue para as questões etno-linguísticas) e o do nosso saudoso amigo engº agrónomo Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014), cofundador e líder histórico da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau.


(i) Cherno Baldé (n. circa 1960, em Fajonquito, economista, vivendo em Bissau), comentário ao poste P23590 (**):

(...) Alguns esclarecimentos que se impõem sobre a situação da área de Bedanda, conforme descrita no presente Poste:

1. (...) "Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...) são aliciados pelo PAIGC. A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleno chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes."

Efectivamente, como descrito no incio deste parágrafo, os Balantas no sul não estão no seu práprio "chao", são imigrantes que vieram do Norte onde está situado o seu chão, mais ou menos na região situado entre os rios Geba e Cacheu ou Farim. 

Bedanda, assim como toda a Peninsula de Cubucaré (maior parte da região de Tombali, que vai de Guileje até Cabedu na foz do rio Cumbijã), é chão Nalu, mas que estava sob domínio Fula desde a segunda metade do Século XIX. 

Por isso os régulos assim como os Chefes de Tabancas são da etnia Fula sem surpresas porque estão em terras conquistadas a ferro e fogo quando a presença portuguesa na zona se limitava a alguns presidios e feitoras, nomeadamente Bolama e, mais tarde, Buba, para contrariar ao avanço do exército do estado fula de Futa-Djalon. 

Foram os portugueses que promoveram e encorajaram o regresso de Nalus e Biafadas às suas terras de origem donde tinham sido expulsos pelos novos conquistadores vindos das montanhas de Boé e de Futa-Djalon, estando praticamente acantonados em algumas ilhas e zonas de tarrafo nos rios e na costa maritima. E, ironia do destino, serão estes (Biafadas e Nalus) os primeiros a se levantar contra a presença militar portuguesa no ataque ao quartel de Tite em 23 de janeiro de 1963.

2. (...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros." (...)

Evidentemente que sim, era o estado normal das coisas antes do eclodir da guerra em 1963. Para aquelas populações, o mais importante era a sua subsistência social e económica dentro dos limites e condições materiais que lhes permitiam sobreviver e não a guerra, num circuito comercial multissecular de trabalho e de troca de produtos que consideravam normalissimo, não fora as alterações repentinas, surgidas do conflito em presença e da vinda, cada vez mais numerosa de forças expedicionarias destinadas a impulsionar a contraguerrilha. 

E, na opinião de muitos analistas, teria sido esta a fase em que, de facto, os portugueses perderam a guerra, ao perderem a possibilidade do controlo da população, designadamente Balanta que, incompreendidos e maltratados acabaram por vacilar para o lado dos "terroristas" com os quais, à partida, não partilhavam os seus ideais politícos e nem tinham quase nada em comum, sendo a maioria de origem urbana e pertencentes a outras etnias do país e dos países vizinhos.

Estes relatos e bravatas de "heróis de Ponta Cabral" são muito tipicos dos primeiros anos do conflito quando a guerra ainda parecia quase "uma brincadeira de mau gosto de um punhado de pretinhos do Ultramar". (...)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje  (1-7 de março de 2008)> Visita ao sul > Dois homens grandes da Guiné, o Engº Agrónomo Carlos Schwarz (Pepito, para os amigos), fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, e o Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus, na altura com 87 anos e entretanto já falecido em 21 de janeiro de 2011, em Cadique, capital do seu reino. O rei dos nalus considerava o Pepito como "filho adoptivo". (***)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservad
os. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(ii) Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), engº agrónomo, cofundador e director da AD - Acção para o Desenvolvimento. Excertos do poste P3070 (**)

(...) O reduzido número de fontes escritas torna muito difícil conhecer com detalhe a história do povoamento humano de toda a zona de Cantanhez. (...)

Recorremos a alguns documentos a que tivemos acesso (...). Na ausência de outras fontes, recorremos a entrevistas aos mais velhos, Homens Grandes, portadores e transmissores da História oral de geração em geração (...).

(...) Parece (...) indiscutível que os Nalus eram o povo que habitava esta zona, em especial os sectores de Cubucaré e Quitafine, e em alguns pontos isolados do Cubisseco, quando aportaram os primeiros portugueses a esta costa de África.

(...) Com a Convenção Franco-Portuguesa de 1886, procede-se a uma nova delimitação das possessões  do rei dos  Nalus: a França cedia a Portugal a zona de Cacine por troca com a Casamança.(...)

(...) Por volta de 1860 dá-se a invasão Fula que vêm de Boké na Guiné-Conakry e do Boé no Futa Djalon que apertam os Nalus contra o mar e os obrigam a refugiarem-se nas ilhas de Melo e de Como, certos da dificuldade dos Fulas em se confrontarem com a água.

De forma inesperadamente rápida os Nalus começam voluntariamente a converter-se ao islamismo e consequentemente a abandonarem a escultura, muito semelhante à dos Bagas da Guiné-Conakry, de rara beleza e simbologia.

Trinta anos depois (1890) dá-se a chegada dos Sossos, vindos de Boffa na actual Guiné-Conakry, os quais se aliam aos Nalus para se oporem ao expansionismo Fula.

É por volta de 1896 que grande parte dos Nalus que habitavam as ilhas passam ao continente e, chefiados por Cube, antigo escravo e depois batulai do régulo Fula do Forreá, fundam inicialmente a tabanca de Cabedú e sucessivamente as de Calaque, Cafal, Cauntchinque e por último, em 1926, Cadique.

Mais recentemente, por volta dos anos 1920, verifica-se a chegada massiva dos Balantas, vindos da zona de Mansoa, os quais, numa fase inicial, não são recebidos muito cordialmente pelos Nalus.

Segundo Garcia de Carvalho, na altura Chefe de Posto Administrativo de Bedanda, em 1946, os Nalús, em número de 910 almas estavam repartidos por três territórios englobando 19 tabancas:
  • Regulado de Guiledje: tabanca de Cafunaque (8 pessoas)
  • Território de Cantanhez: tabancas de Catomboi (5), Camecote (15), Camarempo (15), Sogoboli (25), Catchmaba Nalú (30) e Caiquene (25)
  • Território de Cabedu: tabancas de Cafine (60), Calaque (50), Cafal (100), Fonte Iamusa (20), Cai (10), Cassintcha (40), Catombakri (40), Cabedú (200), Catesse (50), Catifine (50), Cabante (20) e Ilhéu de Melo (40).

Por outro lado, Artur Agusto Silva, recorrendo ao Censo de 1960 que apresenta números credores de confiança, assinala a existência em toda a zona, e não exclusivamente na antiga Bedanda, 3009 Nalus.

Com o início da luta de libertação nacional desencadeada em 1963, os Nalús acabam por aderir na sua quase totalidade ao movimento pela independência da Guiné-Bissau, vivendo e sendo protagonistas exemplares na construção das primeiras zonas libertadas, em Cantanhez. (...)

Em 1946 havia 1295 Futa-Fulas em todo o sector de Cubucaré, o que representava 0 segundo grupo com maior número de habitantes. (...) 

Nos anos 1920, os Balantas, fruto dos massacres perpetrados em Nhacra e Mansoa por Teixeira Pinto, na chamada guerra de pacificação, e pelos trabalhos forçados a que eram sujeitos na construção de estradas, decidem imigrar para o sul, primeiramente para o Cubisseco e depois para Tombali.

Inicialmente o seu relacionamento não foi bom com os Nalus que não os receberam bem. Mais tarde a situação modificou-se, tendo estes aprendido as técnicas de orizicultura de bolanha salgada e passado a praticá-las. Instalaram-se nas zonas ribeirinhas, ao longo do rio Cumbijã, praticando um sistema de produção de bolanha, em que o arroz de bolanha salgada era o elemento quase exclusivo do sistema. 

Rapidamente passaram a ser a etnia mais numerosa, tendo sido registados 7165 habitantes em 1946, em 29 tabancas do sector de Cubucaré.

(...) Chefiados por Lourenço Davy, um número muito reduzido de Sossos terão chegado a Cantanhez vindos de Boké, por volta de 1891, criando a tabanca de Camecote, muito perto da de Iemberém.

Especialmente ligados ao comércio, impõem a sua língua como o crioulo de Cantanhez. Embora em 1946 apenas com 490 habitantes concentrados em 4 tabancas, acabam por determinar que a língua sossa seja falada por todas as outras etnias como instrumento financeiro de comercialização dos produtos. (...)

Se, nos primeiros 15 anos do pós-independência (1973), a situação das migrações para a região de Cantanhez não sofreu mudanças significativas, já nos últimos 15 anos se vem registando uma tendência para um acentuado crescimento demográfico. (...) (****)

[ Selecção / revisão / fixação de texto/ negritos: LG ]
___________

Notas do editor:



sábado, 25 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23384: Memória dos lugares (442): Apenas um mês em Bula e a Mata do Choquemone marcou para sempre a CCaç 4541/72 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 2 de Junho de 2022:

Amigos e camaradas da Guiné,
Apenas um mês em Bula e a mata do Choquemone marcou para sempre a CCaç 4541/72.

Chegados à Guiné em 21 de Setembro de 1972, estes "periquitos", numa das suas ações ofensivas no Choquemone e Ponta Matar tiveram o primeiro embate sério com o IN, na mata do Choquemone em 25 de Novembro de 1972 e são obrigados recolher a Bissau, embalar os seus mortos, para os enviar à família e tratar das suas feridas.

Ainda mal refeitos do desfecho desta operação, vão participar na Operação Grande Empresa em 12 de Dezembro de 1972 e posteriormente ocupar Caboxanque, na região de Tombali, onde estiveram mais de 15 meses e durante este período reforçaram ainda as posições de Jemberem, Cadique e Cufar.

Depois de quase 18 meses de Guiné, vão para Safim, onde chegaram em 6 de Março de 1974 e já com o estatuto de "velhos" foi o merecido descanso do guerreiro, mas para alguns durou pouco. O destacamento de Capunga a sul e o destacamento de João Landim a norte foram de seguida ocupados. Em Safim ficaram o Comando, a gestão corrente da Unidade e os restantes militares.

Fui ter com eles a Safim em Março de 1974, passados 15 dias escrevi um aerograma aos meus pais com uma pequena mensagem a dizer que estava na Guiné e bem. Escusado será dizer que nem eles sabiam que tinha sido mobilizado para a Guiné . Apesar de me sentir bem preparado física e psico e manobrar muito bem as armas, constatei que não era o suficiente. Aqui fui encontrar uma Unidade muito segura, disciplinada e eficiente, nas patrulhas pouco se falava e muito menos de noite, cada um sabia exactamente o que fazer e como fazer, o que tornava tudo muito simples.

Sob o comando do Alf. Mil. Pratas fomos ocupar o Destacamento de João Landim norte, constituído por um pequeno "Hotel" cavado debaixo da terra circundado por uma trincheira, com um chuveiro de água ligado a vários bidões de 200 litros, que deixava o cabelo duro como um capacete e um pequeno barraco com uma arca frigorífica a petróleo para bebidas normalmente quentes e dois unimogs, não existia arame farpado, mas também senti que não era necessário. Não havia nada em redor, nem árvores nem população e tudo isto localizado a meia distância entre Bula e o Rio Mansoa.

O abastecimento de água para os gastos gerais do destacamento, provinha de uma pequena fonte localizada nas imediações de uma Bolanha a uns escassos quilómetros da mata do Choquemone. Com um condutor e a Secção de infantaria armada, partimos na direcção de Bula com um auto tanque de 5000 litros atrelado ao unimog. Depois de passar o Quartel, virávamos à direita e íamos por uma picada que nos levava até à fonte e aqui, depois de encher o auto-tanque, regressávamos ao destacamento.

Tinham passado já 18 meses, todos haviam esquecido o nome Choquemone ou parecia. Na verdade os "velhos" pouco falavam disso, mas aquela mata e o dia 25 de Novembro de 1972 estavam bem presentes na sua memória e agora voltar ali a Bula, bem perto da mata foi quase como voltar ao princípio e vieram as recordações.

A minha integração foi muito simples, os problemas deles começam a interessar-me e passam também a ser meus. Fazer baixas ao IN era para mim estar do lado certo da História e bem, os nossos camaradas mortos assim o exigiam, sinto que pertenço a este corpo, o resto era conversa, a Figueira e a Metrópole eram para esquecer, tinham ficado para trás.

As patrulhas e as operações de segurança da travessia do Rio Mansoa, feitas pela secção de infantaria. decorriam sem problemas. Até parecia que a Maria-turra e o PAIGC também se lembravam bem da CCaç 4541/72, sabiam quem eram, de onde vinham e dos "coices de mula" que tinham trocado no Choquemone. Eu sabia apenas das nossas baixas mas não das deles.

Na Cronologia da Guerra Colonial - 1972 - 2/2-por José Brandão estão registados 6 mortos em combate (cinco da CCaç 4541/72 e um paraquedista do BCP 12) todos no dia 25 de Novembro de 1972.

Guardo na memória os lamentos e a revolta do Silva, um soldado experiente, (de 26anos) o de óculos escuros na fotografia à entrada da LDM no Rio Cumbijã, um dos que me relatou a operação na mata do Choquemone em 25 de Novembro de 1972, apenas 2 meses depois da CCaç 4541 chegar à Guiné e recordo também o 1.º Cabo Dantas de G3 na mão no meio da malta, ambos da minha Secção.
Choquemone > Posição relativa a Bula e Binar. Infogravura © Luís Graça & Camaradas da Guiné 

Tratou-se de uma emboscada seguida de outra, com envolvimento, numa mata densa do Choquemone de que resultaram 5 mortos e 12 feridos em combate e entre os feridos o Comandante Sr. Cap. Mil. Inf. Dias Silva, que obrigou à intervenção de 2 Fiat G91, 1 helicanhão e 1 helisocorro para evacuação de feridos, tendo a CCaç 4541/72 na sequência desta operação recolhido a Bissau.

Não sei se a morte do paraquedista das forças do BCP 12 neste mesmo dia, está relacionada com esta operação. Toda esta informação é resumida mas é tudo o que disponho.[1]

Será possivel tornar público o relatório desta operação na mata do Choquemone, comandada pelo Sr. Cap. Dias Silva no dia 25 de Novembro de 1972, ou alguma informação complementar da FAP, BCP 12 ou algum camarada, para conhecer em pormenor o que foi e como terminou esta operação, qual o número de baixas do lado do IN e corrigir algumas informações acima descritas que possam estar incorrectas.

Quero agradecer ao José Guerreiro da CCaç 4541/72 pelas fotografias do Sold. Silva e do 1.º Cabo Dantas aqui publicadas em 07 de Abril de 2013 e 31 de Janeiro de 2013, respectivamente, porque me permitiram recordar as acções e vivências do tempo de aprender com os "velhos", que influenciaram o meu percurso de vida ao longo destes anos. Por tudo isto eles merecem bem a minha homenagem.
1.º Cabo Dantas segurando a sua G3
Soldado Silva junto da LDM

Fotos: © José Guerreiro da CCAÇ 4541/72. Todos os direitos reservados

Junto fotografia da constituição da minha Secção de Infantaria

O meu obrigado e um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur. Mil. At. Inf.

____________

[1] - Notas do editor:

i - O militar paraquedista referido faleceu em combate durante a Op. Urso Vermelho em Cufar-Bedanda pelo que nada tem a ver com a emboscada sofrida pelo pelo pessoal da CCAÇ 4541/72. 

ii - Os militares da CCAÇ 4541/72 mortos na emboscada de 25 de Novembro de 1972, foram:

- 1.º Cabo Radiotelegrafista Fernando da Conceição Fernandes
- Soldado Atirador Germano de Jesus Almeida
- Soldado Atirador José António Ferreira Correia
- Soldado Atirador Manuel Gomes Neto

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11648: Blogpoesia (342): Antologia: Poemas de Maio, de Ovar a Mafra, entre o céu e o inferno, com as bolanhas de Tombali ao fundo (J. L. Mendes Gomes)



Álbum do José Neto (1929-2007) > Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1966/68) > Foto nº 8: fim de tarde


Álbum do José Neto (1929-2007) > Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1966/68) > Foto nº 6: bando de jagudis 


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Lavo minha alma…

Encomendo minha alma a Deus,
Todas as noites,
Antes de dormir.
Pode ela não mais acordar. 
E subir ao céu.
Onde, perdidamente,
Para sempre, 
Restaria triste.
Como um anjo
Que voou da terra,
E apareceu a Deus,
Sem se lavar…

Ovar, 17 de Maio de 2013
16h37m

Subindo à montanha

Arregaço as mangas.
Pego na pena.
Lanço meus olhos
Para o infinito do céu.
Estremeço, de medo,
Na escuridão que o cobre.
Nem uma estrela sozinha aparece.
Tremente.
É o silêncio. 
E o ermo.
Ergo uma prece
Uma luz que rasgue e desfaça
Em pedaços as trevas
E negrumes de todas as serras.
Lanço no mar
Minhas cordas e amarras que prendem.
Levanto e bato as asas do sonho,
E parto à sorte e ao vento.
Atravesso as nuvens.
E eis que, num espanto,
Entro num céu vasto de luz.
Só o silêncio
Aqui reina, inunda e seduz.
Surgem flores de todas as cores.
Abro janelas em mim.
Entra uma aragem suave
Que inunda minha alma. 
Meus olhos cerrados voltam a ver.
Passam clarões pela frente.
Que me inundam de rastos.
Tento apanhar pedaços e restos
Como quem colhe flores.
Quando vou a tocar-lhes,
Desfazem-se em fumo,
E se escondem no espaço.
Mas parecem brincar,
Vão a sorrir. 
Corro no encalço,
Encantado e sedento.
Não desisto e tento.
E uma lufada de vento mais forte
Rasga as cortinas
E me mostra um jardim.
Fico suspenso.
Ressoam, cá dentro,
Ondas indizíveis,
Pintadas de tons
De todas as cores
Que me deixam feliz.
E começo a pintar e escrever…


Mafra, 23 de Maio de 2013
7h43m

Que grande estrumeira!

Eles entram-me em bando,
Pelas frestas da minha janela.
Como mosquitos.
Zumbem. Vêm vorazes.
Chupam-me o sangue.
Só me deixam os ossos.

Piores do que larvas.
Piores que serpentes.
Trazem lama nas patas.
Como lagartas.
Minhas escadas ficam sujas
De sangue e terra.
Estou desarmado.
Deixei minha G3,
Nas bolanhas da Guiné,
Tão longe.
Se não correria com eles
Com rajadas de os derreter.
Nem um só ficava.
Assim, só a pontapé.
Já me falta o sangue…
Já pedi socorro.
Ninguém atende.
Só um tornado gigante.
Do Oklahoma.
Que os meta em coma.
Depois o lixo.

Que grande estrumeira
Me restou em casa!...

Mafra, 21 de Maio de 2013
20h49m


Fecunda guerra...

Caem pedras no meu telhado.
Chovem na minha cama
Cinzas negras
Dum vendaval feroz.
Oiço cães na rua.
Vêm esfaimados
Das mansões de luz.
Passam os coveiros
De enxada nas mãos.
Querem enterrar-nos vivos.
Por ordem d’alguém.
Estilhaçaram tudo.
Com vestes de anjos.
Querem o meu sangue
Para o seu festim.
São canibais de fome...
Devoraram os pais.
Não poupam ninguém.
Deixei minha G-3
Nas bolanhas de África.
Minha cartucheira amada.
Agora é que eu a queria
Mesmo à cabeceira.
Nem um só escapava.
Mesmo sem pontaria.
Ia tudo a eito.
Até que, de novo, a paz
Voltasse a nascer...
E minha terra verde
Me visse a morrer.

Ovar, 27 de Maio de 2013
14h53m



Batuque no meu quintal

Armei uma tenda grande
No meu quintal.
De caqui da tropa.
Pequei num tambor
E pus-me a tocar.
Aquele batuque,
Soturno e longo,
Bem à moda da Guiné.
A passarada à volta,
Apardalada,
Foi a primeira.
Debandou em alvoroço.
Por momentos,
Fiquei só eu
E o agudo latir
Dos cães do povoado.
Foi só um pouco.
Um a um,
Depois em grupo,
Foram chegando,
Espavoridos,
Primeiro, os vizinhos,
Depois, de mais longe,
Os mais curiosos.
Ainda assim, eram vizinhos.
Não levou muito.

Uma magna assembleia,
Vinda de longe e perto,
Se prantou a ouvir
O trinado forte
E toques simples
Que não dizem nada...
São só batuque!

Ovar, 28 de Maio de 2013
8h12m

Serei feliz...

Custe o que custar,
Prometi a mim mesmo
Que serei feliz.
Tenho Fé!...
Não há vagas,
Não há rochedos
Que eu não escale
De olhos presos
E o coração livre.
Não preciso de asas.
Basta um balão
E uma chama a arder.
O vento me leva,
Rumo ao infinito.
Basta soltar amarras
E deixar-me ir.
É lá do alto,
Por cima das nuvens
Que se vê o céu.
Como é pequena e simples
Esta terra azul.
Nem os montes mais altos
Me conseguem tocar.
Quanto mais subir
Mais pequenos ficam.
Já não há impérios,
Nem coações ferozes
Que me prendam o leme.
É só neste mundo livre
Que eu quero florir.

Ovar, 28 de Maio de 2013
13h58m

Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes

[ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]

[Seleção dos poemas, enviados por email ao longo do mês de maio, e título da antologia: L.G.]

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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11638: Blogpoesia (341): Ainda o paludismo... (Manuel Maia)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10663: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex-comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (11): População civil da região de Tombali


Foto nº 71


Foto nº 74


Foto nº 75


Foto nº 76


Foto nº 77


Foto nº 83


Guiné > Região de Tombali > s/l > c. 1969/70 > Últimas  fotos do álbum do Armindo Batata, ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 51 que esteve em Guileje (desde janeiro de 1969) e depois em Cufar (1970, provavelmente, cerca de 9 meses). Em Dezembro 1969/Janeiro 1970 estava em Cacine, vindo de Gadamael, em LDM, "em trânsito para Cufar". Ficaram "uns dias em Cacine", antes de prosseguirem viagem, também em LDM, para Catió. (*) 

Estas fotos fazem parte de um lote de largas dezenas, cedidas pelo Armindo Batata ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Não tinham legendas, estando distribuídas por 4 grupos: (i) Guleje, (ii) Cacine (Dez 69); (iii) Cufar e (iv) Outros locais. As fotos que hoje reproduzimos, pertencem a este último grupo, e retratam população civil.  Aguardamos que o fotógrafo nos ajude a legendá-las. As fotos nº 71, 74 e 75 podem estar relacionadas com a festa do "fanado" feminino... Em princípio, terão sido tiradas em Guileje ou Cufar, as duas localidades onde o fotógrafo passou mais tempo

Fotos: © Armindo Batata (2007) / AD - Acção para o Desenvolvimento. Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]

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Nota do editor:

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8978: Blogpoesia (166): Azar... (Manuel Maia)

1. Em mensagem do dia 31 de Outubro de 2011, o nosso (reaparecido) camarada Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), enviou-nos este seu poema em sextilha a que deu o nome de Azar, no Sul, acrescentaríamos nós:


AZAR...

Saído dos confins, trás do sol posto,
corria a mais de meio o mês de Agosto,
p`ra rendição dum morto foi enviado...
José, foi sua graça de baptismo,
o praça "trinta e um por algarismo",
destino p`ra Guiné teve traçado...

Na terra lhe disseram, "põe-te a pau"...
cuidado com os turras de Bissau...
Que eu já por lá passei, caro vizinho!
Ao fim de cinco dias, mar revolto,
o cheiro a vomitado nele envolto,
tresanda mesmo sem sequer ser vinho...

Mal postos pés em terra, mui cansado,
do baldear do barco aliviado,
reclama a cama ao corpo a sensatez...
Adidos foi local de breve pausa,
doença nem sequer foi posta em causa,
tem falta de efectivos, Cantanhez...

P`ro Sul irás de barco, bem cedo!
(dormir não conseguiu, tanto era o medo...)
e à hora lá embarcou com saco e mala...
A bucha da manhã, café/casqueiro,
num vómito quiçá seu derradeiro,
deixou vazio estomago/magala...

E enfim chegado à zona Tombali,
descarregado o barco, sai dali,
em Berliet de azar que pisa mina...
Co`a foice o agarrou, ladina a morte,
José, magala triste, homem sem sorte,
morrer logo à chegada a sua sina...

Notícia má à terra chega cedo,
tombado foi na guerra homem sem medo,
diz telegrama lido pelo prior...
Sustento, amparo só de mãe doente,
viúva, sem o ser, de homem ausente
agora fulminada pela dor...

Pergunto aos generais, hoje tropeços,
escondidos na cagança de adereços,
dos p`rigos sempre ausentes nessa altura...
Sentis ou não remorsos desse tempo?
vós p`ra quem guerra foi um passatempo,
sem p`rigos e de grande sinecura?
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8835: (Ex)citações (149): Riscando os dias do calendário e ouvindo, até à exaustão, o Mendigo do José Almada, nos em bu...rakos do Cantanhez (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8975: Blogpoesia (165): As listas negras de Portugal (J.L. Mendes Gomes)

terça-feira, 27 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

Foto 1> Fase da construção da estrada, quando a mesma passava em frente à escola de Mampatá.

Foto e legenda: ©
José Manuel (2008). Direitos reservados.


Em mensagem de 25 de Maio de 2008, Antero Santos presta alguns esclarecimentos ao conteúdo do poste 2872.

Caro Luís Graça

Assunto - P2872

Não é meu objectivo entrar na polémica “A guerra estava militarmente perdida?”.

Pretendo somente fazer os seguintes esclarecimentos:

1. Pistas asfaltadas não eram só duas (*) - a pista de Aldeia Formosa também era asfaltada;

2. Estradas asfaltadas (**)

2.1. A estrada que saía de Aldeia Formosa, passando por Áfia, Mampatá, Uane, Nhala e terminando em Buba, numa extensão de cerca de 40 Kms, foi construída em 72/73 e estava totalmente alcatroada;

2.2. A estrada que partia de Mampatá em direcção a Nhacobá, passando por Ieroiel, Colibuia, e Cumbijã, em Junho de 1973 já estava totalmente construída numa extensão de 14,2 kms (até Cumbijã); penso que em Janeiro de 1974 já estava em Nhacobá;

3. "O inimigo nunca desarmou, nunca perdeu posições" (***)

Em 17 de Maio de 1973 foi desencadeada a operação Balanço Final de que resultou a ocupação de Nhacobá, no dia 21. Trata-se de uma povoação na margem direita do Rio Balana; frente a Nhacobá, na margem esquerda, a 4 kms em linha recta, fica Salancaur, na época um importante bastião do PAIGC (a sul fica Mejo).

Antero Santos
Ex-Fur Mil Atirador/Minas e Armadilhas
CCAÇ 3566 – Março a Dezembro de 1972 – Empada
CCAÇ 18 – Janeiro 73 a Junho 1974 – Aldeia Formosa (Quebo)
____________________

Notas do Antero Santos:

(*) - Palavras de Graça Abreu no P2872

A guerra estava militarmente perdida para as tropas portuguesas? Quem acredita?


(...) Continuemos com a conjuntura militar, Guiné 1973/74. De que meios aéreos, navais e terrestres dispunham os dois contendores no conflito?

O exército português e a tropa guineense que combatia a seu lado contavam com aviões Dakota (DC 3), T-6, Fiats G-91, Dornier 27, Nord-Atlas e helicópteros Alouette 3, sete ou oito deles equipados com héli-canhões, num total de quase quarenta aparelhos.


Existiam junto aos aquartelamentos portugueses umas boas dezenas de pistas de aviação, duas delas asfaltadas (Bissau e Cufar). Para voar, o PAIGC não dispunha sequer de pombos-correios, embora se falasse na hipótese, nunca concretizada, de os guerrilheiros poderem um dia utilizar Migs, a partir de bases aéreas situadas na Guiné-Conakry, ou seja fora da sua pátria. É verdade que possuíam mísseis anti-aéreos Strella e que abateram cinco aviões portugueses em Abril de 1973. Entre Junho de 1973 e Abril de 1974, com “armamento tecnologicamente superior”, no dizer do nosso amigo Beja Santos, quantos aviões portugueses foram abatidos pelo PAIGC? Nem um. E os nossos meios aéreos, ao contrário do que muitas boas almas ainda hoje apregoam por ignorância ou maldade, não deixaram de voar, e voaram muito. Os guerrilheiros e as populações sob seu controlo, continuaram a ser impiedosamente bombardeadas pela força aérea portuguesa. Em 1974 até os Nord-Atlas chegaram a ser utilizados como bombardeiros, com as bombas a serem lançadas da traseira aberta do avião! Com napalm, bombas de 200 libras, etc., e também metralhados pelas metralhadoras pesadas dos nossos héli-canhões. São factos inquestionáveis, a realidade foi essa.

(**) Continua Graça Abreu

Como é que a guerra estava militarmente perdida?


(...) Quanto a meios terrestres também vale a pena uma breve abordagem. As tropas portuguesas possuíam umas centenas de camiões Berliets, GMCs, Unimogs, viaturas auto-metralhadoras Daimler, Fox, Panhard, algumas destas, é verdade, velhas e quase inoperacionais. Mas ainda funcionavam.


Desloquei-me numa Fox de Cufar para Catió, e volta, por várias vezes até Abril de 1974. Havia estradas asfaltadas, por exemplo de Bissau a Teixeira Pinto, de Teixeira Pinto ao Cacheu, de Bissau a Farim, (a região Bafatá-Nova Lamego não conheço), Cufar para Catió, e mais estradas estavam em construção. As colunas de viaturas (naturalmente sujeitas a emboscadas) deslocavam-se quase por toda a Guiné. (...)


(***) Graça Abreu, reproduzindo palavras de Joaquim Mexia Alves

(...) Dizes, ainda, meu caro Mário Beja Santos, que "o inimigo nunca desarmou, nunca perdeu posições".

Em Novembro/Dezembro de 1972, por ordens do general Spínola, as tropas portuguesas foram ocupando e instalando-se gradualmente em aldeias do Tombali/Cantanhez, até então sob controlo IN. Foram ocupadas Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine e Jemberém. Os guerrilheiros retiraram para as matas do Cantanhez, onde, é verdade, passaram a fazer a vida negra à tropa portuguesa. Mas foram desalojados e perderam as suas posições.
(...)
___________________

Nota do co-editor C.V.:

Vd. poste 2872 de 22 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2793: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (15): Salvemos o Cantanhez (I)

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Era domingo, para nós, participantes do Simpósio Internacional de Guiledje, de visita ao sul do país... mas não para o pescador, que precisa de remendar as redes e ir à pesca... A região de Tombali, com pouco mais de 3700 km2 (o que representa cerca de 10,3% do território da Guiné) e pouco mais de 90 mil habitantes (7,1% do total) tem grandes potencialidades, devido ao seu património ambiental e cultural, ainda insuficientemente conhecido e valorizado pelos próprios guineenses. A jóia da coroa é o massiço florestal do Cantanhez e os dois rios principais que o atravessam, o Cumbijã e o Cacine.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Aqui não há praias de areia fina... Cananima é uma praia fluvial e um aldeia piscatória. Gente de vários pontos, desde os Bijagós até à Guiné-Conacri, vêm para aqui trabalhar na actividade piscatória. No entanto, é preciso saber gerir os recursos do rio e do mar com sabedoria... A sobre-exploração de certas espécies pode ser um desastre... Por outro aldo, as infra-estrututuras de apoio à pesca são precárias ou inexistentes.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > No estaleiro naval artesanal, de Cananima, também se constroem barcos, segundo os modelos tradicionais. A matéria-prima, a madeira, é abundante. Abate-se uma árvore centenária para fazer uma piroga. Felizmente, as pirogas não são feitas em série. E hoje há, também felizmente, restrições ao abate de árvores no Cantanhez. O problema são, muitas vezes, os projectos megalómanos e inconsistentes, que acabam por morrer na praia, como estas embarcações.
Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Uma típica paisagem de tarrafe, na margem dierita do Rio Cacine, onde almoçámos, numa tarde domingueira, antes do início dos trabalhos do Simpósio Internacional de Guileje, cuja inauguração oficial seria no dia seguinte à tarde, em Bissau, no Hotel Palace, um hotel moderníssimo, de cinco estrelas... Mas eu preferi as cinco estrelas de Iemberém e de Cananima...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Do outro aldo do rio, fica Cacine, que tem muito que contar, aos nossos camaradas do exército e da marinha... Alguns deles ficaram por aqui, enterrados e abandonados... A guerra e as suas memórias estão por todo o lado, não nos largam.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Antes de nós, no tempo da guerra, poucos tugas se poderão ter gabado de ter feito um piquenique tão agradável, tão calmo, tão saboroso, tão fraterno como o nosso... Aqui, nesta praia fluvial, frente a Cacine...


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A areia não é fina, as águas não são azuis, nem a paisagem é a mais bela do mundo, mas tudo depende dos olhos com que se olha, dos ouvidos com que se ouvem, das emoções com que se capta o instante, o eféremo, o diferente...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > É preciso salvar o Cantanhez, dando uma chance às crianças de Tombali. Projectos como o ecoturismo, ou o turismo de natureza, podem vir a ser um factor dinamizador de mudanças, a nível local e regional.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Esta criança, felizmente, já não conheceu a guerra, e sobreviveu com sucesso ao 365º dia... Uma em cada crianças na Guiné morre antes de antingir um ano. O sorriso tímido (e ao mesmo desafiador) desta criança desarma-nos, perturba-nos, interpela-nos: o que é que fizeste hoje por mim ?
Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A diversidade étnico-linguístico e cultural da Guiné-Bissau, em geral, e do Tombai, em particular, não deve ser vista como uma obstáculo, mas sim como um factor potenciador da cidadania e do desenvolvimento... Os demónios étnicos não podem é dormir descansados na Caixinha de Pandora... Combatem-se com as armas da saúde, da educação, da democracia, da integração, do desenvolvimento económico, social e cultural... Esta criança tem de ter sentir orgulho na terra onde nasceu, e onde vive...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O inconfundível barrete vermelho, tradicional, dos balantas. Com Kumba Ialá, tornou-se um ícone. Os balanta foram a principal base de apoio do PAIGC. Têm também hoje um peso considerável (excessivo, para alguns analistas e observadores da situação político-militar) na estrutura das Forças Armadas. Amílcar Cabral falava, com particular simpatia, da sociedade balanta, horizontal, sem classes... Alguns mitos ou estereótipos foram-se construíndo, à volta do grupo étnico e social dos balantas, uns pela etnografia colonial, outros pela análise marxista. Como se o balanta fosse aqui o representante do bom selvagem do Rousseau...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cananime > 2 de Março de 2008 > Dança de boas vindas aos participantes do Simpósio Internacional de Guileje. Se os meus rudimentares conhecimentos etnográficos da Guiné não me atraiçoam, trata-se de um grupo de dançarinos balantas, misto, composto por rapazes e raparigas. Há uma energia telúrica e uma alegria vital nos seus cantares e nas suas danças, que eu nunca encontrei, no tempo da guerra, por exemplo, em Nhabijões, , que era um um importante aglomerado populacional balanta (e com alguns mandingas), junto ao Rio Geba, entre Bambadinca e Xime. Os balantas de Nhabijões nunca poderiam sentir-se felizes e livres, sob a dupla tutela dos fulas e dos tugas...
Fostos e vídeo (1' 21''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojado em: You Tube >Nhabijoes



Guiné-Bissau > Mapa do sector de Bedanda que, juntamente com o sector de Cacine, alberga as matas do Cantanhez, um espaço que é urgente preservar, salvaguardar, proteger e potenciar, numa perspectiva de desenvolvimento integrado e sustentado... A verde assinala-se o trajecto que os participantes do Simpósio Internacional de Guileje fizeram no fim de semana de 1 e 2 de Março de 2008, na sua visita ao Cantanhez... A vermelho assinalam-se algumas das localidades por onde passámos e onde parámos: Balana, Guileje, Mejo, Imberem (passámos aqui duas noites)...

Vindos do Acampamento de Osvaldo Vieira (1), onde passámos uam parte da manhã de domingo, fomos almoçar a uma praia piscatória, deslumbrante... Do almoço (de peixe galo - gato ? - pescado nas águas do Rio Cacine (que em rigor é um braço de mar, como todos os outros, com a excepção do Rio Corubal - falarei em próxima crónica. Agora, deixem-me saborear este pedaço de paraíso que ainda existe na terra e na Guiné: O Cantanhez...Tenho pudor em falar de paraíso, num terra que as estatísticas dizem ser um dos mais pobres do mundo... O paraíso não existe, é uma utopia que os homens criaram. Falemos então de um sítio, na crosta terrestre, que ainda é capaz de nos encantar, em que nos sentimos em harmomia com os homens, com os bichos, com a floresta, com a água, com o ar...


Fonte: Brito (2007) (com a devida vénia...)




22 de Abril, Dia Mundial da Terra

(...) Em Abril, tomem por favor boa nota do sete,
na vossa agenda-planning de executivos,
porque é Dia Mundial da Saúde.
E um semana depois
o Dia da Conservação do Solo (15),
bem como do pobre Índio (19)
e do paupérrimo ou depauperado Planeta Terra (22),
finalizando a maratona das comemorações
no Dia da Educação (28),
tão pouco ou nada ambiental…

Não sei explicar se o Índio
é o que está em vias de extinção
ou o Índio, escalpelizado, morto e enterrado,
depois da chegada ao Novo Mundo
do idiota que acreditava ter chegado à Índia
e que hoje tem nome de praças
e estatuária pomposa
por tudo o que são cidades hispânicas.(...)

Luís Graça > Blogue Fora Nada... e Vão Dois

5 de Novembro de 2007 > Blogantologia(s) II - (59): Hoje é dia mundial de qualquer coisa...


O nosso camarada Juvenal Amado veio, gentilmente, (re)lembrar-nos que ontem foi o Dia Mundial da Terra, criado em 1970 a partir da ideia do norte-americano John McConnell, que a apresentou, na conferência da UNESCO sobre o Ambiente. «Só temos esta Terra para vivermos e sermos felizes»...

E mais: só há uma terra, só um mar, só há uma floresta, só há uma espécie humana, só há uma raça, o Homo Sapiens Sapiens. Talvez por isso valha a pena evocar aqui a nossa (sem paternalismos, saudosismos...) Guiné-Bissau, um pequeno país da África Ocidental, com o qual temos particulares afinidades, pela história, pela língua ... Mesmo se apenas 70 e poucos mil falam e escrevem o português que nos une e às vezes nos separa...

Falemos, pois, dessa terra (vermelha, verde, negra...) que se chama Guiné-Bissau. E duma parcela dessa terra que se chama Tombali, Região de Tombali, onde outrora travámos feros e feios combates... Voltámos lá, em missão de paz e de amizade, nos princípios de Março de 2008. E vimos coisas bonitas, até promessas de futuro.

Pessoalmente, descobri (ou entrevi) o Cantanhez, que era no meu tempo de soldado um topónimo que se pronunciava com um misto de respeito e de temor. Tomei conhecimento de projectos de desenvolvimento para a rehgião do Tombali, e que passariam também por essa coisa nova que se chama ecoturismo, e que se calhar para os guineenses é mais um palavrão que entra por um ouvido e sai por outro. Conversa de e para as elites. Enfim, li - se bem que ainda por alto - uma brochura de Brígida Rocha Brito (40 anos de idade, especialista em estudos africanos, socióloga, doutorada pelo ISCTE) e em que ela apresenta o seu estudo das potencialidades e dos constrangimentos do ecoturismo na Região de Tomnbali.

É um trabalho que me despertou a atenção e o interesse, elaborada no âmbito do projecto U' Anan (Construir o Desenvolvimento Comunitário Sustentável na Região de Tombali: Ecoturismmo e Cidadania, ONG - PVD/2004/095-097). E edição, em Abril de 2007, é da responsabilidade da ONG portuguesa, Instituto Valle Flor, um dos parceiros privilegiados da AD - Acção para o Desenvolvimento.

Independentemente de uma leitura mais aprofundada e mais crítica deste relatório, e das suas principais conclusões e recomendações (2), apetece-me hoje transcrever apenas - com a devida vénia à editora e à autora, que é uma apaixonada de África (veja-se o seu blogue África de Todos os Sonhos) - alguns excertos. Por razões de economia e de legibilidade bloguísticas, cortei as referências bibliográficas e adaptei as notas de pé de página. Nalguns casos cortei um ou outro páragrafo. Eliminei também quadros e figuras. Espero que a autora me perdoe a ousadia. Em nome do comum paixão pelo Cantanhez. Não tenho o prazer de conhecer, pessoalmente, a minha colega de academia (é professora e investigadora no ISCTE, onde também eume licenciei em sociologia). Mas aproveito para a cumprimentar, dar-lhe os parabéns e oferecer este espaço para... blogar connosco. L.G.


II. O Turismo na região de Tombali
por Brígida Rocha Brito


A região de Tombali dista de Bissau em cerca de 250 Km, localizando-se a sul da Guiné-Bissau, concretamente a sul e sudoeste, fazendo fronteira com o norte da Guiné Conacri e sendo parcialmente rodeada pelo oceano atlântico (...). A região é constituída por 3.736,5 Km2, correspondendo a 10,3% do total do território nacional, destacando-se por ser uma zona fronteiriça dominada, do ponto de vista ambiental, por uma área florestal de grande densidade (…), rica em biodiversidade de fauna e de flora, definida como uma das últimas florestas primárias a nível mundial e considerada o ícone da luta pela independência.

Administrativamente, a região subdivide-se em sectores, sendo privilegiados no Estudo os de Bedanda e Cacine, já que são os que estão mais directamente relacionados com o Projecto Ecoturístico (…). Os dois sectores destacam-se devido ao enquadramento pelo conjunto dos Matos que constituem as Floresta de Cantanhez, sendo limitados por dois grandes rios, Cacine e Cumbidjan, fazendo fronteira com o Oceano Atlântico, e sendo dotados de diversidade étnica e cultural.

As características ambientais da região evidenciam especificidades únicas resultantes da densidade florestal e do estado de preservação dos espaços naturais, que em parte têm beneficiado da distância e do isolamento em relação aos principais centros urbanos, nomeadamente da capital.

Do ponto de vista turístico, a região apresenta um conjunto alargado de potencialidades que, no decorrer da missão, foram identificadas, estando contudo em “estado bruto”, requerendo uma acção planeada e concertada no sentido da valorização dos aspectos chave para o ecoturismo, nomeadamente relativos à preservação ambiental, à protecção de espécies ameaçadas e à dinamização das práticas e dos traços culturais característicos das comunidades residentes.

Contudo, em Tombali, evidenciam-se alguns constrangimentos que, se não forem controlados e minimizados, podem ser condicionantes, limitando a implementação do Projecto. Neste contexto, destacam-se factores estruturais, que são comuns a todo o País e que requerem uma intervenção global de âmbito nacional por ultrapassarem a acção do Projecto U'Anan, e factores conjunturais, que podem ser minimizados através da adopção de medidas estratégicas sectoriais direccionadas e enquadradas por um planeamento adequado.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Em pleno coração do Cantanhez > 2 de Março de 2008 > Um dos jovens guias ecoturísticos, recentemente formados, no âmbito do projecto U'Anan.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > No coração do Cantanhez > 2 de Março de 2008 > Logótipo do projecto U'Anan, estampado na T-shirt de um dos jovens guias ecoturísticos. O dari (chimpanzé), espécie em vias de extinção em África, é o ex-libris do Cantanhez.


Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Identificação das principais potencialidades

Apesar da relativa instabilidade político-governativa que pode naturalmente influenciar a dinamização do sector do turismo, as relações entre as Organizações promotoras do Projecto e as Instituições, nacionais e internacionais, vocacionadas para o planeamento ambiental, preservação de áreas protegidas e conservação de espécies, são de grande entendimento, havendo lugar para o estabelecimento de parcerias. Estes são os casos do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) e da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

No contexto das potencialidades regionais e locais, ou factores perspectivados como positivos, foram identificados três tipos principais: as especificidades ambientais; os elementos culturais; os factores históricos e de pendor nacionalista.

Por um lado, os factores tipológicos, entendidos isoladamente ou de forma conjugada, são considerados como determinantes na construção e no reforço das identidades comunitárias; por outro, para a prática do turismo, são elementos apelativos e dinamizadores de diferentes segmentos: Turismo de Natureza ou Ecoturismo; Turismo Étnico; Turismo Cultural e Turismo Científico.

1.1. As particularidades ambientais

Tal como acontece na maioria do território guineense, na região de Tombali o clima é caracteristicamente tropical húmido, evidenciando-se duas estações principais, a seca (entre Novembro e Maio) e a estação das chuvas (entre Junho e Outubro). O principal factor diferenciador no que respeita ao clima é que no sul a intensidade das chuvas é maior do que em qualquer outra região, podendo atingir níveis de precipitação na ordem dos 2.000 a 2.500 mm anuais, com temperaturas médias entre os 28º e os 31º (…).

Se a acção humana de exploração e utilização de recursos for planeada e controlada, verifica-se uma tendência para a renovação do manto florestal com carácter espontâneo, em resultado das condições climatéricas, traduzidas na intensidade e nos elevados níveis pluviométricos anuais associados ao calor.

A região de Tombali é caracterizada por uma mancha florestal de grandes dimensões, com cerca de 650 Km2 (…) denominada de Floresta de Cantanhez (a), que consiste num agrupamento de catorze áreas florestais densas e húmidas, habitualmente referenciadas como Matos.

Actualmente existe a proposta de alteração do estatuto para área protegida, com a criação de um Parque Natural, envolvendo três sectores da região, Bedanda, Cacine e Quebo, perfazendo um total de 1.067 Km2 (…).

Os matos são caracterizados pela densidade típica da floresta tropical, sendo considerada como uma das últimas florestas primárias pelo estado de preservação e de manutenção do ecossistema, resultado da fraca penetração humana, tornando-a num habitat privilegiado para a vida de numerosas espécies de flora e de fauna.

No que respeita à flora, destacam-se as árvores de grande porte, centenárias, muitas vezes identificadas como sagradas e locais de culto, de inspiração e de aconselhamento junto do “irã”, a entidade sobrenatural, tanto venerada como temida. Entre a multiplicidade de espécies arbóreas (b) existentes, referenciam-se como observáveis a Tagara, o Manpataz e o Poilão. O interesse turístico da Floresta de Cantanhez consiste na possibilidade de, no decurso das actividades e das visitas, observar a diversidade biológica que coexiste de forma equilibrada: árvores de grandes dimensões; árvores de médio porte; arbustos .

Também no que respeita à fauna, a região é rica em diversidade, encontrando-se diferentes espécies de grandes mamíferos (c), cefalofos, ungulados, primatas (d), aves (e), répteis (f), peixes e insectos (g), de entre os quais algumas estão ameaçadas ou em risco, pelo que têm estatuto reconhecido de espécie protegida. A maioria destes animais reveste interesse turístico, existindo, a nível internacional, mercado potencial por segmentos. Contudo, a observação nem sempre é facilitada visto que os animais a viverem em habitat natural são fugidios, o que também evidencia o estado ainda virgem do parque florestal.

Paralelamente, a acção conjugada do IBAP, da IUCN e da AD tem viabilizado a demarcação das áreas através da colocação de placas indicativas em algumas áreas, com classificação de “corredores de animais” (…), de forma a facilitar a identificação tanto das zonas como das espécies mais importantes. Nos Matos de Cantanhez, existem sete corredores, dos quais dois são transfronteiriços, cruzando o sul da Guiné-Bissau com o norte da Guiné Conacri, e delimitam áreas prioritárias de passagem de grandes mamíferos, como o elefante africano, o búfalo da floresta e a gazela pintada. Estas são acções que, do ponto de vista ecoturístico, representam uma mais-valia importante por evidenciarem preocupação com a preservação espacial e com a conservação de espécies ameaçadas.

Por outro lado, todos os Matos estão também identificados com placas indicativas do início e do fim de cada área, o que permite ao turista um acompanhamento dos percursos, a distinção dos Matos a partir da identificação das características florestais e a valorização do conhecimento sobre os locais de passagem e de visita. Além de ser fundamental para a prossecução das actividades do ecoturismo, esta sinalética representa um esforço na sensibilização das comunidades no sentido da identificação de locais “intocáveis” porque protegidos, ou seja onde é proibido desflorestar, provocar o abate de árvores, proceder a queimadas ou capturar os animais referenciados como protegidos.

As Floresta de Cantanhez são caracteristicamente fechadas e de difícil penetração, mas não representam o único tipo de paisagem ambiental que caracteriza a região, já que se encontram, de forma intercalada, áreas de savana arbórea e herbácea, e com maior importância mangal ou tarrafes, rios, estuários e paisagem fluvial, costa marítima e, com menor destaque, praias.

Toda a região é caracterizada pela existência de cursos de água, sob a forma de grandes e pequenos rios, afluentes e braços fluviais que penetram para o interior das áreas florestadas (…). Os principais rios são o Cacine e o Cumbidjan, qualquer um navegável em pequenas embarcações, desde que pouco fundas, devido à existência de grandes flutuações na quantidade de água em resultado da variação das marés e à existência de bancos de areia que conferem pouca profundidade aos cursos fluviais. Proliferam ainda os pequenos rios afluentes dos principais, como o Balana e o Balanazinho, o Gadamael, o Bendungo, o Cachadeba e o Gaduar, revestindo contudo menor importância.

O meio fluvial é particular do ponto de vista paisagístico já que apresenta uma estrutura diferenciada da que caracteriza a floresta, mas também por ser rico em flora e fauna. Do ponto de vista turístico, este é um meio de grande valor porque, além de propiciar a realização de actividades diferenciadas e complementares às florestais, de observação de animais e de contemplação, representa uma possibilidade alternativa e acrescida de acesso e de transporte, estabelecendo a ponte com outras localidades.

Contudo, não é aconselhada a utilização das águas dos rios para banhos ou natação, devido à existência de crocodilos, que mesmo que não visíveis se tornam perigosos pondo em risco a segurança. As águas dos rios sendo turvas e barrentas, e as areias lodosas, não favorecem a prática balnear em meio fluvial, mas proporcionam o desenvolvimento de práticas ecoturísticas.

Os rios são assim uma forte potencialidade para o turismo de contemplação de paisagens e de observação de animais como aves, nomeadamente grupos de pelicanos, e espécies migratórias, dada a proximidade e a facilidade de acesso para a Ilha de Melo e Ilha dos Pássaros, situados na foz do rio Cacine.

Por fim, a região de Tombali, em particular na zona oeste dos sectores de Bedanda e de Cacine, pelo contacto com o Oceano Atlântico, é marcada pela proximidade em relação ao sul do arquipélago dos Bijagós, nomeadamente no que respeita ao Parque Natural Marinho de João Vieira e Poilão.

Esta coincidência geográfica de elementos naturais de reconhecida importância, e que revestem interesse turístico, evidencia a possibilidade de estabelecer ligações entre o meio florestal, propiciada pelos Matos de Cantanhez, o meio fluvial, favorecida pelos rios e inúmeros cursos de água, e o meio marinho, em que se destacam espécies diferenciadas, tais como os cetáceos e as tartarugas marinhas. Por outro lado, está favorecida a complementaridade entre meio continental e insular, viabilizando o desenvolvimento de actividades diferenciadas tendentes à preservação ambiental e à conservação de espécies. (...)

pp. 31-35

(Continua)

__________

Notas da autora, BRB:

(a) É comum entender estas áreas como florestas sagradas, dotadas de pontos específicos e identificáveis por guias locais, como fontes sagradas, árvores sagradas ou simplesmente zonas referenciadas e que os animistas acreditam que têm poderes, realizando práticas de veneração.

(b) Podem ainda referir-se outras espécies como pau veludo, pau miséria, malagueta preta, lianas lenhosas, figueira estranguladora, líquenes.

(c) Os grandes mamíferos que podem ser observados são os elefantes, os búfalos da floresta, as gazelas, e mais raros os felinos como a onça pintada, vulgarmente conhecida como leopardo.

(d) Os primatas são comuns e apresentam diversidade: chimpanzé, babuíno ou macaco cão e colobus ou macaco fidalgo e preto.

(e) As aves apresentam grande diversidade: garças, picanço, abelharuco, pica-peixe, calao grande, pica-pau, cotovia, andorinha, melro, pardal, entre outras.

(f) Os principais répteis terrestres são a cobra preta, cuspideira ou bida, a cobra tutu, a cobra verde, da palmeira ou kakuba, a cobra vermelha e a jibóia ou irã seco. Nos rios pode encontrar-se crocodilo ou lagarto preto e no mar tartarugas marinhas.

(g) Os insectos com maior interesse turístico e que podem ser enquadrados nas potencialidades ambientais são a borboleta, que existe na região em quantidade, destacando-se pelas cores, e as térmites ou baga baga, devido às construções de terra. Por outro lado, existem abelhas associadas à actividade da apicultura.


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Notas de L.G.

(1) Vd. poste de 12 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2752: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (14): Acampamento Osvaldo Vieira (II)

(2) Esta publicação está disponível, em formato.pdf, no sítio do Instituto Marquês de Valle Flôr :
ESTUDO DAS POTENCIALIDADES E DOS CONSTRANGIMENTOS DO ECOTURISMO NA REGIÃO DE TOMBALI