Luís Nuno Rodrigues - "Spínola:Biografia". Lisboa. A Esfera do Livro, 2010, 748 pp.. il. |
1. O biógrafo de Spínola, o académico Luís Nuno Rodrigues, tem algumas revelações interessantes sobre as peripécias da publicação do livro "Portugal e o Futuro" (pp. 211-221), mas também sublinha e analisa o seu impacto na época (pp. 221-243).
Para os nossos leitores, que não leram (por falta de tempo, interesse, oportunidade, etc.) a volumosa biografia de Spínola, de 748 pp., aqui ficam algumas "notas de leitura" (tópicos, apontamentos, pequenos excertos)...
Refira-se que a obra foi objeto de recensão bibliográfica por parte do nosso camarada Mário Beja Santos, que no entanto dedica apenas uma ou duas linhas ao livro "Portugal e o Futuro" (*).
Retomei há dias a leitura deste notável trabalho, esquecido na prateleira. O exemplar que possuo, tem a seguinte amável dedicatória:
"Ao Luís Graça, com estima e consideração do Luís Nuno Rodrigues. Lx, 2 de abril de 2010."
2. Sobre o biógrafo convirá dizer, resumidamente, o seguinte:
Luís Nuno Rodrigues:
(i) Professor Catedrático do Departamento de História do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa;
(ii) Diretor do Centro de Estudos Internacionais (CEI-Iscte) e do Mestrado e Doutoramento em Estudos Internacionais, na mesma instituição;
(iii) Doutorado em História Americana pela Universidade do Wisconsin e em História Moderna e Contemporânea (especialidade História das Relações Internacionais na Época Contemporânea) pelo ISCTE-IUL.
Além disso, (iv) é autor de 9 livros e coordenador de outros 8, tendo publicado 55 capítulos de livros ou entradas em obras coletivas e mais de 30 artigos em revistas especializadas;
(v) A sua obra "Kennedy-Salazar: A Crise de Uma Aliança. As Relações Luso-Americanas entre 1961 e 1963", publicada em 2002, foi galardoada com os Prémios Fundação Mário Soares e Aristides Sousa Mendes;
(vi) Entre outras publicações, conta-se este livro, "Spínola", publicado pela Esfera dos Livros em 2010.
3. O "making of" do livro "Portugal e o Futuro" (pp. 211/222):
Uma parte significtiva das ideias que Spínola irá defender em "Portugal e o Futuro", incluindo a sua "tese federalista", já estaria contida num documento enviado a Marcelo Caetano, em 1970 ("Algumas Ideias sobre a Estruturação Política da Nação") (pág. 212).
(...) "Nos últimos meses de 1971 e ao longo de 1971, Spínola escreveu vários capítulos, recebeu textos escritos por colaboradores seus e oficiais que mais de perto com ele trabalhavam, aperfeiçoou textos em revisões constantes e com múltiplas colaborações" (pág. 212).
O seu novo chefe de gabinete, José Blanoco (que sucedeu a Nunes Barata), recebeu das mãos do general um primeiro texto, datilografado a dois espaços, com centena e meia de páginas. Instado a ler e a comentar, ter-se-á limitado a exclamar: "Isto é uma bomba".
O texto continuaou a ser trabalhado ao longo de 1972, usando Spínola um gravador para onde ditava as suas emendas, notas, comentários e acrescentos.
Em julho de 1972 escreveria a vários dos seus amigos, em Lisboa, manifestando a sua intenção de publicar um livro, ainda em título: caso dos general Venâncio Deslandes (1909-1985) e do ministro da Marinha, Manuel Pereira Crespo (1911-1980). Este terá pedido ao amigo, "encarecidamente", que nada publicasse sem primeiro falar com ele... O que ele concordou, acrescntando que também iria submeter o livro "à prévia leitura do presidente do Conselho" (pág. 213).
Foi nas férias de verão, no Luso, em 1973, que ficou cncluída a versáo final. O "fiel sargento Gonçalves", de Cavalaria, bateu o texto à máquina. Francisco Spínola, o irmão do autor, encarregou-se da revisão do texto, e coube a José Blanco, que veio de propósito da Guiné, propor um ou mais títulos. Da lista de doze títulos, Spínola escolheria o último, "Portugal e o Futuro" (pág. 214).
Depois começaram os contactos com o editor. O contrato com a editora Arcádia foi assinado em outubro de 1973. Paradela de Abreu ofereceu um aval, do Banco Totta & Açores, para garantir os direitos de 20% dos direitos sobre cinquenta mil exemplares da 1ª edição.
O general encarregou-se de garantir o fornecimento de papel necessário para a publicação do livro, no que contou com a colaboração do António Champallimaud (para o qual Spínola havia trabalhado em tempos, na Siderurgia).
O livro começou a ser composto em várias tipografias (!)... Spínola insistia com o editor que a data de publicação "poderia ser de um momento para o outro" (sic)... Por outro lado, a ideia era garantir que, caso viesse a ser proibido, fosse possível salvar a maior parte dos exemplares, e depois vendè-los clandestinamente (pág. 215).
Houve cinco revisões finais do livro feitas pelo punho do autor. Nas pp. 215/221, o biógafo faz uma sinopse do livro, que retomaremos mais tarde. (**)
Fiquemos, entretanto, com este excerto do texto que dá início ao cap. 4 ("O Futuro de Portugal"):
(...) "A saída de António Spínola da Guiné representava o fim de uma era, não apenas da política portuguesa naquele território mas, também, do modo português de conduzir as guerras em África. Durante um breve momento, no início dos anos 1970, as Forças Amadas portuguesas tinham conseguido dar 'credibilidade a Portugal em todos os teatros de guerra', conseguindo criar uma janela de oportunidade, um 'compasso de espera', que permitia a condução de negociações sobre o problema colonial português. Na Guiné, esta situação era particularmente visível." (...) (pág. 199),
Citando John Cann, Spínola na Guiné conseguira refrear, em 1970, o ímpeto do PAIGC e originar um verdadeiro "impasse", com a sua liderança forte e carismática e o seu programa "Por Uma Guiné Melhor". Mas a correlação de forças começa a desequilibrar-se em 1973. Em Angola , os generais Costa Gomes e Bettencourt Rodrigues tinham obtido praticamente uma "vitória militar". E em Moçambique foi só depois de 1970 que a situação se começou a deteriorar...
Quando regressa definitivamente à Metrópole, Spínola trazia imenso prestígio político e militar, a nível nacional e internacional. Era um general que tinha ganho batalhas. Tinha mostrado, além disso, que havia "soluções políticas" para o impasse da guerrs, tendo encetado negociações com o PAIGC e o Senegal, que Lisboa iria desautorizar. Quando regressa, o governo de Marcello Caterno está prisioneiro da extrema direita do regime, completamente desfasado da realidade e sem qualquer visão estratégica. Tem dificuldade em arranjar um general que fosse capaz de suceder a Spínola. Com relutância, Bettencourt Rodrigues aceita... es tá preparado para "sacrificar" a minúscula Guiné para salvar as joias da coroa do Império (Angola e Moçambique)... Por isso, "Portugal e o Futuro" é uma bomba de relógio que veio apressar a agonia de um regime.
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Notas do editor:(*) Vd. postes de:
12 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15738: Notas de leitura (807): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (1) (Mário Beja Santos)
15 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15752: Notas de leitura (808): “Spínola”, de Luís Nuno Rodrigues, A Esfera dos Livros, 2010 (2) (Mário Beja Santos)
(**) Útimo poste da série > 23 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25203: Efemérides (429): Foi há 50 anos, em 22/2/1974, que saiu o livro de Spínola, Portugal e o Futuro um livro que se tornou um "best-seller", que toda a gente comprou e que poucos leram e entenderam, mas que abalou um regime...