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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24027: (In)citações (228): Na morte do Francisco Silva (1948-2023), relembrando o cmdt do Pel Caç Nat 51, Nuno Gonçalves da Costa, assassinado por um dos seus homens, em Jumbembem, em 16/7/1973 (Manuel Luís R. Sousa, SAj Ref, GNR)

1. Comentário (*) do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa (sargento-ajudante da GNR na situação de reforma; ex-soldado da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4512/72, Jumbembem, 1972/74; autor do livro "Prece de um Combatente - Nos trilhos e trincheiras da guerra colonial" (2012) (**): tem 46 referências no nosso blogue, e entrou para a Tabanca Grande em 31/3/2011.
 

A MORTE DO ALFERES NUNO GONÇALVES DA COSTA

por Manuel Luís Rodrigues Sousa

(excerto do meu livro "Prece de um Combatente", 2012, imagem da capa à esquerda).

Em março ou abril de 1973, Jumbembém foi reforçado com um pelotão de militares nativos, para suprir a falta do 1.º pelotão acabado de ser colocado em Canjambari, um quartel a sul de Jumbembém, a cerca de doze quilómetros, juntamente com outro pelotão de Cuntima, em substituição de uma companhia que dali foi retirada.

Desse pelotão de nativos, o Pel Caç Nat 51,  apenas os comandos, o alferes, Nuno Gonçalves da Costa,  e um furriel, eram de origem metropolitana.

Num dia em que se realizava a habitual coluna de reabastecimentos a Jumbembém, Cuntima e Canjambari, a 
16 de julho de 1973, um dos elementos deste pelotão pediu ao alferes Costa, ao seu comandante, para o deixar seguir na coluna de Jumbembém para Cuntima para visitar familiares.
Tratando-se de um militar rebelde e indisciplinado, como forma de o castigar, o alferes não autorizou a sua deslocação a Cuntima.

Perante esta recusa, o referido militar deslocou-se ao quarto do alferes, em fim de comissão e quase formado em medicina, com um futuro promissor pela frente, disparando contra ele dois ou três tiros de G3, atingindo-o na região do abdómen.

Foi-lhe prestada a assistência possível na enfermaria, enquanto se aguardava a evacuação por meios aéreos que entretanto foi pedida.

Passada pouco mais de uma hora veio a falecer, perante a impossibilidade de ser evacuado por falta desses meios aéreos, cujo uso era já particularmente restritivo, em consequência dos mísseis Strela ao dispor do PAIGC.

Este caso ilustra bem a perda do controlo aéreo na Guiné das Forças Armadas Portuguesas a que faço referência noutra parte do livro.

O referido alferes Costa era natural de Campos de Sá, S. Jorge, Arcos de Valdevez.

Após a sua morte, foi substituído pelo alferes Francisco Silva. Foi nestas circunstâncias que o alferes Silva chegou a Jumbembém. 

Que descansem em paz o alferes Silva, bem como malogrado alferes Costa. (****)

30 de janeiro de 2023 às 19:24

(Revisão e fixação de texto: LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de janeiro de  2023 > Guiné 61/74 - P24022: In Memoriam (467): Francisco Justino Silva (1948-2023), médico, ortopedista, ex-alf mil, CART 3492 / BART 3873, Xitole, e Pel Caç Nat 51, Jumbembem (1971/73) cerimónias fúnebres, hoje, em Porto Salvo, na igreja local, com velório a partir das 16h00; missa de corpo presente às 14h00 de 3.ª feira, seguindo o funeral para o cemitério de Carnaxide


(***) Vd. postes de:


(...) Presumo que o alferes devia estar deitado. Deve ter-se levantado e foi nessa altura que o homem pegou na G3 e, traiçoeiramente, disparou três tiros à queima-roupa sobre o oficial português.

Este último ainda foi levado para a enfermaria, onde se prestaram os primeiros socorros, ao mesmo tempo que foi pedido, com a maior urgência, a sua evacuação aérea. Como estava a perder muito sangue, foi pedido sangue e, voltou a ser pedido insistentemente, o máximo de urgência na sua evacuação, que tardava em aparecer.

E tanto tardou que o alferes não resistiu aos ferimentos e faleceu, sem que aparecesse qualquer meio aéreo para o socorrer. Esta situação indignou todo o pessoal da companhia, desde o soldado até ao comandante.

O nativo foi preso com arames nos pulsos, atrás das costas, enquanto os próprios elementos do Pel Caç Nat 51, bem como a milícia queriam fazer justiça pelas próprias mãos (linchá-lo). Valeu-lhe o nosso comandante, que ordenou:

- Não lhe toquem!

Mas, mal ele virava as costas, alguns militares mais revoltados descarregavam a sua ira em cima do assassino, que foi depois colocado na casa do motor (gerador), que se situava ao lado do tanque da água.

Ali permaneceu o prisioneiro até meio da tarde, altura em que o nosso comandante, penso que por causa da evacuação não se ter efectuado e achando que o comandante em Farim teve alguma culpa nesta falta, resolveu ir a Farim levar o corpo do alferes em sinal de protesto.

Deslocamo-nos então numa coluna motorizada (já não sei quantos nem quais pelotões), com o corpo do defunto numa viatura “Berliet” e uma bandeira nacional a cobri-lo, até Farim (sede do Batalhão 4512).

A coluna fez-se sem fazer a habitual picagem, tal era a revolta, desagrado e excitação que grassava em todo o pessoal da Companhia. Um risco acrescido, mas justificado pela hora tardia para o fazer.

Viam-se aqui e ali soldados e graduados com as lágrimas nos olhos, chocados com um desfecho fatídico que o alferes assassinado não merecia, porque todos eram conhecedores e concordantes de que ele era boa pessoa e bom para os nativos do Pel Caç Nat 51. Talvez bom demais,  ainda hoje o penso e digo! Segundo ouvi dizer na altura, ele, quando isso lhe era solicitado, inclusive emprestava dinheiro aos militares do seu pelotão.

A coluna chegou à entrada de Farim, abrandou mais um pouco e continuou a sua marcha, enquanto os militares que a compunham saltaram para o chão e acompanharam as viaturas a pé. Ao passar defronte ao edifício de comando, estava em posição de sentido e continência um graduado (ou era o comandante - Ten Cor Vaz Antunes -, ou o 2º comandante Major Menezes, já não me lembro bem).

Este é o relato com que fiquei gravado no pensamento desse dia.

Também trouxemos o nativo assassino que, pelo caminho fora na viatura onde seguia, alguns soldados, em certas alturas do percurso, continuaram a dar-lhe o “tratamento especial”, tendo o mesmo chegado a Farim num estado físico muito debilitado.

Disseram-me posteriormente que ficou preso em Farim e depois seria enviado para a “Ilha das Cobras”.

Para substituir o comando do Pel Caç Nat 51, foi destacado o alf mil at inf Francisco Silva (madeirense), que apareceu na 2ª Companhia do BCAÇ 4512 logo após esta tragédia. (...)


(****) Último poste da série > 27 de dezembro de  2022 > Guiné 61/74 - P23921: (In)citações (227): As cheias, estas e as outras (Hélder V. Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24022: In Memoriam (467): Francisco Justino Silva (1948-2023), médico, ortopedista, ex-alf mil, CART 3492 / BART 3873, Xitole, e Pel Caç Nat 51, Jumbembem (1971/73) cerimónias fúnebres, hoje, em Porto Salvo, na igreja local, com velório a partir das 16h00; missa de corpo presente às 14h00 de 3.ª feira, seguindo o funeral para o cemitério de Carnaxide

 
Dr. Francisco Silva (1948-2023), médico, cirurgião 0rtopedista, nosso amigo e camarada, ex-alf mil at inf, CART 3492 / BART 3873 , Xitole, e cmdt do Pel Caç Nat 51, Jumbembem, 1971 /1973. Foto de Manuel Resende (s/d) com a devida vénia.


1. Chegou-nos a triste notícia ao meio da tarde de ontem, por intermédico de um amigo comum, o Zé Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos, numa mensagem que também era de parabéns pelo meu aniversário: morreu o meu/nosso amigo e camarada Francisco Justino Silva, vítíma de doença prolongada. 

Deixa viúva a nossa querida amiga Elisabete (que frequentava os convívios da Tabanca da Linha e também o Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real: o Francisco esteve em 10 e a Elisabete em 7.  O casal  fez igualmente uma viagem de saudade, à Guiné-Bissau, em 2013,  com onZé Teixeira e  a esposa.

O casal tem dois filhos e três netos. A filha é também médica, em Santiago do Cacém. O Francisco nasceu na Madeira, onde chegou a trabalhar no início da sua carreira. Mas a sua "casa e escola"  foi o serviço de ortopedia do Hospital de Santa Maria e depois o Hospital Amadora-Sintra, onde operou alguns de nós, seus camaradas Trabalhou sobre a direcção do lourinhanense dr. Francisco Mateus, hoje reformado. (Tratava-o por "Xiquinho", confidenciou-me ele, a quem transmiti hoje a triste notícia; já trabalhavam juntos dese Santa Maria, e foram juntos para o Amadora-Sintra, onde o Francisco foi abrir o serviço (ou um dos serviços) de ortopedia, creio que Ortopedia B.

O Francisco tinha-se reformado, do SNS,  ainda há poucos anos  (creio que em 2017). Mas continuou a trabalhar no seu consultório e num hospital privado, até que a saúde o impediu de vez. Vivia em Porto Salvo, Oeiras.

A Elisabete teve a gentileza de nos telefonar, a mim e a Alice, por volta das 22h00.  As cerimónias fúnebres terão lugar hoje, em Porto Salvo, na igreja local: velório a partir das  16h00; missa de corpo presente às 14h00 de terça-feira, seguindo o funeral para o cemitério de Carnaxide.(*)

Fazia anos a 14 de junho. Recordo-me de um soneto que lhe fiz em 2017, por ocasião do seu 69.º aniversário. Em cima da hora, e nesta hora muito triste, faço-lhe, em meu nome pessoal, e da Alice, e da toda a nossa Tabanca Grande, esta pequena homenagem, reditando os versos que lhe escrevi e republicando fotos de alguns dos nossos agradáveis momentos de convívio e também da viagem à Guiné -Bissau em 2013, publicadas no nosso blogue  (mantendo as legendas da altura). 

Para a Elisabete e a restante família, vai o nosso mais caloroso e fraterno chicoração. Até sempre, Francisco! Iremos lembrar-te sempre como um homem bom, afável e  simples, e um dedicado médico, um amigo do seu amigo, um camarada do seu camarada. LG

Ao nosso querido Francisco!

por Luís Graça
(grato ao seu ortopedista, amigo e camarada)


Veio da terra da Laurissilva,
É camarada, amigo, solidário,
O afável doutor Francisco Silva
Tem hoje o seu dia de aniversário.

Mas não pensem que é dia de gazeta,
Ortopedista é sempre um guerreiro,
A idade, para ele, é uma treta,
Parabéns ao nosso grã-tabanqueiro.

Reformado está, mas não arrumado,
Tem mãos de artista e ainda opera,
Não gosta de ver ninguém aleijado.

Pela sua Maria e queridos filhos,
Tinha a Guiné em lista de espera,
Pois voltou, percorrendo os velhos trilhos!

14 de junho de 2017 (**)

Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real (Termas de Monte Real) > XI Encontro Nacional da Tabanca Grande > 16 de abril de 2016 > Da esquerda para a direita, Jorge Rosales, JERO ("o último monge de Alcobaça") e Francisco Silva. (Três saudosos amigos e camaradas,  de cujo convívio  a morte já nos privou; também três presenças frequentes em Monte Real, nos nossos encontros anuais.)

Foto: © Miguel Pessoa (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Leiria >  Monte Real > Palace Hotel Monte Real (Termas de Monte Real) >  XI Encontro Nacional da Tabanca Grande >  16 de abril de 2016 >  "Ó camarada doutor Francisco Silva, aqui só para nós... Então, o meu amigo é de Porto Salvo, Oeiras, e ainda não se dignou dar-nos a honra da sua presença à mesa da Magnífica Tabanca da Linha?!" (pergunta  o régulo Jorge Rosales, para o Francisco Silva que, na Guiné, tinha fama de durão, e que acaba de se reformar, tendo um brilhante currículo como ortopedista no Serviço Nacional de Saúde, e nomeadamente no Hospital Amadora-Sintra, onde operou por duas vezes, o nosso editor-mor, a um joanete e à anca...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Lisboa > Belém > Monumento aos Combatentes do Ultramar > XXV Encontro Nacional  dos Antigos Combatentes  > 10 de junho de 2019 > Sob o olhar atento do Carlos Silva, régulo da Tabanca dos Melros, o Francisco Justino Silva, hoje ortopedista (foto à  esquerda),  membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de abril de 2010 (***), relembra os tempos em que foi substituir, em Jumbembem, em circunstâncias trágicas, o comandante do Pel Caç Nat 51: o seu interlocutor, um antigo milícia do seu tempo  (à direita, na imagem), estava lá, nesse fatídico dia 16 de julho de 1973, em que foi cobardemente morto a tiro de G3 o alf mil op esp / ranger, Nuno Gonçalves Costa. (Era natural de Arcos de Valdevez. A sua morte foi atribuída a "acidente com arma de fogo", forma eufemística das Forças Armadas classificarem não só os casos de acidente devidos a arma de fogo, como os de homicídio e suicídio.)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Lisboa > Belém > XXIII Encontro Nacional de Combatentes > 10 de junho de 2016 > O Francisco Silva era presença frequente no 10 de Junho. Aqui  ao lado do Silvério Lobo (que veio de Matosinhos),

Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > 10 de Junho de 2009 >  O Virgínio Briote e o Francisco Silva.

Foto (e legenda): © Luís Graça (20'0). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela de Ouro > 48.º Convívio > 19 de maio de 2022 > Caras lindas que não se viam por aqui há mais de 2 anos: primeiro veio a pandemia, depois vieram as  mazelas do corpo e da alma... A nossa Eisabete Silva, por exemplo, quem diz que em 2013 andava pelos matos e bolanhas da Guiné-Bissau, toda fresca, com o marido,  o nosso dr. Francisco Silva, cirurgião ortopedista, e que depois passou por um grave problema de saúde, felizmente já  superados ?!... Está de volta aos convívios da Tabanca da Linha e com ótima cara... Que bom, ver-te, Elisabete!    (Já agora, a Tabanca Grande que ela trabalhou na Pedrogão desde os 20 e tevê como colegas, por exemplo , o António  Levezinho, a Isabel Levezinho, o Fernando Calado... E por certo  o Pinto Carvalho de que ela não se lembra bem.)

Magnífica Tabanca da Linha > Algés > Restaurante Caravela De Ouro > 48.º Convívio > 19 de maio de 2022 > Que bom, rever-te, Francisco!... Temos andado desencontrados, mas cada um à volta dos seus  problemas de saúde... e lambendo, como o cão do balanta, as suas feridas.  Dizem-me que não tens atendido os telefonemas de ninguém... Grande madeirense, amigo e camarada, as tuas melhoras!... Olha, eu acabo de fazer uma artoplastia total ao joelho esquerdo, no Hospital Ortopédico de Sant'Ana, na Parede... Agora são dois meses de fisiatria...

Fotos: © Manuel Resende (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Guiné-Bissau >  Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de  2013 > "O Francisco Silva  mais um antigo guerrilheiro do PAIGC, procurando localizar pontos de guerra comuns". [Companheiro de viagem do Zé Teixeira, em 2013 (**), o Francisco, hoje cirurgião, esteve no Xitole, como alf mil, ao tempo da CART 3492 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar o Pel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973]


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 1 de maio de 2013 > O Aliu do Xitole  (antigo menino da messe dos sargentos)  e o Francisco Silva... O Aliu reconheceu de imediato o "alfero paraquedista” , o “Sirva”. E logo o grupo ficou em amena cavaqueira com o Aliu a falar do “alfero Sirva”, "manga de bom pessoal". (Sempre ele, calmo e sereno, observador de ouvido atento, como no tempo em que comandava os seus soldados perdidos na selva da guerra.)

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Leiria > Monte Real > IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > 14 de junho de 2014 > O Francisco Silva, ortopedista no Hospital Fernando da Fonseca, que operou recentemente o nosso editor Luís Graça bem como o camarada Humberto Reis, tinha um segredo  bem guardado até à hora do almoço... Fazia anos, deixou a família em casa, deu um salto a Monte Real e voltou a casa, em Porto Salvo, Oeiras, para acabar o resto com a esposa, Elisabete, os filhos e os netos... Cantámos-lhe os "parabéns a você... Da esquerda para a direita, o  João Martins, o Humberto Reis, o Xico Alen (já falecido em 2022), o Francico Silva e a Alice Carneiro.

Recorde-se aqui o percurso militar do Francisco: madeirense, ofereceu-se como voluntário aos 19 anos, em 1968 para os paraquedistas... Acabou na Guiné como alf mil at inf, esteve no Xitole, ao tempo da CART 3492 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar o Pel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973, Depois de regressar à metrópole, fez o curso de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Em primeiro plano, ao meio, o Dr. Francisco Silva, madeirense, ortopedista no Hospital Fernando da Fonseca, Amadora-Sintra, médico do nosso camarada Hugo Guerra. À sua esquerda, a Maria Alice e à direita Salifo Camará, 87 anos, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, venwrado como "rei dos nalus" (também ja falecido). Foto tirada por ocasião da visita ao centro de saúde materno-infantil de Iemberem. O Francisco Silva viajou de jipe, com mais camaradas, na viagem à Guiné, de ida e volta, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008),

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23692: Convívios (943): Rescaldo do Almoço / Convívio dos antigos Militares da CCAÇ 2797; Pel Canh S/R 2199; Pel Caç Nat 51 e Pel Caç Nat 67, levado a efeito no passado dia 8 de Outubro em Leça da Palmeira (José Alberto Mota, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 2797)

Foto de família dos Antigos Combatentes da CCAÇ 2797, CCAÇ 4740, Pel Canh SR 2199 e 3079 e Pel Caç Nat 51 e 67, presentes no Convívio


1. Mensagem do nosso camarada José Alberto Mota, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 2797 (Cufar, 1970/72), com data de 9 de Outubro de 2022:

Amigo e camarada Carlos Vinhal

O encontro de almoço da CCAÇ 2797, que comemorou os 50 anos de regresso a Portugal, foi realizado no dia 8 em Leça da Palmeira e juntou 91 militares e suas famílias.

Esteve representada a CCAÇ 4740, os Pelotões de Canhões 2199 e 3079 e ainda alguns camaradas dos Pelotões de Nativos 51 e 67.

Num ambiente de muita amizade conviveu-se e recordou-se os tempos vividos em Cufar-Guiné.

Anexo algumas fotografias que agradeço se puder fazer o favor de publicar no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné"

Com um abraço de amizade e agradecimento
José Alberto Mota
ex-Furriel de Transmissões

Dois aspectos da sala do Tryp Porto Expo Hotel de Leça da Palmeira, onde decorreu o Convívo
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Notas do editor

Vd. poste de9 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23604: Convívios (939): XIX Encontro do pessoal do HM 241 de Bissau, dia 8 de Outubro de 2022, em Espinho. Almoço/Convívio dos antigos Militares da CCAÇ 2797; Pel Canh S/R 2199; Pel Caç Nat 51 e Pel Caç Nat 67, dia 8 de Outubro em Leça da Palmeira

Último poste da série de 26 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23646: Convívios (942): Ontem, dia 24 de Setembro de 2022, realizou-se no Grande Hotel do Porto o almoço de confraternização da CART 1745 (Bigene, 1967/69) (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23604: Convívios (939): XIX Encontro do pessoal do HM 241 de Bissau, dia 8 de Outubro de 2022, em Espinho. Almoço/Convívio dos antigos Militares da CCAÇ 2797; Pel Canh S/R 2199; Pel Caç Nat 51 e Pel Caç Nat 67, dia 8 de Outubro em Leça da Palmeira

C O N V Í V I O S

1. Em mensagem do dia 8 de Setembro de 2022, o nosso camarada Manuel Freitas (ex-1.º Cabo Escriturário do HM 241, Bissau, 1968/70), dá notícia do 19.º Encontro do Pessoal daquela Unidade de Saúde, no dia 8 de Outubro, em Espinho.

Boa tarde
Pedia o favor de anunciar o 19.º Encontro do pessoal do HM 241 - Guiné.
Será no dia 8 de Outubro em Espinho.

Contacto 964 498 832 - Freitas

Obrigado
Cumprimentos,
manuel freitas | manuel.freitas@equicontas.com


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2. Mensagem do nosso camarada José Alberto Mota, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 2797 (Cufar, 1970/72), com data de 9 de Setembro de 2022:

Antigos militares da CCAÇ 2797 em conjunto com o Pelotão de Canhões 2199 e graduados dos Pelotões de Caçadores Nativos 51 e 67, que fizeram a sua comissão na Guiné, localidade de Cufar em 1970/72, vão ter um encontro de confraternização de almoço a realizar no dia 8 de outubro no Hotel Tryp Expo Porto em Leça da Palmeira.

Algum camarada interessado que serviu esta Companhia ou Pelotões, queira por favor contactar José Alberto Mota para 918 623 378.

Muito grato fico à Tabanca Grande, a eventual possibilidade de ser feita publicidade no vosso blogue à realização deste encontro.

Com os meus melhores cumprimentos
José Alberto Mota,
Ex-Furriel Miliciano de Transmissões
CCAÇ 2797 - Cufar

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23492: Convívios (938): Almoço de confraternização do pessoal da 2.ª CART/BART 6521 (Có, 1972/74), dia 24 de Setembro de 2022 em Cacia - Aveiro (José Morgado)

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23545: Memória dos lugares (443): Cacine e a "autoestrada" do rio Cacine que, na preia-mar, era um rio azul digno de um qualquer cartaz turístico daqueles locais chamados de sonho (Armindo Batata, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 51, Guileje e Cufar, 1969/70)

 

Guiné > Região de Tombali > Cacine > CCAÇ 1620 > 1967>  O fur mil Manuel Cibrão Guimarães, frente à capela militar de Nª Sra. de Fátima, construída ao tempo da CART 496, em 13/5/1964 e provavelmente completada pela CCAÇ 799, um ano depois (10/6/1965)... O Cibrão Guimarães está vestida com uma "sabadora" (peça principal do traje masculino dos muçulmanos) e um gorro, fula, na cabeça... A peça do vestuário tem a particularidade de ser feita com sacos de farinha de panificação ("ofício" a que sempre esteve ligado: o pai era industrial de panificação; e ele daria continuidade ao negócio até se reformar; natural de Avintes, Vila Nova de Gaia, mora em Rio Tinto, Gondomar; é pai de duas filhas, a esposa, licenciada em farmácia e professsora do ensino secundário, também está reformada). (*)

Foto (e legenda): © Manuel Cibrão Guimarães (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > De Cacine, a caminho de Gadamael > c. 1970 > O alf mil médico Amaral Bernardo esteve na CCAÇ 2726, uma companhia independente, açoriana, que guarneceu Cacine (1970/72). Amaral Bernardo pertencia  à CCS/BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72), e passou cerca de um ano (1971) em Bedanda (CCAÇ 6).(**)

Foto (e legenda): © Amaral Bernardo (2011) . Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região de Tombali > Cacine > Pel Caç Nat 51 > Dezembro de 1969 > Local do nosso desembarque em Cacine, com LDM (à esquerda) e uma AML  à direita [Junto à AML, o alf mil Armindo Batata, comandante do Pel Caç Nat 51].

Guiné > Região de Tombali > Cacine  >   Pel Caç Nat 51 > Dezembro de 1969 >A ponte cais ao fundo e a messe e bar de sargentos à direita. A messe, bar e alojamentos dos oficiais era do lado opsto,  donde tirei a fotografia. O acesso à ponte cais, era uma agradável avenida ladeada de palmeiras.


Guiné > Região de Tombali > Cacine  > Pel Caç Nat 51 > Dezembro de 1969 >  Praia a jusante da ponte cais onde desembarcámos das LDM, durante a noite, vindos de Gadamael Porto, (***)

Foto (e legenda): © Armindo Batata (2007) . Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Setor de Cacine > Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > Visita dos participantes ao sul > Por aqui passou a CART 1692... Esta tosca placa em cimento, delicioso vestígio arqueológico dos "tugas", diz-nos que em dois dias, de 16 (início) a 18 de Abril de 1968 (término), foi construído este abrigo, em tempo seguramente recorde, a avaliar pelas "60 bebedeiras neste priúdo (sic)... Trabalho Rápido". Estão também gravados dois topónimos portugueses, Nisa e Alenquer, afinal alcunhas de dois militares da CART 1692 que, nas horas vagas, eram trolhas, segundo informação do cor art ref António J. Pereira da Costa, que conheceu estas paragens como ninguém: esteve lá como ex-alf art,  CART 1692/BART 1914, Cacine, Sangonhá, Cameconde, 1968/69, antes de voltar ao CTIG como capitão ) em 1972/74) (***)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de março de 2008  >  Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau,  1-7 março de 2008) > O Silvério Lobo junto a uma "bunker", construído pelas NT em cimento armado (seguramente pelo BENG  447). (****)


Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > Os tugas de volta a Cacine, outrora um importante baluarte no sistema de defesa do Rio Cacine contra as infiltrações e ataques do PAIGC. Foi sede do Destacamento de Fuzileiros Especiais 22.  

Cacine era, em 2008, uma terra com ar desolado e decadente. Tímhamos partido,  de Cananima, do outro lado do rio, num barco de pesca, depois de um belíssimo almoço onde não faltou o saboroso e fresquíssimo peixe local. Embarcados, éramos um grupo de 30 participantes do Simpósio. O Pepito, o nosso "capitão de mar-e-guerra",  ficou em terra a planear as eventuais operações de socorros a náufragos. Regresso ao barco, depois de uma duas horas em Cacine: em primeiro plano, o jornalista do Correia da Manhã, o único jornalista português presente no SimpósioInternacional de Guileje, José Marques Lopes, seguido da Júlia, esposa do coronel art ref Nuno Rubim , e da jornalista e cineasta Diana Andringa, os dois últimos, membros da nossa Tabanca Grande.(****)

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008) . Todos os direitos reservados [Edição:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Sobre a sua curta estadia em Cacine, em dezembro de 1969 e janeiro de 1970, em trânsito para Cufar, escreveu o ex-alf mil Armindo Batata, comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (tem 18 referências no nosso blogue):

(...) Os Pel Caç Nat 51 e 67, este de comando do alf mil Esteves, passaram por Cacine  (*****) em Dezembro 1969/Janeiro 1970, em trânsito para Cufar. O Pel Caç Nat 67 tinha guarnecido o destacamento do Mejo até à evacuação desta posição em janeiro de 1969.

O deslocamento de Guileje para Cufar teve um primeiro troço em coluna de Guileje para Gadamael Porto. Prosseguiu em LDM para Cacine onde aguardámos a formação de um comboio fluvial. Chegámos a Cacine já a noite tinha caído. Desembarcámos na praia,  a jusante da ponte cais, com 1 ou 2 AML a fazerem a segurança e iluminados por viaturas.

Os militares nativos "espalharam-se" com as familias e haveres pelas tabancas de acordo com as respectivas etnias. Nessa noite dormi num quarto com aspecto de quarto, que até tinha mesa de cabeceira e, paredes meias, uma casa de banho que, para meu grande espanto, tinha um autoclismo, daqueles de puxar uma corrente; que maravilha tecnológica!.

Ficámos uns dias, não me lembro quantos, mas deu para eu ir a Cameconde, numa das colunas que se efectuavam diariamente (?). Tenho de Cameconde a imagem de uma fortaleza em betão, daquelas fortalezas dos livros da escola, a que só faltavam as ameias. Quem por lá andou me corrija por favor esta imagem, se for caso disso.

Deu também para umas passeatas no rio Cacine. Mas só na preia-mar, quando era um rio azul digno de um qualquer cartaz turístico daqueles locais chamados de sonho. Depois vinha a baixa-mar e o cartaz turístico ficava cinzento. E naquele tempo era quase sempre baixa-mar.

Num fim de tarde, as marés a isso obrigaram, embarcámos nas LDM e ficámos fundeados a meio do rio Cacine em companhia do NRP Alvor, que nos iria comboiar até Catió. O 2º tenente da RN, comandante do NRP Alvor, convidou-nos, a mim e ao alferes Esteves, para bordo e entre umas (muitas) cervejas e não menos ostras, passámos a noite. A hospitalidade habitual da Marinha.

As embarcações suspenderam o ferro com o nascer do sol (exigências da maré) e lá seguimos para Catió. No último troço da viagem, já o rio era mais estreito, portanto já não era o Cacine, fomos acompanhados por T6 no ar e fuzileiros em zebros a vasculharem o rio, já que tinha havido, recentemente, um qualquer "conflito" entre uma embarcação e uma mina. Nada se passou, e o fogo de reconhecimento para as margens, a partir das LDM, não teve resposta.

Não houve incidente algum portanto, mas a viagem foi um bocado complicada, em termos logísticos. Um pelotão de nativos integra as familias dos militares, os seus haveres e animais domésticos. Família, haveres e animais domésticos que afinal eram o triplo ou quádruplo do inicialmente inventariado. Nos animais domésticos estão incluídos os porcos dos não islamizados, que terão que viajar separados dos islamizados. E a aguardente de cana. E o ... e a mulher do ... e o "alferes desculpa mas não pode ser". Em coluna auto lá se arranjam, mas em LDM não foi fácil. Valeu a paciência dos furrieis, um deles de nome Neves e do 2º sargento (...).

Catió tinha uma estação de correios com telefone para a metrópole, um restaurante daqueles em que se come e no fim se pede a conta e se paga. E pessoas brancas sem serem militares. Um espanto!

O plano inicial era os dois pelotões deslocarem-se por estrada de Catió para Cufar. Esse percurso já não era utilizado há bastante tempo (meses?) e foi considerado de risco muito elevado. Não me lembro dos argumentos avançados, mas acabámos por ir para Cufar por rio (LDM com desembarque em Impugueda no rio Cumbijã ou sintex/zebro com desembarque em Cantone? - não tenho a certeza, pode ser que alguém de mais fresca memória se lembre). (...)

Armindo Batata (Excerto) (****) 

[ Revisão / fixação de texto: LG ]


Guiné > Mapa da província (1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Mejo, Guileje, Gadamael Porto, Cacine, rio Cacine, rio Cumbijã, Catió e Cufar, na egião de Tombali, na parte sudeste da Guiné, que faz fronteira com a Guiné-Conacri. Foi este o percurso, por terra e rio, que fizeram em dezembro de 1960 e janeiro de 1970, os Pel Caç Nat 51 e 67. (Vd. texto acima, do Armindo Batata).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022).
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Notas do editor:



(***) Vd. poste de 27 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10582: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex-comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (9): Ainda a curta estadia em  Cacine, a caminho de Cufar,  em dez 69 e jan 70


(*****) Último poste da série > 20 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23540: Memória dos lugares (442): Rio Cacine, Cafal, Cananima, ontem e hoje

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23152: Notas de leitura (1435): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Março de 2022:

Queridos amigos,
Um ano e picos depois de Guileje, com umas férias em Bissau de premeio, Martins parte para Cufar, leva saudades mil, adorou e ficou marcado para o resto da vida com aquele convívio da tabanca de Guileje, viu muita gente chegar e partir, faz-nos saber que o aquartelamento parecia um fortim inexpugnável, fez muito trabalho de Transmissões, andou com o rádio às costas nos patrulhamentos, registou as grandes alterações que se deram na quadrícula, desapareceu Gandembel, Cacoca, Mejo, Cameconde, Sangonhá, Guileje tornou-se uma fortaleza solitária, ponto nevrálgico do Sul. Uma escrita invulgar, fala-se de Júlio César, de Dante, de Horácio, de Ovídio, enfim, expoentes da literatura greco-romana e dos nossos clássicos, tudo sem presunção ou a necessidade de impressionar o freguês da escrita, está-lhe na medula, cita sempre a propósito Camões ou a Bíblia. E nunca nos esconde que reza, que está grato a Deus por tudo o que viveu e por tudo quanto continua a amar, como esta inquebrantável saudade que lhe traz a Guiné.

Um abraço do
Mário



Uma invulgaridade da literatura da Guerra da Guiné (4):
O Silvo da Granada, por José Maria Martins da Costa


Mário Beja Santos

Uma surpresa, e com aspetos bem curiosos, este O Silvo da Granada, Memórias da Guiné, por José Maria Martins da Costa, Chiado Books, agosto de 2021. O leitor é colhido por uma prosa onde primam citações de clássicos, a começar pelo latim, tudo passa a ser entendível quando se lê o currículo que o autor apresenta: “Natural de Roriz, concelho de Santo Tirso, aí frequentei a escola primária, finda a qual entrei no seminário, mais precisamente no mosteiro da Ordem Beneditina. Saí no sétimo ano, talvez para voltar daí a trezentos anos como o monge de Bernardes. Como trezentos anos demoram a passar, para não estar ocioso entretive-me a tirar o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra. Entretanto, assentei praça no Exército, indo para a Guiné como combatente da Guerra do Ultramar e assentei arraiais civis no Porto, onde casei, fui professor e jornalista. Nesta cidade, tenho levado vida plácida e remansosa, dentro dos parâmetros da Aurea Mediocritas de Horácio. Por falar em Horácio, ia-me esquecendo de dizer que publiquei há anos um livro de poemas intitulado Libellus, palavra latina que tanto pode significar pequeno livro como libelo acusatório. Fora das partes líricas, acusava realmente e castigava alguns dos costumes e vícios da sociedade contemporânea. Queria endireitar o mundo. Mas o mundo ignorou o livro e continuou cada vez mais torto”.

Longa já vai a comissão do primeiro cabo Martins, mas ele ainda tem muito para dizer, como narrador quer que saibamos por onde paira a sua escrita: “Isto não é um diário. Antes fosse; que tudo iria por sua ordem, sem as errâncias de uma pena vadia, agora e logo perdida em digressões, por vezes longas, decerto fastidiosas. Também não vai escrito por meses, posto às vezes parece. Já agora, conseguiria se fosse? Há os anais, as décadas, os diários. Só para a escrita por meses não se inventou nome, decerto porque nunca foi preciso.”

Estamos agora a passar de março para abril, deram-se mudanças de vulto de Pel Caç Nat 51, refere quem sai e quem chega. A quase um ano que leva na Guiné, vai a Bissau, regressa a Guileje ao fim de menos de três semanas, terá descansado na capital, não se mostra motivado pela cidade, viaja de barco e vai até Gadamael, tem saudades da gente da tabanca, aproveita toda e qualquer oportunidade para expor uma nótula histórica, desta feita fala da envangelização. É envolvido em patrulhas, felizmente tudo corre sem acidentes. São grandes as amizades com os Futa-Fulas, caso de Mariama, de Ádama, dá-nos conta da vida religiosa islâmica, não esquece de nos lembrar a rotina das colunas entre Guileje e Gadamael. Mais modificações nos efetivos de Guileje, chegou uma companhia inteira para o lugar de outra, sente barulho a mais na convivência, prefere ir viver na cave do posto de rádio. Já estamos em novembro e chega a notícia da transferência do Pel Caç Nat 51, tal como o Pel Caç Nat 67, vão para Cufar, no termo de Catió.

Não irão por estrada, a única forma de lá chegar é alcançar Gadamael, descer o rio Cacine até à sua foz, percorrer um estreito canal, rio chamado Cagopere, aproar ao rio Cumbijã e subir boa parte do seu curso inferior, meter talvez ainda por um afluente deste e depois por terra fazer os últimos quilómetros até Cufar. Como observa: duas picadas, dois ou três rios, um mar, um estreito. Despede-se com enorme saudade dos seus amigos da tabanca, a coluna alcança Gadamael sem novidade. E desabafa: “O Martins, erguendo mãos e olhos ao céu, rende graças a dois santos da sua particular devoção, a quem se encomendou a meio do percurso mais brusco e mais rijo por pouco o não arremessou de escantilhão para a orla da brenha. Alonga ainda um olhar lá para trás, para onde ficou a picada. Estranha coisa! Não tornara a trilhá-la nunca mais, nem a temível vereda nem a mata traiçoeira, devia dar-lhe um enorme alívio. Pois causa-lhe… um travo amargo de saudade.
Saudade do pedaço de vida que ali ficou”
.

Foi breve a viagem de Gadamael a Cacine, ficou surpreendido de aqui encontrar laranjeiras e tangerinas, observa que Cacine é menos sacrificada que Guileje ou Gadamael. A sua atenção converge agora para o soldado de Djambói e sua mulher Igétu, o soldado gasta o tempo e o parco pré, algo fascina Martins quando vê esta mulher jovem de rosto redondo e olhos sossegados, pacata e tímida, conversam muito. O comboio das lanchas, escoltado por navio-patrulha prossegue viagem, Igétu desperta-lhe a sensualidade, é assim o desenho que dela traça: “Está deitada sobre o lado esquerdo, com mão do mesmo lado sobre o queixo, o braço direto descaído para o ventre, as pernas levemente encolhidas, as pálpebras cerradas, os lábios entreabertos, as narinas ligeiramente dilatadas, a respiração suave. O rostinho arredondado, as orelhas feitas ao torno, a testa lisa, desfranzida, nem alta nem baixa, a mui ténue protuberância da nuca, tudo concorre admiravelmente para a feição regular da cabeça”.

O comboio de navios passa pelo Canal do Melo, ali perto é Cabedu, Cufar não é longe, temos ainda o Cumbijã e as suas duas alongadas curvas, estão já na aldeia Cantone, 3 km à frente espera-os Cufar, no meio Mato Farroba, área sossegada. O Martins lá vai para o posto de rádio. Regista dois acidentes mortais no Pel Caç Nat 51, chega-se ao Natal e depois ao Ano Novo. Espraia-se nas descrições: “Assim como Cacine estende um braço até Gadamael, aqui o Cumbijã alonga um braço para Cufar. Braço ou afluente, chamam-lhe rio, o rio Manterunga. Navegam-no na maré cheia barcaças que abicam num modesto cais, tão modesto quanto o rio. A maré baixa, encalham no lodo, até que a cheia as ponha de novo a flutuar”. A água que escasseava em Guileje superabunda em Cufar, fala dos patrulhamentos, neles se integra, tudo é pretexto para falar dos rios ou ramais, dos himalaias de lama, ele teme perder o rádio no meio de tanto chapinhar no áspero tarrafo. Pega-se com um furriel, deita umas palavras desabridas, apanha como castigo sete noites seguidas, na trincheira, em Mato Farroba. Vai ao médico a Catió, apraz-lhe a limpeza e o asseio das ruas, o muito arvoredo que as sobreia e ornamenta, acha-la muito limpa a agradável para viver.

Regressa a Cufar, chegámos à Páscoa, há um doce reencontro com Igétu, esta a de Guileje, não aquela jovem mulher que o marido a ignora e que provoca uma certa polvorosa no Martins. Ainda aparece outra jovem na vida do primeiro cabo das Transmissões, Tupe de seu nome, por estas e por outras o Martins medita se não devia ficar ali, talvez o leitor o tome por delírio, ou sonho ou desvario.

Aquela comissão que parecia não ter fim prossegue com patrulhamentos, vigilâncias e emboscadas, anuncia-se a partida, Martins sabe que é grande a mágoa de se apartar de Tupe e de Igétu, regressa a Catió, ainda encontra gente do seu tempo de Guileje. Estamos agora em julho de 1970, chove a cântaros, os amigos vêem-no partir num Dakota. “Sentado num duro banco, o Martins desoprime o peito com um fundo suspiro. E com as mãos sobre os joelhos e os olhos fechados, a Deus lhe agradece ir vivo e ileso; reza pelos que não tiveram a mesma sorte. Em Bissau, se houver tempo, há de tornar ao cemitério, em visita às campas dos que lá ficaram abandonados”.

Aqui se põe termo às memórias de José Maria Martins da Costa, parece-me esclarecida a invulgaridade do que ele tinha para contar, apoiando-se na literatura clássica portuguesa e na greco-latina, nada se leu de parecido, e é bom que assim seja, estar-se a caminho dos 80 anos e entregar memórias de que ninguém podia suspeitar com uso de tanto português vernáculo para quem estacionou num dos mais temíveis palcos da guerra da Guiné.


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > A igreja de Catió. Fotos: © João Sacôto (2019)
Lisboa > Museu Militar > O foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (na terminologia do PAIGC). Era uma arma de artilharia, de bater zona e não de tiro de precisão, com alcance máximo de 11.700 metros para 40º de elevação. Segundo um relatório do PAIGC a distância maior a que se efectuou tiro, teria sido contra Bolama, em 4 de Novembro de 1969, a 9800 metros. O foguete dispunha de um perno (assinalado a vermelho) que, percorrendo o entalhe em espiral existente no tubo, imprimia uma rotação de baixa velocidade a fim de estabilizar a vôo. As alhetas só se abriam depois do foguete sair do tubo.
Foto (e legenda): © Nuno Rubim (2007). Todos os direitos reservados.
Região de Tombali > Cufar > > Tabanca > 1973 > Aspeto parcial. Fotos: © Luís Mourato Oliveira (2016)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23139: Notas de leitura (1434): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 1 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23131: Notas de leitura (1433): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Março de 2022:

Queridos amigos,
O primeiro-cabo Martins ambienta-se a Guileje, dá-nos conta de um pequeno Inferno ali ao lado, a vida em Gandembel, já apareceu o brigadeiro Spínola que deixou cair o monóculo num panelão onde cozia o feijão frade, criou amizades na tabanca, não desgosta da comida local, anda por vezes nos patrulhamentos com o rádio às costas, ajuda a escrever cartas a madrinhas de guerra, já enfrenta com mais serenidade as flagelações. O que vai surpreender o leitor destas memórias é a cultura clássica do Martins, não lhe escapa Ovídio nem Xenofonte, nem António Ferreira nem Tomás António Gonzaga, e não nos indispõe as suas latinidades, vê-se perfeitamente que foi assim que lhe vieram às memórias as recordações de Guileje e arredores. Mas que é uma invulgaridade é, e uma bonita prova de vida contar-nos o que viveu e os afetos que teceu.

Um abraço do
Mário



Uma invulgaridade da literatura da Guerra da Guiné (2):
O Silvo da Granada, por José Maria Martins da Costa


Mário Beja Santos

Uma surpresa, e com aspetos bem curiosos, este O Silvo da Granada, Memórias da Guiné, por José Maria Martins da Costa, Chiado Books, agosto de 2021. O leitor é colhido por uma prosa onde primam citações de clássicos, a começar pelo latim, tudo passa a ser entendível quando se lê o currículo que o autor apresenta: “Natural de Roriz, concelho de Santo Tirso, aí frequentei a escola primária, finda a qual entrei no seminário, mais precisamente no mosteiro da Ordem Beneditina. Saí no sétimo ano, talvez para voltar daí a trezentos anos como o monge de Bernardes. Como trezentos anos demoram a passar, para não estar ocioso entretive-me a tirar o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra. Entretanto, assentei praça no Exército, indo para a Guiné como combatente da Guerra do Ultramar e assentei arraiais civis no Porto, onde casei, fui professor e jornalista. Nesta cidade, tenho levado vida plácida e remansosa, dentro dos parâmetros da Aurea Mediocritas de Horácio. Por falar em Horácio, ia-me esquecendo de dizer que publiquei há anos um livro de poemas intitulado Libellus, palavra latina que tanto pode significar pequeno livro como libelo acusatório. Fora das partes líricas, acusava realmente e castigava alguns dos costumes e vícios da sociedade contemporânea. Queria endireitar o mundo. Mas o mundo ignorou o livro e continuou cada vez mais torto”.

Primeiro-cabo Martins já viajou para Guileje, está na fase adaptação, somos levados a supor que este homem que está profundamente impregnado pela cultura clássica, que domina o Latim e alguns dos mais cultores da língua portuguesa trabalha nas Transmissões. De supetão, arribaram três helicópteros, de um deles saiu Spínola, já percorreu o quartel, conversou com os oficiais e decidiu visitar a cozinha:
“Spínola em corpo e alma e rompeu pela cozinha sem aviso, deixando atónitos, presos aos seus lugares, cozinheiros e forneiro; e, depois das saudações e palavra de circunstância e de circunvagar um olhar indagador como a inspecionar as condições de trabalho e de higiene, avança para os fogões, mete o nariz em tachos e panelas. Eis senão quando – caso nunca visto – cai-lhe o monóculo ao panelão, onde, vaporando fortemente, fervia a cachão o feijão frade. Valeu que à ilharga, atento e venerador, estava o cabo-cozinheiro, que, ato contínuo, introduzindo por entre densos vapores a desembaraçada manápula acostumada a queimaduras e escaldões, retira incólume a luneta”. Cumprida a visita, o homem grande de Bissau partiu para Gandembel, e Martins da Costa enquadra o que se passa no Corredor da Morte, ali nas fímbrias de Guileje e um suplício das colunas até Gandembel, todas elas a convidar minas e emboscadas. E anota o esforço hercúleo que custou à tropa edificar um aquartelamento naquele lugar inóspito, desmatar, derrubar palmeiras, erguer as instalações do quartel, sempre com os efetivos do PAIGC a não dar tréguas.

E lembra que ali perto está o rio Balana, todas as colunas de reabastecimento se fizeram com sobressalto, havia colunas que partiam de Aldeia Formosa e dá-nos a saber:
“Entre Aldeia e Gandembel há um sítio, ponte Balana que do rio e da ponte que sobre ele está lançada, a tropa o nome lhe tem dado, sítio com fama de fatídico, tanto como do lado de cá o cruzamento de Guileje. Ali, nomeado mês (terá sido maio de 1968), depois de duas colunas terem passado sem serem incomodadas, a terceira foi o Diabo: quatro mortos, ou talvez mais, de uma assentada. Dias depois, também para as bandas de Aldeia, havia de ser um Inferno, com mais alguns militares para sempre tombados, e outros – dois, três? –, não se sabe quantos – apanhados à mão pelo inimigo”.

A 5 de junho, já o Martins contou que foi bem acidentada. E espraia-se demoradamente a falar da islamização e de alguma etnografia Guineense, ele já percorre a tabanca dominada por Futa-Fulas com quem está a estabelecer uma boa relação. Chegou a vez de ir em patrulha a alombar com o rádio às costas, metem-se pela picada em direção a Gadamael, um corta-mato em que a milícia à frente vai esfrançando árvores e arbustos, foi uma trabalheira, não houve minas nem emboscadas. Volta à descrição da vida da tabanca, bem surpreendido anda com a meticulosidade das rezas a Alá, e nisto saltamos para um naco de prosa de que o autor terá gostado muito, até o pôs na contracapa:

“A morte anda rondando, que bem na sentiu o Martins; passou-lhe por cima do nariz, cheirou-a. Foi há pouca; a tarde declinava, os colmos das palhotas, como negros capuzes de monges, tinham um aspeto contemplativo, misticamente recolhido; a terra abandonava-se a um grave repouso depois de algumas horas de calor emoliente, um pesado torpor ia deixando os corpos. Saído de turno, caminhava para o abrigo o nosso herói, sozinho, passo lento, pálpebras descidas, no enlevo da doce quietação do fim do dia. Senão quando, vindo de trás, pelo ar, um silvo que não era de cobra fá-lo estacar. Não presumiu que o ouvido o enganava, acreditou sem ver: uma granada fendia o espaço sobre a sua cabeça a pouca altura, iria cair dali não muito adiante – cair, explodir, projetar em todas as direções as mil estilhas assassinas em que havia de fragmentar-se. O abrigo era já ali. Mas quem há de estar à mercê de um mortífero estilhaço, já ali, figura-se-lhe no outro lado do mundo. E arrojou-se do instinto ao duro chão. Deitado de borco, rosto em terra, atrás da árvore que ali há, aguardou a explosão com a suprema agonia do condenado que vê o carrasco erguer o machado que o vai decepar. Instantes de Inferno foram esses; mas, em discrepância com o Inferno, tiveram fim. Rebentou o temeroso engenho mais à frente, lá para o arame farpado; os estilhaços não rasam o solo, assim, ileso, e com o alívio de quem vê comutado a pena de morte, ergue-se de salto, voa que não corre para o abrigo”.

Vê-se à vista desarmada que Martins da Costa aprecia a arquitetura vernacular, compraz-se na fluidez verbal, e nos remete em casos muitos ou poucos para a consulta do dicionário. Maturou muito antes de chegar a estas memórias dadas à estampa de 2021, cita sem sobrançaria em Latim, qualquer propósito lhe serve, até fala em Ovídio a propósito da descrição que faz do aerograma e até das madrinhas de guerra. Chegou um comerciante Fula, chama-se djila, não veio nem de avião nem de viatura, há uma vereda só sabida da população, ligando Guileje a Gadamael, e temos mais notas etnográficas, ninguém se assoa a lenços, comprimem com o indicador de uma das mãos a narina do mesmo lado e, inclinando-se um pouco para a frente, sopram pela outra para terra, que tudo absorve e consome. Vai recebendo prendas de quem o estima, é o caso de Mariama que lhe deu um naco de carne de gazela, já lhe tinha sabido bem arroz condimentado com o molho feito de óleo de palmeira, Martins deslumbra-se com a afabilidade desta gente da tabanca.


Estamos na época das chuvas, não é possível andar-se em colunas, fazem-se patrulhas, Martins fica no quartel, mais questionamentos etnográficos. E resolve apresentar-nos o Pel Caç Nat 51, diz quem é tropa metropolitana, os primeiros-cabos são todos nortenhos, de Entre Douro e Minho e conta-nos o que separa estes homens quanto a nomes de objetos, um diz tacho outro sertã, houve para ali discussão séria, ficamos igualmente a saber como é a vida dentro do abrigo, a prosa vai saltitando sobre questões da Guerra Fria, fala-se mesmo de Mário Pinto de Andrade, volta a haver patrulhamentos e desta vez o Martins alomba com o rádio, temos novos apontamentos etnográficos que metem a hierarquia dos homens grandes, a prática de justiça, a educação das raparigas, ficamos cientes que no abrigo dos brancos do Pel Caç Nat 51, à mesa tosca há bastante elevação das conversas e até se apura que o Martins ajuda um soldado da Companhia local a escrever cartas à madrinha de guerra, nova flagelação, que não correu bem ao PAIGC, há para ali um extenso rasto de sangue, escoados três dias e três noites, que perdura na mata. E assim se chegou ao fim da estação das chuvas.

(continua)


Corredor de Guileje, 1972. © Fotografia de Fernando Monteiro (1º Cabo Enfermeiro), na imagem com a respetiva mala de primeiros socorros, com a devida vénia
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Notas do editor:

Poste anterior de 28 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23121: Notas de leitura (1431): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 31 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23128: Notas de leitura (1432): "Os Velhotes: Contos Eróticos" (Alcochete, Alfarroba, 184 pp.), do nosso camarada António J. Pereira da Costa, Tó Zé, para os amigos... Uma pedrada no charco da nossa educação judaico-cristã...

segunda-feira, 28 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23121: Notas de leitura (1431): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Março de 2022:

Queridos amigos,
É mesmo uma surpresa, um cultor do classicismo andou por Guileje e paragens limítrofes, entre 1968 e 1970, creio que se disfarça no primeiro-cabo Martins, das Transmissões, são memórias onde não faltam referências a Horácio, Virgílio, Dante, Camões, há a preocupação de resistir à tentação de passar ao crivo a história da Guiné ou martelar as vias sinuosas da luta pela independência, é um livro cheiro de olhares, alguém que reza o terço, que se comove com a inocência das crianças, vê partir colunas de abastecimento e sente um remorso por nelas não participar. Já chegou a hora da primeira flagelação, muito mais se seguirá, o tomo memorial ultrapassa as quinhentas páginas, foi editado pela Chiado Books recentemente, faz hoje parte do Grupo Atlântico Editorial.

Um abraço do
Mário



Uma invulgaridade da literatura da Guerra da Guiné (1/4):
O Silvo da Granada, por José Maria Martins da Costa


Mário Beja Santos

Uma surpresa, e com aspetos bem curiosos, este "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa, Chiado Books, agosto de 2021. O leitor é colhido por uma prosa onde primam citações de clássicos, a começar pelo latim, tudo passa a ser entendível quando se lê o currículo que o autor apresenta:
“Natural de Roriz, concelho de Santo Tirso, aí frequentei a escola primária, finda a qual entrei no seminário, mais precisamente no Mosteiro da Ordem Beneditina. Saí no sétimo ano, talvez para voltar daí a trezentos anos como o monge de Bernardes. Como trezentos anos demoram a passar, para não estar ocioso entretive-me a tirar o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra. Entretanto, assentei praça no Exército, indo para a Guiné como combatente da Guerra do Ultramar e assentei arraiais civis no Porto, onde casei, fui professor e jornalista. Nesta cidade, tenho levado vida plácida e remansosa, dentro dos parâmetros da Aurea Mediocritas de Horácio. Por falar em Horácio, ia-me esquecendo de dizer que publiquei há anos um livro de poemas intitulado Libellus, palavra latina que tanto pode significar pequeno livro como libelo acusatório. Fora das partes líricas, acusava realmente e castigava alguns dos costumes e vícios da sociedade contemporânea. Queria endireitar o mundo. Mas o mundo ignorou o livro e continuou cada vez mais torto”.
Guiné > Região de Tombali - © Infografia Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Coube-lhe na rifa Guileje e algo mais, entre maio de 1968 e julho de 1970, apresenta-se como Martins, primeiro-cabo de Transmissões, especialidade que tirou em Lisboa, andou pelo Algarve e embarcou num Niassa em rendição individual. Mal chegou, puseram-no a levar corpos ao cemitério de Bissau, depois percorre a cidade, recorda a família e amigos, vem-lhe à memória um soneto de Gonçalves Crespo e a poesia camoniana, no quartel dos Adidos assiste a uma arenga de Spínola às tropas recém-vindas. “Ao Martins, por vício de formação, que o faz apreciar arroubos de retórica, ainda quando empolada, só lhe ficou o enfático da arenga”. Percorre o cais de Pijiquiti, um relojoeiro no Bissau Velho fala-lhe dos incidentes de 3 de agosto de 1959. E chegou a hora de partir num batelão, primeira etapa Bolama, adormece rezando, a passagem pela antiga capital é muito rápida, dirigem-se agora para Cacine, lembra-se do poeta Dante. O Martins vai a terra. “Procede do cais uma alameda de palmeiras, poeirenta, em terra batida, ladeada, mais adiante, das dependências do aquartelamento. Um simulacro de porta de armas separa a área militar da povoação. Aliviados das provisões destinadas à tropa daqui e também à de Cameconde, destacamento a meio para a fronteira, rumam a Gadamael”. O resto do percurso será por terra, haverá camiões escoltados por camiões de combate. Alguém procura sossegar o Martins. Contempla Gadamael, recolhe cedo ao decrépito cardenho à laia de abrigo.

Já o trataram por Periquito, o mesmo que novato, vem com uma farda enorme, em Guileje um antigo alfaiate irá pôr-lhe a indumentária ajustada. Vai bisbilhotar o posto de rádio, há um camarada a expedir mensagens. No bar, alguém lhe fala do cruzamento de Guileje, relata uma tragédia que ocorreu a 28 de março desse ano de 1968, um encontro com gente armada, ao princípio um equívoco, vinha à frente um homem de tez clara, um cubano, seguiu-se forte tiroteio, seguiu-se um ataque de abelhas, houve ações de autêntico heroísmo para recolher os corpos de dois soldados abatidos. Essa companhia estava agora em Gandembel, ali a uns 10 km de Guileje, a escavar abrigos e a levantar paredes, a viver num inferno, a flagelar da fronteira, a emboscar e a minar a picada. E lá vai o Martins para Guileje, passa-se pelo tal nefasto cruzamento, manda a propriedade do termo que se fala em entroncamento, onde convergem sem se cruzarem duas picadas: a que procede de Cacine e Gadamael e sem desvio continua para Gandembel, tendo mais adiante Aldeia Formosa; e estoutra que nela entronca e a Guileje vai dar.

Dá-nos a primeira impressão desse aquartelamento que lhe parece inexpugnável, logo é atraído pela questão da falta de água, todos os dias há que viajar para fora da cidadela 3 km. Ele faz parte do Pelotão de Caçadores Nativos n.º 51, já desceu ao seu abrigo e tem cama, nada a registar de flagelações ou atos inoportunos. Vai espreitar a tabanca, conhecerá um pequenito com quem saboreará uma refeição. Apercebe-se que isto de almoçar ou jantar não é de estar abancado com os outros, dá-se o sinal de que a cozinha está pronta, recebe-se a provisão e come-se no abrigo, para evitar nefastos acontecimentos de um estoiro em cima de um refeitório. Alguém lhe pergunta de onde ele é, responde impante que é de S. Pedro de Roriz, que tem igreja românica, calçadas pré-romanas de enormes lájeas, e uma paisagem rural de encher o olho… e há a rivalidade entre o Desportivo das Aves e o Tirsense.

E começam as colunas de abastecimento, aquelas que são um calvário, as que levam a Gandembel, alguém faz o relato de fornilhos que desmembram os corpos, ele tudo regista o que ouve do sofrimento dos outros. A sua vida é no posto de rádio, que ele descreve: “É um pequeno edifício térreo, com dois compartimentos: uma sala ao rés-do-chão e uma cave abrigo. Na sala, a um lado da entrada, fica a mesa do operador; do outro, um alçapão sinistro a modo de escotilha em porão de navio, sendo ocupado o restante espaço por camas. O alçapão abre para o abrigo, que subjaz ao pavimento da sala e ao qual se desce por íngreme escada de madeira ou agarrado a um varão de ferro liso e redondo”. Ali se trabalha por turnos, quase sentimos o operador a martelar mensagem.

Chegou a hora do Martins se iniciar em flagelações, parecia que à volta de Guileje reinava a placidez de um lago adormecido, os militares iam passando pela cozinha, e nisto um estampido lá ao longe, salta-se para as escadas, desce-se às profundezas, “em toda a Guileje, militares e civis, brancos e pretos, mulheres com crianças enfaixadas nas costas, enfiam desabaladamente, como flechas, para o refúgio mais próximo”. Ouvem-se as explosões, os tímpanos parece que estouram, aquela criancinha com quem ele está a acamaradar agita-se-lhe a cabeça num estremecimento brusco, está de olhos esbugalhados. A artilharia de Guileje responde e mais adiante o fogo do PAIGC, procura-se a normalidade, uma deceção, o gato comeu os carapaus, estava-se nas tintas para a infernal fuzilaria, não pode resistir ao cheiro a peixe frito, cabe ao Martins uma pratada de arroz e uns carapauzinhos frios.

E temos agora uma coluna que vai picando e ao encontro da tropa de Gadamael, pela mesma picada em que o Martins veio, a escolta é uma enorme serpente de militares que vão avançando espaçados, roncam surdamente os camiões, pela cabeça do Martins aquela imagem da serpente lembra-lhe o poeta Virgílio, como mais adiante lhe ocorre um sermão do Padre António Vieira, dá-se espaço para falar das armas do PAIGC, segue-se uma descrição de uma boa chuvada, é nisto que rompendo os ares se aproximam três helicópteros, vem aí Spínola.

(continua)

José Casimiro Pereira de Carvalho, Furriel de Operações Especiais, colocado na CCAV 8350 (‘Os Piratas de Guileje’) (Foto: José Casimiro Carvalho)
Na foto, do Pel Caç Nat 51, da esquerda para a direita: Furriel Castro, Furriel Azevedo, Alferes João Perneco, Furriel Carvalho e Cabo Raul. (Foto: José António Viegas)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23097: Notas de leitura (1430): “Amílcar Cabral - Pensar para Melhor Agir”; edição da Fundação Amílcar Cabral, Praia, 2014 (5) (Mário Beja Santos)