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segunda-feira, 8 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25357: Notas de leitura (1681): "Margens - Vivências de Guerra", por Paulo Cordeiro Salgado; Lema d’origem Editora, Março de 2024 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Porque ficou este amor excessivo pela Guiné, por aqui andamos a testemunhar o que a memória ainda retém, no caso vertente Paulo Salgado, nosso confrade, volta em ondas sucessivas ao Olossato, aproveita acontecimentos vividos nos anos da cooperação e estas vivências da guerra, que agora nos oferece em livro, andam talentosamente entre o antes e o depois. Compete-me fazer uma declaração de interesse, dizendo que conheci o Paulo Salgado nos meses de cooperação de 1991, que viajámos ao Cumeré e ao Olossato, que numa das suas páginas me trata por Mariano e põe-me em Galomaro (diga-se de passagem que no meu tempo era uma quase colónia de férias, mas ele retratou-me entre flagelações e minas anticarro...). Devo-lhe um memorável encontro no Cumeré com o coronel Mamadu Jaquité que me deixava bilhetinhos na picada, sempre tratando-me carinhosamente por "alferes de merda"; e, não menos importante, guardo comovido a recordação da viagem ao Olossato, espero que o Paulo Salgado se recorde que quando ali chegámos se disse que nada de tão edénico tinha visto, sentia-me em Sintra. Enfim, as vivências que partilhei com o Paulo Salgado.

Um abraço do
Mário



Nunca o preço do amor pela Guiné é excessivo, só a morte o pode aniquilar

Mário Beja Santos

Paulo Salgado, depois da sua comissão no Olossato e em Nhacra, voltou à Guiné muito mais tarde como cooperante na área da saúde, durante sete anos, e sobre esta temática e outras incursões já deixara algumas achegas na escrita. Acaba de publicar uma nova incursão, de cariz memorial, pontuada por solilóquios, circunlóquios, viagens ficcionadas mas com personagens de carne e osso, deixa fluir a consciência de como pensava e agia no turbilhão da guerra, e com subtileza articula todos os seus regressos ao anseio da paz e do desenvolvimento, aquela terra, aquela vivência ganham forma de um processo irrefragável, é corpo dentro do seu corpo, e não resisto a comentar o que me ocorreu quando finalizei a leitura das "Margens Vivências de Guerra", Lema d’origem Editora, março de 2024, aquele parágrafo de Álvaro Guerra na sua obra O Capitão Nemo e Eu, 1973, nada de mais belo conheço em termos literários, e tudo por causa daquela guerra que nos irmanou: “Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um Sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injetou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo, nem a presença da morte o pode aniquilar.”

Paulo Salgado é Alberto, tudo começa no aeroporto de Bissalanca, vem esperar Mateus, irão viajar até ao Olossato, inevitavelmente passarão por Ponte do Maqué, “lá está o que resta do fortim, quadrado fortificado, por onde passaram pelotões de companhias para guarda e salvaguarda da ponte, coberto de capim e arbustos, tudo o tempo levou, mas não levou as memórias que me vêm ao presente”; no Olossato Mateus procura Sali, a sua antiga lavadeira, ela anuncia-lhe que lhe deixou um filho, tem nome de Infali, trabalha nos correios de Bissau, põe-lhe diante dos olhos uma criança de cinco anos, é o neto de Mateus e dá pelo menos nome, Mateus pensa logo em levar esta criança consigo e educá-la; mas há uma outra viagem, Alberto, a mulher e a filha levam um outro antigo alferes, de nome Mariano até ao Cumeré, conta-lhe que em Nhacra, no dia 9 de junho de 1971, houve bastante sobressalto com flagelações do PAIGC, no Cumeré Mariano procura o comandante Demba, o antigo guerrilheiro do PAIGC fora seriamente flagelado no seu aquartelamento por ele e por o seu grupo, depois de uns segundos de embaraço tudo acabou em abraços, e gritou-se viva à Guiné!, e viva à Portugal!

Temos agora uma rotação de lugar e tempo, o antigo médico combatente conversa com uma sua colega, um rasto de memória leva-os até ao Sul, a jovem médica tem muito por contar, e nem lhe passa pela cabeça como fez bem ao veterano da guerra ouvi-la. Voltamos á orla do Morés, há um soldado que chora numa emboscada e será reconfortado pelo seu comandante; há um radiotelegrafista que não queria naquele dia ir em operação, o alferes lá o persuadiu, houve emboscada, a vítima foi o radiotelegrafista.

Temos agora Mateus e Alberto junto do enorme poilão do Alto do Maqué: “As nervuras salientes do poilão são enormes, cabendo ambos numa das fendas, parecendo que, abraçando-a, a magnífica árvore parece recordar-se deles, uma espécie de reencontro entre a majestade e imponência da árvore e a revisitação por estes homens que a ela ocorrem respeitosamente. Sentado, de pé, ao lado, de vários ângulos, deixam-se fotografar por Carolina, embevecida perante aquele cenário, aquele consolo quase pueril dos ex-militares, agora cinquentões.”

E há a memória do rio, quase sempre um fio de água que vaza as suas águas pelos braços do rio Cacheu; naquele local, estratégico, entre Bissorã e Farim, com o Morés à espreita, há recomendações para fazer ação psicológica, organizar manifestações de apoio à política do Governo, Alberto, que comanda a companhia, conversou com onze chefes de tabanca, e houve recados incómodos, do género: “Nosso alferes, a guerra não tem jeito nenhum; o senhor fala com o homem grande de Bissau para falar com o chefe do PAIGC para acabar com a guerra.”

E há as cartas de amor, Fernando Pessoa falava nelas como ridículas, Alberto dirige-se à sua amada, um tanto circunspecto, mas sempre com muitas saudades; traz-se gente da população afeta ao PAIGC numa operação, Alberto conversa com uma enfermeira da guerrilha, ela diz-lhe sem volteios que só quer lutar pela liberdade, o capitão decide que ela e as outras mulheres voltem para onde estavam, como aconteceu; não falta a mágoa de receber mensagens criticando a falta de cumprimento exato do que se devia ter feito numa operação e Alberto/Paulo Salgado dão nos conta, como se todos estivéssemos numa sala de espelhos, em Assembleia Geral, da ansiedade na espera do correio, a morte de um ente querido que nos é comunicada por uma mensagem, os meses passam, há brancos e pretos, mortos e feridos, lá na companhia chegou a funcionar um jornal, de novo “O Tabanca”, morre a mãe de Alberto e ele dedica-lhe um lindo poema, estamos em novembro de 1970, no fim desse ano há um ataque com mísseis terra-terra ao Olossato, o capitão enviar para Bissau o relatório: “Aquartelamento e povoação atacados com mísseis terra-terra; não houve vítimas nem prejuízos; apenas há que refazer o heliporto.” Num relatório não cabe dizer que houve gente escoriada e que se comeu um jantar frio; caso excecional, desapareceu um cabo-condutor do aquartelamento, mandou-me mensagem informando que o militar se teria perdido na mata do Morés.

O cooperante Alberto está agora numa receção na embaixada do Brasil em Bissau, disserta-se e brinda-se à lusofonia. Novo salto até ao passado, Alberto viaja pelas tabancas do Olossato e, mais adiante, fala-se do pontão que liga as duas margens do rio Maqué, que faz a ligação entre Bissorã e Farim, e alguém conta que o PAIG a rebentou com petardos, houve que reconstruir a ponte; muito anos mais tarde, quem contou a esta história, de nome Suleiman, ex-chefe de milícia, foi visitado pelo cooperante Alberto no hospital Simão Mendes, e o que fica escrito a todos nós pertence:
“Que vida de dor, primeiro, português de segunda, depois guineense de segunda, castigado por ter combatido ao lado da trapo portuguesa; agora amortalhado, vencido pelo sacrifício e pela doença, tenho de chorar, para dentro, não se consigo reter as lágrimas, um pedaço da minha vida escoou-se naquela figura íntegra e amiga, que tantas vezes guiou os nossos passos, nossos e de outras companhias, trilhos, carreiros, picadas… e me salvou a vida, evitando o pisar de uma mina… que Alá te abençoe, Suleiman.”

Ainda há muito que esperar desta literatura memorial, na casa dos setentas e dos oitentas são estas acendalhas que tornam esplendente o que Álvaro Guerra nos advertiu em 1973, chafurdou-se na lama das lalas, viveu-se a espiral da solidão, conheceu-se o medo, viram-se crianças esquálidas e de ventre inchado, seres humanos minados pela doença, tudo parecia acabado quando a guerra para nós acabou, mas não, como diz Álvaro Guerra, nunca o preço do amor é excessivo, porque muitos receberam a graça de amar aquela terra como este amor que agora se confessa, não se quer só reter para uso da memória individual.
Olossato: torre abrigo com vista para a pista de aviação
Olossato: abrigo das peças de artilharia – obus 8,8
Olossato: efeitos de uma mina na estrutura da ponte

Estas três imagens foram extraídas do blogue Rumo a Fulacunda, com a devida vénia
Regresso ao Olossato, neste caso Ponte do Maqué, 2006. Paulo Salgado, ex-alferes da CCAV 2721, na companhia do ex-cabo Moura Marques. Imagem retirado do nosso blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25342: Notas de leitura (1680): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 12 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25266: Agenda cultural (850): Síntese da apresentação do livro "MARGENS - VIVÊNCIAS DE GUERRA", da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que esteve a cargo do Coronel António Rosado da Luz (Paulo Salgado)


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor do livro, "Margens - Vivências De Uma Guerra, com data de 10 de Março de 2024:

Caro Luís Graça e Coeditores
Seria interessante que o comentário a este livro MARGENS – VIVÊNCIAS DE UMA GUERRA, cuja apresentação foi feita pelo capitão de Abril, Coronel António Rosado da Luz, fosse elaborado por um dos nossos editores que saberiam escolher os trechos para o Blogue.
Sei, ainda, que o Mário Beja Santos, sempre presente nestas andanças, e carregado dos seus valores, fará uma abordagem à sua maneira.

Transcrevo parte desta apresentação, que me pareceu relevante para o nosso Blogue. De um grande capitão de Abril, cidadão interventivo e activo. Já agora: Este livro é dedicado aos capitães de Abril. No cinquentenário do 25 de Abril.

Paulo Salgado



"Margens – Vivências de Guerra"
Autor - Paulo Cordeiro Salgado

Apresentação pelo capitão de Abril
Coronel António Rosado da Luz

"Foi a primeira vez que me convidaram para APRESENTAR UM LIVRO.
Seguindo a “palavra de ordem” fundamental de “um tropa”,… lá tive que me “desenrascar” …

Nos tempos presentes, por opção, por força das circunstâncias e também por prazer e autorrealização pessoal, a atividade que ocupa 90% do meu tempo é ler.
Ler, estudar, investigar e escrever. E, ler este livro, deu-me imenso prazer por três razões, que me fazem ficar imensamente grato, quer ao Mário Tomé que sugeriu, quer ao Paulo Cordeiro Salgado que aceitou, terem-me proporcionado o imenso prazer de ler, em primeira mão, este livro.

A primeira dessas razões foi a de me terem dado oportunidade para me “desviar” dos temas quase obsessivos que ocupam a minha mente, permitindo-me regressar, por algum tempo, àquilo que posso denominar de “leitura lúdica”.


A segunda, pelo facto dos vários “planos”, logo anunciados no “preâmbulo” do livro, em que o autor decidiu “dar forma” ao tema central desta sua obra, me terem ajudado a refrescar a minha própria abordagem dos tais temas obsessivos que me ocupam a mente.

A terceira e mais importante razão para lhes estar grato é o imenso prazer… e até alguma emoção, …que são proporcionados pela leitura deste livro. O autor escreve, não só com arte, aquela arte de domínio da palavra que nos encanta ler, como escreve com alma, pois consegue pôr – e transmitir - emoção naquilo que escreve.


Mas este não é APENAS, ou, SOBRETUDO, não é um livro de memórias.
É um livro onde as emoções e as reflexões em torno dos dramas e das violências da GUERRA, da VIDA e da MORTE, se espraiam pelo AMOR, pela AMIZADE e pela SOLIDARIEDADE, mas também pela HISTÓRIA, pela POLÍTICA e por essa entidade mítica que nos condiciona, que nos abriga e que “somos”, que é PORTUGAL.

Embora não seja essa a forma como o livro está estruturado, podemos dividir o OBJETIVO do AUTOR em três “tempos”.


O primeiro “tempo” decorre nos dois primeiros anos da década de setenta. O autor deste livro, Paulo Cordeiro Salgado, que era na altura o Alferes miliciano mais antigo de uma companhia sediada no Olossato, a 27 quilómetros da fronteira com o Senegal e situada numa das zonas de guerra mais acesa, do Teatro de Operações da Guiné-Bissau, vê-se de repente, investido nas funções Comandante dessa Companhia, por morte, em combate, do Capitão que a comandava. Até à chegada de um novo Capitão que irá comandar a Companhia (que aqui está hoje presente entre nós) é ele, jovem de vinte e poucos anos, sem qualquer formação ou experiência para tal, que vai passar a ser O SENHOR, quase absoluto, de vida e de morte, sobre uma enorme área geográfica e sobre centenas ou milhares de seres humanos que nela vivem, ou são obrigados a isso.

A missão que lhe impõem é fazer a guerra. Fora mobilizado para ir para aquela guerra pela força de uma Lei, feita por um regime ditatorial, com o qual ele não concordava, para ir combater numa guerra, com a qual ele discordava totalmente. E ali estava agora ele, para matar ou morrer, pessoas que ele naturalmente respeitava como seus irmãos e contra as quais ele não tinha quaisquer motivos para tal. E, a grande maioria das cerca de duas centenas de militares que ele agora comandava, estavam na mesmíssima situação.

Mas há neste livro um segundo “tempo”.

Vinte anos após o fim da sua comissão, a intensidade dos dramas nela vividos pelo Paulo Cordeiro Salgado colaram-se-lhe de tal maneira à pele que ele não conseguiu mais reprimir a necessidade de “ajustar contas com o passado” e regressou à Guiné. Mas desta vez regressou para fazer o oposto da guerra. Regressou como cooperante.
Regressou, não só pela necessidade de se reconciliar consigo próprio, fazendo a sua catarse, como por ter ficado a amar, para sempre, aqueles povos, aquelas paisagens, aquela África.

Como eu compreendo o autor.


Finalmente, o terceiro “tempo” passa-se, 54 anos depois da sua primeira chegada às matas, às bolanhas e aos enormes rios da Guiné que alargam e encolhem duas vezes por dia. Passa-se nos nossos dias. E é nesse terceiro “tempo” deste livro, que se entende com toda a clareza o OBJETIVO do autor, pois é nele que Paulo Salgado, com os pés assentes no presente, resolve olhar para o passado, para o presente e para o futuro, escrevendo este livro.

É agora, 54 anos depois, que ele volta a olhar para os dramas dos “tempos da guerra”, daquela guerra onde ele combateu e, duas décadas depois, para os “tempos da reconciliação”, da reconciliação consigo próprio, com África e com os povos, que ele combateu, mas amou desde o primeiro momento.

E é aí que as reflexões que o autor vai fazendo ao longo do livro ganham um “outro patamar” de interesse. É aí que este livro deixa de ser um “livro de memórias” virado para o passado, para ter uma atualidade dramática.
É que, nesta segunda década do século XXI a que alguns homens desse tempo conseguimos chegar, não só a guerra volta a ser, infelizmente, o tema central do futuro das nossas vidas, como as esperanças de Liberdade e de Democracia, de Fraternidade, de Solidariedade e de Igualdade, quer dos nossos povos irmãos, quer do mundo em geral, começam todos a ser postos em causa.


E é aí, que as reflexões que o autor vai hoje fazendo, ao olhar para as suas vivências de há 54 e 34 anos, ganham um terceiro e mais importante patamar de interesse.

É que este livro é publicado no ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril».

António Rosado da Luz
10.03.2024

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Nota do editor

Vd. post de 21 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25195: Agenda cultural (849): Lançamento do livro "MARGENS - VIVÊNCIAS DE GUERRA", da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721 (Guiné, 1970/72), dia 8 de Março de 2024, pelas 17h30, na sede da Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95, Lisboa. Apresentação a cargo do Coronel António Rosado da Luz (Paulo Salgado)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25195: Agenda cultural (849): Lançamento do livro "MARGENS - VIVÊNCIAS DE GUERRA", da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721 (Guiné, 1970/72), dia 8 de Março de 2024, pelas 17h30, na sede da Associação 25 de Abril, Rua da Misericórdia, 95, Lisboa. Apresentação a cargo do Coronel António Rosado da Luz (Paulo Salgado)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África""Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 21 de Fevereiro de 2024:

Caros Editor e Coeditores,
É isto, meus caros: será que a catarse foi completamente feita? Não me interessa. O que inquieta a minha escrita é saber do Outro, daquele que me acompanhou, cá e lá, nas andanças de uma guerra que foi imposta. Vivências. Sim, vivências do Outro em mim. Vivências de mim no Outro.

Porventura, será o meu último livro, substantivamente memorialista, sobre o modo como eu vivi a Guerra Colonial. Curiosamente: em guerra – na Guiné; em cooperação – na Guiné-Bissau. Já agora, passe a imodéstia: louvado em campanha e louvado pelo Ministério da Saúde da República da Guiné-Bissau...

Uma saudação bloguista.
Paulo Salgado


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C O N V I T E

Lançamento do livro "MARGENS - VIVÊNCIAS DE GUERRA", da autoria do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, a ter lugar na sede da Associação 25 de Abril, no dia 8 de Março, pelas 17h30, com apresentação do Coronel António Rosado da Luz.

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Nota do editor

Último post da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24942: Agenda cultural (848): dia 14, no Centro Científico e Cultural de Macau, o nosso camarada António Graça de Abreu vai apresentar o seu trabalho de tradução dos 170 poemas do poeta chinês 苏东坡 (Su Dongpo, 1037-1101), "um dos grandes génios da poesia universal"

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25132: Carta aberta a... (19): Moura Marques, Amigo, Companheiro, Camarada, Irmão de solidariedades (Paulo Salgado, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721)

Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > 2006 > Rio Olossato > O Paulo Salgado e o Moura Marques, 35 anos depois...


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África""Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 1 de Fevereiro de 2024:

Caro Editor, Luís Graça e Caros Coeditores
Permiti-me que vos fale, em breves palavras de um camarada e amigo, amizade construída na guerra e continuada posteriormente – o Moura Marques, que foi cabo do meu pelotão, da CCAV 2721. Faço-o à guisa de carta aberta, que a ele dirijo.

Saudação bloguista
Paulo Salgado



Carta aberta a...

Moura Marques, Amigo, Companheiro, Camarada, Irmão de solidariedades

Devias pertencer ao grupo de autores célebres de cartas, porque elas, por mérito, encerram as tuas considerações, os teus comentários, a audácia em te meteres por leituras verdadeiramente críticas de obras que compras com sacrifício, a ternura e a frontalidade com que falas de assuntos, ora tão íntimos, ora tão objectivos. Se algumas editoras soubessem o que escreves, meu Camarada na Guerra Colonial – Olossato e Nhacra, 1970-1972 – por certo não hesitariam em publicá-las.

Camarada Moura Marques, não sorrias, por força da tua genuína simplicidade! Tenho guardadas as cartas, dezenas, mais de uma centena. Leio-as e releio-as quando me chegam às mãos.
Compras todos os meses, quase invariavelmente, um livro - livros que muitos intelectuais gostariam de ler. É verdade. A minha mulher e eu vimos estantes de tua casa carregadas de obras: de História Universal, de História de Portugal, de biografias, de ensaios. E todas leste. E continuas a ler, apesar de teres necessidade de usar uma lupa…

Fazes os teus comentários nas interessantes cartas que me escreves, e que eu gostaria de escrever. Eu, que sou um escritor.

Estou a falar de ti aos camaradas do nosso Blogue, por seres um grande homem, de carácter, vertical e de uma humanidade enorme. Na guerra e na tua vida profissional e familiar. Sei do que falo. Para além da amizade que fomos fortalecendo ao longo das décadas, sei que viste partir a tua filha, netas e genro para o Brasil. Resistes. Deste, num processo de divórcio amigável, o andar que tinhas adquirido com as tuas economias, à tua ex-mulher, para que, sofrendo ela de grave doença, pudesse subsistir. E sempre resististe. Agora, o senhorio quer despejar-te da casa… como vais resistir?

Lembro-te, companheiro, que demonstraste grande nível de humanismo ao longo da permanência no TO. E eu não resisti a inscrever-te nas crónicas de dois dos meus livros, sob nome diverso. Claro.

Na comemoração do Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo (como sabes, foi publicado o programa remetido aos editores do Blogue, foi publicado, de que, com a minha mulher e o Mário Tomé nos orgulhamos de ter proposto à Câmara Municipal), tu, Moura Marques, estiveste presente, vindo de Tires, Cascais, fizeste um esforço enorme, porque algum mal trazes contigo, ainda que não te moleste, tão gravemente, por enquanto, mas que, para muitos, seria impeditivo de estar presente.

Devo lembrar-te um episódio: quando me visitaste em Bissau, a meu convite, 35 anos depois do regresso, éramos a minha mulher e eu cooperantes, fomos os três ao Olossato (já descrevi esta viagem no nosso Blogue). Lá choraste na campa do Suleiman, outro grande homem. Parece que tinhas perdido um irmão.

Olha, meu camarada, irmão de solidariedades, as tuas cartas estão guardadas. Não sei se alguém as vai ler, um dia. Talvez o meu neto Xavier, por te ter conhecido em dois ou três momentos, ou possa ter interesse, eventualmente, quando crescer, em saber algo acerca do avô. E dos amigos do avô.

Olha, vou mandar esta carta para ti. Mas aberta, para que os camaradas fiquem a conhecer um grande homem, militar à força, mas crítico, escrupulosamente crítico. E, desculpa-me repetir a tua frase, que mencionaste há uns tempos: “pensei que ia para a Guerra do Ultramar e acabei por ir para a Guerra Colonial”. Coisas diferentes. Sabemos bem.

Mereces esta modesta homenagem pública.
Até já.

Um abraço do Salgado
31 de Janeiro de 2024.

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Nota do editor

Último post da série de 23 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23809: Carta aberta a... (18): Ministros da Cultura e da Defesa.... Portugal pode e deve recuperar os restos das estátuas, abandonadas no forte do Cacheu, dos nossos Teixeira Pinto (séc. XX), Nuno Tristão (séc. XV) e Diogo Gomes (séc. XV-XVI) (António J. Pereira da Costa, cor art ref / Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf)

domingo, 31 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25021: Bombolom XXX (Paulo Salgado): Como a Guerra é (re)contada

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África""Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 29 de Dezembro de 2023:

Meus Caros Camaradas,
Desejo a todos os editores do nosso Blogue, e a todos os que nele participam, Bom Ano de 2024.
Uma saudação de camaradagem e o pedido de bombolarem o meu bombolom.
Paulo Salgado



O meu Bombolom

Como a Guerra é (re)contada

Olossato, 1970 - O Alf Mil Op Esp Paulo Salgado - Foto: © Paulo Salgado


N
um dos encontros que a Companhia de Cavalaria 2721 tem realizado, pela mão de um grande camarada, para lembrar a camaradagem e a solidariedade que se construíram em tempo de guerra, dizia-me um ex-militar, graduado, face às histórias que cada um ia narrando:
- Eh pá, pelo que ouço nestes nossos encontros, dá-me a impressão que não estivemos na mesma guerra, no mesmo local, que percorremos os mesmos caminhos, que sofremos as mesmas emboscadas, que estivemos sujeitos aos mesmo bombardeamentos, sofrendo as mesmas vicissitudes!

Perante o meu espanto, prosseguiu:
- Não te admires, camarada. Participei, como te lembras, numa grande operação, houve barafunda, tiroteio forte, confusão, no meio da mata, feridos, alguns graves, evacuações. Pois bem, chegados ao aquartelamento, ouvi diferentes versões, inclusive sobre o que decidi, sobre as ordens que dei, sobre a minha intervenção. E aqui, nestes encontros, dezenas de anos depois, ouço versões diferentes, por vezes contraditórias. Isto é do caraças…!

Calado fiquei por breves instantes. Porém adiantei:
- Claro que me aconteceu uma situação similar, alguns meses despois, ao episódio que focaste. Um camarada lembrava que teria havido uma manobra mal feita pelo grupo (a que eu pertencia) que fazia a segurança ao grupo que retirava do golpe de mão, e que teria deixado passar o IN. E falava com uma certeza impressionante. Foi contraditado na altura, mas ainda hoje, mantém a mesma versão… Até posso afirmar que os camaradas que habitualmente seguiam à frente comigo nos patrulhamentos contarão os factos diferentemente uns dos outros, e de mim, naturalmente... sempre que o perigo era pressentido ou quando havia contactos…

Ouvindo a conversa nesta amena cavaqueira, logo um outro veio afirmar:
- Não foi assim que se passaram as coisas. É preciso lembrar que o IN sabia muito bem contornar as situações… o grupo que fazia a segurança (os “aguentas”), procedeu da forma correcta. Obviamente, ambos não chegaram a acordo, e cada qual ficou com a sua.

Não liguei muito ao caso sobre o foco de cada um. Nem ligo, hoje. Por duas razões.

Primeira: vivi intensa e criticamente o tempo em que estive na guerra, esforcei-me por dar o meu melhor em contribuir para todos regressarmos, o que infelizmente não sucedeu: dois mortos e alguns feridos. Escrevi notas, escrevi cartas, poetei alguma coisa, li alguns livros, comandei a companhia durante alguns meses, bem ou mal, construímos um jornal, jogámos futebol, passámos fome e sede, até fizemos operações helitransportados, fiz exames da quarta classe aos jovens, contactei e respeitei a população dentro da filosofia que o capitão imprimiu... Colaborei na feitura da História da Companhia. Fui louvado.

Segunda: por convite e convicção, fui cooperante na República da Guiné-Bissau vinte anos depois do 25 de Abril. Ao revisitar o “local” (por diversas vezes, uma delas com o cabo Moura Marques (grande soldado, meu convidado no Bairro da Cooperação, cerca de 35 anos depois), fui reconhecido pelos soldados feitos milícias. Calcorreei grande parte daquele País, acompanhado pela minha mulher, namorada na altura da guerra. Vi homens e mulheres, alguns eram crianças…! – agora libertos do jugo colonial e da força das armas. Pelo serviço prestado, foi-me concedido um diploma de honra ao mérito pelo poder instituído no País. Poucos haverá que tenham sido louvados pelos dois lados – já agora.

Para trás, os detalhes, as histórias narradas que me deram lastro para escrever (narrativa histórica ficcional) sobre alguns momentos e episódios. Sem falar da guerra, propriamente. As cartas, as abundantes cartas, que a minha mulher guardou, raramente falavam de episódios de guerra… Estão conservadas para a memória dos meus descendentes, se tal lhes aprouver.

A História é assim: cada um rememora-a como a sentiu e viu e viveu. Desta guisa, fizeram Cadamosto, Tristão da Cunha, Nola, Diogo Cão, Bartolomeu Dias… E, em especial, os cronistas, que vale a pena ler: Zurara, Rui de Pina, o grande Damião de Góis... Também Albuquerque, Duarte Menezes, entre outros, no Oriente. Em pleno século XIX, Livingstone, Serpa Pinto, Silva Porto (que foi espezinhado pelo inglês…) e outros exploradores narraram as suas andanças pelo continente africano. De forma diversa. Basta compulsar os livros. Até hoje. Repare-se: se perguntarmos aos soldados que estiveram em cima das chaimites, comandados por Salgueiro Maia, cada um conta à sua maneira o que viu no Largo do Carmo… Cada um conta a história à sua maneira, ou, se quisermos, como a viveu, e de acordo com a sua perspectiva. É a força da emoção e da percepção havida no momento, camaradas.

Nos meus livros, as crónicas são ditadas de acordo com o que e como eu vivenciei ou me contaram… mas sempre baseado em factos e personagens verídicos.

Ora, envolvermo-nos em histórias orais da natureza que introduz este desabafo é sinal de pouca clarividência, de pouca lucidez: não foi assim, dirão uns; não, estás enganado, responderão outros… Em História, podemos afirmar o seguinte: os historiadores baseiam-se em fontes, que podem ser de natureza diversa: escritas, orais, materiais… O narrador é a voz que narra os acontecimentos, faça ou não parte, como personagem, da trama.

Nós, que participámos no “teatro” (designação tão interessante esta!) da Guerra Colonial, somos narradores personagens, em primeira pessoa, portanto, relatamos os factos como participantes dos acontecimentos. E descrevemo-los segundo perspectivas que são diferentes, muitas vezes enviesadas, distorcidas, não adrede, claro.

Mas é bom que fiquem as memórias – a chamada Literatura Memorialista.

Saudações, camaradas. Bom ano. Com calor humano. Calor humano, tal como o recebi do povo nas minhas andanças em tempo de liberdade. E, também, em tempo de guerra, quando, sabem Deus e Alá a razão, as mulheres e as crianças sofriam tanto, quando o grande Suleiman me livrou de ter pisado duas minas antipessoal e me protegeu tantas vezes! A minha paga foram as vezes que o visitei no Olossato e quando o procurei ajudar no Hospital Nacional Simão Mendes, onde assisti à sua morte, serena morte, a morte de um soldado que lutou por uma Pátria (?!) que não o soube tratar como devia, a ele e a tantos…

Paulo Salgado
28.12. 23

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE NOVEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21591: Bombolom XXIX (Paulo Salgado): "Dezasseis anos depois", um poema meu, que li em Santarém, no encontro anual da CCAV 2721, em Abril de 1986, onde esteve presente no final do almoço o Salgueiro Maia (1944-1992)

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24976: Boas Festas 2023/24 (7): Mensagens natalícias dos nossos camaradas Valdemar Queiroz, ex-Fur Mil Art da CART 2479/CART 11; Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav do Pel Rec Daimler 2208 e Paulo Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721


1. Mensagem natalícia do nosso camarada Valdemar Queiroz, ex-Fur Mil Art da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70):

Desejo a todos e suas famílias Feliz Natal e Bom Ano de 2024
Abraços e saúde da boa
Valdemar Queiroz



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2. Mensagem natalícia do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71), hoje médico reformado:

Caros amigos
Votos de Um Feliz Natal e que o próximo Ano nos traga especialmente saúde.
Que os DEUSES nos protejam, pelo menos até 2100 (preferencialmente + IVA).

Abraço,
Ernestino Caniço


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3. Mensagem natalícia do nosso camarada Paulo Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72):

Amig@s,
Estou a remeter as Boas Festas às pessoas com as quais, por qualquer circunstância, me cruzei, e cruzo, neste percurso de vida. Faço-o com estima e imensa consideração.
Desejamos-lhe, a minha mulher e eu, muitas felicidades e à sua Família. Olhe, ainda temos esperança que o próximo ano (bissexto) seja melhor e que os senhores da guerra olhem para si mesmos, no que estão a fazer, sobretudo a quem sofre.

Um abraço nosso. E saúde. E Paz. E que as crianças não sofram...
Paulo Salgado

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24975: Boas Festas 2023/24 (6): Presente de Natal do nosso camarada José Teixeira

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24769: Agenda cultural (841): Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo - A Guerra Colonial: Conversa/debate com escritores - Mário Beja Santos e Paulo Cordeiro Salgado; moderador António Lopes (Paulo Cordeiro Salgado)


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de hoje, 18 de Outubro de 2023:

Meus caros Luís e Camaradas de redação do Blogue,
É com muita satisfação que apresento este registo.
Satisfação dupla: por um lado, pelo envolvimento nesta comemoração, fazendo parte da comissão executiva; por outro, ter ao meu lado, para conversar, o Mário Beja Santos, além do moderador António Lopes, também ele militar na reforma (não foi à guerra porque ainda era jovem) e editor sediado em Carviçais, Torre de Moncorvo.
O texto é um pouco longo, mas é assim, Luís e Caros Camaradas.

Mantenhas
Paulo Salgado



COMEMORAR O CINQUENTENÁRIO DO 25 DE ABRIL EM TORRE DE MONCORVO
A GUERRA COLONIAL: CONVERSA/DEBATE COM ESCRITORES

Mário Beja Santos e Paulo Cordeiro Salgado

Moderador António Lopes

Sinopse de ideias para a conversa

Escrever sobre a Guerra Colonial é algo que pode ser levado a cabo sob diversos aspetos e formas.

Quanto a mim, que não pretendo ser herdeiro de qualquer tradição de «melancolia épica, natural acompanhamento do interminável crepúsculo que nos caracteriza», como refere Eduardo Lourenço na sua obra “A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia” (Gradiva, 3.ª edição, 2004), o que me mantém motivado a escrever foi, e é, o trazer memórias que me ajudaram a crescer e que me têm acompanhado ao longo de uma vida que vai sendo longa. Os tempos passados estão ainda presentes, são o “hoje”. Que reflexo no futuro?

Digo e escrevo com franqueza: às vivências pessoais sofridas na Guerra Colonial, tenho feito juntar o Outro, sendo que este Outro se encontra expressivamente e impressivamente ligado aos vários momentos que, apesar de decorridos em tempos diferentes, estão interligados. Guerra e Raízes – os domínios da minha escrita. O “eu” como ator/narrador, e o “Outro”, como construtor de histórias que se prolongam em mim por diversas formas.

O centro da nossa História, feito de descobertas e de conquistas ao longo dos séculos XV a XVII, feito de encontros e desencontros igualmente durante os séculos seguintes, passou a ser, nas décadas sessenta e setenta, a Guerra. Não uma guerra com caravelas e naus à procura das especiarias e escravos, quase sempre em confronto, algumas vezes em encontros amigáveis com gentes com que nos deparámos, que tinham o seu próprio processo histórico, mas uma guerra agora feita com espingardas e morteiros e obuses e fiats e bombardeamentos e napalm. O que foi uma presença quase planetária, de proselitismo religioso, de comércio afanoso, de poder a estabelecer nem que fosse à força, de curiosidade científica, também, passou a ser uma humilhante saída da aventura do que restava do mundo que percorremos, por incapacidade de compreendermos o processo histórico.

Não sou historiador, nem sociólogo, nem antropólogo, nem psicólogo; sou apenas alguém interessado em factos históricos de que procuro, quer algumas figuras maiores, porque a elas se encarregaram os estudiosos de engrandecer e historiar, quer, sobretudo, personagens menores, ou “arraia miúda” – como lhe chamava Fernão Lopes, esse mestre iniciador, entre nós, da História Viva – e a que Herculano quase três séculos mais tarde apelidava de História da Verdade.

São os meus camaradas que calcorrearam os trilhos, as picadas, as matas, as zonas pantanosas;
são os meus camaradas que vieram do norte e do centro e do sul deste Portugal simultaneamente querido e amordaçado – quase sempre desconhecedores do que andavam a fazer nas matas, vales, planuras, rios e montes de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, regressando alguns, infelizmente, em caixas de pinho como canta o poeta Zeca Afonso;
são as aldeias sem gente, fugida para o longe, para o lado de lá, queimadas as suas tabancas; são as crianças sem pais;
são as mães sem eira nem beira que choram, aqui, neste rincão do sudoeste europeu, e as que lá sofriam com as bombas e com a fome, desesperadamente afastadas dos seus;
são os combatentes pela libertação que deixaram terras por arrotear e se lançaram na aventura de ter como seu o chão que pisam.
São os adeuses nos barcos que levavam os jovens como eu para o inferno das Kalashnikov e dos morteiros e mísseis.
São as cartas e os aerogramas enviados, e as cartas e os aerogramas que traziam esperanças e sonhos de regresso.
Mas são também os reis e conquistadores e frades que navegaram e caminharam pelos mundos, no que foi uma epopeia narrada em Os Lusíadas.
São ainda os chefes que reclamavam, enganados na sua mentalidade serôdia, uma Pátria multirracial do Minho a Timor.
São estas personagens que entram na minha narrativa, que, por certo, fica aquém da prosa estritamente historiográfica.
São igualmente as raízes que me sobraram da infância e juventude. Eis o que agora vos devolvo nos meus livros, porque já me fora entregue pelo Outro. É que tudo se passou como se nada tivesse importância: o mar que nos banhou ao longo de aventuras e desventuras, as andanças de homens e mulheres calcorreando as partes de África, dos Brasis, e do Oriente, e o que vivido foi por muitos de nós destas gerações, mancebos de sessenta e setenta, a morte rondando debaixo dos pés, ou na ponta das espingardas – um verdadeiro desassossego, diria Pessoa…eu gritava (como outros): não quero morrer, não quero morrer, não quero morrer. O acaso, ou talvez as circunstâncias, me levaram às terras da Guiné-Bissau vinte anos depois da guerra, em trabalho de cooperação e, mais tarde, a Angola e Moçambique e S. Tomé e Príncipe – desta maneira, as minhas crónicas são um ir e vir pelo “hoje” e pelo passado – uma mistura só conseguida graças à capacidade que a escrita tem, antecedida pelo pensamento. As multiplicidades psicológicas e existenciais do Outro, os encontros com o Outro, fixaram-se na minha obra, estão vivas. A vida é isto: é ternura, é carinho, é solidariedade, é beleza, é fealdade. Agarrei-me a tudo (a quase tudo), e os dedos empurraram-me para a escrita…

Não pretendo ter na minha escrita qualquer «fixação hipnótica», como escreve Eduardo Lourenço, na obra acima referida. Senti, durante a presença no espaço e no tempo de guerra, guerra dura de que senti, chorando, a morte nos braços, que ruía por completo o Império, se Império Português houve. E, pasme-se, senti, igualmente, que restavam resquícios de um certo “modo português de estar no Mundo”, traduzido especialmente na “pretidão de amor”, expressão que Camões utilizou e viveu, experienciada por mancebos, militares e civis, que se acolhiam, no intervalo de combates, nos braços quentes das jovens mulheres, dando corpo, físico e mental, à teoria lusotropicalista de Gilberto Freire, aproveitada de forma conveniente pelos senhores pensantes antes da eclosão da guerra colonial, que, aliás, se adivinhava.

Mas, afinal, o que é escrever? Afinal, o que é escrever sobre “este” passado histórico, tão recente e tão distante, olhado e compreendido de formas diferentes? Tenho sempre dúvidas: as que decorrem de questões estéticas e éticas. Estéticas, porque há sempre um receio de que não seja bela a manifestação do que escrevo; éticas, porque o discurso que utilizo me coloca perante questões da vida, das mais simples às mais elevadas. Falar do Outro é sempre muito complexo, por estarmos permanentemente a entrelaçar Estética e Ética.

Nas minhas obras já publicadas, por certo outras virão, encontram os leitores uma narrativa que se baseia na História, mas exibe ficção, que mais não seja por razões éticas. Os meus Amigos, o Rogério Rodrigues e o Mário Tomé, que prefaciaram e ou apresentaram dois dos meus livros, juravam, com a bondade que os caracteriza, que estas narrativas continham em si a dimensão nobre de “contos históricos” – porventura serão. Pareceu-lhes, creio, um desejo, um desafio, lúdico, o meu.

Em “Guiné – Crónicas de Guerra e Amor” e “Milando ou Andanças por África”, também em “7 Histórias para o Xavier”, permanecem fixamente factos e personagens, com que deparei nas minhas leituras e minhas diversas passagens por África, e nas Raízes do meu canto aldeão transmontano – o Larinho, aldeia do concelho de Torre de Moncorvo, que entregou a Salazar e Caetano três soldados…
Neste momento, para eles a minha saudade e admiração. O meu respeito.

Paulo Cordeiro Salgado

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Nota do editor

Vd. poste de 17 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24765: Agenda cultural (840): Síntese da minha comunicação destinada à conferência "Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril", realizada nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2023, iniciativa da Câmara Municipal da Torre de Moncorvo (Mário Beja Santos)

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24765: Agenda cultural (840): Síntese da minha comunicação destinada à conferência "Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril", realizada nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2023, iniciativa da Câmara Municipal da Torre de Moncorvo (Mário Beja Santos)


A juventude moncorvense compareceu em força num dos painéis
Presentes: coronel Vasco Lourenço, general Alípio Tomé Pinto e o presidente da edilidade, Nuno Rodrigues Gonçalves. Sentado, e diligentemente a escrever, o nosso confrade Paulo Salgado, moderou a sessão António Lopes, oficial do Exército aposentado

Imagens cedidas pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, a quem agradecemos


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Do programa da conferência não falo, veio publicado no blogue. O que me foi pedido prendia-se com a análise da literatura da guerra colonial, mau conhecedor das literaturas referentes aos teatros angolano e moçambicano, fui-me reportando ao que conheço da realidade da literatura guineense.

Como estas comunicações não dão para divagar, há que encontrar um ritmo que possa cativar um público transversal, por isso achei por bem falar da abrangência da literatura e suas manifestações; enfatizar a variedade topográfica que gerou singularidades quanto à Guiné, Angola e Moçambique, se bem que, haja um enquadramento que vai do embarque ao desembarque e que toca a todos, e mesmo nesse itinerário um relato de alguém que viveu em destacamento naturalmente que se distingue de quem foi fuzileiro ou paraquedista; procuro dar ênfase à questão do meio, como ele é preponderante na inquietação de um patrulhamento ou no fascínio de um esplendoroso palmar que surge inopinadamente; e há a questão do tempo da comissão, um relato de Álvaro Guerra, que combateu no início da luta armada distingue-se da história de um batalhão como o BCAV 2867, que combateu na região de Tite nos anos de 1969 e 1970, e que coteja os factos por ele percecionados com a documentação do PAIGC depositada na Fundação Mário Soares. 

E confesso que me desvelou o acolhimento de Paulo Salgado que me levou a visitar zonas extraordinárias do Baixo Sabor, deu-me matéria para falar de itinerâncias na região moncorvense.

Um abraço do
Mário


Síntese da minha comunicação destinada à conferência Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril, realizada nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2023, iniciativa da Câmara Municipal da Torre de Moncorvo

Uma guerra colonial que gerou investigação e largas memórias de diferente ficção

Mário Beja Santos

1. Era inevitável: uma guerra vivida em três frentes, de 1961 a 1975, iria implicar estudos historiográficos, socioeconómicos, abordagens militares, diferentes domínios de investigação, nomeadamente no campo universitário, dando origem a uma vasta multiplicidade de teses e obras destinadas a um vasto mercado, desde o estritamente militar ao do grande público. 

Por natureza, e mercê do olhar ideológico, será também motivo de contínuos trabalhos, recorde-se que há omissões graves no campo da investigação que importa colmatar: por exemplo, não há ainda nenhum estudo aprofundado sobre os quatro anos (1964-1968) da governação de Arnaldo Schulz;

2. Mas nem só da investigação vive o homem: há um rol infindável de manifestações literárias: conto, novela, romance, poesia, literatura memorial, reportagem, propaganda para captar populações ou a favor da política do Estado Novo, justificando a gradual intervenção militar, mesmo quando esse regime apresentava tal intervenção como “ações de polícia”;

3. Como é natural, dada a variedade topográfica das três frentes, gerou-se uma literatura com particularidades/especificidades. Há, contudo, questões e conceitos que se podem apresentar como padronizados: 
  • as despedidas aquando do embarque; 
  • a viagem tormentosa, com as praças metidas em porão; 
  • o estado de nervosismo e a expetativa do que se vai encontrar pela frente; 
  • a chegada, o embate com o clima; 
  • a deslocação para um lugar ainda desconhecido; 
  • a adaptação ao meio, por vezes uma intensa participação em obras para melhorar o nível do conforto; 
  • a tensão nos patrulhamentos, procurar ver o que se esconde no capim; 
  • o sobressalto da mina antipessoal e mina anticarro; 
  • os primeiros contactos com a guerrilha; 
  • o comer mal, a vigilância noturna, as flagelações, etc., etc.. 

Não são situações padronizadas, são quadros de referência do itinerário da comissão, obviamente com cambiantes, é bem provável que um paraquedista, um fuzileiro, um comando, estejam dominados por outras referências, as operações têm um peso dominante na literatura que eles elaboram;

4. As particularidades decorrem do meio, como é óbvio: 
  • o território da Guiné depende das marés altas e baixas (o território tem uma superfície de 36.125 km2 numas alturas, noutras 28.000 km2); 
  • é território sulcado por rias e braços de mar, tem de facto só dois rios, o Geba e o Corubal;
  •  há o tarrafo, que pode ser um inimigo natural implacável, no mínimo intimida, ande-se por terra ou por água; 
  • há as florestas-galeria, por vezes caminha-se de gatas, surgem inesperados contratempos, podem ser as abelhas, um porco do mato que se atravessa à frente da patrulha, e que provoca pânico; 
  • há a estação das chuvas, que nos faz adoecer, que aumenta os casos de malária…
  • como é evidente, há a ligação entre o militar e as populações, a solicitação do médico ou do enfermeiro ou do maqueiro, angariar professor para a criançada ou para os soldados iletrados; fica-se aterrado quando se vê um leproso ou um ser humano com elefantíase...

 Tudo isto é matéria que aparece na correspondência do militar para a família e amigos e entra nas obras literárias, claro está;

5. Tal como os estudos historiográficos, a propaganda apologética, qualquer obra de ficção tem de ser dimensionada pelo tempo em que foi escrita e publicada. Da análise que faço à literatura da guerra colonial da Guiné, consigo distinguir as seguintes fases:
  • as obras publicadas até 1974, nelas prepondera o heroísmo e a exaltação das qualidades do soldado português, há situações específicas como um diário que foi publicado no Jornal da Bairrada, em pleno Estado Novo, e quando o autor, também durante esse regime deu corpo a um livro, este foi apreendido pela censura (Tarrafo, de Armor Pires Mota); 
  • há literatura encriptada, é o caso das obras de Álvaro Guerra; com o 25 de Abril, o azimute muda de direção, crescem as críticas à guerra, há mesmo assassinatos de caráter, e nesta literatura tantas vezes contundente surgem obras que hoje merecem atenção nas universidades, é o caso do romance Lugar de Massacre, de José Martins Garcia; 
  • tenho para mim que é nas décadas de 1980 e 1990, quando o antigo combatente passa a ter mais disponibilidade e serenidade face aos acontecimentos vividos, que vão surgir obras de inegável valor no campo romanesco; 
  • é na viragem do século que faz aparição a literatura memorial, hoje a vanguarda desta ficção, é um amplo leque que vai da poesia popular, passando pelos diários, recordações fragmentadas, singelas histórias de unidades militares, e muito mais.

6. Tudo conjugado, temos o campo da investigação, o ensaio antológico, a análise política; e, na sequência diacrónica a literatura da guerra colonial tem de ser apreciada no tempo em que foi escrita e no território em que se combateu. É de uso indispensável, doravante, para ser compatibilizada com o que dizem os factos históricos, pois há imensos relatos que podem servir de contraponto ou validação de documentos: dou o exemplo dos depoimentos de antigos combatentes do BCAV 2867, que combateu na região de Tite (sul da Guiné) nos anos de 1969 a 1970, e que aparecem ao lado de documentação do PAIGC depositada na Fundação Mário Soares.

Poderá dizer-se que na sua generalidade esta literatura não prima pela grande qualidade, mas há um acervo de obras (e noutras capítulos ou parágrafos) que farão obrigatoriamente parte do que melhor se tem escrito na nossa contemporaneidade.

É a análise destes pontos que pretendo fazer e debater neste auditório. 

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24729: Agenda cultural (839): "Comemoração do Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo", com destaque para a guerra colonial, dias 5, 6 e 7 de outubro (Paulo Salgado)

 











1. Programa que nos foi enviado, em 29 de setembro último, pelo nosso amigo e camarada Paulo Salgado, relativo à "Comemoração do Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo", uma iniciativa da autarquia local. (Para mais imformação, ver aqui no sítio da CM de Torre de Moncorvo.)

O Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), é natural de Moncorvo, escritor (dois dos livros mais recentes, "Milando ou Andanças por África", 2019,  "O Amor que veio da China e outros contos", 2022);  é autor da série, no nosso blogue, "Bombolom"; é  administrador hospitalar reformado, consultor em gestão de serviços de saúde com larga experiència em África (com destaque para a Guiné-Bissau e Angola).

É um dos veteranos do nosso blogue, integrando a Tabanca Grande desde 19 de setembro de 2005. Tem cerca de 120 referências.

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de setembro de  2023> Guiné 61/74 - P24693: Agenda cultural (838): Orquestra Médica Ibérica: Hoje, 24 de setembro, às 16h, vai dar um concerto solidário no Altice Forum Braga... Programa: Tchaikovsky, Mendelssohn e Joly Braga Santos... Ingresso: 10 euros

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24490: Tabanca Grande (550): João de Jesus Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que se vai sentar no lugar 878 do nosso poilão

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, João de Jesus Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), enviada ao Blogue no dia 15 de Julho de 2023:

Boa tarde Carlos Vinhal
Sou leitor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné desde as primeiras publicações - ainda como "FORANADA.BLOGSPOT.COM - mas nunca me decidi em colaborar no mesmo.

Como ultimamente, o Luís Graça se vem queixando da falta de colaboradores e publicações para "alimentar" o Blogue, resolvi oferecer a minha colaboração.

Para isso, estive a reler a história da minha Companhia e a relembrar as várias situações e "estórias" vividas naquelas terras vermelhas, quentes e chuvosas.

Desdobrei a história da minha Companhia em várias partes, para não ficarem muito "pesadas" e levarem os nossos camaradas a desistirem da leitura antes de chegarem ao final.

Já tenho a história da minha COMPANHIA DE CAVALARIA 2721 em emails individualizados.
Só preciso que me informes a data a partir da qual posso começar a enviar-te para publicação.
Pensei em mandar um email por semana, para não ficar muito maçador.

Se concordares com este prazo, diz-me o dia de semana que preferes que envie.

Votos de saúde.
Abraço.
JOÃO MOREIRA
Ex-Furriel Miliciano


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2. No mesmo dia foi enviada resposta ao João Moreira

Caro João:
Muito obrigado pelo teu contacto e pela tua disponibilidade para aderires à nossa tertúlia, não para seres mais um, mas prometendo desde já colaborar "forte e feio" com as tuas memórias.
Na verdade estamos muito necessitados de sangue novo, não forçosamente em idade, mas de camaradas que queiram deixar, na nossa página, as suas memórias, escritas e fotográficas, destinadas a serem consultadas pelos nossos vindouros e pessoas que, de alguma maneira, queiram ler os testemunhos, na primeira pessoa, de quem "por lá" andou e sofreu na pele as consequências de uma guerra que não quis.

As tuas memórias militares começarão quando e como quiseres. A recruta foi o nosso começo mas o fim, esse parece vir só com o fim da nossa existência. Estás à vontade para começares até na inspecção militar.

A periodicidade para o envio e publicação dos teus textos e fotos, será conforme queiras, mas acho que semanalmente não estava mal.

Não esqueças que de ti queremos saber: o nome, posto, especialidade, unidade, datas de ida e volta da Guiné, locais de acção, etc.

As fotos que enviares deverão ser acompanhadas por legendas (à parte), onde constará a identificação dos retratados (caso não vejas inconvenientes nisso), data, local e situação. Quando as quiseres intercalar nos textos, ou as colocas tu, ou fazes uma nota no local para nós as localizarmos durante a edição.

Deves mandar as tuas coisas, sempre para: luis.graca.prof@gmail.com e para mim, carlos.vinhal@gmail.com, para assim teres a certeza de que eu e/ou o Luís vai ler.
Vamos fazer uma prévia apresentação tua à tertúlia, pelo que podes aproveitar para aí começares a contar a tua vida militar e outros pormenores que aches que possamos saber de ti, por exemplo, formação académica, profissão, etc.

Acho que o essencial está dito, mas estou sempre por aqui para qualquer dúvida.

Recebe um abraço do camarada, de há muito, e amigo desde hoje
Carlos Vinhal


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3. Nova mensagem do camarada João Moreira ainda no mesmo dia:

Carlos e Luís Agradeço a aceitação do meu pedido de inscrição no grupo.
Em resposta ao Carlos Vinhal, informo que tomei nota das tuas sugestões.
Comunicar-vos-ei os elementos que sugeriste. Não garanto que seja hoje, mas se se proporcionar ainda informo neste fim se semana. Se não puder, envio durante a próxima semana.

Informo-vos que enviarei um email por semana, para publicação e que neste ritmo posso tenho stock para mais de um (1) ano.

Abraço e bom fim de semana.

JOÃO DE JESUS MOREIRA
FURRIEL MILICIANO (porque não quis virar as divisas)

João Moreira na actualidade

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4. No dia 16 recemos a mensagem em que o nosso novo amigo, João Moreira, faz um resumo do seu percurso militar:

Boa tarde Carlos e Luís,

As sugestões do Carlos Vinhal, iriam ser satisfeitas ao longo das publicações que irei enviar.

De qualquer forma e para fazer a minha apresentação vou enviar os dados que o Carlos Vinhal sugeriu.

Chamo-me JOÃO DE JESUS MOREIRA-

Nasci no dia 05 de Junho de 1946, no lugar do Candal, freguesia de Santa Marinha, concelho de Vila Nova de Gaia.

Tirei o Curso Geral do Comércio na Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Gaia.
Fiz a Secção Preparatória para o Instituto Comercial, na Escola Oliveira Martins, no Porto.
Fiz a admissão e frequentei o Instituto Comercial do Porto mas não acabei o curso.

Fui trabalhar na secção de peças duma empresa Comercial do Porto, que entre outras actividades também vendia máquinas industriais.

Com o desenvolvimento dessa secção foi criado um departamento de contabilidade só para esse sector e eu fui transferido para a contabilidade até ir para a tropa.

Quando vim do ultramar fui reintegrado na secção de peças, que passei a chefiar e a ser o gestor de stocks.

Na vida militar fui furriel miliciano com a especialidade de atirador de cavalaria. Também tirei a especialidade de Minas e Armadilhas, em Tancos.

Em Janeiro de 1969 fui para Estremoz para formar batalhão para a Guiné, mas não embarquei por estar internado no Hospital Militar de Évora.

Quando tive alta do Hospital Militar vim gozar os 10 dias da mobilização para ir ter com a minha Companhia que estava em Ingoré. Ao 2.º ou 3.º dia recebi um telefonema do 1.º sargento da secretaria do RC 3 de Estremoz, a dizer para regressar ao quartel, porque tinha sido desmobilizado.

Fiquei lá até Dezembro de 1969, data em que fui transferido para o RC 4, em Santa Margarida, para formar a Companhia de Cavalaria 2721, novamente para a Guiné.

Embarquei no T/T Carvalho Araújo, no dia 04 de Abril de 1970, ou seja já tinha sido incorporado há 27 meses (21 meses de tropa efectiva mais 6 meses das 2 especialidades perdidas. Já era furriel desde Janeiro, embora ainda não me tivessem promovido.

Fui para o Olossato, que tinha um destacamento no Maqué. Ficavam na estrada Mansoa, Bissorã, Olossato, Farim. No final de Maio de 1971, metade da Companhia foi para Nhacra e a outra metade, onde estava o meu grupo de combate, só fomos no dia 09 de Junho.

Ao princípio da noite sofremos um ataque (penso que foi o primeiro ataque a Nhacra). Em Nhacra também passei pelos destacamentos de Dugal e Ponte de Ensalmá.

Regressamos num avião dos TAM, no dia 28 de Fevereiro de 1972.

Curiosamente o Vinhal foi e veio nos mesmos transportes, 2 semanas depois de eu ter ido, e esteve também na mata do Oio. Estávamos a cerca de 10 quilómetros de distância, em linha recta, com o mítico MORÉS, no meio.

Nhacra, 1971 - João Moreira

Reprodução, com a devida vénia, da pág. 512 do 7.º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), publicação do Estado-Maior do Exército.

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5. Comentário do Coeditor CV:

Caro amigo, e camarada de armas, João Moreira, como prometi, estás apresentado formalmente à tertúlia.
Tens reservado para ti o lugar 878 do nosso poilão.

Acho que sabes que tens na tertúlia um companheiro da tua CCAV 2721, o ex-Alf Mil Op Esp, Paulo Salgado, que escreveu o livro "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor". Não sei estiveste na apresentação aqui no Porto.

Temos, como disseste, um percurso quase paralelo na Guiné, vocês embarcaram para lá no dia 4 de Abril de 1970, indo no "Carvalho Araújo", e nós no dia 13 do mesmo mês, no Porto do Funchal, no navio "Ana Mafalda". Fomos quase vizinhos, Olossato e Mansabá não ficavam asssim tão distantes, fazendo as duas localidades parte do "empreendimento turítico" do Morés.
Se a tua Companhia substituiu em Abril, no Olossato, a CCAÇ 2402 do BCAÇ 2851, a minha substituiu também em Abril, mas em Mansabá, a CCAÇ 2403 do mesmo batalhão.

Apesar de tudo, a CCAV 2721 teve mais sorte porque em Maio/Junho de 1971 se mudou para um local bem mais pacífico, Nhacra, enquanto a 2732 aguentou estoicamente, em Mansabá, até Fevereiro de 1972, chorando ainda a perda de dois camaradas, em Janeiro, na zona de Mamboncó, um dos carreiros de e para o Morés. A CCAV 2721 regressou a casa em 28FEV72 e a CART 2732 só em 19 de Março.

Ah! Ainda mais uma coincidência, temos ambos uma "pós-graduação" em Minas e Armadilhas.
Posição relativa do Morés, uma importante base estratégica do PAIGC. © Infografia Luís Graça & Camaradas da Guiné

A tua Companhia a partir do Olossato, e a minha, em Mansabá, foram forças activas no Plano de Operações Faixa Negra, que tinha como missão o apoio logístico e manter a segurança aos trabalhos de asfaltamento da estrada Mansabá-Farim, obra reatada no Bironque, até à margem esquerda do rio Cacheu. As nossas Companhias faziam parte das chamadas Forças de Intervenção, a minha integrada no Sub-Agrupamento "M", juntamente com a CCP 122, 2 GCOMB/CCP 121, mais 1 Pelotão(-) do EREC 2641. A tua 2721 fazia parte do Sub-Agrupamento "O", juntamente com a CCP 121(-) mais 21.º PelArt (10,5).

Posição relativa do Bironque na estrada Mansabá-Farim. © Infografia Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Ainda a propósito da tua ida tão tardia para a Guiné, e uma vez que já terias tempo suficiente para a promoção a Furriel Miliciano, antes do embarque, nunca chegou a sair à ordem a tua promoção a 2.º Sargento? Éramos mesmo muito mal tratados, no fim do curso de sargentos promoviam-nos(?) a cabos, e quando tatingíamos o tempo para promoção a 2.ºs sargentos, esqueciam-se de nós.

Como o poste já vai longo, resta-me deixar aqui um abraço de boas-vindas em nome dos editores e da tertúlia.

Estamos por aqui sempre disponíveis para qualquer dúvida que tenhas em relação ao funcionamento do Blogue, e já que nos indicaste a tua data de nascimento, a menos que não queiras, terás direito ao nosso singelo postalinho de aniversário. CV

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24275: Tabanca Grande (549): As "fotos da praxe" do cor inf ref Mário Arada Pinheiro, que completou 90 anos em 12/12/2022... Foi 2.º cmdt do BCAÇ 2930 (Catió, 1971/73) e Cmdt do Comando Geral de Milícias (1973)