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quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22502: Memória dos lugares (425): Mafra, EPI, março de 1967: desfilando com o meu pelotão, o 1.º, da 1.ª Companhia de Instrução do COM, após o juramento de bandeira (Eduardo Moutinho Santos, advogado, Porto)

 

Mafra > EPI > Março de 1967 > Fotografia do meu pelotão (1.º Pelotão da 1.ª Companhia de Instrução) do COM de janeiro de 1967, desfilando de regresso à parada da EPI, depois do juramento de bandeira.   Nesta foto,  do meu  "álbum de guerra", estou em 3.º lugar na 1.ª fila. O sargento, que empunha uma FBP,  não conta.

A foto foi tirada por um familiar de um camarada soldado-cadete. A foto é de março de 1967. Ainda fiquei mais cerca de 3 meses em Mafra para a especialidade de atirador de infantaria... A foto não pode, pois,  ser do pelotão do Paulo Raposo, ele foi incorporado na 2.ª leva (Abril) de 1967 de futuros alferes...

Foto (e legenda): © Eduardo Moutinho Santos (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. M
ensagem de Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2366 (Jolmete e Quinhámel) e ex-Cap Mil Grad, CMDT da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada), advogado com escritório no Porto, e régulo da Tabanca de Matosinhos; tem mais de 2 dezenas de referências no nosso, entrou formalmente para a Tabanca Grande em 22/10/2012 (*):


Data - terça, 31/08/2021, 12:53

Assunto - A galeria dos meus heróis (42): De companheiros de infortúnio a amigos para a vida

Olá, Luís Graça. Bom dia.

Esperando que estejas a gozar merecidas férias, e que a tua recuperação esteja a correr bem à sombra do Poilão de Candoz, queria, antes de mais, deixar-te um abraço de parabéns pelo enternecedor conto "A galeria dos meus heróis". De companheiros de infortúnio a amigos para a vida"  (**) que, após uma leitura atenta, quase me pareceu autobiográfico (de mim) em parte!!!

Fiz um comentário à fotografia de um pelotão de soldados-cadetes desfilando em Mafra, após o juramento de bandeira, de regresso à parada da EPI, foto que apareceu num dos "artigos " que o Paulo Raposo, nos longínquos anos de 2008, inseriu no Blogue de que eu, então, ainda desconhecia a existência. Não pode ser o pelotão do Paulo Raposo, ele foi incorporado na 2.ª leva (Abril) de 1967 de futuros alferes...

Aproveito para te enviar a mesma foto que tenho no meu "álbum de guerra", onde estou em 3.º lugar na 1.ª fila. O sargento não conta.

Abraço
Eduardo Moutinho
Advogado, Porto



Guiné > Região de Cacheu > Jolmete > CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845 (1968/70) > No "baú dos despejos" encontrei esta declaração que terei assinado para vir de férias, e que me terá sido devolvida porque não fui "d'assalto" até Paris... Fazia parte das regras militares assinar este tipo de declaração.

Foto (e legenda): © Eduardo Moutinho Santos (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentário de L.G.

Eduardo, fico sensibilizado pelo teu comentário. E lisonjeado, também. Tiveste a coragem de ler o conto (**), que é demasiado extenso para o blogue. A ideia era retratar uma época e uma terra de província. Este Portugal dos anos 40/50/60/70 já não existe, para os nossos filhos e netos, felizmente, é passado, ou melhor nunca existiu. Mas nós atravessámos essas décadas... E não foram pera doce. (***)

Obrigado por me teres autorizado a publicar a tua mensagem como poste, com o teu nome, incluindo a foto do teu pelotão, no COM, Mafra, jan-março de 1967. Já agora, vê se lembras de alguma vez, no teu tempo (1.º semestre de 1967) teres ouvido o termo "Máfrica" para designar, pejorativamente, a EPI.

Entretanto, e como já to disse, por email, ainda não estou em Candoz. Até sexta feira tenho fisioterapia, aqui na Lourinhã. Vou lá estar uma semana, e dia 11 de setembro, sábado, comprometi-me com o António Carvalho a ir, com todo o gosto (, e apesar das minhas limitações de mobilidade) à Tabanca dos Melros, fazer a apresentação do seu livro. Se lá puderes ir, teremos a oportundiade de falarmos um pouco mais e darmo-nos aquele abraço.
____________

Notas do editor:


(*) Vd. poste de 22 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10556: Tabanca Grande (366): Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2366 e ex-Cap Mil Grad, CMDT da CCAÇ 2381 - "Os Maiorais" (Guiné, 1968/70)

(**) Vd. postes de:

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22489: A galeria dos meus heróis (41): De companheiros de infortúnio a amigos para a vida - Parte I (Luís Graça)


Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares, onde se integrava o Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra. O Paulo Enes Lage Raposo, que nada tem a ver com a história que a seguir se conta (ficcionada, mas onde os factos são verdadeiros),  foi alf mil inf, MA, CAÇ 2405 / BCAÇ 2852 ( Mansoa, Galomaro e Dulombi, Guiné,1968/70), e o organizador  do histórico  I Encontro Nacional da Tabanca Grande (Ameira,  2006). A sua companhia perdeu 17 militares na travessia do Rio Corubal, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios). 


Foto (e legenda): © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A galeria dos meus heróis > De companheiros de infortúnio a amigos para a vida 

- Parte I (Luís Graça)



1. Conheci o Bacelar em Mafra. 
Em finais de novembro de 1972.
Um mês antes do Natal.
Numa tarde fria e chuvosa...
E logo em Mafra. Logo ali, na ”Máfrica”,
como eu e outros que por lá passámos na tropa,
chamávamos àquela terra desgraçada.
Tudo por causa da EPI, 
a Escola Prática de Infantaria,
que se tornara a principal fábrica
de oficiais milicianos, alferes e capitães,
comandantes operacionais
com destino à guerra de África.


Ainda me soava aos ouvidos a frase  de uma canção de protesto, de um gajo de Coimbra, estudante de medicina, que deve ter chumbado a meio do curso, e que era do “reviralho”, cantava bem e tocava viola sofrivelmente : “Muita chuva, muito vento, muita merda… e um convento!", cantarolava ele na caserna, enlameado e estafado, depois do crosse semanal...

Por aqui passara eu, cerca de quatro anos antes, como “feijão-verde”.  Eu, o meu antigo capitão miliciano e outros camaradas de que já havia perdido o rastro.  Para mim, "criminoso" contra a minha vontade, era como voltar ao “local do crime” Foi dos regressos ao passado mais penosos da minha vida. Ao sítio onde não fora feliz, nem nunca o poderia ter sido. Foi aqui que recebi a trágica notícia da morte do meu pai.  Prematura, sem ter completado os sessenta anos.

Não me autorizaram sequer a ir despedir-me dele. Morrera na véspera do meu juramento de bandeira. Mandaram-me, da agência funerária, um telegrama em cima da hora. O tenente da minha companhia de instrução chamou-me ao gabinete e disse-me, seco e perentório, em resposta ao meu pedido para ir a Mértola, ao funeral: “O senhor soldado-cadete pode ir, o pai é seu, mas perde o juramento de bandeira, chumba no COM, vai parar ao CSM, a Tavira, às Caldas ou a Santarém, atrasa o seu embarque para o Ultramar em mais alguns meses… Enfim, a escolha é sua!”…

Sim, o pai era meu, mas a pátria era deles... Enfrentei,  nesse fim de tarde, um terrível dilema, dividido entre o meu amor filial, o meu dever de ir prestar a última homenagem ao meu pai, e a tomada de consciência,  naquele preciso momento, de que passava a estar, doravante, na “linha a frente” e, ao mesmo tempo, a ser o sustento da minha família, da minha mãe e da minha irmã, mais pequena. Por outro lado,   dava-me conta da impossível escapatória  daquele sistema totalitário, que era a “Máfrica”, representado pela nudez e a cruza daquelas paredes que me encarceravam. Não ficara em França, não ía agora fugir do meu país...

Confesso que chorei lágrimas de sangue no dia seguinte, enquanto jurava bandeira, na praça frente ao palácio, com o povinho mudo e calado ao largo… Trágica ironia, jurava defender a minha Pátria (se necessário, “até à última gota do meu sangue”), no preciso momento que descia à terra o corpo do homem que me dera o ser.

Passado pouco tempo estava em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, a meio caminho de casa, e mais perto também da minha irmã mais velha, que vivia em Almada e cujo marido, soldador,  trabalhava na Lisnave. Fui lá fazer a instrução de especialidade. Aproveitei uma licença de alguns dias  para dar um salto à minha terra e depor um ramo de flores silvestres  na campa, rasa, do meu velhote, morto pela silicose que lhe destruíra os pulmões.

Mas o Bacelar não tinha nada a ver com isto, com o meu passado recente e muito menos com os meus dramas de consciência. Ele era apenas mais um “companheiro de infortúnio”  que eu tivera o azar de encontrar em Mafra, desta vez no mesmo emprego. Claro que eu não o conhecia de lado nenhum. E, muito provavelmente, não  iria voltar mais a vê-lo,  a partir do dia em que cada um de nós fosse à sua vida, uma vez colocados noutros sítios. 

 Por estranha coincidência (ou, supersticioso  como eu era,  seriam mesmo coisas do destino ?!), tínhamos chegado, eu e o Bacelar, no mesmo dia, ao fim da tarde, com uma hora de diferença. Numa tarde fria e chuvosa, anotara  na minha agenda. Ainda a tempo, contudo, de podermos “tomar posse” (era assim que se dizia na época) do lugar do quadro do pessoal  da repartição de finanças local. Como se o lugar fosse nosso, "de pedra e cal", e para o resto da vida...

Mas eu devia estar, se não feliz, pelo menos aliviado por arranjar um emprego na função pública, com as habilitações literárias que tinha, o 7º ano do seminário que só dava equivalência para a tropa e o funcionalismo público.  Mas não!... Logo por azar meu, as finanças estavam instaladas naquele pavoroso convento, o mesmo onde funcionava, nas traseiras,  a “Máfrica”, de triste memória para mim.

Eu tinha chegado em cima da hora. O chefe da repartição, que me pareceu, à primeira vista, boa pessoa, afável, educado, com sotaque açoriano, foi quem nos apresentou um ao outro, e ao restante funcionalismo.

Mas, dado o adiantado da hora, fez questão de deixar a cerimónia da tomada de posse para a manhã do dia seguinte, com a promessa de, no respetivo termo, constar a data da véspera. Ele era a amabilidade e a calma em pessoa. E fez questão de nos dizer, no seu saboroso sotaque, que não nos queria, em caso algum, prejudicar a “antiguidade”. E carregava na penúltima sílaba com evidente deleite.

Percebi logo que também aqui, tal como na tropa, a “antiguidade” era um posto. Lixei-me com essa da "antiguidade", tive de substituir o capitão, na Guiné,  depois de ele ter sido evacuado para a “metrópole”, por motivo de doença,  que, segundo suspeitávamos, seria do “foro mental”. 

Nunca fomos chegados, eu e o meu capitão, falávamos apenas das coisas estritamente indispensáveis de serviço. Ele também não era de grandes falas. Sei que tomava algumas drogas para o sistema nervoso, almoçávamos juntos na messe de oficiais. Tínhamos uma messe só para nós, o capitão e os quatro alferes milicianos. Na prática, a messe era igual, para oficiais e sargentos, mas havia uma divisória, uma espécie de biombo, a separar as duas classes.

Alguém da companhia ainda o encontrou em Bissau, no HM 241, na “psiquiatria”. Era um verdadeiro  labéu para a reputação de um militar uma baixa psiquiátrica. Um tipo podia ser “apanhado do clima”, que se lhe desculpava tudo (ou quase tudo). Um gajo podia apanhar uma borracheira, daquelas de caixão à cova, que logo lhe acrescentavam mais uns pontos no currículo de macho. Um gajo podia até ser "cornudo", coitado, que isso não acontecia só aos outros. Um gajo podia ser “maluco”, mas nunca podia dar “parte de fraco”, "dar baixa", neste caso ir parar à “psiquiatria”… Muito menos sendo um comandante operacional.

Antes de saírem para o conforto dos seus lares, os novos colegas das finanças, solícitos, se não mesmo afáveis mas algo premonitoriamente distantes, deram-nos  indicações sobre onde  jantar e pernoitar. Que no dia seguinte logo se arranjaria melhor sítio para se ficar por uns tempos, já que quartos para alugar não faltavam naquela terra "acolhedora e hospitaleira" (sic). Confesso que não gostei da cara de alguns, que pareciam os verdadeiros “donos da baiuca”.

 


1 A. Conheci hoje o Ravasco. “Ravasco, que raio de nome!”,
pensei eu quando ele me estendeu a mão,
rugosa, de cavador…
”Será nome ou alcunha ?”,
tive a indelicadeza de lhe perguntar.
”Apelido, de família”, respondeu-me,
secamente, com cara de poucos amigos.
Na minha terra, dizia-se 
de um homem libertino, "putanheiro"...


Dormimos, nessa noite, numa pensão, rasca, numa das  ruas que atravessavam o casario frente ao canvento,  e que o meu novo colega logo reconheceu. E que cheirava a grelhados, a serradura e a mijo de gato.  Ele fizera aqui a tropa há quatro anos atrás, segundo me confidenciou. E ficara, desde então,  com um asco a Mafra.

Em conversa com ele, ao jantar, descobrimos que ambos tínhamos regressado, ainda relativamente há pouco tempo, da guerra do Ultramar. Eu de Angola, ele da Guiné. Éramos da mesma colheita, 1947, embora eu fosse mais novo uns meses.  Mas cada um, afinal, com diferentes memórias, experiências e até expectativas. As recordações que eu trazia eram até boas, as dele nem por isso, segundo percebi logo de início. 

Eu evitei, deliberadamente, falar em demasia desse passado recente que nos aproximava. Talvez por pudor. E também porque não conhecia o Ravasco, ou melhor, tinha acabado de o conhecer  há umas escassas horas. E, em boa verdade, não tinha a certeza de poder confiar nele. Tive até o pressentimento que muitas coisas nos podiam separar. Nunca fui pessoa de fazer amizades logo à primeira vista. Sempre foi uma das recomendações da minha mãezinha que era uma mulher sábia e com um formidável sexto sentido: nunca se enganava no primeiro juízo que fazia dos estranhos. Tirava-lhes logo a "pinta", pelas primeiras frases e gestos...

Para começar, o Ravasco era, seguramente, de famílias humildes. Em contrapartida, era um antigo camarada de armas, se bem que eu ainda não valorizasse muito essa condição. Agora era meu colega de trabalho. Mas eu, ao princípio.  atrapalhava-me, tratava-o ora por colega ora por camarada. Com alguma cerimónia.

E apercebi-me logo que ele não gostava de tocar na tecla da Guiné. Eu pus-me então a imaginar que ele teria passado um tempo pior, na Guiné, do que o meu, em Angola. Talvez tivesse até apanhado uma porrada, ou coisa parecida. Toda a gente sabia que a Guiné era um duro osso de roer. Mas os gajos da Guiné também gostavam de cantar o "fado da desgraçadinha", como se em Angola e em Moçambique nós tivéssemos só andado a brincar aos índios e cobóis. 

Percebi logo, também, que éramos diferentes, se calhar irredutivelmente diferentes, oriundos de diferentes regiões do País, e até de meios sociais  distintos. Eu, do Norte, ele, do Sul.

O Ravasco era alentejano de Mértola, e eu minhoto de Ponte de Lima. Do Alentejo eu só conhecia meia dúzia de anedotas, estúpidas, direi hoje. E nenhum de nós conhecia a terra um do outro. O que não admirava: naquele tempo,  há meio século atrás, ainda era fraca a mobilidade espacial dos portugueses, viajávamos pouco, dentro (e fora) do País, embora eu já tivesse carro. Mas o mais longe aonde já tinha ido, a Sul,  era até Lisboa, quando prestei serviço no RI 5, nas Caldas da Rainha.

O Ravasco confessava que o mais a Norte aonde já tinha ido fora a Aveiro. Fora lá, de comboio, com uns camaradas, mobilizados para a Guiné, comer um ensopado de enguias. Um deles era da Murtosa ou coisa parecida.

Estivera menos de dois meses no Campo Militar de Santa Margarida, a formar companhia. Fora mobilizado para a Guiné pelo RI 2, o Regimento de Infantaria 2, em Abrantes. E não teve pejo em dizer-me que não sabia exatamente onde ficava Ponte de Lima, “lá no mapa do Minho”. O que para mim era imperdoável...

De facto, para mim, o Minho era a “joia da coroa” deste país à beira-mar plantado, o meu país. Era no Minho que começava Portugal, o Portugal do Minho a Timor, como havia aprendido na escola. Sempre tive muito orgulho no meu Minho e, claro, no meu torrão natal, Ponte de Lima, que, segundo me ensinaram os meus avoengos maternos,  era a terra, a vila,  mais antiga de Portugal.


2.Vi logo que o Bacelar era mais viajado do que eu. 
Viera de Mini, de Viana do Castelo até Mafra, 
um dia inteiro a conduzir. 
Tinha um Mini Morris 850,
com jantes especiais, em segunda mão. 
Mas também não fazia a mínima ideia 
onde ficava Mértola, a minha terra natal. 
Disse-lhe que ficava na margem direita do rio Guadiana, 
e que já vinha do tempo de fenícios, romanos, visigodos e mouros. 
Não mostrou curiosidade em saber mais.


Na primeira noite, em que nos conhecemos, por sinal desagradável por causa do frio e da chuva, falámos sobretudo do tempo- Falar do tempo é sempre uma solução airosa quando um gajo  não  tem assunto para conversa, ou não está afim de conversar, ou não quer mostrar logo o jogo, a sua maneira de ser e de estar, a sua história de vida, os seus pontos fortes e fracos… Falámos pouco das nossas terras e das nossas andanças pelo país que nos calhara na rifa.

Simpático, o Bacelar mandou vir duas aguardentes velhas de vinho verde, que fez questão de pôr na sua conta. E estivemos ali os dois a falar, afinal amenamente, evitando, todavia,  tocar  em assuntos da tropa  e da guerra. O que era dfícil, convenhamos...

Na realidade, era como se estivéssemos ainda em África, a resguardarmo-nos do paludismo e a contar as noites e os dias que nos faltavam para a “peluda”. Em geral, eu era muito reservado, nunca ou raramente falava da tropa e, muito menos, da Guiné. Por outro lado, sempre nos tratámos por você, até pelo menos até ao 25 de Abril de 1974. Ele também era cerimonioso, talvez mais por educação do que eu. 

Fiquei depois com a ideia de  que lhe ficara o "bichinho de África" e que hoje ainda estaria arrependido de não ter aceite uma boa oferta de trabalho em Luanda. No Banco de Angola, gabava-se ele.  De resto, não terão faltado outras propostas de emprego, menos aliciantes,  como por exemplo a de escriturário numa fazenda de café, em Camabatela, se não erro. 

Não me explicou as razões por que voltou para a santa terrinha, ele que se gabava de ter alguns “grandes africanistas” na sua ascendência, do lado materno, um dos quais, militar,  ainda conhecera o Zé do Telhado no exílio, em Luanda, a caminho de Malanje. 

Mas as saudades, às vezes, falam bem mais alto do que a razão. Disse-lhe que fizera bem, que haveria de continuar a fazer a sua vida na sua terra, e que o futuro de Angola era incerto, tal como o de toda a África Austral, últio reduto dos brancos, o mesmo era dizer, do colonialismo. E não me enganei, o velho “apartheid” branco haveria de ruir em 1994, tal como já tinha antes ruido o muro de Berlim  e tudo o que ele representava, dividindo o mundo em duas partes como uma laranja…

Deitámo-nos cedo, estávamos ambos cansados, o Bacelar tinha vindo a conduzir desde Viana do Castelo. Eu viera de mais perto, de Almada, onde pernoitara na casa da minha mana mais velha. (Era casada com um operário da Lisnave, como já atrás referi. Tinham-se casado há pouco, estavam a montar a casa, viviam com dignidade mas com muito aperto, como as famílias operárias da época.) Vim de cacilheiro para Lisboa para depois apanhar, na Rua da Palma, uma camioneta da Mafrense, se bem recordo, ao fim destes anos todos.

Tínhamos guia de marcha para nos apresentarmos até às cinco horas da tarde desse dia, para a “tomada de posse”. Reparei no olho azul do Bacelar. Soube, mais tarde,  que era oriundo de uma família de pequenos senhorios, donos de terras de um antigo morgadio com direito a brasão. 

(Sempre invejei, diga-se de passagem, quem tinha algo de seu, casas e/ou terras. O meu pai construíra uma casinha de paredes de tabique no couto mineiro. Nada a que ele pudesse chamar seu. Nós, os do Sul, não tínhamos raízes telúricas e muito menos “pedigree”, brasão, árvore genealógica... E quem não tem raízes na terra nem árvore genealógica para mostrar aos outros, é mais propenso às depressões, ouvi essa teoria ao alferes miliciano médico do meu batalhão, que deve ter seguido psiquiatria, era mais “apanhado do clima” do que nós, operacionais.)

O primeiro emprego que o Bacelar arranjara, depois do regresso de Angola, fora numa repartição de finanças do distrito de Viana do Castelo. Um tio (ou tio-avô, materno, não fixei o grau de parentesco) tinha (ou tivera) um cargo importante na Direção Distrital de Finanças do Porto. Teria sido, ao que parece, condiscípulo de diretor-geral das contribuições e impostos, o dr. Vitor Duarte Faveiro. Por isso, no gozo, eu chamava-lhe  “filho de Ansião”… E o apodo ficou, quando os outros sacanas dos colegas mafrenses descobriram… “Dor de corno!”, pensei eu. Quem tinha “cunhas” para entrar na DGCI, era logo apodado de “filho de Ansião”, a terra do director-geral que toda a gente reverenciava e temia, sendo tido como um grande fiscalista. 

Eu não lhe disse, por vergonha,  que também tivera uma cunha, essa eclesiástica. De um cónego do cabido da sé-catedral de Beja. Meu antigo professor. De qualquer modo, tanto eu como o Bacelar, havíamos feito, com sucesso, um concurso de provas públicas, como era norma do Estado Novo.  Éramos já “concursados”… Consolava-me a ideia de ter entrado, por mérito, não tendo roubado o lugar a ninguém. (Ou roubara ?... É uma dúvida que, então, se não me dilacerava, pelo menos me incomodava um pouco.)

O Bacelar tinha a secreta esperança de ainda poder ser chamado para o Banco Nacional Ultramarino ou para o Banco de Portugal, se bem percebi. Ou de vir a ficar mais perto de casa, no caso de  continuar nas finanças.

Se ele tinha defeitos que saltassem logo à vista, era essa de se gabar do seu “capital de relações sociais”, como se diz hoje…. A matriz  da sociedade portuguesa era ainda na época muito clientelar, nada se conseguia (empregos, negócios, casamentos, tropa, etc., ou um simples internamento nos Hospitais Civis de Lisboa…) sem “conhecimentos”, o mesmo era dizer, sem “cunhas”. Mas não precisava de ser “cunha” de gente muito importante, às vezes até parecia que quem mandava mais neste país era a criada, o motorista, a amante, o sargento, o sacristão, o caseiro, o feitor, o maioral, enfim o chefe do pessoal menor… Nas zonas rurais, o feitor era um tipo poderoso, tal como o sargento na tropa… Eu via por Mértola e Beja, onde os latifundiários, a viver na capital, raramente lá punham os pés, a não ser na época  das colheitas e da caça.

Ambos arranjámos um quarto, amplo, com duas camas, numa casa sita no centro da vila deMafra. Vivia-se, naquele tempo, do aluguer de quartos a professores primários, funcionários públicos e militares da Escola Prática de Infantaria, incluindo soldados-cadetes que tinham algum poder de compra. Era simpática, a velhota, a dona da casa, viúva de um sargento, se bem me lembro ainda.

Os quartos já não eram baratos na época e eu, tanto como o Bacelar, nos convencemos, estupidamente, que estávamos ali de passagem. Mais ele do que eu. A nossa ideia era, logo depois da tomada de posse do lugar do quadro, pedir  de imediato transferência. Eu, para Beja ou para Almada (estava indeciso), o Bacelar para Braga ou Viana do Castelo. Acabaríamos por ficar mais de 21 meses naquela "vida de ciganos", a que passei a chamar Máfrica Dois.

Confesso que detestava a Máfrica, como eu chamava  àquela terra, tomando a parte pelo todo. Estava farto da tropa. E se calhar as pessoas  de Máfrica Dois também estavam, tirando as velhotas simpáticas que viviam do aluguer de quartos. 

 O meu tenente-coronel, comandante do meu batalhão,  na Guiné, ainda me fez a cabeça para meter o chico. Deu-me um louvor, imaginem! 

(E se eu tivesse metido o chico ? Não me livraria de voltar à Guiné, agora como capitão. Secretamente, a ideia não me desagradava de todo, teria hoje um melhor pé de meia. Mas também lá podia ter deixado a meia, o pé ou até a vida. Mas os galões dourados de capitão não me deixavam indiferente, a mim que, não passando de um simples alferes miliciano,  experimentara, por breves meses, a secreta  volúpia do poder, que tinha como contrapartida o angustiante desafio de comandar 150 homens num teatro de guerra, e o risco de perder alguns. Eu que antes nunca estivera à frente de nada, nunca fora ninguém, nem sequer chefe de turma ou capitão de equipa de futebol!...)

Tínhamos apenas um reposteiro a separar as duas camas, como nos quartos de hospital. A minha cama tinha um colchão de palha (!) onde me afundava com os meus 90 quilos. (Engordei, estupidamente, depois que passara à peluda.)


2A. Para o meu gosto, feitio e educação, 
o Ravasco tinha um tipo de humor um pouco brusco e mordaz. 
Não sei se era um humor tipicamente alentejano. 
Afinal ele era o primeiro alentejano com quem eu ia trabalhar. 
E não me lembrava de ter lidado na tropa 
com alentejanos ou algarvios. 
Nós, os do Norte, já na altura os tratávamos por “mouros”. 
Por sorte, a minha companhia em Angola 
só tinha angolanos, minhotos e durienses. 
E demo-nos todos bem.


Não me importei de partilhar um quarto, com o Ravasco, afinal ainda estávamos habituados, tanto um como o outro,  ao ambiente de caserna, aos seus maus cheiros, à sua bagunça, ao seu ar opressivo, à sua promiscuidade... O meu quartel no leste de Angola também era uma espelunca, dormíamos com cobras e ratos....Sempre poupávamos algum dinheiro e, dentro em breve,  estaríamos de volta a casa. Ou, pelo menos, era essa a minha  secreta esperança. 

Vi que o Ravasco era poupado, se não mesmo forreta. Usava roupa fora de moda. O seu único luxo eram os jornais e um ou outro livro. Percebi que andava a preparar-se para fazer o exame do 7º ano do  liceu. O 7º ano do seminário não lhe valia de nada. Queria seguir letras, julgo que direito. Tinha uma obsessão pelo direito. Se calhar, era-lhe mais fácil por causa do latim. Queria aproximar-se de Lisboa para poder entrar na universidade.

Acabámos também por tornarmo-nos, se não íntimos, pelo menos mais próximos, por força das circunstâncias, como os prisioneiros que estão na mesma cela e estão condenados a, minimamente, entenderem-se. Fiquei a saber que ele tinha deixado noiva em Beja. Ora eu, nesse aspecto, estava mais à vontade, era livre como um passarinho.

Fui conhecendo-o, a pouco e pouco. Fomo-nos conhecendo. Dei conta de que, debaixo da sua aparente bonomia, e do seu verbo fácil, fluente, alegre e até folgazão, havia um homem reservado, subtilmente amargo e revoltado com a vida e com a sorte que lhe coubera a ele e à sua família e à gente da sua terra. Não esquecia a injustiça da doença e da morte do pai. E tivera uma infância difícil, segundo percebi. “Criado a migas, a toucinho de porco e a ervas do campo que agora vão à mesa do rico”, rosnava ele, mal humorado.

Tanto quanto pude apurar das nossas conversas em Mafra, onde ambos estávamos “desterrados” (a expressão era dele),  o Ravasco era neto de ganhões, e filho de mineiro, e que tirara o 7º ano do seminário, graças a uma bolsa de estudo da diocese de Beja. Julgo que por detrás dessa obra benemérita haveria uma senhora devota, de uma família de grandes proprietários agrícolas, muito conceituados na região. Foi o que ele me deu a entender, sem entrar em pormenores. Era uma bolsa para estudantes pobres, oriundos do Baixo Alentejo. 

Quiseram-no encaminhar para o sacerdócio, mas ele terá percebido, quando acabou filosofia, o 7º ano, que “não tinha vocação”. Ou talvez pior, para um cristão: terá perdido a fé ao lidar (mal) com as injustiças de que o pai fora  vítima, ainda em vida, nunca lhe tendo ocorrido que Deus poderia estar a  pô-lo à prova. Como me pôs á prova a mim, quando deixei pai e mãe e fui para Angola, não para o “bem-bom”, mas para a guerra.

No verão, o Ravasco ia sempre para França, para a região de Bordéus, fazer a campanha  das vindimas. Entretanto dera  o nome para a tropa, mas beneficiava de uma licença militar para se poder ausentar temporariamente do país. Nunca lhe passou pela cabeça não voltar a casa e ficar em França, tornando-se refratário.  Sempre se considerou um homem de palavra. E patriota. E aí a minha consideração por ele aumentou, apesar de eu o continuar a chamar “mouro”. Não levava a mal. Tal como eu, também não, quando no gozo me chamava “morgadinho” e, depois do 25 de Abril, "pequeno-burguês". 

Ainda chegou a ser “aliciado” por um comité luso-francês, católico, contra a “guerra colonial” que dava apoio a desertores e refratários portugueses na região de Bordéus. Mas ele nessa altura não queria saber nada de “política”. E era agarrado à família. E, em boa verdade, temia represálias contra o pai, já doente, se ele  não regressasse de França. O que, sabendo o que sabemos hoje, não houve represálias contra as famílias de exilados, desertores e refratários. 

Segundo ele me contará, mais tarde, o pai tinha sido mineiro nas minas de São Domingos, entretanto definitivamente encerradas  em meados dos anos 60. Vem a morrer quando ele estava aqui, em Mafra, a fazer o COM. De silicose, ao que parece, uma doença  então muito comum entre os mineiros. Mas só tardiamente fora diagnosticada e reconhecida, ao pai, essa doença profissional, com direito a reparação médico-legal, segundo ele me explicou.  De pouco lhe terá valido a “miserável pensão de invalidez” que lhe fora atribuída, a expressão era do Ravasco.

Eu ainda comentei que no Norte ainda era pior, os rendeiros e os pequenos lavradores, ao fim de um vida dura de trabalho, morriam de miséria num catre, numa cabana de madeira,  só com a ajuda da família, quando a tinham.  E chamavam o médico só na hora da morte. Ele endureceu a expressão do rosto e respondei-me com veemência: “É porque você não sabe o que é um ganhão nem nunca engoliu o pó de uma mina!”… E eu aí tive que reconhecer que ele tinha razão, eu sabia lá o que era um ganhão e muito menos uma mina ou um mineiro e essa coisa da silicose. Nalgumas coisas eu tinha sido um privilegiado da sorte, embora nunca tendo sido rico, fiz questão de lhe frisar. 

O Ravasco tinha ajudado a família com o vencimento de alferes miliciano de artilharia, enquanto estivera na Guiné. Era frugal, não se metia em tainadas. Bebia  de vez em quando o seu uísque. Não fumava. Nem sequer veio de férias para poupar o dinheiro da passagem. Saberei mais tarde, quando ganhámos mais confiança, que terá optado por ir uma semana a Bubaque, nos Bijagós.  Tencionava arranjar um pé de meia para se poder casar. Mostrara-me, ao fim de uns meses,  uma fotografia da rapariga que lá deixara em Beja. Não fixei o nome. Só reparei que não era lá muito bonita: era trigueira, de olhos de cor de azeitona, não fazendo o meu género. 

Senti, isso sim, que a morte prematura do pai, antes dos sessenta  anos, deixara-o muito abalado e revoltado. Percebi logo que ele era do “contra”, como diria o senhor meu pai. Não gostava de Salazar nem de Caetano. E referia-se à guerra do Ultramar como “guerra colonial”, expressão que era então proibida nos jornais. E, pior,  também não frequentava a igreja. Fazia-me confusão, sendo ele um ex-seminarista.

Depois de vir da guerra, começou a interessar-se pela política e lia o “Diário de Lisboa”, além do “Comércio do Funchal”, de que eu nunca tinha ouvido falar antes. Era um jornal cor de rosa. Cheguei a dar uma vista de olhos, mas não me despertou a curiosidade.

Em suma, as nossas afinidades eram puramente acidentais ou circunstanciais. Fôramos parar àquela terra que, tal como a conhecemos hoje,  não existiria se o nosso  Dom João V, para mim de boa memória,  não mandasse ali construir aquele monumental palácio e convento, um dos mais grandiosos da Europa,  que o Ravasco teimava em qualificar de “monstruoso”. 

A repartição de finanças estava lá instalada, tal como a EPI, e julgo que mais repartições públicas, já não me lembro ao certo, até por que convivia com pouca gente da terra, sempre que podia dava uma escapadela pelos arredores, sobretudo ao fim de semana.  

No inverno rapava-se frio de rachar. Eu, que vinha do Norte, onde também faz frio, lembro-me de ter de usar ceroulas no inverno e grossas camisolas de lã em Mafra. Eu e o Ravasco dávamo-nos mal com aquela humidade marítima que nos chegava do Atlântico e se entranhava nos ossos. Não havia aquecimento central, nem uns simples aquecedores a gás.  Mas Mafra tinha belas praias, com destaque para a Ericeira. Comecei a gostar da Ericeira, e da Foz do Lisandro, e sobretudo das miúdas estrangeiras que começavam a parar por lá.


3. Bom, lá fomos tomar posse no dia seguinte, logo de manhã. 
No gabinete do chefe, que mandou chamar o resto do pessoal 
para assistir à cerimónia. 
Ficou só um funcionário, ao balcão. 
Para o caso de chegar algum contribuinte por causa da “décima”... 
Mas nessa manhã estava tudo muito calmo.

 

O termo de posse já estava pré-preenchido, com os dados de cada um de nós, era só precisa a nossa assinatura, no final,  depois de lido o famigerado juramento de lealdade ao Estado Novo.

 Repeti mecanicamente a fórmula, como quem rezava o Padre Nosso, no último ano do seminário, depois de ter perdido a fé e a vocação. Olhei, com um misto de temor e de desdém, para os retratos,  pendurados na parede, dos três mais altos magistrados da Nação (os vivos, Américo Tomaz e Marcelo Caetano; e o morto, Salazar, o “pai da Pátria”, ou o “refundador da Nação”, que ainda ninguém tivera a coragem de mandar retirar) e disse, firme e em voz bem alta:

 “Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela constituição de 1933, com ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas”. (Dizem-me que o juramento dos funcionários públicos fora  aprovado pelo decreto-lei nº 27 033, de 14 de Setembro de 1936, mas eu nunca chegara a ler esse diploma, tal como nunca lera a Constituição de 1933.)

E, de repente, lembrei-me do meu juramento de bandeira na “Máfrica”  e indignei-me por, na altura, nem sequer ter questionado as palavras que, mesmo em voz baixa, atabalhoadamente e a medo, proferi na parada… Regressado de uma guerra, repugnava-me ter aceite, no passado,  o dever absurdo de jurar “obedecer cegamente aos meus chefes”. Afinal, eles poderiam ser todos cegos, conduzindo todo um povo, também de cegos,  à beira de um precipício… 

Tivera um pesadelo nessa noite. Voltaria a tê-lo quatro anos depois...

(Continua)


© Luís Graça (2021)

Nota do autor: Neste conto, os nomes são fictícios, mas os factos são verdadeiros. Acontece que este país é demasiado pequeno.

__________

Nota do editor:


Último poste da série >  27 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21585: A galeria dos meus heróis (40): O meu amigo Doc - II (e última) parte (Luís Graça)

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21531: Casos: a verdade sobre... (14): as razões da retirada de Madina do Boé em 6 de fevereiro de 1969... Já oito meses antes, em 8 de junho de 1968, havia saído uma Directiva do Comando-Chefe da Guiné para a transferência da unidade ali estacionada, a CCAÇ 1790, comandada pelo cap inf José Aparício


Fotigrama nº 1


Fotograma nº 2

 

Fotograma nº 3


Fotograma nº 4


Fotograma nº 5

Fotogramas do filme "Madina Boe" (Cuba, 1968, 38'), do realizador José Massip (1926-2014), obtidas a partir da função "print screening" do teclado do PC e da visualização de um vídeo. de menor duração (28' 22'') , disponibilizado no You Tube, na conta "José Massip Isalgué".  

O documentário (ou excertos) foi carregado no You Tube no dia da morte do cineasta (ocorrida em Havana, em 9/2/2014). 

O documentário chama-se "Amílcar Cabral" (e pode ser aqui visualizado): é narrado em espanhol, tem subtítulos em espanhol, mas também pequenos diálogos em crioulo e em português (por ex., com o médico dr. Mário Pádua, angolano branco, oficial do exército português, de que desertou, tendo saído de Angola para se juntar mais tarde ao PAIGC). 

Possivelmente o documentário do You Tube baseia-se em grande parte na média metragem "Madina Boé", mas parece estar amputado da parte final, incuindo a ficha técnica. (Faltam-lhe cerca de 10').

Esta média metragem, "Madina Boé" (1968),  foi  financiado pelo Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográficas, de que o José Massip foi cofundador, e pela Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina. O documentário retrata a organização do  PAIGC na região do Boé, e o quotidiano dos seus guerrilheiros. O Boé
é considerado como "área libertada". 
 
O cineasta José Massip e o operador de câmara Dervis Pastor Espinosa  estiveram no Boé em março e abril de 1967,  pelo que as imagens do  ataque ao quartel de Madina do Boé em 10 de novembro de 1966 (, trágico para o PAIGC, com a morte de Domingos Ramos e outros militantes) só podem ser de arquivo e, nessa medida, são (ou podem parecer) um embuste: a verdade sobre o que se passou nesse dia trágico foi pura e simplesmente ignorada ou escamoteada.

Sabe-se que em março-abril de 1967,  a equipa cubana não filmou nenhuma cena de guerra, alegadamente por razões de segurança. As imagens de guerra que foram incorporadas no filme terão sido obtidas por outra equipa cubana, que estava no terreno em 10 de novembro de 1966, o que ainda está por esclarecer. (Já fizemos referência à operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que estava ao lado do guineense Domingos Ramos e do cubano Ulises Estrada) (**)

O filme foi estreado entre nós no doclisboa'16, em 24 de outubro e 2016, às  15h30, na Cinemateca Nacional, Sala M. F. Ribeiro.  Sinopse que vinha no programa, e que não deixa de ser reveladora de alguma ingenuidade dos organizadores.

"Filmado nas áreas libertadas [sic] da Guiné-Bissau, durante a sua guerra de libertação de Portugal, o filme segue o Exército Popular para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, documentando a educação política dos combatentes, as técnicas de guerrilha e o treino físico."  

De resto, tanto Cuba como  PAIGC mantiveram inicialmente em segredo a "ajuda estrangeira" em conselheiros, médicos e combatentes cubanos... No filme não aparecem combatentes estrangeiros, a não ser o médico Mário Pádua, de costas (que diz no filme: "eu sou um médico português antifascista e anticolonialista"... e acrescenta: a guerra que aqui se trava não é do povo guineense contra o povo português mas contra um regime político fascista...)

O filme do José Massip foi várias vezes premiado (. nomeadamente em países do chamado bloco soviético), passou na televisão cubana mas não obteve grande entusiasmo  da crítica interna. Há cenas no filme que não terão agradado ao regime de Fidel Castro, Em contrapartida, foi muito útil à propaganda do PAIGC. Amílcar Cabral era hábil, a explorar, no plano mediático e diplomático, testemunhos como este que devem ter seduzido, por exemplo, os suecos do partido de Olof Palme.

 Legendas: 

Fotograma nº 1 > Amícar Cabral cambando o rio Corubal,  acenando para uma das margens.

Fotograma nº 2 > As colinas do Boé

Fotograma nº 3 > Aspecto do aquartelamento de Madina do Boé (que José Massip chama "base"), vista seguramente obtida de teleobjetiva: vê-se um militar português, junto a duas dificações de alvenaria, abrigos e valas protegidoes por bidões cheios de terra.

Fotograma nº 4 >  Aspeto parcial de Madina, com algumas moranças da milícia ou guias locais ao serviço do exército potuguês. Imagem obtida seguramente por uma teleobjetiva, a partir de uma colina.

Fotograma nº 5 > Disparo de canhão s/r contra Madina do Boé [ possivelmente em 1o de novembro de 1966]

Reprodução, edição e legendagem, com a devida vénia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)



Foto nº 1 > O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança à travessia do Rio Corunal, em Cheche, que se fazia através de um  jangada. 



Foto nº 2 > O Manuel Coelho dentro da jangada com um guineense, que tanto pode ser milícia como militar do destacamento de Cheche... Ambos ajudam a segurar o cabo (ou a corda) ao longo do qual se desloca a jangada (que também tinha um pequeno motor auxiliar)...


Foto nº 3 > A jangada que se começa a deslocar da outra margem (Cheche), seguindo o cabo, esticado de um lado a outro... No ancoradouro, é visível uma segunda jangada.


Guiné > Região de Gabu > Sector de  Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 > 

 O Manuel Coelho, fur mil trms,  com uma secção, montando segurança à jangada que fazia a travessia do Rio Corubal em Cheche (Foro nº 1). Ou puxando a corda que ligava as duas margens e ajudava deslocar a jangada (que tinha um pequeno motor auxiliar) (Fotos nºs 2 e 3)... Uma operação rotineira, ao lomgo de anos, de permanência das NT em Madina do Boé, até ao fatídico dia 6 de fevereiro de 1969, o da retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche (Op Mabecos Bravios).

Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Junho, 8 [1968] - Directiva do Comando-Chefe da Guiné para a transferência da unidade estacionada em Madina do Boé

Devido à sua localização, cercada de elevações de terreno {, as famosas "colinas do Boé", contrafortes do Futa Jalom, na Guiné-Conacri], Madina do Boé era considerada a Dien-Bien-Phu portuguesa-

A guarnição militar, uma companhia do Exército, reforçada com artilharia, era frequentemente atacada e vivia dentro de abrigos, sem capacidade para outra actividade  operacional que não fosse garantir o seu reabastecimento.

Não existia qualquer interesse operacional em manter ali uma guarnição, não existiam populações locais que fosse necessário enquadrar ou proteger, pelo que a manutenção de uma unidade em Madina do Boé resultava apenas do preconceito que sair podia ser visto como uma derrota.

A ordem de Spínola para abandonar a guarnição resultava da sua visão pragmática de fazer a guerra  e era reveladora do seu conceito de manobra, decididamente orientada para a conquista das populações. Abandonava terreno  desabitado e  libertava uma unidade que podia colocar numa zona de maior interesse.

In: Carlos de Matos  Gomes e Aniceto Afonso - Os anos da guerra colonial, vol 9: 1968 - Continuar o regime e o império. Matosinhos, QuidNovi, 2009, pp. 52-53.

[Nota do editor LG: a última companhia a guarnecer Madina do Boé, a CCAÇ 1790, não dispunha de artilharia p.d., mas apenas de morteiro 81 e canhão s/r, que são armas pesadas de infantaria]


2. Era também essa a opinião do comandante da Op Mabecos Bravios, destinada a assegurar a retirada de Madina do Boé, o cor inf Hélio Felgas [, do Comando de Agrupamento nº 2957, Bafatá, 1968/70], reformado com o posto de major general, e falecido em 2008.
 

O Paulo Raposo, ex-alf mil da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70), membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 2006, mandou-me, em devido tempo, uma fotocópia de um depoimento do então Brigadeiro Hélio Felgas, sobre a trágica retirada de Madina do Boé.

Se não erro,  esse depoimento terá sido escrito em 1995, a pedido dos "baixinhos de Dulombi", os ex-alf mil Rui Felício, Paulo Raposo, Jorge Rijo, Victor David e , e demais pessoal da CCAÇ 2405, a unidade que perdeu 17 homens na travessia do Rio Corubal, em Cheche, 6 de Fevereiro de 1969. Só o Rui Felício perdeu 11 homens do seu Grupo de Combate. (As restantes vítimas mortais, 29,  foram da CCAÇ 1790.)

Desse documento  ("A retirada de Madina do Boé", até então inédito, publicado por nós em 2008)(*), retiramos alguns excertos em que o Hélio Felgas avança com as razões que levaram à retirada de Madina do Boé (e, consequentemente, ao lançamento da Op Mabecos Bravios). 

Enfim, são mais dois contributos para se esclarecer a verdade que está por detrás da retirada de Madina do Boé, rapidamente transformada pela propaganda do PAIGC em  grande vitória militar... e "trunfo diplomático"  (***)
 
2. A retirada de Madina do Boé (excertos)


pelo Brigadeiro Hélio Felgas  (1995)

[Digitalização, fixação e revisão do texto e subtítulos: L.G.]


Todo o sudeste da Guiné, ao sul do rio Corubal, era uma região praticamente despovoada onde só havia dois postos administrativos: Beli e Madina do Boé.


(i) Um ponto sem valor estratégico

Já antes de, em 1968, eu ter assumido o comando do sector Leste [, Agrupamento nº 2957, com sede em Bafatá], Beli fora abandonado [, em 15 de julho de 1968]. O pelotão que aí se encontrava fora transferido para Madina, completando a companhia aí instalada [, CCAÇ 1790, comandanda pelo cap inf José Aparício].

Madina fica a cerca de 5 quilómetros da República da Guiné-Conacri. Não tinha qualquer população civil e só dispunha de um ou dois pequenos edifícios. Nem ruas tinha. Havia sido apenas uma minúscula tabanca (aldeia nativa), sem importância de qualquer espécie.

À medida que o PAIGC aumentava o seu poder de fogo com morteiros pesados e artilharia, os bombardeamentos e flagelações a Madina, executados em geral a partir do lado de lá da fronteira, passaram a ser quase diários.

Por isso a guarnição dormia em abrigos, escavados 4 ou 5 metros abaixo do nível do solo. Muitas vezes os bombardeamentos nada destruíam, caindo os obuses e granadas fora do perímetro do aquartelamento. Mas outras vezes causavam estragos e baixas que, em caso de necessidade, eram evacuadas de helicóptero para o hospital militar de Bissau.


(ii) A rotina dos bombardeamentos e flagelações

Apesar desta situação certamente pouco agradável, o moral da guarnição era levado. Lembro-me da primeira vez em que fui pernoitar a Madina. Pouco antes do anoitecer comecei a ouvir os soldados à porta dos seus abrigos gritando “Está na hora! Está na hora!”. 

O comandante da Companhia elucidou-me que era a altura de o PAIGC começar o usual bombardeamento e os homens já tomavam aquilo como uma brincadeira, habituados como estavam ao estrondo do rebentamento das granadas. Por acaso nesse dia as granadas só de madrugada caíram e não causaram baixas nem prejuízos.

Claro que a nossa guarnição respondia com morteiros e com canhão sem recuo e toda a gente estava sempre preparada para disparar a curta distância do arame farpado. Que eu saiba, porém, nunca o adversário tentou assaltar o aquartelamento.

Na manhã seguinte um destacamento saía do recinto e percorria os arredores procurando descobrir o local de onde teria sido feita a flagelação. Umas vezes tinha êxito e o local era cuidadosamente assinalado nas nossas cartas de tiro. Mas outras vezes nada se descobria pela simples razão de o bombardeamento ter sido feito a partir do território da Guiné-Conacri e os nossos militares cumprirem escrupulosamente a ordem que tinham de não atravessar a fronteira.

As viaturas da Companhia encontravam-se dispersas pela área do aquartelamento, em especial junto às árvores para melhor protecção. E até ao princípio de 1969 havia algum gado para consumo do pessoal. O último boi foi porém abatido por uma granada do PAIGC e a isso se referia com certo humor o relatório-rádio do comando local, confirmando assim o bom moral da unidade.

(iii) Missão: defender-se a si próprio!


De qualquer forma, tornou-se pouco a pouco evidente a inutilidade da presença de uma Companhia em Madina.

A tropa estava na Guiné para defender a população civil que nos era afecta, tentando suster o seu compulsivo aliciamento pelos guerrilheiros do PAIGC vindos do Senegal, a norte, ou da Guiné-Conacri, a sul e a leste. Procurava também evitar ou dificultar a penetração desses guerrilheiros em território então considerado nacional. E pretendia ainda impedir a destruição das estruturas económicas e administrativas: pontes, estradas, edifícios, etc.

Ora em Madina e em todo o sudeste guineense a sul do rio Corubal, não havia população alguma. Não havia estruturas de qualquer importância. E a fronteira era totalmente permeável em dezenas de quilómetros.

Então, se a tropa não estava a proteger qualquer ponte nem qualquer tabanca e não tinha a menor possibilidade de impedir penetrações territoriais, o que é que estava a fazer em Madina ?

A resposta era simples: a Companhia de Madina estava lá “para se defender a si própria”! Quando, afinal, fazia tanta falta em outros pontos da Guiné!

Por outro lado, ponderou-se também a possibilidade de o PAIGC aproveitar uma possível evacuação de Madina pelas nossas tropas, para declarar a região como “libertada”.

Mas isso podia o PAIGC fazer em qualquer outro ponto, do imenso sudeste guineense. Na zona de Beli, por exemplo, que nós abandonámos havia muito tempo e onde nunca íamos por falta de objectivo.

Aliás, mesmo com a Companhia em Madina, o PAIGC podia declarar o sudeste guineense uma “zona libertada” e até lá levar jornalistas estrangeiros, como parece que fez. (...) (*)




 
Major General Hélio Esteves Felgas (1920-2008): duas comissões na Guiné, um dos militares portugueses da sua geração mais condecorados, autor de dezenas de livros e artigos sobre a "luta contra o terrorismo", a guerra ultramarina... Comparou a Guiné ao Vietname. Também considerava que a solução para a Guiné não era militar mas política... Foi, todavia, um crítico de Spínola que lhe terá roubado, entretanto, a ideia dos reordenamentos (aldeias estratégicas). Um oficial intelectualmente brilhante mas controverso, dizem alguns dos seus pares, mais novos.

Condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, em 1970, foi passado compulsivamente à reserva, a seguir ao 25 de Abril de 1974. (Estava m Angola nessa altura; e sempre se considerou vítima de um saneamento político-militar.)

Foto gentilmente cedida pela filha, dra. Helena Felgas, advogada, colega e amiga do nosso camarada Jorge Cabral, e com quem estive no funeral do pai (*) (LG)

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

25 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

24 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

(**) Vd. poste de 3 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21510: FAP (122): A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustrada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte I (José Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19506: Fotos à procura de... uma legenda (113): Onde é que estava o fotógrafo, há mais de 50 anos, num dia qualquer de novembro de 1967, a 30 km de Gabu-Sará (Nova Lamego),a 60 km de Piche, a 90 km de Canquelifá e a 55 km de Cabuca ?



Região de Gabu > Novembro de 1967 > Sinaliação de trânsito: placa de confirmação de localidades  e distâncias quilométricas. O autor (à direita) não sabe  o local onde foi tirada a foto.  à esquerda com o soldado condutor Pita, numa saída para algum sítio. Pelas distâncias indicadas, estes dois camaradas estavam s 30 km de Nova Lamego.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 1933 (1967/69) > c. set/out 1967 > Tabuleta com as indicações das distâncias, para Sul, Norte e Leste, localizada numa das saídas / entradas de Nova Lamego. Bafatá para sudoeste a mais longa, com 53 kms, e temos de juntar mais cerca de 60 dali até ao porto fluvial e depósito da Intendência em Bambadinca

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné- Bissau > Região de Gabu > Maio de 2016 > Piche, entre Gabu (a 30 km a oeste) e Buruntuma (a 37 km, a nordeste, na fronteira com a Guiné-Conacri. Canquelifá, mais a norte, fica a 30 km.

[Vd. poste de 31 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16151: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte II: Piche]

Foto (e legena): © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar]: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > Centro de Instrução Militar de Contuboel > CCAÇ 2479 / CART 11 (1968/69) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece... A placa rodoviária assinala alguns das povoações, mais importantes, mais próximas: Ginani (17 km), Talicó (22 km), Canhamina (27 km), Fajonquito (30 km), Saré Bacar (39 km), Farim (96 km)...

Contuboel chegou a funcionar como importante centro de instrução militar, no início da política da africanização do Exército Português, no 1º semestre de 1969. Em data que não posso precisar, esse centro acabou por ser transferido para a ilha de Bolama, aparentemente mais segura. Em junho de 1969, Contuboel era descrita como um "oásis de paz", pelo nosso editor Luís Graça e nela dava-se formação às futuras CCAÇ 11 e 12 e a um grupo de combate da futura CCAÇ 14.

Foto ( e legeenda) © Renato Monteiro (2007).  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > Um periquito do coração da Guiné, o Alf Mil Raposo, da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 (1968/70),  junto à placa toponímica que indivaca as localidades mais próximas: para oeste, Nhacra (a 28 km), Bissau (a 49 km)...; para leste, Enxalé (a 50 km), Bambadinca (a 65 km), Bafatá (a 93 km)...

Foto (e legenda) ©  Paulo Lage Raposo (2007).  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 413 (1963/65) >  Foto reproduzida com a devida vénia do livro "Nos celeiros da Guiné",  de Albano Dias Costa e José Sá-Chaves (Lisboa: Chiado Editioar, 2015)


Guiné > Região do Oio > Mansoa > Jugudul > 1969 > O alf Mil Aires Ferreira, em Jugudul, a 4 Km de Mansoa, na estrada Bissau-Bafatá. A placa quilométrica assinalava as distâncias para os principais povoações, a leste de Mansoa/Jugudul: Bindoro: 10 km; Porto Gole: 25 km; Enxalé: 47 km; Bambadinca: 62 km; Bafatá: 90km... O troço estava interdito, nessa altura, pelo menos até Porto Gole...e daqui até Bafatá. Um estrada, alcatroada, esteve em construção, até Bambadinca, nos últimos anos da guerra.

Foto (e legenda) ©  Aires Ferreira  (2006).  Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Onde é que estava o fotógrafo, no caso da primeira foto de cima, da autoria do Virgílio Teixeira ? 

Ele já não se lembra da localização exata...  Vamos ajudá-lo a melhor legendar a foto... Sabemos que foi em novembro de 1967, na região de Gabu... Nesse ponto exato, ele e o seu companheiro, o condutor da viatura, extavam a:

30 km de Gabu Sará (mais tarde, passou a chamar-se Nova Lamego);
60 km de Piche;
90 km de Canquelifá;
97 km de Buruntuma;
55 km de Cabuca;
(?) km de Madina do Boé [, o carregador da G3 parece ter tapado essa informação; de qualquer modo de Nova Lamego a Madina do Boé eram 65 km]

Ver aqui o mapa da província da Guiné (1957), à escala de 1/500 mil...

De qualquer modo, este "sinal de confirmação" das localidades mais próximas e da sua distância quilométrica, devia estar, não no meio do mato, mas numa locadalidade relativamente importante (sede de circunscrição, posto administrativo, etc.).

Contamos com mais pistas a fornecer pelos nossos queridos leitores...


2. Já agora voltam a reproduzir-se mais algumas fotos, do nosso blogue, semelhantes, de diferentes regiões: Gabu, Bafatá, Oio...

Não tenho a certeza, mas não deverá haver imagens com  sinais destes no sul da Guiné, no nosso tempo: região de Quínara e região de Tombali... Talvez por causa da guerra... Devem ter sido destruídos logo no início, tal como os postes de telefone e de telegrafia, as pontes, os pontões...

Não é preciso lembrar que a "nossa Guiné", até ao "consulado" do Spínola (1968-1973), tinha uma muito rudimentar rede rodoviária... As estradas eram "picadas", e o sistema de sinalização do trânsito  estava em conformidade com a rede rodoviária... Boa parte dos transportes (de Bissau, para o interior, o Norte, o Centro e o Sul) fazia-se de barco... As estradas ficavam intransitáveis na época das chuvas, de maio a outubro...

No nosso sistema de sinalização rodoviária, estes sinais (que não podem ser confundidos com "narcos quilométricos" ou "placas toponomicas") parece que se chamam "sinais de confirmação", (art. 40º do regulamento de sinalização do trânsito, Decreto Regulamentar n.o 22-A/98 de 1 de Outubro):

(...) L1 — sinal de confirmação: este sinal deve conter a identificação da estrada em que está colocado, bem como a indicação dos destinos e respectivas distâncias servidos directa ou indirectamente pelo itinerário, inscritos de cima para baixo, por ordem crescente das mesmas distâncias. Os destinos não directamente servidos pelo itinerário, bem como a distância a que se situam, devem ser inscritos entre parêntesis. (...) 

Um exemplo de um sinal de confirmação
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19493: Fotos à procura de... uma legenda (112) : Messe improvisada numa ponte em 26 de janeiro de 1968... Foto do Arquivo Mário Soares... Serão fuzileiros ? Que ponte seria esta ? (Jorge Araújo)