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sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21538: Casos: a verdade sobre... (15): A retirada de Madina do Boé e o enfraquecimento do flanco sul / sudeste do território (regiões de Gabu e Bafatá) (Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / António Rosinha / Fernando Gouveia)


Foto nº 4

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > A antiga tabanca de Padada, a 12 km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal.


Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > Restos, carboizados, da antiga tabanca de Padada, a 12 km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal. 


Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > O grupo de combate do Fernando Gouveia, progredindo nas proximidades da antiga tabanca de Padada,   


Foto nº 3 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > O Fernando Gouveia, nas proximidades da antiga tabanca de Padada,   



Foto nº 5 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 t > Uma pausa para retemperar as forças, a caminho de Madina Xaquili que, tal como Padada antes, viri a ser abandonada em outubro de 1969. 
  

Fotos tiradas pelo nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), no decurso de um patrulhamento ofensivo àquiela tabanca abandonada, com o seu grupo de combate (20 milícias e 10 soldados metropolitanos). Em Padada reencontar-se-ia com forças da CCAÇ 2405 (Galomaro / Dulombi, 1968/70), comandadas pelo Cap Mil Jerónimo. Foram encontrados vestígios recentíssimos da guerrilha do PAIGC.


otos (e legendas): © Fernando Gouveia (2009. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários de Valdemar Queiroz, Cherno Baldé e António Rosinha ao poste P21531 (*)

(i) Valdemar Queiroz

A questão do abandono de Madina e toda aquela região da zona além Corubal,  é estranha em termos de estratégia da ocupação do terreno, para, inclusivamente, não dar azo a "zona libertada".

Vejamos nos mapas existentes no blogue de toda essa região à data em que foram elaborados. Vejamos, depois, como era a ocupação/fixação da população e presença da NT a partir do início do ano de 1969. 

Verificamos que apenas Canjadude e mais acima Cabuca eram as únicas tabancas existentes a fazer tampão a incursões a Nova Lamego, Dara e Piche, que a partir daquela data começaram a ser atacadas mais frequentemente. 

Em toda aquela área a leste da linha (estrada) Buruntuma - Nova Lamego, só existam Cabuca e Canjadude com pouca população e praticamente só ocupação militar. 

Não sei o que entretanto foi acontecendo (vim para a peluda em dezembro de 1970) com flagelações a estas duas tabancas. O facto de cada vez mais população abandonar essas tabancas da região, concentrando-se nas grandes localidades de Nova Lamego e Bafatá,  fazia com que apenas a NT resistisse nesses locais, não tardando, sabe-se lá, tambéma serem consideradas para retiradas estratégicas formando, assim, mais "zonas libertadas".


(ii) Cherno Baldé: 

Antes do início da guerra, o Sudeste da Guiné, que inclui a parte sul da região de Bafatá (Galomaro Cossé) e da região de Gabu (Boé), não eram zonas desabitadas,  como se pode pensar. 

O seu despovoamento foi gradual e aconteceu nos primeiros anos da Guerra e, em 1968 quando chega o Gen Spinola, a situação ja era irreversível. 

O Galomaro, como diz o nome,  era uma zona habitada por ricos ganadeiros fulas e com arrozais nas bolanhas a perder de vista. Foram abandonadas com o recrudescer da guerra. 

Se depois o abandono do terreno se justificava devido à inexistência da população, é caso para dizer que sempre existiu e existe uma grande diferença entre a teoria e prática, entre os sonhos e a realidade, como podemos perecber no excertodo discurso em baixo, é pena que o homem [. o António Oliveira Salazar,]  nunca tenha vindo ao terreno para constatar a realidade "in loco". 

“As terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade populacional são o natural complemento da agricultura metropolitana, nos géneros pobres sobretudo, e das matérias-primas para a indústria, além de fixadores de uma população em excesso daquilo que a metrópole ainda comporte e o Brasil não deseje receber. (...) 

"Nós cremos que há raças decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação as quais perfilhamos o dever de chamá-las à civilização. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir qualquer teia de rancores ou de organizações subversivas que neguem ou que pretendam substituir a soberania portuguesa. (...)"

Fonte:  António Oliveira Salazar. Discursos e Notas politicas, vols. III e V (1943 e 1957). Coimbra, Coimbra editora, sem data. 

(iii) António Rosinha:

Amigo Cherno: "as terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade" a que o Salazar se referia, foram os tais colonatos que foram construidos em Moçambique e principalmente Angola. 

Na Guiné não havia extensões agrícolas desabitadas, para albergar tantas famílias, como as que foram para Angola e Moçambique, principalmente transmontanos e açoreanos. Os colonatos de Angola conheci-os relativamente bem. 

Cherno, ainda hoje estou convencido que continua a haver maiores extensões desabitadas em Angola do que as que existem na Guiné, mesmo considerando que a região de Madina do Boé continue pouco habitada. Só que as grandes extensões desabitadas em Angola, hoje já está tudo demarcado e aramado pelos "novos senhores" de Angola. 

A Guiné, tirando a região de Madina, sempre deve ter tido uma densidade populacional muito maior que Angola, que conheci bastante bem. Salazar não ia ao terreno, mas estava bem informado. 

PS- Onde parece que está a ficar muito despovoado é o norte de Moçambique, com decapitações e fugas da população e nem a ONU nem Portugal nem a Inglaterra (aquilo já se passou para a Commonuelth) fazem frente à Jihad ou o que aquilo é. A Europa já não pode com uma gata pelo rabo! 

2. O caso do abandono  de Madina Xaquili em outubro de 1969:

Num dos postes da sua série A Guerra Vista de Bafatá, o nosso camarada e amigo Fernando Gouveia (ex-Allf Mil Rec e Inf, Comando de Agrupamento nº 2957,  Bafatá, 1968/70)  explica o porquê da sua ida intempestiva para Madina Xaquili,lá  no "cu de Judas":

"(...) Com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06 de fevereiro de 1969 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 [,  de 8 a 21],  era de prever (...) que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossé, aproximando-se de Bafatá.

"Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento [de Bafatá] uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossé era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

"É neste contexto que o Cor  Hélio Felgas, meu Comandante (, Cmando de Agrupamento nº 2957), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro [, a CCAÇ 2405,] que me asseguraria a logística. (....) O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar [, cap inf José Miguel Novais Jerónimo,], deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

"Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam, escolheu um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista. Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas" (...).

"(...) Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã [ do dia 14 de Junho de 1969]. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos" (...). (**)




Guiné > Carta geral da província (1961) (Escala 1/500 mil) >  Posição relativa de Madina Xaquili (rectângulo a verde)  em plena zona leste, tendo a sul o Rio Corubal e a norte a estrada Bafatá-Gabu. Madina Xaquili fazia parte do mapa de Cansissé (1/50 mil). 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)


3. Com a retirada de Béli (em julho de 1968), Madina do Boé e Cheche (em fevereiro de 1969), passou a haver um corredor, com "via verde", por onde o PAIGC se infiltrava mais facilmente na parte sul / sudeste do chão fula, a norte do Rio Corubal. 

Apesar do reforço temporário de tropas paraquedistas do BCP 12, ao sector de Galomaro (a partir de agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia e batismo de fogo logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili,  guarnecida Pel Mil 147.  tornar-se-ia insustentável, sendo abandonada pela população e depois pelas NT logo em outubro de 1969. Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (não posso precisar em que altura). O PAIGC apertava o cerco ao chão fula, e nomeadamente o Cossé donde eram originários, juntamente com Badora,  os soldados da CCAÇ 12.

O Pel Mil 147 (Madina Xaquili) fazia parte, em finais de setembro de 1968 (data em que o BCAÇ 2852 passou a tomar conta do Sector L1), da Companhia de Milícias nº 14 que tinhas pelotões e secções espalhados por Quirafo e Cansamange (Pel Mil 144), Dulombi e Cansamange (Pel Mil 145), Madina Bonco e Galomaro (Pel Mil 144). Nesta data já não há referência a Padada, presumindo-se que tenha sido abandonada anteriormente.

Em agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 já constam no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de se passado a constituir um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá).


(***) Sobre Madina Xaquili ler as venturas e desventuras do Fernando Gouveia em kunho de 1969... Foram 13 dias surreais, de 12 a 24 de Junho de 1969, contados e fotografados como só ele sabe.

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13776: (Ex)citações (242): Água da bolanha... quem a não bebeu ?!... Abastecimento na poça da Tabanca de Padada, dia 15JUN69 (Fernando Gouveia)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70) com data de 17 de Outubro de 2014:

Carlos
Sobre a qualidade da água à nossa disposição durante a guerra na Guiné(*), mando esta fotografia da poça de água onde nos abastecemos, na antiga tabanca de Padada, numa operação em que participei no dia 15JUN69 (dia em que a Académica eliminou o Sporting na Taça de Portugal, perdendo depois com o Benfica).

Esta foto já foi publicada numa das minhas estórias sobre Madina Xaquili, tornando agora a ter actualidade.
Recordo-me muito bem que depois do cantil cheio lhe juntei um comprimido para matar a bicharada, julgando que seria de cloro.
Também descrevi que na ida para Madina nos abastecemos de água em Umaro Cossê onde referi que essa água parecia leite ou cal de pintar paredes. Terei também de referir que chegados a Madina Xaquili viemos a ter à disposição uma água óptima, de nascente, a correr de alto.

Em Bafata, como muitas vezes teria dito, a água em toda a cidade e nos quartéis era da Companhia, neste caso da Administração, e também da melhor qualidade.

____________

Nota do editor

(*) Vd. poste de 20 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13766: (Ex)citações (240): Água da bolanha... quem a não bebeu ?!... Recordando aqui o pesadelo que foi a Op Jaguar Vermelho, no Morés, em 9 de junho de 1970... (Carlos Fortunato. ex-fur mil trms. CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, e presidente da direção da ONDG Ajuda Amiga)

Último poste da série de 20 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13772: (Ex)citações (241): Carta Aberta ao camarada Mário Vitorino Gaspar sobre o livro "Guiné, a cobardia ali não tinha lugar" (José da Câmara)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6686: A minha CCAÇ 12 (5): Baptismo de fogo em farda nº 3, em Madina Xaquili, e os primeiros feridos graves: Sori Jau, Braima Bá, Uri Baldé... (Julho de 1969) (Luís Graça)




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > A antiga tabanca de Padada, a 12 Km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal. Fotos tiradas pelo nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), no decurso de um patrulhamento ofensivo àquiela tabanca abandonada, com o seu grupo de combate (20 milícias e 10 soldados metropolitanos). Em Padada reencontar-se-ia com forças da CCAÇ 2405 (Galomaro / Dulombi, 1968/70), comandadas pelo Cap Mil Jerónimo. Foram encontrados vestígios recentíssimos do IN.







Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 >Nas proximidades da antiga tabanca de Padada >  Como refere o Fernando na sua série A Guerra Vista de Bafatá, na sequência do agravamento da situação no Cossé, em mados de Junho de 1969 fora destacado para Madina Xaquili, onde viveu "uma experiência verdadeiramente inesquecível". Madina Xaquili ficou-lhe para sempre no coração. Disse-me, há dias, em Monte Real, que teve imensa pena de não ter podido, por razões de transporte, voltar à antiga tabanca onde esteve destacado entre 12 e 24 de Junho de 1969, para uma visita de saudade...





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > Nas prioximidades da antiga tabanca de Padada




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Uma pausa para retemperar as forças, entre Madina Xaquili e Padada. O Fernando está ao centro, tendo à sua esquerda o João Vieira, o comandante de milícias de Madina Xaquili (Pel Mil 147).





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Restos da  antiga tabanca de Padada.




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  Um dos abrigos da tabanca que era guarnecdia pelo Pelotão de Milícias 147... O Fernando dispunha  de 10 miliatres metropolitanos e 38 milícias, sem treino e mal armados... Madina Xaquili estava na iminência de ser atacada por um bigrupo do PAIGC, o que viria acontecer um mês depois. A 19 de Junho, recebe a visita do Cor Hélio Felgas, Comandante do Agrupamento de Bafatá (COP 7, a partir de Agosto de 1969), que lhe diz:  "Gouveia, só sai daqui quando a população civil tiver abrigos"...O Gouveia comenta, com condescendência: "Como já o conhecia muito bem, sabia que não iria ser bem assim, como mais tarde se verificou"...




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  A morança que foi destinada ao Fernando Gouveia.


Num dos postes da sua série A Guerra Vista de Bafatá, o nosso camarada e amigo Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Agrupamento de Bafatá, Bafatá, 1968/70) 
explica o porquê da sua ida intempestiva para aquela aldeia no "cu de Judas":

"(...) Com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever (...) que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossé, aproximando-se de Bafatá.

"Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento [de Bafatá] uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossé era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

"É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro [, a CCAÇ 2405,] que me asseguraria a logística. (....) O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar [, Jerónimo,], deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

"Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam, escolheu um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista. Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas" (...).

"(...) Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã [ do dia 14 de Junho de 1969]. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos" (...).

Aproveitei para republicar, em formato extralargo,  algumas das belíssimas fotos tiradas pelo Fernando em Madina Xaquili e Padada. Com a devida vénia, e a recomendação  aos nossos leitores para voltarem a ler os postes do Fernando sobre a sua "inesquecível experiência" em Madina Xaquili, à frente de uma tropa fandanga... (LG)Fotos:  © Fernando Gouveia (2010). Direitos reservados
 
 
1. Continuação das mimhas notas sobre a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 onde, noutra encarnação (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) fui pião de nicas, pau para toda a obra, na ausência de posto de trabalho para um Furriel Miliciano, com a especialidade de Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, a belíssima especialidade que me coube em sorte na tropa ...Na vida civil tinha sido jornalista... (LG)
 
 
A partir de 18 de Julho de 1969, finda a instrução de especialidade, a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590, composta por cerca de 50 quadros metropolitanos - oficiais, sargentos e praças especialistas - e por 100 soldados do recrutamento local, oriundos do chão fula) foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5).

Durante a sua primeira comissão (1969/71), irá actuar  sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, o regulados do Enxalé e do  Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...) (*).

Ainda nem sequer haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590)  fez a sua primeira saída para o mato. A 21 de Julho, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiram, de Bambadinca,  em farda nº 3,  para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o subsector de Galomaro, a sul de Bafatá. (**)

Entretanto, o 1º Gr Comb (comandado pelo Alf Mil Op Esp Moreira)  efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, no chamado Rio Geba Estreito, tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15 desse mês).

Este afluente do Rio Geba, o Gambana,  estava referenciado como um ponto de cambança ou de travessia do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 6 de Fevereiro último, no decurso da Op Mabecos Bravios] e visando especialmente as tabancas dos regulados de Cossé, Cabomba e Binafa.

Dias antes, o  IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé, donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas,  e reagido a uma emboscada das NT.



Pormenor do mapa geral (1/250000) da Província da Guiné (1961) com a posição relativa de Madina Xaquili (rectângulo a verde, Pel Mil 147), em plena zona leste, tendo a sul o Rio Corubal e a norte estrada Bafatá-Gabu.  Madina Xaquili fazia parte do mapa de Cansissé (1/50000). Com a retirada de Béli, Madina do Boé e Cheche, passou a haver um corredor por onde o PAIGC se infiltrava mais facilmente na parte sudeste do chão fula, a norte do Rio Corubal.

Apesar do reforço temporário de tropas pára-quedistas ao subsector de Galomaro (a partir de Agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili  tornar-se-ia insustentável, sendo abandonada pela população e depois pelas NT em Outubro de 1969. Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (não posso precisar em que altura).  O PAIGC apertava o cerco ao chão fula, donde eram originários os soldados da CCAÇ 12.

O Pel Mil 147 (Madina Xaquili) fazia parte, em  finais de Setembro de 1968 (data em que o BCAÇ 2852 passou a tomar conta do Sector L1),  da Companhia de Milícias nº 14 que tinhas pelotões e secções espalhados por Quirafo e Cansamange (Pel Mil 144), Dulombi e Cansamange (Pel Mil 145), Madina Bonco e Galomaro (Pel Mil 144). Nesta data já não há referência a Padada, presumindo-se que tenha sido abandonada anteriormente.

Em Agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 já constam  no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de se passado  a constituir um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá).

Imagem: Luís Graça (2010)


(i) Sori Jau, a primeira vítima em combate

Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

O ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. Em consequência, esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos. [Mobilizada pelo BII 19, partiu para a Guiné em 11/11/1968 e regressou em 1/10/1970. Passou pelo Cacheu, Mansabá, Bafatá, Galomaro, Cancolim e Brá. Era comandada pelo Cap Mil Inf Manuel Ferreira de Carvalho].

No primeiro ataque a Madina Xaquila, o IN utilizou Mort 60, Lança-rockets e Armas ligeiras, tendo danificado uma viatura GMC e causado vários feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º Gr Comb, evacuado no dia seguinte para o Hospital Militar 241, em Bissau.

A 25, os três Gr Comb da CCAÇ 12 regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Já não me lembro da reacção dos que tinham ficado... Por mim, senti que essa situação marcou muitos dos meus camaradas que lá foram (o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o António Marques, o Joaquim Fernandes, o José Luís de Sousa, etc.).

Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no subsector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, este aquartelamento seria flagelado com Canhão s/r e Mort 82 durante 10 minutos.

A 26, o 4º Gr Comb seguiu para Missirá, no regulado do Cuor, a norte do Rio Geba, a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf  Mil Beja Santos, uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do Rio Passa (limite a partir do qual começava a ZI - Zona de Intervenção do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas. Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada em Sinchã Mamajã, na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca.

(ii) Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono, em Outubro, de) Madina Xaquili

Por outro lado, o 1º (Alf Moreira) e o 2º Gr Comb (Alf Carlão) seguiam para o subsector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

A 28  de Julho, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 e meia hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos (bigrupo reforçado), tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de Mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (que ficará inoperacional, com incapacidade permanente) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP, em Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

Na reacção ao ataque, o apontador de Mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

O ataque foi efectuado da diercção SW, e o retirou na direcção de Padada. A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7, sediado em Bafatá, e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população.

O nosso camarada, meu amigo e meu vizinho Humberto Reis, já aqui referiu as dramáticas circunstâncias em que conheceu o Jorge Félix, Alf Pil Heli Al III (1968/70)... em Madina Xaquili:

"O meu 1º encontro desesperado com o Jorge Félix foi em 29 Julho 69 (...) . Estava o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 em Madina Xaquili com feridos graves resultantes da flagelação da noite anterior e sem meios rádio para pedir ajuda.



"Um héli voava à vertical de Madina e começámos a esvoaçar os camuflados na tentativa de chamar a atenção da tripulação, o que conseguimos. Ele aterrou e não podia fazer mais nada, pois levava alguns pára-quedistas a bordo, mas via rádio pediu as evacuações de que tanto estávamos necessitados, bem como de munições, pois o stock durante a noite anterior tinha atingido o limiar da pobreza. Pouco tempo depois apareceram 2 hélis, um para levar os feridos e outro com munições para repor o stock" (...)

Uns dias antes, a 23, pelas 10h, em Dulombi, um grupo IN reagiu com armas automáticas a uma patrulha do 1º Gr Comb da CCAÇ 12 (Alf Moreira) que havia saído em virtude do accionamento duma mina antipessoal por parte dum elemento civil, a escassa distância do arame farpado, tendo simultaneamente flagelado o destacamento durante 10 minutos.

Neste mês de Julho de 1969, a actividade do IN no Sector L1 foi intensíssima com ataques ou flagelações a diversas subunidades, ou emboscadas nas imediações  (indicam-se a seguir as localidades e entre parênteses o dia): Dulombi  (1), Paia Numba (10), Padada 2E4 (14), Missirá (15), Cansamba (15), Madina Alage (15), Cansamba (20),  Dulombi (24), Mansambbo (24), Xime (24),  Madina Xaquili (24),  Quirafo (25), Xime (26), Mansambo (27), Madina Xaquili (28), Dulombi (29),  Mansambo (30) e Candamã (30)...

(iii) Ataque de duas horas a Candamã

E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [, a subunidade de quadrícula de Mansambo, a que pertenciam alguns camaradas do blogue como o Torcato Mendonça e o Carlos Marques dos Santos] (Op Guita).

Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer. Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [2 bigrupos], armados de 2 Canhões  s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora pesada 12.7, Granadas de Mão e Armas ligeiras automáticas, numa imnpressionante manifestação de força. valeu a coragem e a valentia do Pelotão da CART 2339 que guarnecia na altura Candamã...

Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN terá sofrido   várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de Canhão s/r e de RPG-2.

Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de consideráveis danos materiais (moranças queimadas, etc.).

O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará. Participei nesta operação. Ainda hoje tenho bem presente, na memória, o espectáculo desolador de Candamã, com as moranças a fumegar e os canos das espingaradas ainda quentes... naquela madrugada do dia 30 de Julho de1969...

Por outro lado, pergunto-me: o que é feito de ti, Sori Jau ? E de ti, Braima Bá ? E ainda de ti, Uri Baldé ? O que vos deu a Pátria Portuguesa em troca do vosso sangue, suor e lágrimas ?  Estarão ainda vivos ? Seguarmente abandonados e esquecidos... Alguns dirão, mais valera tal morte do que tal sorte... Nem sequer o vosso rosto consigo agora recordar... Apetece-me, por isso,  acabar este texto com uma citação do Mário Cláudio, no início do seu romance " Peregrinação de Barnabé das Índias" (Lisboa, D. Quixote, 1998, p. 11):

 "De ti se servem, ó morte, inimiga nossa, para alcançar a alegria, tu, que és a mãe do infortúnio; adversária da glória, ao serviço da glória é que te colocam; de ti se servem, porta do Inferno, para entrar no Reino; de ti, abismo da perda, para atingir a salvação" (De um documento cistercense do século XIII).

[Fonte consultada: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 6-8. Documento policopiado. Documento classificado, que foi escrito por mim, na altura Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf, Henriques.]
________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior 25 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)

(**) Sobre Madina Xaquili ler as venturas e desventuras do Fernando Gouveia, um mês antes, em Junho de 1969... Foram 13 dias surreais, de 12 a 24 de Junho de 1969, contados e fotografados como só ele sabe.

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três  oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

(...) Escrevi no Poste P4305, o seguinte comentário, em 8 de Maio de 2009:

Meu caro Fernando: Não estive em Madina Xaquili. Nunca lá fui,  mas alguns dos meus camaradas (dois ou três Gr Comb), incluindo o Humberto Reis,  tiveram lá o seu baptismo de fogo!... Como já referi, os nossos soldados (africanos) acabavam de fazer a sua instrução de especialidade e a IAO, em Contuboel. Tivemos lá os primeiros feridos, dois ou três graves. 

Agora, sei do que falas (e do que experimentaste), quando fostes reforçar a tabanca em autodefesa de Madina Xaquili (vd. carta de Cansissé). Também passei várias temporadas (geralmente quinze dias), em tabancas do Corubal, de Badora, de Joladu (a norte do Geba)... E sei o que era o pesadelo dos dias e das noites, das dificuldades de transmissões, dos problemas logísticos, da disciplina das tropas, dos conflitos com os milícias, dos Comes & Bebes, do suplício da falta de bebibas frescas, etc...

Sei o que era o tédio, a tensão, a espera, a ameaça de ataque do PAIGC, a solidão, a claustrofobia, as minas e armadilhas, a miséria das populações (fulas), confinadas ao arame farpado, a promiscuidade sexual (dos meus soldados com as mulheres dos milícias), a condição das mulheres e das crianças, ...

Para nim, sobretudo era o pesadelo da noite, o calor de estufa das moranças, o odor execrável, os malditos mosquitos, a falta de luz para poder e escrever, o breu da noite africana, o inferno da noite africana, as chuvas torrenciais, as míriades de insectos, a falta de água potável, a falta de latrinas, os banhos à fula, etc. Durante o dia, ao menos, conversava com os habitantes, observava as suas actividades, procurava entender e perceber a sua cultura...

O facto de ter soldados africanos, fulas, tinha as suas vantagens e desvantagens... Mas, em geral, ir reforçar uma tabanca em autodefesa era visto como um prémio: durante esses quinze dias, pelo menos livravas-te da actividade operacional: eramos uma companhia de intervenção, ao serviço do comando do Sector L1... Tanto o BCAÇ 2852 (1968/70) como o BART 2917 (1970/72) exploraram-nos até ao tutano...

Um abração. Estou a seguir-te com muito interesse. Luís (...)

domingo, 26 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4742: Tabanca Grande (165): António Dâmaso, CCP 123/BCP 12, 1969/71

1. Primeira mensagem de António Dâmaso com data de 15 de Junho de 2009:

Caro camarada Luís Graça.

Apresenta-se o periquito António Dâmaso, de Odemira, pedindo a inscrição no almoço do dia 20 em Ortigosa só para mim.

Informo que fui pára-quedista, e era na altura o comandante do grupo de combate a que pertenciam os três páras que ficaram sepultados em Guidage e que vieram no ano passado.

Oportunamente darei a minha versão sobre esses acontecimentos.

Junto envio as duas fotos exigidas.

Um abraço do camarada
Dâmaso



2. Em 30 de Junho foi enviada mensagem ao nosso novo camarada:

Caro António Dâmaso:

Enquanto não te apresentas formalmente à Tertúlia, diz-me por favor o teu antigo posto nos Páras, Companhia e datas de chegada e saída da Guiné.

Se quiseres manda já um pequeno resumo da tua actividade na Guiné e apresento-te definitivamente.

Depois podes ir mandando coisas que aches importantes para o Blogue. Fotografias legendadas, textos, etc.

Convivi um pouco com os Pára-quedistas durante a sua permanência em Mansabá, por volta de 1970/71 e tenho de vós as melhores impressões.

Fico a aguardar as tuas notícias.
Até lá, recebe um abraço
Vinhal


3. Mensagem de António Dâmaso, com data de 20 de Julho de 2009:

Caro camarada Luís Graça e Co-Editores:

Aqui vai o relato da minha segunda comissão na Guiné.

Bissalanca, 1969

Em 20 de Julho de 1969 estava em Bafatá

Hoje o meu pensamento vai para o soldado desconhecido, digo eu, refiro-me àquele militar, com ou sem patente, que estava lá, contribuía com o seu esforço para o conjunto, como formiga obreira, mas que, por não ter cunhas, não ser engraçado nem engraxador, via as benesses passar-lhe ao lado, não havia prémios do Governador da Província, nem promoções a cabo, nem férias, em resumo nada de nada, no entanto lá ia procurando manter-se vivo, com a agravante de passar uma comissão a viver em buracos sem as mínimas condições.

As minhas palavras valem o que valem, sabemos que dois observadores colocados no mesmo ponto, cada um tem a sua visão dos acontecimentos e depois na narração, cada qual compõe o ramalhete à sua maneira.

Por outro lado, a sensibilidade para suportar a dor e outras situações traumáticas, varia de indivíduo para indivíduo, daí que apareçam alguns armados em valentes, que dizem que não foram stressados, apanhados pelo clima e até marados, mas pior ainda, são os que foram tudo isto e não são capazes de o admitir.


Vou falar da minha segunda comissão na Guiné e dos motivos que me levaram a ir para lá segunda vez:

Quando regressei da primeira comissão, depois das férias, apanhei a escala de serviço, com cinco fins-de-semana seguidos com começo à sexta ao render da parada e fim na segunda à mesma hora.

Depois foi uma instrução de Combate, seguidamente uma recruta, com três instruções nocturnas por semana que me impediam de ir a casa embora só morasse a cerca de 10 Km, depois foi a informação de que estava à bica para ser nomeado para Moçambique, isto levou a que me oferecesse novamente para a Guiné, por já conhecer e estar convencido de serem só 18 meses.

Cheguei à Guiné, ao BCP 12, em 20 de Março de 19699, ia a contar ir para uma companhia operacional, mas devido à minha especialidade, mecânico desempanador auto, fui aumentado ao efectivo da CMI, (Companhia de Material e Infra-estruturas) passando a desempenhar as funções de chefe de movimento no pelotão de transportes auto.

Como não ia para o mato, mandei ir a família, estava tudo a correr bem, até que um dia escalei umas viaturas para irem transportar uma companhia que regressava do mato, os militares saíram da viatura e de imediato colocaram-se uns à frente e outros atrás e procederam à acção de desarmar, o material de guerra, o condutor buzinou para que o deixassem passar.

Veio de lá o tenente, comandante do pelotão, sacou o condutor do lugar e deu-lhe uma valente sova a que eu assisti.

O militar que estava debaixo das minhas ordens directas, chegou junto de mim a chorar de raiva, como não gosto de abusos desta natureza, disse-lhe que lhe assistia o direito de queixa, mas que tinha de dar conhecimento ao superior.

Redigi-lhe a queixa e lá foi ele dar conhecimento ao tenente que se ia queixar, este deu a volta ao rapaz, que não apresentou queixa nenhuma e eu, passados três ou quatro dias sem que ninguém me tivesse dito nada, fui transferido para a CCP 122 e com a G3 nas unhas e mochila às costas colocado no pelotão do citado senhor oficial isto a 29 de Maio de 1969.

Em 30 marchei para Mansabá onde estava a Companhia, sem que eu o soubesse, começou aqui uma perseguição que me deu cabo da vida militar para sempre com graves reflexos para a vida privada e familiar, só vim a saber em 1975, pelo facto do mesmo se ter gabado do feito, com alguns ouvintes que depois me deram conhecimento, até aí foi-me acontecendo de tudo, sem eu saber de onde vinha o mal.

A missão da Companhia na altura era fazer segurança à estrada que estava a ser construída entre Mansabá e Farim, dar protecção às colunas auto efectuadas entre Mansabá-Mansoa e vice-versa, para descansar íamos fazendo uns Heli-assaltos.

Foi assim que tomei parte na Operação Orféu, juntamente com a 15ª Companhia de Comandos, na zona de Bula no dia 13 de Junho de 1969, onde se fizeram alguns mortos, prisioneiros e se apanhou muito material de guerra, nesta operação fui colocado na segunda vaga, no outro extremo da mata, tendo como missão a limpeza e destruição.

No dia 20 de Junho de 1969 tomei parte na operação Nestor também na zona de Bula, Choquemone, mais uma vez na 2.ª vaga, destruição e limpeza, mais prisioneiros, mais material, vi coisas que me chocaram entre elas, o cavalheiro Tenente estar a dar um tratamento a um prisioneiro, tendo este as mãos atadas atrás das costas, pelos vistos, gostava de malhar nos mais fracos.


Rumo à CCP 123, com escala em Teixeira Pinto

No início de Julho fui com a CCP 122 para Teixeira Pinto, via auto e os cicerones lá iam informando o periquito que era eu, dos locais onde tinham havido emboscadas às nossas tropas, confesso que aquela mata metia respeito.

Depois de três dias em Teixeira Pinto, a caçar umas perdizes junto à pista, pombos verdes nas mangueiras, apanhar algum marisco, estava a ambientar-me, até que, no dia de Julho de 1969, enfiaram-me numa DO 27 rumo a Bissalanca.

Chegado ao BCP 12, estava lá uma CCP(-) que passaram a chamar de CCP 123. Esta Companhia tinha sido formada em Tancos com destino a Angola, mas à última hora, foi parar à Guiné como reforço, alguns dos graduados intervenientes não gostam do nome CCP 123 e preferem chamar-lhe grupo expedicionário, mas nos relatórios de operações consta CCP 123.

Recebi ordens para integrar a mesma, o Comandante já o conhecia da primeira comissão, tinha lá estado como Alferes, alguns dos Sargentos também lá tinham estado, até aí tudo bem.

De armas e bagagens, embarcámos no Cais de Bissau numa LDM, ou LDG, não me lembro qual delas, lá navegámos Geba acima até Bambadinca, passámos por um estreito em que o rio era como que feito por medida para a Lancha passar, se não estou em erro, chegados a Bambadinca, viaturas até Bafatá e ficámos aboletados no Esquadrão de Cavalaria FOX.

No dia 11 de Julho de 1969 embarcámos nas viaturas com destino a Galomaro e aí tomámos os helis para a operação Sátiro que durou dois dias na zona de Padada-Jábia, além da CCP 123, participou a CCAÇ 5. No dia 12, fomos recuperados de Heli para um Acampamento e deste para Nova Lamego, de onde seguimos via auto para Bafatá.

Quando estávamos a chegar vimos os Helis a aterrar pela ordem de aproximação e o Heli-canhão a dar mais uma volta tendo tocado com a ponta da Hélice numa das antenas rádio, enrolou vindo a despenhar-se no solo. Como se incendiou, as munições do canhão começaram a rebentar em todas as direcções sem que nada se pudesse fazer para os tirar daquele inferno de chamas. Aquela cena lancinante, causou-nos a todos grande consternação e pesar, ali ficaram mais duas vidas a do piloto e do apontador do canhão.

Bafatá, 1969

Nos dias 17 a 19JUL69, outra vez na zona de Padada concretizámos a operação Marduque , desta vez só com a CCP 123.

De 24 a 30 de Julho de 1969, operação Atena, zona de Duas Fontes e Padada, com a participação de 3 GComb da CCP 123, 1 GComb da CCP 121 e a CCAÇ 2446.

Depois apareceu a minha grande dor de cabeça, que era a Guerra de quadrícula, sempre tive o entendimento de que as tropas especiais, eram para intervenções rápidas, ou não, também para servirem de reserva, mas pelos vistos, a situação não estava para brincadeiras.

Comecei a operação Nereu 1.ª fase que foi de 31 de Julho a 31 de Agosto de 1969 nas zonas de Madina do Boé, Dulombi, Bilonco e Madina Xaquili. Actuaram connosco, além da CCP 123, a CCAÇ 2405 e CCAÇ 2446.

Lembro-me que numa das operações de dois dias, tivemos de atravessar o mesmo rio, quatro vezes seguidas, para não andarmos mais quilómetros a contorná-lo. Chegámos a Galomaro já depois do meio-dia, mas tínhamos à nossa espera uns franguinhos de churrasco. A fome era tanta, que nunca mais comi frangos que me soubessem tão bem.

No decorrer deste período, ou não, julgo que a 24 de Julho de 1969, não posso precisar a data, um dia à tarde chegámos a Dulombi, na altura era uma tabanca com algumas palhotas com abrigos, valas e arame farpado à volta, com uma espécie de portão de entrada na estrada de Galomaro a poente, e a sul outro portão que dava para a mata, íamos passar lá a noite, e de futuro serviria de acampamento base.

Sempre tive um acordar estremunhado quando estava no primeiro sono, mas naquela noite, quando estava no primeiro sono, fui acordado com um festival de fogo-de–artifício, rebentamentos por todo o lado, balas tracejantes cruzavam o céu, o meu acordar foi igual a outros, mas notei que o meu maxilar inferior, teimosamente batia ritmadamente no maxilar superior, durou alguns segundos até me aperceber do que se estava passar, rapidamente cerrei o os dentes e analisei a situação e vi que o ataque não era do nosso lado, mandei cessar o fogo que estava a ser efectuado para o lado do portão sul.

A minha secção estava na parte sul, onde existia o tal portão. As balas tracejantes passavam por cima de nós, apesar de muitos rebentamentos à nossa volta, ninguém foi atingido. Liguei o rádio, chamei, como não obtive resposta, desliguei. Quando estava a preparar-me para dormir novamente, apareceu-me um camarada a saber se estava tudo bem, escandalizado por eu não ter mantido o rádio ligado. Nessa altura fiquei a saber que o ataque foi efectuado do arame farpado, à esquerda da entrada e que havia a lamentar uma baixa da CCAÇ 2446, que foi recuperada no dia seguinte por elementos do ESQ FOX. Começara aqui o meu baptismo de fogo em ataques nocturnos.

Também estivemos em Bivaque, em tendas de campanha junto do aquartelamento de Galomaro, depois iniciou-se a operação Nereu 2.ª fase de 1 de Setembro a 11 de Outubro de 1969, novamente em conjunto com as duas companhias já citadas e nas zonas de Duas Fontes, Cansissé, Contabane e Padada.

Durante a minha permanência no Gabu, fui duas vezes a Bissau à boleia, uma vez de Heli e outra de Cessna (?) dos TAGCV, para tentar resolver problemas de saúde familiar, regressei ambas as vezes em DC 3 Dakota, com o nosso saudoso camarada Fur Vitorino, meu vizinho na altura. Depois da guerra veio a ser vítima de acidente aéreo na Ilha Terceira com um aviocar.

Problemas familiares e transferência para a CCP 121

A minha mulher contraiu malária e teve de ser internada no Hospital Civil em Bissau. Depois de curada ficou com os nervos em franja, enfrascava-se em comprimidos e tinham de ser as vizinhas a tomar conta da minha filha de 18 meses, situação que me levou a requerer a passagem ao SG da FAP, tendo a mesma sido indeferida posteriormente.

Findos os três meses, os oficiais e sargentos seguiram rumo a Angola e as praças foram integradas nas Companhias existentes no BCP 12, eu fui transferido para a CMI.

Coincidência ou não, baixei a guarda e como resultado, em 14 de Abril fui punido com 5 dias de prisão e em vez de iniciar o cumprimento da pena, fui de imediato transferido para a CCP 121 de que o citado oficial era comandante.

No dia 16 fui a caminho do Guileje que já na altura estava a ferro e fogo, não havia nada para comer a não ser feijão com chouriço, eu andava de diarreia, nem os ataques com morteiros 120 me tiravam das latrinas, quando saía para o mato levava o tempo de calças na mão.

A fome era de tal ordem que os cães na tabanca começaram a desaparecer. Uma hiena que caiu numa armadilha foi comida e até os abutres, diziam os rapazes, que de vinho e alhos eram um pitéu. Quem lá esteve nesta data sabe que isto não é invenção.

Neste período tomei parte nas seguintes operações:

Operação Lobo Verde de 20 a 30 de Abril de 1970 na zona de Guileje e Gadamael Porto. Também tomaram parte a CCAÇ 2617 e CART (?

Operação Lacrau Verde, 29 de Abril de 1970, no Corredor do Guileje, juntamente com uma equipa de sapadores do BART 2866. Nesta operação fomos ao local onde o IN tinha ido com uma viatura carregada de granadas que despejou sobre o aquartelamento, seguidamente fomos ao Corredor colocar minas anti-carro.

Operação Leão Verde , 30 de Abril de 1970, no Cantanhês, fomos até Gadamael Porto de viaturas e depois de Heli-assalto, não houve contacto, destruímos acampamentos.

Muito tempo depois, vim a saber que aquela minha ida repentina para o Guileje tinha sido um teste, porque a vontade de alguém era correr comigo para o Exército, destino que muitos camaradas tiveram.

Recordo que no decorrer da operação de 11 e 12 de Julho, no local do heli-assalto, estava um burro que os guerrilheiros deixaram ficar, foi o único burro de 4 patas que vi em toda a Guiné.

No dia 12, fomos heli-trasportados para um acampamento do Exército, onde circulava o boato que um alferes tinha sido evacuado por ter sofrido de doença súbita de Priapismo. Trata-se nada mais, nada menos de uma erecção dolorosa e prolongada por mais de seis horas.

Depois disto gostava que alguém desse notícias do Senhor Viagra.

Não inventei datas, as mesmas constam dos relatórios de operações, embora a CCP 123 tivesse actuado isolada as outras forças estavam no terreno.

Saliento que fui muito bem recebido pelos camaradas do Exército, que estavam em Galomaro e do ESQ FOX de Bafatá.

Saudações para todos os camaradas

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Da direita para a esquerda: O António Graça de Abreu (CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), mais dois camaradas da FAP: o António Martins de Matos, ex-Ten Pilav (BA 12, Bissalanca, 1972/74), e o António Dâmaso, ex-páraquedista (BCAP 12, BA 12, Bissalanca, 1972/74).

António Dâmaso do prestigiado Batalhão de Caçadores Pára-quedistas, BCP 12 participou no IV Encontro da Tertúlia.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4735: Tabanca Grande (164): Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil da CART 2519, Buba, Mampatá e Aldeia Formosa, 1969/71

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 2 de Maio de 2009:

Porto: 02MAI09

Caro Luís/Caro Carlos:

Com as agulhas acertadas e já em velocidade de cruzeiro, junto envio em anexo a 3.ª estória, 2.ª sobre Madina Xaquili - Parte 2.

ab
Fernando Gouveia



A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

3 - UM ALFERES DESTACADO (DESTERRADO) EM MADINA XAQUILI COM UM CANO (SÓ O CANO) DUM MORTEIRO 60 - Parte 2.

Preâmbulo

Como referi anteriormente, na sequência do agravamento da situação no Cossé, fui destacado para Madina Xaquili, onde vivi uma experiência verdadeiramente inesquecível.

No Poste anterior – 4256 (1.º e 2.º dias dessa minha experiência), passei por Bambadinca, onde tive que ir para cima dum abrigo até à uma da manhã, por se estar à espera de um ataque (que por acaso foi no dia seguinte) e também por Galomaro onde não consegui dormir por causa das rãs.



Relato do 3.º dia – 14JUN69:

Nesse dia, bem cedo, lá seguiu uma coluna de uns três ou quatro Unimogs para nos colocar no último buraco habitado em direcção ao Corubal e a Madina do Boé, então já abandonada [, cinco meses antes, em 6 de Fevereiro de 1969].

Pelo caminho e, por indicação dos meus camaradas, tivemos que ir a uma tabanca, suponho que Umaro Cossé, encher uns garrafões com água, pois não se sabia com o que se contava em Madina Xaquili. Lá fui entabular conversações com o chefe da tabanca no sentido de nos fornecer o precioso líquido.

Cabe referir que duma maneira geral achei os nativos na Guiné sempre muito simpáticos e corteses. Não foi o que aconteceu em Umaro Cossé. Fiquei com a ideia que teriam água boa, mas a do poço que nos indicaram parecia leite, cal de pintar ou coisa assim. Dava a ideia que nos queriam despachar. Foi a água que levámos. Mais tarde, já em Madina e porque dispúnhamos de um filtro, essa água até se bebia. Mas era preciso limpá-lo constantemente.

Madina Xaquili vista de Sul (direcção de Padada). Em 1.º plano a lavra de mancarra do João

Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos.

Um dos abrigos. Em segundo plano vê-se parte da antena dipolo que montámos

A coluna regressou a Galomaro e ali ficámos sós e isolados. O princípio da época das chuvas estava a deixar impraticáveis as picadas e, como não tardámos a verificar, o rádio que levámos, um daqueles que tinham um gerador manual e com os quais até se conseguia ligar de Bissau para Lisboa, só de dia conseguia contactar Galomaro e apenas em morse. À noite nem isso. Coisa estranhíssima, mas real, tendo em conta uma distância de uns 25 Km.

Estava a chegar o fim da manhã e havia muito a fazer.

Comecei por perguntar ao João Vieira que munições tinham para as suas armas, metade Mausers, metade G3. A resposta foi zero, zero. Tinham gasto tudo na caça e não podiam justificar um novo pedido pois nunca tinha havido contacto com o IN. Insólito… Peguei numa das suas armas e espreitei pelo cano. Estava completamente entupido. De acordo com o João, como aliás sempre aconteceu com as decisões a tomar sobre os problemas da tabanca, lá foram limpar as armas e municiarem-se.

Como havia palhotas vazias, o João indicou-no-las e instalámo-nos. O cozinheiro já sabia que tinha que fazer o almoço e o rádio-telegrafista andava às voltas com a instalação de uma antena.

A minha casa. Ao meu lado o Sajuma, que se viria a oferecer para ajudante de padeiro

A primeira refeição foi com o prato nos joelhos (ver foto) mas ao jantar, com umas tábuas, já se tinham improvisado, uma mesa, dois bancos e um coberto com folhas de palmeira.

A 1.ª refeição, ainda sem refeitório

Depois do almoço, acompanhado com cervejas a uns 30 ou 40 graus, dei as primeiras instruções:

1 – (só aos metropolitanos) Não iria tolerar problemas relacionados com sexo, até porque na tabanca só havia as mulheres dos milícias e nada de bajudas. Que fossem criativos, e foram, como mais tarde descreverei.

2 – (para todos) Quando se sentisse o ruído de viaturas ou de helis, toda a tropa se devia apresentar minimamente fardada e em passo de corrida. Imaginava que lá aparecesse o Caco, mas só apareceu o Cor Hélio Felgas, de heli.

3 – Enquanto não se construíssem latrinas dentro do arame, todo o militar que fosse à orla da mata levaria um camarada armado para lhe fazer a segurança.

A par disso, formei um grupo para fazer uma mesa e uns bancos e outro para começar a abrir o abrigo para o nosso precioso cano de morteiro 60 e suas 16 granadas. Ficou perto da minha palhota pois seria eu que o manobraria (em Mafra tinha tido a oportunidade de fazer bastantes disparos para um velho blindado que existia lá na Tapada).

Por mim, decidi, com a companhia do João, ir ver as cercanias e nomeadamente o local, fora do arame, onde as mulheres se abasteciam de água e lavavam a roupa, pois era urgente arranjar água de melhor qualidade.

A nascente de água onde as mulheres também lavavam a roupa

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados


Já com o fim do 1.º dia a chegar, havia um turbilhão de ideias na minha cabeça sobre as medidas a tomar urgentemente, tanto mais que o rádio-telegrafista me veio informar que não conseguia estabelecer ligação com a sede da Companhia. Sabia, já do Agrupamento, que o IN estava a uns escassos 10 Km, que vim a confirmar mais tarde quando fiz uma operação na zona de Padada.

Antes do pôr-do-sol tomámos a 2.ª refeição preparada pelo nosso cozinheiro, um rapaz atestado, que já tinha estado na Legião Estrangeira. Já jantámos sentados à mesa improvisada, estando eu de calções. Só depois verifiquei que tinha sido massacrado pelos mosquitos. As minhas pernas tinham muitas dezenas de picadas. Passei um pouco mal.

Ver relampejar ao longe e a conversar com alguns milícias, sentado num tronco constituiu o prelúdio da minha 1.ª noite em Madina Xaquili.

Como era sabido, quase todos os ataques e flagelações na zona Leste, eram feitos invariavelmente ao princípio da noite por causa da retirada IN, como aliás aconteceria no 1.º ataque à tabanca, em 24JUL69. Bambadinca constituiu uma excepção pois a aproximação IN não podia ser feita de dia por causa da população Civil das imediações, afecta às NT. Assim sendo, este alferes, sabendo disso, às nove dez horas da noite, enfiava um pijama e dormia que nem um justo. Acho que nessa altura já estava apanhado pelo clima. Se fosse hoje dormiria de camuflado. Não me estou agora a ver ir operar o morteiro em pijama ou muito menos aparecer em Galomaro na mesma figura, o que poderia ter acontecido, como descreverei no último episódio desta estória.

Nos dois dias seguintes, iriam ser levadas à prática as medidas que não deixavam de fervilhar na minha cabeça, mas isso será tema para o próximo poste onde também contarei que desisti de construir latrinas por causa do meu poio que desapareceu.

Até para a semana, camaradas.
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Nota de CV:

Vd. os dois postes anteriores desta série>

28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60
27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P510: O mapa de Padada (Humberto Reis)

O Humberto Reis ainda é piro que os nossos dirigentes dos clubes da bola: promete o céu e a terra... Agora diz que quer cartografar a Guiné toda, de ponta a ponta... Leiam a mensagem (quie foi, de resto, já transmitida a toda tertúlia):

Como diz o Luís, ainda não temos o mapa de Padada. Não pode ser tudo no mesmo dia, dado que os mapas são muito pesados e ele não consegue tratar disto tudo, do blogue e ainda fazer alguma coisa pela vida dele. Além de aturar todos estes tertulianos, ainda tem que dar umas aulas (já agora).

Ele ainda lá tem mapas que eu já lhe levei digitalizados, para inserir mas não houve tempo. Com calma vamos lá chegar. Prometo já aqui que o próximo a ser digitalizado será o de Padada. Devagar, devagarinho e de pantufas para não fazer muito barulho, nem levantar ondas, havemos de conseguir ter TODOS os mapas da Guiné Bissau a 1/50000.

Até para mim, pessoalmente, tem interesse pois foi aí em Madina Xaquili, zona de Padada, que me estreei a saber o que era baixar as orelhas enquanto elas passavam a assobiar por cima. Já a mesma sorte não teve o pessoal de uma companhia de madeirenses [2446] que tinha acabado de chegar à tabanca.

Como não havia abrigos para todos (população civil, 3 pelotões da minha companhia e eles) foi decidido que os madeirenses, nós já lá estávamos instalados, tinham de sair do perímetro da tabanca e emboscar cá fora pois desconfiávamos que íamos ser prendados.

A minha companhia tinha estado emboscada 3 dias no trilho que vinha de Padada à espera deles, que nunca apareceram. Quando viemos embora, eles seguiram-nos e nessa noite embrulhámos. O azar dos madeirenses é que foram apanhados no descampado entre o arame farpado da tabanca e o princípio da mata, não tiveram tempo de se internar no meio do matagal.

Isto vem no historial da CCAÇ 12, só que eu não o tenho aqui e estou a escrever de cor como o galo (1).
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) :

(...)

"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].

"(...) Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos]. 0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vários feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau]" (...).