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segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24865: E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas (Joaquim Costa) - Parte I: Santo Tirso, o dono da "tasca"



Porto > O atual edifício do ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto. que faz parte do IPP - Instituto Politécnico do Porto. Fonte: ISEP (2023)


Santo Tirso - Fachada da atual Escola Secundária Tomaz Pelayo.
Fonte: Agrupamento de Escolas Tomaz Pelayo (2023)



1. Mensagem do Joaquim Costa:

(i) ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã"  (Cumbijã, 1972/74);

(ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, tem cerca de 7 dezenas de referências no blogue;

(iii) autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022) (*), e que depois publicou em livro ("Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp);

(iv) tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto;

(v) foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar;

(vi) minhoto, de Vila Nova de Famalicão (**), vive em Rio Tinto, Gondomar;



Data - 24/10/2023, 10:49
Assunto - Depois da Guiné... a luta continua

Olá,  Luís,

Espero que tudo esteja bem contigo.

Envio-te a minha primeira crónica, que publico no Facebook, sobre as “Minhas Escolas”.

Esta primeira crónica faz uma pequena referência às dificuldades e peripécias sobre o regresso à escola para concluir os cursos que ficaram a meio com a nossa mobilização para a guerra.

Deixo ao teu critério o interesse na publicação do Blogue.

Um grande abraço

Joaquim Costa



2. Comentário do editor LG:

Joaquim, é indecente responder-te só agora... Para mais sendo tu um colaborador "líquido", do nosso blogue, já com 67 referências, o que é muito para quem entrou há pouco mais de dois anos e meio. Lembro que és autor de uma notável série, "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã", com  base da qual publicaste o teu livro “Memórias de Guerra de um Tigre Azul” (Rio Tinto, Lugar da Palavra, 2021, 179 pp.), 

Como já te respondi, por mail e na sequência da nossa última conversa ao telefone, claro que vamos publicar.  É um "filão" a explorar, o teu, o nosso pós-guerra como "paisanos"... 

Não temos aqui falado tanto quanto deveríamos  das dificuldades e obstáculos que, nós, antigos combatentes,  tivemos de enfrentar e vencer depois da peluda: exorcisar os fantasmas da guerra, "esquecer a Guiné", fazer os "lutos",  acertar o relógio e o calendário, arrostar  com as "piadas de mau gosto" (quando não mesmo a hostilidade de certos indivíduos e grupos), voltar a estudar, arranjar um emprego, ou retomar o trabalho que já tínhamos antes da tropa, refazer a vida pessoal e familiar, arranjar casa, casar, contrair o primeiro empréstimo bancário (e pagar juros altíssimos!), comprar o primeiro automóvel,  ou fazer as primeiras férias com a namorada, ou a mulher e os filhos, viajar, sair pela primeira vez do país, etc.  

Tu que fostes professor toda a vida, e também passaste pela experiência da administração escolar, podes falar de cátedra do que é isso de andar com a casa às casas até conseguir um lugar efetivo do quadro, próximo da terra e da casa onde queremos viver.

Seguramente que as tuas crónicas vão motivar e ajudar outros camaradas a escrever sobre o assunto, doloroso e fascinante ao mesmo tempo.


E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas (Joaquim Costa) 

Parte I: Santo Tirso, o dono da "tasca"


Ainda na ressaca dos dois anos passados no inferno da Guiné e completamente alucinado com o desenvolvimento do PREC (Processo Revolucionário Em Curso, 1974/75), assistindo incrédulo ao incêndio e destruição da sede de um partido político com uma multidão em fúria, lá me desloquei à minha antiga Escola (hoje ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto) tentar retomar os estudos vencendo as cadeiras por concluir. 

Foi uma tarefa de avanços e recuos; não só pelo alvoroço de toda aquela juventude que já se tinha livrado da guerra e que,  ao que parece,  também queria mudar o mundo, sabe-se lá para onde... mas fundamentalmente por sentir que aquela já não era a escola que eu tinha deixado.

Esta miudagem olhava para estes “velhos;” tisnados pelo sol da Guiné e com aspeto de alucinados, com alguma desconfiança já que cumprimentavam com deferência os seus antigos professores, que eles queriam sanear.

Como os porcos espinho no inverno,  lá se conseguiu um espaço mais ou menos confortável para as duas gerações. Os miúdos tinham já conseguido reduzir para 3 anos a duração dos cursos, entrar na direção da escola e sanear alguns professores. Nós conseguimos manter a antiga estrutura e duração do curso, o mesmo currículo e aulas suplementares nas cadeiras estruturantes.

Lá se conseguiu concluir o curso com o mesmo espírito com que se venceram os dias de inferno na Guiné, apoiados uns nos outros, nunca deixando ninguém para trás.

Concluído o curso, enquanto esperava pela resposta aos inúmeros currículos enviados para várias empresas, com outros colegas avançámos, como profissionais liberais, na elaboração dos primeiros projetos (ou proje...tinhos) de engenharia.

Entretanto surge a minha colocação na Escola Industrial e Comercial de Santo Tirso, que aceitei uma vez que me garantia o vínculo à função pública.

Não foi fácil, pois o ensino estava a anos-luz das minhas preferências. Apresentei-me na escola num dia, e nesse mesmo dia me indicaram a sala, cheia de alunos, para iniciar as aulas. 

O que é isso de pedagogia?!... Desenrasquei-me, ensinando como fui ensinado!

Entrei pela primeira vez na sala de professores, onde se discutia aos gritos os últimos desenvolvimentos do PREC. Mesmo naquelas condições não foi uma entrada discreta, para além do silêncio de igreja que abruptamente se fez sentir, vejo, incrédulo, toda a gente a afastar-se de mim. Tinha acabado de trocar o meu Fiat 600 por uma Diane nova com os estofos de uma mistela que deixava um cheiro na roupa insuportável. Demorou um ano a sair aquele cheiro,  pelo que não foi fácil fazer... amizades.

Passei dois anos nesta Escola, bem perto de casa (que era em Famalicão), mas não foram propriamente os melhores anos da minha vida. Contudo gostei muito dos alunos com quem mantive uma boa relação.

Também ajudou a algum desconforto o facto de ser o responsável pelo bar da escola, tarefa que ninguém queria, já que se estava sujeito a todo o tipo de piropos sobre a qualidade dos produtos e a quantidade do queijo e fiambre no pão. Chegaram a insinuar que eu estava a meter dinheiro ao bolso. Era brincadeira, mas... aleijava!

Até os amigos das jogatanas de futebol de salão me tratavam por... “tasqueiro”!

Sim, é mesmo verdade! Imaginem o meu espanto quando a Diretora me entrega o horário com duas horas da “disciplina” de Bar. Argumentei que a minha formação era em engenharia eletromecânica pelo que nada sabia sobre restauração. Dizia ela, com um sorriso nos lábios: "não dá trabalho nenhum, é só comprar os produtos e vendê-los ao preço de custo. No final do ano entregas um relatório com a diferença do deve e haver a zeros!"...

Ficou, ao menos,  uma grande amizade com o funcionário do bar, o meu braço direito...e esquerdo.

Não foram propriamente dois anos fáceis, principalmente na "cadeira" de Bar...

Joaquim Costa

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Notas do editor

(*) Último poste da série > 28 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23465: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXVIII: Em 1976, uma viagem pela velha Europa para esquecer a guerra e espairecer do PREC

(**) Vd. postes de:

18 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23891: Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) - Parte I: A pomada milagrosa

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24484: Notas de leitura (1598): "Memórias Duma Vivência em Ambiente de Guerra", por José Inácio Sobrinho; Edição de Autor, 2019 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Março de 2022:

Queridos amigos,
O José Inácio Sobrinho partiu no final de 1955 para Macau e até 1975 andou por Cabinda, Bedanda, Bolama e depois teve duas comissões em Angola, no Leste e no Norte. A caminho dos 90 anos, abraçado anda à causa ambiental, como aqui se refere, deixa-nos um punhado de memórias, passou dezasseis meses em Bedanda, não teve dificuldade em perceber que cabo-verdiano não ligava muito bem com guineense, via-se à légua a exploração na compra dos balaios de arroz e guarda silêncio sobre as suas operações. Bem interessante é o que nos diz de Macau e de especificidade de Cabinda. Bom seria se tivéssemos o José Inácio Sobrinho na nossa tabanca, é um papa-léguas que deve ter malhado das boas no Sul da Guiné.

Um abraço do
Mário



Memórias de José Inácio Sobrinho, militar que andou por Macau, Cabinda, Bedanda, Bolama e Angola, é agora um octogenário ambientalista

Mário Beja Santos

É uma edição de autor, com data de 2019, José Inácio Sobrinho começa assim: “Vim ao mundo no dia 14 de dezembro de 1933, na aldeia do Casal da Areia, freguesia de Salir de Matos, concelho de Caldas da Rainha. Aos cinco anos de idade fui para a escola, de onde saí aos nove, para ajudar os meus pais com nas tarefas do campo. Como quase todos os jovens saudáveis do meu tempo, aos vinte anos fui para a tropa. Aí, desejoso de conhecer outras paragens, aceitei um convite para prestar serviço militar em Macau”. Embarca em finais de 1955 a bordo do Quanza, rumo ao Mediterrâneo, o Coronel Nasser fazia finca-pé para nacionalizar o Canal do Suez, numa atmosfera quase de guerra atravessaram o canal, depois o Mar Vermelho, depois Goa, aportam em Mormugão, depois Singapura, chegam a Macau no início de fevereiro. Era monitor nas alas regimentais, os seus instruendos vinham de Moçambique: Landins, Macuas e Macondes; esteve dezoito meses na ilha de Coloane, foi depois transferido para a Fortaleza do Monte, em Macau, matriculou-se no Liceu Infante D. Henrique, concluiu em 1961 o curso geral dos liceus. Faz o seguinte comentário: “A impressão que trouxe sobre os chineses é de que são um povo trabalhador, pacífico e pragmático. Cada um zela pelos seus interesses, faz a sua vidinha, deixa os outros em paz e não vive à custa do alheio. As numerosas comunidades chinesas espalhadas pelo mundo dão disto um testemunho. Têm, no entanto, quanto a mim, um pequeno senão: viciam-se no jogo muito facilmente”.

Na viagem de regresso já se pressentia a invasão indiana, visita o Vale dos Reis no Egito, vem a bordo do navio Índia. A 13 de julho de 1962, oito meses depois de ter regressado de Macau, embarca com destino a Cabinda, colocado no BCaç 248, não resiste em contar ao leitor o Tratado de Simulambuco, a importância que ele tem para os cabindas, ainda hoje, não se cansa de exaltar as belezas da Floresta do Maiombe. Regressa a Lisboa no dia de Natal de 1963, casa e passado pouco tempo é enviado para a Guiné, para Bedanda, onde passou seis meses, não esqueceu as casas comerciais, as trocas em que a moeda era o balaio de arroz. “As casas comerciais recebiam o arroz e em troca forneciam panos e outros bens de primeira necessidade. De vez em quando vinha uma ordem para destruirmos as tabancas daqueles que estavam autorizados a fazer comércio connosco. E de vez em quando, estupidamente, lá iam uns quantos para o galheiro”.

Tece a seguinte observação: “Encontramos numa povoação panfletos em que ele [Amílcar Cabral] recomendava aos seus guerrilheiros que se capturassem algum soldado português não o maltratassem, referindo que também os soldados portugueses eram vítimas da política colonial portuguesa, o que demonstrava ser credor de alguma humanidade. Só quem desconhecia em absoluto a realidade da Guiné é que poderia acreditar que seria possível o estabelecimento de um Estado que englobasse a Guiné e Cabo Verde, visto a animosidade patente que os guineenses nutriam para com os cabo-verdianos, por estes já ocuparem, desde há muito tempo, grande parte dos postos na Administração local e não só. Era como se trocassem um colonizador por outro”.

Permaneceu dezasseis meses em Bedanda, foi transferido para Bolama, e ficou-se por aqui quanto a comentários guineenses. Regressa a Portugal em agosto de 1967, um ano e pouco depois foi de novo mobilizado para a Angola, fazendo parte do BCaç 2878, foram-lhe atribuídas funções que lhe permitiam o acesso a documentação sobre a evolução da guerrilha no Leste de Angola, e deixa cair a seguinte observação: “Se tentarmos fazer uma comparação com a situação que se vivia naquela zona (Huambo) com a da Guiné, era como compararmos o paraíso ao inferno”. Descreve a vida quotidiana no Luso (hoje Huambo), dá conta da importância da linha de caminho de ferro de Benguela e dá-nos um quadro dos movimentos de libertação angolanos em atividade; fará nova comissão no norte de Angola de 1973 a 1975, encontra um Portugal diferente, era 1.º Sargento e foi nomeado para frequentar o curso de promoção oficial, na Escola Central de Sargentos, ali também se viviam as tensões do PREC.
José Inácio Sobrinho na atualidade, imagem retirada do Jornal Gazeta das Caldas, com a devida vénia

É um octogenário sem parança. Agora está ligado à causa ambiental, veja-se a informação que encontrei na internet:

Chamo-me José Inácio Sobrinho, resido em Salir de Matos, concelho de Caldas da Rainha. Tenho a bonita idade de 86 anos, sou militar na situação de reforma e tenho como hobby a pintura.
Fui nado e criado no campo, em contacto com a natureza, o que, desde muito cedo, me despertou o interesse pelo conhecimento da fauna e flora. Já com idade avançada, tive contacto com o amieiro do Patalugo, espécie que desconhecia, por este ser um exemplar único na zona. Soube então da existência de testemunhos orais, passados através de sucessivas gerações, que aquele amieiro tinha ali sido plantado pelos Frades de Alcobaça, ao tempo em que aquelas terras lhes pertenciam. Dei, então, conhecimento destes factos ao Instituto de Conservação da Natureza que classificou esta árvore como sendo de interesse público.

Amieiro

Amieiro do Patalugo

O “Amieiro do Patalugo” é uma árvore centenária classificado como “árvore de utilidade publica a nível nacional”, situada no Patalugo, na freguesia de Salir de Matos. Tem um porte de 16 metros de altura e um diâmetro médio de copa de cerca de 15 metros. No início, o “Amieiro do Patalugo” era único e não dava rebentos, possivelmente pelo seu isolamento a outras árvores da mesma espécie, verificando-se que as suas sementes eram estéreis. Entusiasta com esta árvore, adquiri dois novos e jovens amieiros, e plantei-os junto do grande “Amieiro do Patalugo”. Desde então, as sementes deixaram de ser estéreis, e todos os anos crescem novos amieiros espontâneos.

Tive o primeiro contacto com a Associação Pato em princípios da década de 1990, quando denunciei o extermínio da rola comum e perdiz vermelha, na região, levado a cabo por caçadores.

No 30.º aniversário da Associação PATO, a 21 de outubro de 2018, tive o privilégio de participar nas suas comemorações e de ser convidado a levar um pequeno rebento do “Amieiro do Patalugo”, para ser plantado no Paul de Tornada, como ato simbólico por sócios e amigos que se juntaram neste dia tão especial!

Depois dessa data, com muito gosto, doei um conjunto de quadros da minha autoria, que ilustram a avifauna natural da nossa região. Estes quadros, expostos no Centro Ecológico e Educativo do Paul de Tornada (CEEPT), permitem ser utilizados como ferramenta de educação ambiental. Mantenho uma proximidade com os representantes da Associação PATO, mantendo-me participativo nas diferentes ações de voluntariado propostas pela Associação, como as plantações de árvores e remoção de espécies invasoras.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24476: Notas de leitura (1597): Histórias dos “Boinas Negras”, por Jorge Martins Barbosa; Fronteira do Caos Editores, 2018 (Mário Beja Santos)

domingo, 24 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23196: (In)citações (204): As comemorações do dia 25 de Abril de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

Safim, Abril de 1974 - Lendo o jornal República


1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 5 de Fevereiro de 2022:

Amigos e camaradas,
Apesar de muito importantes, as fotografias não dizem tudo sobre nós. Esta mensagem e a fotografia anexa pretende recordar um período da nossa História que eu vivi intensamente.
A fotografia que vos trago hoje é de um membro da Delegação do MFA de 22 anos de idade da CCaç 4541/72, nos balneários do Quartel de Safim a ler o Jornal República.

Fundado em 15 de Janeiro de 1911, o jornal República, foi um Jornal da Oposição moderada ao Governo do Estado Novo e como muitas outras instituições e pessoas deste País não resistiu ao vendaval do PREC.

Na minha opinião, as duas datas mais importantes antes e depois do PREC são o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, por isso dou muita importância às Comemorações do 25 de Abril de 74 porque pôs fim ao Estado Novo e à Guerra Colonial e também dou muita importância às comemorações do 25 de Novembro de 75, porque sem esta data, continuaríamos seguramente a não ter, a democracia, nem o País que ainda temos hoje.

É no entanto necessário falar do que aconteceu entre estas duas datas, isto é - a 5.ª Divisão do MFA e o PREC-, para percebermos como chegámos ao 25 de Novembro de 1975.

Em 17 de Junho de 1974 é publicado na Guiné o Boletim Informativo n.º 2 do MFA na Guiné, em formato A3 que refere nomeadamente na sua pág. 4, cito - Constituição de uma Repartição de Relações Públicas e Acção Psicológica (espécie de 5.ª Repartição) a funcionar ao nível do EMGFA, - que mais tarde se assumiu na Metrópole em 9 de Setembro desse mesmo ano como - 5.ª Divisão do MFA .

Neste documento começam as minhas reservas com a orientação política do MFA na Guiné, que depois irão aumentar durante o período do PREC.
Ler o Jornal República, era comungar daquilo que no Jornal se escrevia, e acompanhar os seus problemas internos durante o PREC e em particular no Verão Quente de 1975, serviu para reforçar as minhas convicções.

Quando finalmente no dia 25 de Novembro de 1975, o Ten. Cor. Ramalho Eanes e o Maj. Jaime Neves puseram novamente o País nos eixos, foi com alívio verificar, que afinal não estava sozinho naquela barricada.
De facto até o Director, a equipa redactorial e colaboradores do Jornal República, nomes que não vou divulgar, nem emitir qualquer comentário, mas que estavam nessa barricada.
Foi necessário esperar 46 anos para receber a triste notícia dum Senhor, rijo mas moderado, o "Velho" Gen. Ramalho Eanes, ex-Presidente da República com apenas alguns "gatos pintados" e aquela coragem, à chuva a dar o exemplo, nas comemorações do último 25 de Novembro.

Foi uma comemoração desvalorizada e apagada, para dar um sinal político ao País, que as coisas tinham mudado e que eles é que mandam. Que mais disseram esses Senhores que mandam nisto tudo? Disseram apenas que o 25 de Novembro é uma data que divide os Portugueses. E é verdade, visto que do lado desses Portugueses, já só falta o casamento, porque a união de facto, há muito que já existe.

Luís de Camões tinha razão, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (...). Será que a próxima data a deixar de ser comemorada, seja o 25 de Abril?

Quando damos tudo por garantido, não damos valor aos melhores, não respeitamos os mais velhos, não defendemos os nossos heróis e procuramos apagar a História, afastamo-nos da razão. Quem sabe se não existe agora mais um problema, à procura de uma solução!

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur. Mil. At. Inf.

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23184: (In)citações (203): Nós, os fulas e os nossos (mal-)entendidos. a propósito da expressão "(lavadeira) para todo o serviço" (Cherno Baldé / Mário Miguéis)

domingo, 17 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13509: Notas de leitura (623): Os "Capitães Generais" e os "Capitães Políticos", por Tenente Coronel Luís Ataíde Banazol (José Manuel Matos Dinis)

1. Em mensagem do dia 13 de Agosto de 2014, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos uma recensão ao livro de TCor Luís Ataíde Banazol,  que versa o período revolucionário pós-25 de Abril de 1974.


Os "Capitães Generais" e os "Capitães políticos" 

José Manuel Matos Dinis

Já existe no Blogue uma recensão sobre outra obra do mesmo autor, essa a debruçar-se sobre um imaginário da descolonização, ainda dava os primeiros e controversos sinais do que poderia significar para milhares de pessoas de passagem ou residentes na África "portuguesa".

Agora descobri o livro Os "Capitães Generais" e os "Capitães Políticos" do Tenente Coronel Luís Ataíde Banazol (Prelo Editora, Lisboa, 1976), entre as aquisições que faço em alfarrabistas. Esgota-se em 130 páginas, e transporta-nos para os idos de 76. Trata-se de um texto pessoalizado sobre meia-dúzia de personalidades relevantes do MFA, que, em geral, marcaram períodos do processo revolucionário durante os dois primeiros anos, e através daqueles retratos classifica os períodos então vividos, a partir de análises sarcásticas, que podem questionar os conteúdos de liberdade, democracia, justiça e progresso social, entre as diferentes qualificações que se pretendeu, e ainda se pretende, dar à iniciativa dos capitães.

Segundo Vasco Lourenço em "Avatar", o TCoronel Banazol apareceu numa reunião onde se discutiam requerimentos e processos reivindicativos, e por influência daquele oficial de mais alta patente, os capitães acabaram o encontro com a ideia revolucionária a efervescer. Depois disso, parece ter-se mantido afastado do Movimento, e em 1976, quando edita o presente título, já faz a análise crítica aos êxitos e insucessos da iniciativa revolucionária, dos equívocos, rivalidades e diferenças estabelecidas, que a conduziram a uma revolução "pequeno-burguesa" influenciada pelas actividades dos partidos, que evidenciaram a falta de união em torno de um sentido de orientação claro e unificador entre os militares da génese renovadora.

Logo de início aborda a questão motivadora do Movimento nos seguintes termos: "signo revolucionário decisivo e bem vincado que, como se verá, continuou a comandar todo o desencadear dos acontecimentos até vinte e cinco de Novembro, ponto final prático da conturbada descolonização, apenas catorze dias após a proclamação da independência de Angola. Assim, poder-se-á afirmar que o drama colonial é a via por onde tudo se escoa, como torrente impetuosa que arrasta consigo vidas e haveres, convicções e esperanças, corpos e almas, num torvelinho catastrófico sem paralelo na História de Portugal". E sobre o Programa do MFA ("na reunião de 5 de Março tinha sido assumido como essencial a elaboração de um programa político" - no Avatar) conclui que «estas "criações de condições", lançamentos de fundamentos, e a nível nacional, seriam coisas de entusiasmar, se fosse possível abstrair da existência "dos outros"... e "que se teve de enveredar pela traição ao programa do MFA"» no conjunto de considerandos políticos sobre o ultramar. Também abordou com clareza, crer que "pela primeira vez na História, os escalões combatentes provaram que poderiam decidir da guerra ou da paz, antecipando-se ou mesmo sobrepondo-se às decisões dos altos comandos", e no decurso da orgia revolucionária, também provaram que "poderiam ditar procedimentos a esses altos comandos, fazendo destes apenas coordenadores e procuradores, digamos, dos anseios de paz e de regresso à Pátria donde tinham partido, estrangulados pela angustia e pelo desespero. E é neste contexto que se torna impossível a execução de qualquer directiva superior, desde que ela esteja em desacordo ou de algum modo possa vir a condicionar as aspirações do fim da guerra e do regresso". Ora, a tal "torrente" é facilmente identificada pela "sincronia destas tomadas de posição dos escalões combatentes em África com as reivindicações populares em Portugal... e as conquistas revolucionárias do campesinato e do proletariado levam o passo certo com a retirada sucessiva dos efectivos das frentes de combate", conjugação de actuações que hoje nos permitem ver com clareza que o poder caíra na rua, e tornara-se impossível dar algum nexo de governabilidade ao país.

O autor não refere, mas em simultâneo, Portugal confrontava-se com a perda dos rendimentos das colónias, com a fragilização ou destruição da capacidade produtiva na metrópole, com o esvaziamento financeiro, com a crise do petróleo, e com o surto inflacionista que as circunstâncias potenciavam. Atenuou a situação, o recurso às reservas financeiras acumuladas e alguma quantidade de ouro vendido, a que se sucedeu o primeiro pedido de assistência ao FMI, que impôs regras para sufoco da algazarra nas ruas. Era o inicio do controle sobre o "Poder Popular".

O autor identifica três fases para o período revolucionário, e em cada uma elege personalidades do MFA marcantes no respectivo desenvolvimento. Na primeira fase, de gaúdio e entrega do poder ao general Spínola, com manifestas divergências entre oficiais spinolistas e puristas da revolução, tornou-se "justo e necessário e impunha-se que um dos homens mais importantes da Revolução dos Capitães fosse utilizado para comandar uma força capaz de colocar Lisboa, principalmente, ao abrigo das surpresas revolucionárias", do que viria a resultar o PREC como oposição à acção de Spínola e em sintonia com o Poder Popular. Refere-se aos "capitães-generais", e a Otelo em primeiro lugar. A segunda fase é a dos "nove", depois dos SUV e da ocupação de quartéis, que ameaçaram novamente a estabilidade dos militares do quadro permanente, cujo corolário aconteceu em vinte e cinco de Novembro. O Documento dos Nove veio assim oferecer os princípios de equilíbrio necessários à consagração do regime democrático. Sentia-se que "a maioria dos portugueses o que quer é saúde e dinheiro", tendo em vista "a integração, como parente pobre, de uma Europa pretensamente rica", ideias muito propaladas pelos partidos ditos democráticos de feição ocidental que tinham criado tentáculos de influência nas Forças Armadas. E acrescenta numa breve análise: "Vai-se de vento em popa para um sistema pluralista, muito bem, agora sim, mas não se chegou a saber bem o que os capitães pretenderam com a Revolução, além de acabar-se com a guerra colonial.
Recapitulando: primeira fase avançada para obedecer à tormenta da convulsão descolonizadora; segunda fase, a fase de transição, que é a que se atravessa na hora em que se escrevem estas linhas, com a descolonização terminada e as tropas à braseira da família. Esta fase irá até Abril das eleições. Seguir-se-lhe-à a terceira fase, a legal, a da «reconstrução», onde não será admissível o «aventureirismo»,salvo se ele partir de forças eminentemente anticomunistas".

Apesar do pouco tempo decorrido desde o vinte e cinco de Abril até à edição em Junho de setenta e seis, o autor faz uma rara apreciação dos acontecimentos, independente de influências, e com o humor de observador inteligente. Acaba com algumas apreciações sobre alguns personagens da revolução, e só é pena não ter tido vontade ou oportunidade para se alongar com outros pormenores reveladores de muitas falácias e influências que ainda perduram como verdades incontestáveis.

Desejo-vos boas leituras.
JD
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13499: Notas de leitura (622): Trajectórias divergentes: Guiné-Bissau e Cabo Verde desde a Independência, na Revista "Relações Internacionais R:I", dirigida por Nuno Severiano Teixeira (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 5 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3985: Da Suécia com saudade (9) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (9): Por que não fui desertor

Guiné > Região controlada pelo PAIGC, possivelmente na Região de Tombali, no Cantanhez > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas (leia-se: sob controlo do PAIGC) > Novembro de 1970 > Foto nº 45 > Trabalhadores (inevitavelmente balantas) no cultivo do arroz. (Como é sabido, o sul da Guiné era tradicionalmente, e ainda é, o grande celeiro do país).
Sabemos hoje que parte da população controlada pelo PAIGC vivendo dentro do território da Guiné, nas chamadas regiões libertadas (estimada em 80 mil pelas autortidades portuguesas) tinha que ser reabastecida, em arroz, alimentação-base, por não ser autosuficiente. A Inter-Região Sul (à excepção da Frente Bafatá/Gabú Sul) era auto-suficiente na produção de arroz, enquanto a Inter-Região Norte era deficitária.
O fotógrafo norueguês Knut Andreasson e antiga deputada e ex-Presidente do Parlamento sueco, Birgitta Dahl, juntamente com uma delegação sueca, visitaram, a convite do PAIGC, as regiões libertadas na Guiné-Bissau, em Novembro de 1970. Nessa visita tiveram a oportunidade de falar com Amílcar Cabral, na sua casa, entre a sua gente, e obter um conhecimento mais aprofundado da luta pela independência.

Andreasson e Dahl fizeram mais tarde um livro, em sueco, sobre a sua histórica viagem. O Andreasson, por sua vez, fez uma exposição fotográfica com o objectivo de informar a opinião pública dos países nórdicos sobre a luta do PAIGC.

Não só a exposição, mas como a maioria das fotos deste período foram, posteriormente, doadas ao INA - Instituto Nórdico para a África [NAI - Nordic Africa Institute] pela viúva de Andreasson, entretanto falecido . A exposição foi doada à Fundação Amílcar Cabral pelo INA e apresentada por Birgitta Dahl, ex-presidente do parlamento sueco, por ocasião da celebração do 80º aniversário do nascimento do Amílcar Cabral, em Setembro de 2004.

As fotografias tiradas por Knut Andreasson mostram a vida do dia-a-dia das populações e dos guerrilheiros do PAIGC, nas chamadas regiões libertadas. No sítio do NAI, diz-se expressamente que, sendo a Guiné um intrincada rede rios e braços de mar, "a canoa é um importante meio de transporte nestas regiões, tanto mais que os portugueses fizeram explodir (sic) a maior parte das pontes existentes"...

Não há, contrariamente às fotos do húngaro Bara, qualquer alusão à utilização de napalm contra as populações civis, por parte da Força Aérea Portuguesa.

Uma das célebres fotos de Bara István, o fotógrafo húngaro que esteve 'embebed' com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70. (Hoje é um vulgaríssimo fotógrafo comercial). Nesta imagem, da sua fotogaleria, mostram-se os efeitos do napalm. É difícil provar ou negar a sua autenticidade. Presume-se que seja uma vítima dos nossos bombardeamentos.

(A foto ilustra um dos poemas do nosso José Manuel Lopes, que está neste momento a atrevessar a Gâmbia, de regresso a casa, com mais malta da Expedição Humanitária 2009 que foi á Guiné-Bissau). Não se diz exactamente onde foi tirada. A legenda (em húngaro) é a seguinte: Bara István: Napalm áldozata [vítima de napalm, traduzindo para em português].Guinea-Bissau, 1969. Julgamos tratar-se de uma imagem copyleft... De qualquer modo, reproduzimo-la com a devida vénia e agradecimento ao autor e citando a sua página (comercial). Foto: Foto Bara (com a devida vénia...)
Retomando o sítio do INA - Instituto Nórdico para a África, faz-se igualmente referência à histórica taxa de analfabetismo ("mais de 99% da população era analfabeta, quando a luta começou em 1963"), daí a importância atribuída pelo PAIGC à educação. Várias fotografias mostram escolas no mato, tanto para crianças como para adultos adultos.
É referida então "a existência de 75 dessas escolas, sendo uma das primeiras a Escola Piloto em Conacri". É referido também o novo manual escolar, financiado por estudantes noruegueses e impresso na Suécia (*). As imagens, disponíveis no sítio da NAI, mostram também aspectos da organização sanitária do PAIGC e da vida comunitária, de resto em maior núemro do que as fotos de guerra...

Recorde-se que o
Nordic Africa Institute é uma agência dos países nórdicos, com sede na Suécia, em Upsala.

Fonte:
Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI ou INA,. dada por escrito ao editor) (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda) (LG)

1. Mensagem do José Belo, ex-Alf Mil, CCaç 2381, Guiné/68-70/, Ingoré-Buba-Aldeia Formosa-Mampatá-Empada, hoje Cap Inf Ref, na diáspora, na Suécia (**) [Não possuímos infelizmente qualquer foto do José Belo]

(Peço desculpas aos camaradas por erros ortográficos resultantes de dislexia, que, aparentemente, se vai agravando com o passar doa anos, não tendo o meu computador sueco possibilidades de correcção automática da língua portuguesa).
[Revisão e fixaçãop do texto, bem como bold, a cor: Editor L.G.]

Surpreendeu-me que um senhor jornalista português necessite de esclarecimentos quando descreve a guerra colonial em generalidades incorrectas e falaciosas. Não sei a idade ou experiências de vida do sr. jornalista (***), e tenho que reconhecer que, afastado há já muitas décadas do meu querido Portugal, talvez me seja difícil de compreender determinadas "evoluções" descritivas.

Sou um, entre milhares, dos que combateram na Guiné ao lado de Camaradas de todos os recantos de Portugal, e sem nunca esquecer os Guineenses que envergavam com orgulho fardas portuguesas (estes não só ao nosso lado, mas muitas das vezes, literalmente à nossa frente!).

Como tão bem escreveu, na Tabanca Grande, Diana Andringa, não se deve ferver em pouca água, ou perder perspectivas de fundo. Mas não é fácil perante o simplismo do sr. jornalista. Na guerra colonial, como infelizmente em todas as guerras, existiram massacres. De ambos os lados. E que se não esqueça Angola/61! (****). E, apesar de qualquer massacre ser sempre um massacre a mais(!), se tivermos em conta os três teatros de operacões, o número de forças em presença e a duração do conflito, foram miraculosamente poucos!

A esmagadora maioria de nós, os que sacrificaram a juventude em guerra de antemão politicamente perdida, procurou ajudar de alma e coração as populações locais. Como felizmente muitos ainda estamos "vivos", os srs. jornalistas que não saibam...tenham a humildade de perguntar!

Se me desculparem o "pessoalismo", recordo o ano de 1980, quando ainda havia um relativamente grande interesse por parte da sociedade sueca para com os acontecimentos relacionados com Portugal da guerra colonial e de Abril.

Fui procurado por um grupo de jornalistas suecos que, sabendo ter eu sido o Oficial de Segurança e representante do MFA no Depósito Geral de Material de Guerra de Beirolas, procuravam alguns detalhes de histórias relacionadas com acontecimentos dos anos 74/75 passados...do outro lado dos espelhos!

Um deles, representante de um conhecido jornal de esquerda do Norte da Suécia, Norlandsk Flamma, perguntou-me com ironia evidente:
- Se eram assim tão contra a política governamental porque é que cumpriam o serviço militar em África e não desertavam em números substanciais?

Confesso que, no momento, senti vontade de lhe explicar que tendo passado todo o PREC numa guarnição em plena cintura industrial de Lisboa, tinha mais do que um curso completo em grupos, grupelhos e tudo o que de esquerdalhada se tratava quanto a perguntas provocadoras!
Mas como explicar-lhe o facto de, desde o nascimento, nos colocarem sobre os ombros os tais quinhentos anos passados de colonialismos épicos?

Como explicar que desde o Minho aos Açores, todos tínhamos Bisavós , Avós, Pais, Tios Irmãos, Primos, Amigos, conhecidos que cumpriram o seu servico militar algures no império?

Como explicar que o meu Avô, Republicano e anti-salazarista convicto, se orgulhava de ter defendido o Norte de Moçambique aquando dos ataques Alamães da primeira guerra mundial?

Como explicar que o meu Pai estivera voluntariamente como médico no Norte de Angola aquando dos massacres de 61?

Eu, que pretenci aos democratas do antes do 25 deAbril, … desertar? Quando todos os que conhecia com idades próximas da minha se encontravam algures em África?


Por infeliz ignorância, ou produto do nosso forçado isolamento cultural, o desertar era identificado como cobardia para com a Pátria, e não como uma legítima forma de luta política contra o regime. E, francamente, acabaram por ser bem poucos os que o fizeram… por razões extritamente políticas.

Procurando situar-me ao nível da ironia barata do jornalista sueco, nascido, criado, educado numa sociedade livre que não participa em nenhuma guerra nos últimos 360(!) anos, decidi procurar dar alguns detalhes da sociedade da minha Lisboa dos anos sessenta.

Acreditaria ele que estavam colocados polícias da segurança pública à porta dos liceus femininos de uma capital do Ocidente Europeu para afastar (menos delicadamente) os pobres dos namorados de 15/16/17 anos de idade quando as iam esperar à saída das aulas?

Acreditaria ele que a sra. Reitora do Liceu Maria Amália de Lisboa percorria os recreios com uma régua na mão medindo o comprimento moralmente adequado das saias e batas das meninas?

Compreendia ele o que lhe queria mostrar com estes ridículos exemplos de uma sociedade que hoje nos parece incrível?

Serão respostas deste tipo, e deste nível, que o sr. jornalista português necessita para melhor compreender… "enquadramentos"?

Estocolmo 1/3/09.

Um grande abraço amigo para os Camaradas
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3928: PAIGC: O Nosso Livro da 1ª Classe (Manuel Maia, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610, Cafal Balanta / Cafine, 1972/74)

(**) Vd. postes do nosso compatriota e camarada José (ou Joseph) Belo:

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo

6 de Agosto de 2008 >Guiné 63/74 - P3115: Blogpoesia (22): No mesmo navio, piscina e música em camarote de 1ª, suor nos porões...(José Belo).

(***) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

(****) Veja-se o comentário do Jorge Fontinha, que hoje vive na Régua, e cuja guerra começou bem cedo, aos 12 anos, em Nambuangongo (na Guiné, for Fur Mil Inf, CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, CCaç 2791, Set 1970 / Set 1972) .

Eu sou dos que criticam a política Ultramarina de Salazar. Senão fosse ele ter ignorado quem por diversas vezes o aconselhava, na resolução dos problemas Ultramarinos, antes de 1961, a Guerra nem sequer tinha começado.

Já não estou de acordo dizer-se que os militares Portugueses praticaram massacres e tenham sido os únicos.

Infelizmente tinha eu 12 anos, quando a exemplo de outras, a fazenda do meu pai em NAMBUANGONGO, foi massacrada e lá ficou o meu único irmão morto à catanada. Nove anos mais tarde fui militar na Guiné e em zonas de intensa actividade operacional.

Que tenha sido do meu conhecimento, não vi massacres nossos. Sei que houve e sobretudo em Moçambique algumas acçõess desnecessárias. Talvez na Guiné possa também ter havido algumas semelhantes. Todavia se vamos falar de massacres comecemos pelo 15 de Março de 1961!

Os meus cumprimentos à Diana Andringa, jornalista com "J" grande, que ao londo dos anos aprendi a respeitar.É um exemplo a seguir pelos seus colegas.

Jorge Fontinha

Outro combatente, que andou por Angola, Júlio Pinto, membro da nossa Tabanca Grande, também ironiza:

Li agora, no blogue, o parágrafo do artigo da Visão e fiquei convencido de que a juventude que andou na guerra do Ultramar, andou lá a fazer tiro ao alvo aos elementos das populações locais e depois, para justificar que andavam na guerra, desataram a disparar uns contra os outros.

Fizeram explodir minas só para inglês ver e espetaram com as viaturas umas contra as outras, para dizerem que foram minas.

Então de acordo com esta atitude, morreram milhares de jovens, desapareceram em combate outras dezenas deles e milhares de muitos outros são hoje deficientes das forças armadas.

Claro que o jornalista que escreveu esta aberração de artigo, no tempo em que por lá andávamos, ainda devia andar no c... dos franceses. [Ele] evia ter lá andado, como nós, e com alguns de nós, que passaram as passas do Algarve, sem ter de comer, com água da pior qualidade, muitos sem sequer terem material de guerra, para poder responder ao IN (inimigo para ele saber o que isto quer dizer).

Não há dúvida, nós fomos os maus e os outros foram os bons. No entanto são os maus da fita que organizam expedições, como esta que partiu agora de Coimbra com destino à Guiné, para levar algo útil àquele povo.

Pergunto onde estava a Visão que deste belo acto não viu nada? O que este jornalista merecia sei-o eu (...). Além de tudo, (...) só demonstrou uma enorme falta de respeito por uma geração que deu tudo à Pátria.

Júlio Pinto
Ex-Combatente em Angola
como 2º Sargento de Artilharia
pinto.jvp@gmail.com

Vd. último poste da série de: 24 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3512: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (8): Proposta de Bordel Móvel de Campanha...