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segunda-feira, 15 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22009: Notas de leitura (1347): "A Batalha do Quitafine", por José Francisco Nico; edição de autor, 2020 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2021:

Queridos amigos,
 
O livro do General José Francisco Nico relata o conjunto de missões que conduziram ao aniquilamento da artilharia antiaérea do PAIGC na península de Quitafine. O autor aparece munido de credenciada documentação e testemunhos apropriados. A descrição de tudo quanto vai acontecer em 1968, ficará para o próximo texto. 

O General Nico não se circunscreve à problemática da Força Aérea, tece juízos negativos ao modo como se pôs termo à guerra colonial e aos consequentes atropelos à dignidade humana ocorridos na descolonização. Talvez mal informado quanto ao modo como se conduzia a guerra no solo, tece considerações quanto à presença do PAIGC em bases, e fala no título da própria obra na fantasia das áreas libertadas. 

Bem documentado sobre o que se passa na Força Aérea, talvez não tenha tido tempo para ler a Resenha das Campanhas de África, edição do Estado-Maior do Exército, no que tange à Guiné, quando a ler ficará seguramente surpreendido, pois além dos abastecimentos provindos da Guiné Conacri e do Senegal havia bases que podiam ser destruídas num dia e eram reconstruídas noutro, faz parte da essência das guerras de guerrilha, a generalidade da população aceitava esta dolorosíssima guerra do jogo, como ficou comprovado.
 
É a permanente tendência de confundir a nuvem com Juno, a árvore com a floresta.

Um abraço do
Mário



Memórias da destruição da artilharia antiaérea do PAIGC, na península do Quitafine (1)

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição de autor, a segunda, com data de novembro de 2020. Esta obra do Tenente-General Piloto-Aviador José Francisco Fernandes Nico encerra volumosas considerações sobre estratégia político-militar de guerrilha e contraguerrilha, tece considerações altamente críticas sobre os acontecimentos do 25 de Abril e o processo da descolonização e dá-nos um quadro das diferentes operações que decorreram entre outubro de 1967 e janeiro de 1970 que levaram à eliminação sistemática da artilharia antiaérea do PAIGC pela Esquadra 121 do Grupo Operacional 1201. 

O autor observa na introdução que ainda se verificaram episódios isolados do emprego deste tipo de artilharia, passados em Gandembel (28 de julho de 1968) no ataque a Ganturé (6 de janeiro de 1969) e em Sare Morso (1 de julho de 1970), referindo que depois deste último episódio não se verificaram novas ocorrências até ao aparecimento, em março de 1973, dos mísseis Strela-2.



Inicia o seu livro com o que ele chama confronto de assimetrias, no caso o isolamento político português que não aceitava negociações com os movimentos de libertação e as vantagens que o PAIGC detinha dada a natureza dos apoios que recebia. Em muitas das suas declarações o autor está próximo das tomadas de posição sustentadas pelo regime de Salazar e Caetano, diz abertamente que Portugal tinha uma visão para o futuro dos seus territórios que passava por uma comunidade multirracial alicerçada numa interação histórica. 

Não esquece de mencionar que havia portugueses aliados dos movimentos de libertação, o MFA era liderado por oficiais com ligações aos movimentos oposicionistas e, em particular, com ligações ao PCP. Nunca se compromete com o que teria sido um desfecho promissor para as independências das colónias, apresenta explicações miríficas, que talvez tivessem cabimento no caso de não ter havido, como houve, uma escalada sem retorno nos conflitos bélicos, de tal modo, como hoje é sabido por documentação publicada nos últimos anos, que o próprio Marcelo Caetano passou os últimos meses a procurar soluções de autodeterminação para Angola e Moçambique e mandou secretamente também, encetar conversações com o PAIGC para se encontrar um cessar-fogo. 

Toda esta situação de descalabro não merece nenhum comentário ao autor, mas formula um juízo sentenciador:

“Quando se conclui que a estratégia seguida numa guerra deixou de ter condições de sucesso, e a derrota se apresenta inevitável, é mandatório a adoção de uma outra com novos objetivos, mas que continue a defender, tanto quanto possível, o interesse nacional. A cedências total aos adversários, sem ouvir ou considerar as populações dos territórios, não foi outra estratégia, mas uma derrota perante as exigências dos oponentes. Uma nova estratégia teria que assumir a descolonização perante a ONU, para neutralizar a justificação da guerra, e uma continuação da contenção militar do inimigo direto que viesse a permitir um acordo realmente negociado”.

Mirífica proposta, basta recordar que a direção do PAIGC estava pressionada pelos movimentos congéneres de Angola e Moçambique para obter rapidamente o reconhecimento da independência, para não haver recuos, e se o novo governo português obstaculizasse se intensificasse a guerra na Guiné, o que já não era plausível, a partir de junho de 1974 encetaram-se conversações que marcaram o recuo das posições portuguesas, as nossas tropas declaradamente depuseram as armas, enquanto a população recebia os guerrilheiros com sinais de entusiasmo. 

Tudo isso está demonstrado, era impensável instituir qualquer outra estratégia, como a do referendo, Spínola bem ensaiou essa movimentação, pronto o PAIGC ameaçou com a continuação da guerra, seria o descalabro.

O autor faz referências aos primeiros anos da defesa antiaérea do PAIGC, elenca as baixas em voo havidas, o que se chama artilharia antiaérea é uma expressão que só ganha verdadeiramente conteúdo de 1966 para 1967, o apoio técnico-militar cubano revelou-se fulcral, em meados de 1966 o avião G-91 passou a fazer parte das operações, dando-lhes uma maior proteção. 

Obviamente que o autor nos faz compreender as razões da escolha da península de Quitafine, para a implantação da artilharia antiaérea e para o uso do slogan de área libertada. Um tanto à revelia do assunto, e porventura para demonstrar à saciedade que as áreas libertadas eram uma pura mistificação propagandística, refere que os ataques provinham de grupos que vinham do exterior e que para o exterior retiravam. 

Há aqui manifesta falta de cuidado na leitura dos relatórios militares. Creio que as edições do Estado-Maior do Exército sobre as campanhas de África, caso vertente da Guiné, são eloquentes quanto à permanência de bases flexíveis nas proximidades de muitíssimos destacamentos. Não falo só do que vivi, tinha a cerca de 20 quilómetros do meu principal destacamento Madina e Belel, no Cuor, estava rigorosamente proibido de me afoitar até ali com um pelotão, todos os anos havia uma operação à região, habitualmente mal sucedida, havia população que cultivava os terrenos e contatos estavam estabelecidos com a população civil, aparentemente sobre a nossa direta custódia, ainda hoje não se fez um estudo que nos desse uma ideia do que era verdadeiramente o duplo controlo. 

Recorde-se o Xime ou o Xitole ou Mansambo, no setor de Bambadinca: patrulhamentos, colunas de abastecimento, emboscadas e de vez em quando uma operação. O PAIGC estava de pedra e cal no regulado do Xime no Burontoni, Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Tabacutá, Mina, Galo Corubal. 

Depois do 25 de Abril, o Brigadeiro Hélio Felgas, que foi Comandante do Agrupamento de Bafatá, e responsável pela Operação Lança Afiada, que movimentou um bom número de companhias durante doze dias se esfalfaram em toda esta região do Xime, Mansambo e Xitole, encontraram uns velhinhos e uns carregadores, obviamente que ninguém esteve interessado no contato direto, regressaram nas calmas, teceu um comentário sobre a natureza da guerra de guerrilhas, alegando que era manifestamente impossível perante gente ideologicamente firme, e com um elevado sentido de organização da população civil, pondo em causa a estratégia deste tipo de operações de bate e foge. Foi o que aconteceu, do princípio ao fim da guerra.

Voltemos à artilharia antiaérea, o autor fala-nos das munições usadas pelos equipamentos do PAIGC (munições tracejantes), casos de deteção, contextualiza a eficácia do poder aéreo na Guiné, como se foi descobrindo a guerrilha antiaérea, a tática usada pela guerrilha para passar despercebida durante os voos de reconhecimento e chegamos aos primeiros meses das operações. É referenciada uma operação abortada, a operação Apocalipse, que o Coronel Krus Abecassis, então Comandante da Zona Aérea em 1966, delineou e que foi rejeitada pelo os seus oficiais, entendia-se que o risco era demasiado elevado. 

É nesse ano que a tática antiaérea se alterou radicalmente com a chegada das antiaéreas fixas, bem ilustrada na obra e até a sua localização, dá-se conta da capacidade desta contraguerrilha antiaérea e regista-se o seu posicionamento. E em março de 1968 começa a missão que conduzirá ao seu aniquilamento.

(continua)

Imagem de um Fiat G-91, extraída do livro Portugal’s Guerrilla Wars in Africa: Lisbon’s Three Wars in Angola, Mozambique and Portuguese Guinea, 1961-74, por Al J. Venter, Edições Helion & Company Limited, 2013, livro acessível em pdf  aqui.

Metralhadora pesada ZPU-4, extraída do trabalho A Guerra das Antiaéreas na Guiné (1965/1970), por José Matos, acessível em https://www.revistamilitar.pt/artigo/1355.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19962: Notas de leitura (1195): "Crónicas de um tenente", de Fernando Penim Redondo, Lisboa, edições Colibri, 2019, 188 pp. Prefácio de Mário de Carvalho (A. Marques Lopes)




Capa e contracapa do livro de Fernando Penim Redondo, "Crónicas de um tenente: Guiné-Bissau, 1968-2018". Lisboa: Edições Colibri, 2019, 188 pp. Preço de capa: 15 €, (Prefácio: Mário de Carvalho)


A. Marques Lopes
1. Mensagem de A. Marques Lopes, com data de 8 do corrente:

[cor art DFA, na reforma, ex-alf mil art, CART 1690, Geba, e CCAÇ 3, Barro (1967/68)];autor de "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial" (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp.); tem mais de 240 referências no nosso blogue; lisboeta, vive em Matosinhos]


Não conheci o meu amigo Fernando Penim Redondo na Guiné, embora, pelo que vejo, ele tenha passado várias vezes pelo sítio onde fui colocado na segunda vez em que fui mandado para a Guiné, também em Maio de 1968, Barro, quase pegado às margens do Cacheu.

Conhecemo-nos e fomos amigos, ele e a Rosa, mulher dele, nos tempos memoráveis de 1974 e 1975.

Diz o Fernando no início do seu livro:

"No dia 1 de Maio de 1968, o Tenente largou do Tejo, rumo à Guiné, a bordo da fragata Corte Real. Era então um jovem fuzileiro, de 22 anos, recém-casado, que interrompera os estudos de Economia na Universidade de Lisboa.

Em Bissau integrou a 6, a Companhia, aquartelada no INAB, junto ao Geba. A missão consistia essencialmente na escolta de comboios de embarcações que abasteciam os quartéis do Exército no interior do território.

Subiu e desceu os principais rios da Guiné comandando as missões a partir das lanchas da Armada.

Navegou no Cacheu até Farim, no Mansoa, no Geba e no Rio Gran­de de Buba. Ligou por mar a foz desses grandes rios e também foi a Catió, a Bolama e aos Bijagós.

A guerra era uma realidade penosa para quem como ele, jovem mi­litante comunista, se opunha ao domínio colonial e defendia a inde­pendência das colónias. Partilhou esse drama pessoal com a sua mulher, que trabalhou como professora de História no então Liceu Honório Barreto.

A fotografia constituiu um paliativo. Ao fotografar a dignidade do povo guineense, a beleza das suas mulheres, o porte dos seus ho­mens e o encanto das suas crianças, ele tinha a impressão de estar a fazer um gesto de amizade no contexto da guerra.

Tal como muitos outros jovens da sua geração aprendeu, 'no ter­reno', a grande lição da relatividade da nossa própria cultura. »


2. Sinopse da obra

No corredor da prisão instalara-se um caos, cada um tentando perceber se iam ser fuzilados ou libertados. Ao fim de algum tempo lá apareceu um oficial, mais sensível, que lhes explicou o que estava a acontecer. Começou então a longa espera até que a Junta de Salvação Nacional aceitasse libertar todos os presos e não apenas alguns. A comunhão dentro da prisão era completa e o Tenente reencontrou a sua mulher que, sem ele saber, se encontrava na outra ala do edifício prisional.

Como se formava um jovem progressista nos turbulentos anos 60?
Como se lutava contra a guerra colonial, antes e depois de nela ter participado?
Como se navegava, e encalhava, nos rios da Guiné com incêndios, abalroamentos e bazucadas?
Como podem a poesia e a fotografia ajudar um combatente contrariado?
Como reagir quando nos entra pela cela dentro um camarada de armas, durante uma inesperada revolução?
Como se sente o regresso, 50 anos depois, ao lugar da guerra e da juventude?

/Este não é / um livro de fotografia / mas tem muitas imagens
/Este não é / um livro de poesia / mas tem vários poemas
/Este não é / um livro biográfico / mas conta certas estórias / que mostram / o sentido de uma vida.

3. Sobre o autor: Fernando Penim Redondo:

(i) nasceu em Lisboa, em 1945;

(ii) estudou economia no ISCEF, curso que não concluiu:

(iii) adere ao Partido Comunista Português em 1966 e é eleito, no mesmo ano, para a Direcção do Cineclube Universitário de Lisboa;

(iv) em 1967 é incorporado na Armada e segue para a Guiné, como tenente dos fuzileiros, onde fica até 1970;

(v) especializado em gestão da produção, automação e CAD/CAM, conduziu projectos em dezenas de empresas industriais portuguesas mas fez carreira, durante 23 anos,  como Systems Engineer na IBM (1970-1993) - e posteriormente como gestor;

(vi) em paralelo com a carreira profissional mantém sempre a actividade política: é  preso em 18 de Abril de 1974 e libertado pela Revolução dos Cravos; é eleito para a CT da IBM de 1974 a 1975 e de 1981 a 1993; é eleito para a direcção do Sindicato do Comércio e Serviços (CESL) de 1989 a 1993.

(vii) a partir de 2000 dedica-se a actividades de jornalismo tecnológico com base na Internet;

(viii) tem página no Facebook.

Fonte: Adapt. de Edições Colibri
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Nota do editor:

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18924: Bibliografia (48): "Portugal à Lei da Bala, Terrorismo e violência política no século XX", por António Luís Marinho e Mário Carneiro; Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2018 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2018:

Queridos amigos,

Esta palpitante reportagem, com um acervo de imagens bem adequado, leva-nos a questionar qual a substância que atribuímos a esse axioma de que Portugal é um país de brandos costumes. Os autores passam em revista o terrorismo e a violência política no século XX, obviamente que nos devidos contextos, tudo começa com o anarquismo, a Carbonária, o Regicídio e o processo que se seguiu e de que se perdeu o rasto; a I República, a Lei da Bomba, a Formiga Branca, os assassinatos políticos, os ensaios para a ditadura, os complôs até ao 28 de maio de 1926; a ditadura e as insurreições, especialmente de 1934 a 1937, vidreiros, marinheiros, anarquistas, e depois 1961, logo com a tomada do Paquete de Santa Maria, as ações da LUAR, das Brigadas Revolucionárias, um acervo de ações contra a guerra colonial; e com o 25 de abril, o ELP, o MDLP, a FLAMA, a FLA, as Forças Populares 25 de Abril e algo mais.

Admita-se que somos estruturalmente de brandos costumes mas é largo o número das exceções que atravessam o século XX, pelo menos.

Um abraço do
Mário


Terrorismo e violência política em Portugal, no século XX

Beja Santos

A imagem nacional e internacional que temos é que somos um país de grandes costumes, um povo muito gentil, acolhedor, a violência é mínima, tratando-se de gente tolerante, multicultural, as práticas bombistas, o assassinato político, o sequestro, são resquícios do passado, vivemos em grande amenidade, a despeito de algum frenesim de tabloides ou canal de televisão bombástico.

No entanto, o século XX português está pontuado por violência política e atos terroristas conforme é patente num livro altamente pedagógico, de escrita palpitante, elucidativamente ilustrado, de título "Portugal à Lei da Bala, Terrorismo e violência política no século XX", por António Luís Marinho e Mário Carneiro, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2018.

Quando as práticas anarquistas chegaram a Portugal e se tornaram notórias, já tinham feito o seu caminho de tal modo que no final do ano de 1998 se realizou em Roma a Conferência Internacional pela Defesa Social contra os Anarquistas. Em finais de 1901, Theodore Roosevelt, presidente dos EUA, declarava que “O anarquismo é um crime contra a espécie humana, e toda a humanidade se deverá unir contra os anarquistas. Os seus crimes devem ser estigmatizados como ofensas contra as leis das nações”.

Os autores recordam estes anarquistas e a Carbonária devem ser vistas como peças fundamentais no derrube da monarquia em Portugal. A Casa de Bragança começa a oscilar com uma contestação onde se cruzam o Ultimato Inglês de 1890, uma crise financeira agudíssima, a ascensão dos ideais republicanos, os gastos na pacificação do Império Africano, e a questão religiosa não era despicienda, dividia as próprias forças apoiantes do regime monárquico. As tensões avolumavam-se na capital, aqui se concentravam centenas de conspiradores, se organizavam sociedades secretas, conspirava-se nos cafés, há insubordinações militares, os republicanos ganham a Câmara de Lisboa e aparecem coligados na autarquia do Porto, a incapacidade de entendimento entre partidos monárquicos leva a que D. Carlos apoie o regime musculado de João Franco, assinou a sua sentença de morte. O livro dá-nos diferentes angulações do que foi o regicídio e quem eram os possíveis mandantes dos regicidas.

E assim chegamos à República, um tempo de greves, de bombas, de assassinatos, de governos precários, até de levantamentos monárquicos capitaneados por Paiva Couceiro, agravam-se as relações entre a Igreja e o Estado, aparece o terrorismo da Formiga Branca, tempo de complôs e de um país completamente dividido quando se perfila a necessidade de tomar posição face à I Grande Guerra, são anos de golpes, de governos que se pretendem autoritários, de Pimenta de Castro a Sidónio Pais, depois o terror da Legião Vermelha, a noite sangrenta em que se assassinou António Granjo e outros, a camioneta-fantasma ganhou foros de veículo terrorista, símbolo de massacre, assim se foi decompondo a I República, em total instabilidade e revoltas militares até que triunfou aquela que foi encabeçada por Gomes da Costa que partiu de Braga e chegou calmamente a Lisboa, em maio de 1926.

As revoltas não vão abrandar, como a da Marinha Grande, em 1934, a dos Marinheiros, em 1936, tenta-se liquidar Salazar à bomba em 1937, o Estado Novo ergue-se fazendo vergar as oposições políticas e volatizando os adeptos do anarco-sindicalismo, a violência em grande escala regressa em 1961 com a tomada do Santa Maria e a tentativa do assalto do quartel de Beja. A LUAR – Liga de Unidade e Acção Revolucionária – entra em atividade em 1966, era liderada por Hermínio da Palma Inácio, torna-se uma dor de cabeça para o regime, assalta-se a agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, desvia-se um avião, lançam-se panfletos sobre Lisboa. E com a guerra colonial os comunistas queriam o seu braço armado, a ARA – Acção Revolucionária Armada –, o seu nome está ligado a uma sabotagem ao navio Cunene, ataca-se a Escola Técnica da DGS e o Centro Cultural Norte-Americano, em março de 1971, a ARA destrói aeronaves em Tancos, 11 aviões e 17 helicópteros, era a maior parte da frota destinada à instrução dos pilotos que iriam combater na guerra de África, mas há muito mais ações ligadas às Brigadas Revolucionárias e à ARA, tudo aparece descrito em Portugal à Lei da Bala.

Depois de uma trégua, curta, a seguir ao 25 de abril de 1974, temos novos protagonistas: o ELP – A Armada Anticomunista, mas apresentada como o exército de libertação de Portugal, o seu nome tal como o MDLP, associado a Spínola e Alpoim Calvão, fizeram história atacando sedes e centros de trabalho do PCP e do MDP/CDE bem como de partidos da extrema-esquerda, haverá nos Açores a FLA – Frente de Libertação dos Açores, que emergira do Movimento para a Autodeterminação do Povo Açoriano, haverá atividades e algumas bombas, na Madeira foi tudo mais brando, a FLAMA – Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira também lançou uma campanha bombista, mas mais modesta.

Na década de 1980 fizeram furor as FP-25 de Abril, que levaram uma das figuras míticas do 25 de abril, Otelo Saraiva de Carvalho, à prisão. Portugal não irá escapar a ajustes de contas de certos movimentos do terrorismo internacional, num congresso da Internacional Socialista, em abril de 1983, é morto um dirigente da OLP, e nesse mesmo ano um comando de 5 terroristas pertencentes ao Exército Revolucionário Arménio ataca a Embaixada da Turquia em Lisboa e faz reféns; Evo Fernandes, representante da RENAMO em Portugal, é executado perto de Cascais por agentes do Serviço Nacional de Segurança Popular, de Moçambique. E os GAL – Grupos Antiterroristas de Libertação, financiados com dinheiros do governo espanhol para combater a ETA, tinham uma ligação portuguesa.

Com este rol de práticas, é mesmo de questionar se somos um povo de brandos costumes…

Leitura a não perder.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18415: Bibliografia (47): “Lamento de uma América em Ruínas”, por J. D. Vance; Publicações Dom Quixote, 2017 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18239: Notas de leitura (1034): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,

Não se põe em causa o entusiasmo e a vontade de investigar deste doutor em Ciência Política. Mas há enviesamentos e erros crassos que bradam aos céus. Como é que é possível um júri de um doutoramento deixar passar em branco Cacheu como capital da Guiné?

Recorde-se que foi a 4 de Agosto de 1914 que se deu às vilas de S. José de Bissau e de Bolama a categoria de cidade, e de vila às povoações de Cacheu, Farim e Bafatá.

Como é que é possível passar em branco a ligeireza de dizer que Amílcar Cabral era mestiço, não se tem em conta a definição de mestiço?

Como é que é possível um júri aceitar num doutoramento afirmações como as de que Amílcar Cabral era um pau-mandado do PCP?

A despeito destes dislates, a despeito de termos que tragar 100 páginas iniciais nada convidativas para a substância em análise, o doutor Livonildo trabalhou, foi pena não ter sabido resistir a especular e a fazer afirmações sem fundamento.

Vamos continuar.

Um abraço do
Mário


Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (1)

Beja Santos

A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política, foi ele quem acompanhou o programa do curso do doutorando e tece-lhe aqui os maiores elogios:

“A extensa obra do doutor Livonildo engloba, além da descrição e explicação de vários conceitos inerentes ao domínio do objeto de estudo da Ciência Política, uma análise histórico-sociológica do povo (dos povos) da Guiné-Bissau, uma caraterização fundamentada e aprofundada das dimensões política e social deste país, uma crítica ao sistema de governo que tem vigorado na Guiné-Bissau desde a sua independência e a proposta de um novo sistema político de governo para estabelecer e garantir a paz e a concórdia neste país africano de língua oficial portuguesa.

Esta obra, pela natureza e dimensão da sua substância, pela originalidade do seu propósito e pelo rigor concetual da sua terminologia, reveste-se de importância relevante (…) A sua leitura atenta ajudará a desfazer muitos equívocos terminológicos e ajudará também os cientistas políticos a prosseguir com o rigor concetual da Ciência Política".

Antes de mais, é sempre de questionar se se deve publicar na íntegra uma dissertação de doutoramento, que é alvo de formato próprio, com indicações metodológicas e uma carga expositiva que, dada à estampa como livro, pode assumir uma enorme carga dissuasora para a leitura. É este um dos casos, e convém explicar porquê. Quando o leitor está à espera das razões que suscitaram a proposta do investigador, segue-se uma revoada de nomes ligados à epistomologia da ciência, seguindo-se, também despropositado, um apanhado de conceitos básicos de ciência política, nisto já estamos em 100 páginas, o leitor a arder em curiosidade.

Quer-se lembrar ao autor e ao professor catedrático que o orientou que Cacheu nunca foi capital da Guiné, tal designação é pura fantasia, é verdade que foi uma vila com enormíssima importância mas não há um só documento histórico em que o nome de Cacheu apareça conotado com a designação de capital. A Constituição Liberal nem mesmo referia a existência da colónia na Guiné, falava em Cacheu e Bissau, todos sabemos que a presença portuguesa foi durante séculos diminuta, assentava no Litoral e em pontos aprazíveis dos rios, aí se fazia tráfico de escravos e outros negócios; a missionação foi um falhanço rotundo, a obra missionária não recebeu os estímulos necessários nem podia contar com populações amigáveis; recorde-se a questão de Bolama, recorde-se a Convenção Luso-Francesa, a Conferência de Berlim e o imperativo de ocupar o território que nos fora cedido como enclave na África Ocidental francesa.

Estamos agora no enquadramento histórico da Guiné-Bissau, são indicados os povos que compõem o mosaico étnico, o historial imperial que precede a presença portuguesa é relatado à luz dos conhecimentos atuais, e tem cabimento o que o autor refere sobre os podres locais e as suas tradições, que sofreram profundas alterações com a chegada dos Mandingas, Fulas e dos portugueses. O autor fala permanentemente na Guiné-Bissau, o termo não tem nenhum rigor, quanto muito pode falar em Senegâmbia, rios da Guiné de Cabo Verde ou na colónia na Guiné, a Guiné-Bissau é termo a usar para o país independente. Estamos agora noutra vertente do estudo, a guerra colonial, o autor abre polémica desnecessária quando discreteia sobre as causas da guerra de libertação:  

“Os causadores da guerra colonial foram, na sua esmagadora maioria, os opositores portugueses do Estado Novo em conluio com as chefias africanas, em especial as que comungava a ideologia socialista baseada no comunismo do tipo marxista-leninista (…) Uma primeira leitura leva-nos a dizer que o PCP e os países comunistas usaram alguns cabo-verdianos e estes, por sua vez, usaram alguns guineenses, sendo o PCP um intermediário nestas relações.

Uma segunda leitura diz-nos que neste estabelecimento de alianças, alguns guineenses/grupos étnicos esclarecidos viram nesta situação a oportunidade de se sujeitaram a curto e médio prazo para, a longo prazo, quando a vitória estava próxima, começaram a inverter a relação de ordem hierárquica da aliança. Estas duas leituras podem enquadrar-se em algumas teorias clássicas. Só na fase final, para prevenir que a queda do regime fosse associada apenas à guerra colonial, estes agentes intervieram em Portugal com um pequeno gesto, o golpe militar de 25 de Abril”.

Não sabemos onde é que o doutor Livonildo foi buscar argamassa para tanta especulação, não indica a conveniente bibliografia que ponha este fantasma comunista na boca de cena. As especulações agravam-se quando, logo a seguir, encontra fortes analogias entre Amílcar Cabral e Honório Pereira Barreto. Não sabemos como é que o doutor Livonildo descobriu que Amílcar Cabral era mestiço, dava a sua ascendência de dois cabo-verdianos, a não ser que tenha provas de algum bisavô branco, mulato ou guineense, e fica-se perplexo como este despautério passa no júri de doutoramento.

Para quem já segue esta leitura de vias sinuosas reticente, o que se segue é de assombração: a guerra colonial, vista pelo autor, é uma quase repetição das antigas alianças de Portugal (Cabo Verde, Mancanhas, Manjacos, Papéis e individualidades) contra as alianças Mandinga do Império de Gabu (Beafadas, Balantas, Fulas, etc) na antiga Guiné. Leia-se com todo o sangue frio possível:

“A guerra colonial na Guiné-Bissau foi, em grande parte, da autoria do PCP (e também da FPLN) responsável pela esmagadora maioria de instruções que Amílcar Cabral executou. Sozinho, Cabral teria tido dificuldade de reunir as condições necessárias para enfrentar o poderoso colonialismo português”.

O doutor Livonildo comprovadamente que não estudou a formação ideológica de Cabral, o seu itinerário político, a organização do PAIGC a partir de 1959 e os apoios que o movimento de libertação recebeu. Tivesse feito essa investigação e não se atreveria a escrever estas barbaridades. Refere que a primeira operação militar contra posições portuguesas foi realizada pela FLING, não é verdade, o ataque a S. Domingos e a vandalização de Varela, em 1961, foi obra do MLG – Movimento de Libertação da Guiné, comandado por François Mendy, um Manjaco que se movimentava bem em Ziguinchor e Koldá, arregimentou um grupo de homens e fez duas incursões a partir do Senegal.

Aceita-se o que o autor refere quanto à escolha, para base das guerrilhas do PAIGC, da República da Guiné Conacri. Mas não se contém e lança tiradas levianas como se a ciência política se permitisse andar a pôr a História em tribunal, e encontrar sem fundamento analogias entre o presente e o passado, como se exemplifica:

“Portugal prejudicou a Guiné Conacri e beneficiou o Senegal ao aceitar a troca de Casamansa por Cacine – este era mais um motivo para os senegaleses se manterem cautelosos face ao PAIGC e aos seus aliados Felupes que desejavam recuperar o Casamansa".

Fiquemos ora por aqui. O que a seguir se vai escrever sobre o assassinato de Amílcar Cabral é uma efabulação sem limites, tudo palpites, temos que questionar a toda a hora se a tese de doutoramento se tornou num romance de espionagem.

(Continua)

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Sobre o autor, Livonildo Francisco Mendes:


(i) Livonildo Francisco Mendes (Ildo) nasceu a 28 de Julho de 1974 em Cacheu (Guiné-Bissau), cidade que é considerada o berço da civilização dos guineenses e a primeira capital da Guiné-Bissau;

(ii) conheceu muitas zonas da Guiné-Bissau, graças ao trabalho que o pai, empregado comercial, exerceu desde o período anterior à luta armada até a década de 1990;

(iii) terminado o ensino secundário, foi convidado pelo Ministério da Educação para dar a sua contribuição ao país, tendo trabalhou na Região de Cacheu como Professor de Língua Portuguesa no Liceu Regional Hô-Chi-Minh, em Canchungo e como Professor contratado de Filosofia no Liceu Unidade Escolar 23 de Janeiro, em Bissau;

(iv) frequentou até ao terceiro ano a Licenciatura em Direito na Faculdade de Direito de Bissau;

(v) em 2001 ganhou uma Bolsa de Estudo para Portugal;

(vi) fez o  12º ano na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro (Caldas da Rainha), após o que foi para Coimbra, onde concluiu a Licenciatura e o Mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra – com uma Dissertação de Mestrado intitulada “Democracia na Guiné-Bissau: por uma mudança de mentalidades”; 

(vii) depois do Mestrado, sentiu necessidade de complementar a sua formação na área da Ciência Política e, por esta área de formação não existir em Coimbra, mudou para a Universidade Lusófona do Porto;

(viii) em 2014, terminou o Doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto, com uma Tese intitulada “Modelo Político Unificador - Novo Paradigma De Governação Na Guiné-Bissau”.;

(ix) A Dissertação e a Tese serviram de base a ao livro “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau” (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 594 pp.)

Fonte: Adapt. de Chiado Editora  > Autores > Livonildo Francisco Mendes

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18227: Notas de leitura (1033): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (18) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16684: Inquérito 'on line' (81): a avaliar pelo total de respostas (n=91), só uma minoria (15%) refere a existência de casos de deserção (n=15) na sua unidade (companhia ou equivalente)... Menos de metade do que terá ocorrido na metróple (=34)... Impossível saber se há casos repetidos... A nossa estimativa, grosseira, é de 500 casos de deserção em toda a guerra: 2/3 na metrópole, 1/3 no TO da Guiné


Universidade de Coimbra > Centro de Documentação 25 de Abril > "Guerra, Deserção e Exílio | Exposição virtual" > Jormais e revistas > Capa do boletim "Guerra à Guerra", nº 1,  maio de 1972,  do CDP - Comité de Desertores Portugiueses, Suécia. Tinha 16 páginas, impresso a offset, era escrito todo em inglês (com exceção de dois parágrafos, em português...) e custava 2 coroas suecas ou 2 francos franceses... Não se escondia as dificuldades que esperavam os jovens desertores e refratários portugueses, em países como a França, a Holanda ou a Suécia: a língua, a burocracia, o controlo policial, as dificuldades de alojamento, a demora na regularização da situção legal (às veses quase um ano), a busca de trabalho, etc. O país "mais acolhedor" ainda era a Suécia que, no entanto, não dava "asilo político" aos desertores e refratários.. As oportunidades de permanência eram melhores. Havia 3 seções do CDP, em Malmo-Lund, Estocolmo e Uppsala... Esta primeira edição do boletim era da responsabilidada seção de Malmo-Lund. Não aparece nenhum nome português associado a este coletivo. Pelo conteúdo e pelo grafismo, o boletim parece seguir uam orientação maoista. A posição do CDP face é deserção era clássica:(i) a deserção afeta moral e materialmente as forças armadas, principal esteio de apoio da burguesia que explora a classe trabalhadora em Portugal e nas colónias; (ii) os jovens portugueses não devem recusar fazer o  serviço militar, o seu treino é muito importante para o combate revolucionário a travar em Portugal (e não no exílio); (iii)  os jovens devem aguentar-se o mais tempo possível em Portugal; (iii) uma vez mobilizados para a guerra colonial, devem então desertar levando com eles as suas armas...  Nada mais simples, para...um sueco!


 (Reproduzido com a devida vénia...)

(...) "Por ocasião do Colóquio O (AS)SALTO DA MEMÓRIA : Histórias, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio, realizado em Lisboa, na FCSH-UNL, no dia 27 de Outubro de 2016, o Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra, oferece uma exposição virtual de documentos, selecionados a partir de vários dos seus fundos e coleções." (...) Há livros e outros documentos, hoje já raros (como este que se reproduz acima), que inclusive podem ser descarregados pelo visitante em pdf.


A. INQUÉRITO 'ON LINE':

"NA MINHA UNIDADE (COMPANHIA OU EQUIVALENTE) NÃO HÁ CASOS DE DESERÇÃO"




1. Nenhum caso, na metrópole > 46 (50%)


2. Nenhum caso , no TO da Guiné > 58 (63%)


3. Um caso, na metrópole  > 17 (18%)


4. Dois casos, na metrópole  > 4 (4%)


5. Três ou mais casos , na metrópole  > 3 (3%)


6. Um caso, no TO da Guiné  > 13 (14%)


7. Dois casos, no TO da Guiné  > 1 (1%)


8. Três ou mais, no TO da Guiné 0 (%)


Total de votos apurados >  91



A sondagem fechou na 5ª feira, dias 3, às 15h34.


B. Comentário do editor


Não sei se um dia ainda chegaremos a saber qual foi o número exato de refratários e desertores da guerra colonial (ou do ultramar, como se queira).

Era bom que os nossos jovens historiadores, que felizmente não fizeram a guerra, nem viveram as paixões dessa época, pudessem dar um contributo decisivo para o esclarecimento deste assunto, durante muto tempo tabu na sociedade portuguesa.

Há dias fomos confrontados com um número (8 mil desertores), avançado por dois jovens historiadores ligados ao Centro de Documentação 25 de Abril /(CD25A), o Miguel Cardina e a Susana Martins (*).


Mas voltando aos desertores da guerra colonial...

Há quem tenha a veleidade de encerrar a história por capítulos. É uma conceção errónea da investigação científica. A história é um domínio fortemente marcado pela conflitualidade teórico-ideológica. Continuaremos a assistir à utilização dos números sobre a guerra como “arma de arremesso” por diferentes sectores da sociedade portuguesa, e nomeadamente na leitura e interpretação da guerra colonial, da decolonização e do 25 de abril.

.Há ainda muitos contos por contar e  muitas contas por ajustar… Por outro lado,  "não há almoços grátis": sem financiamento não há investigação, mas quem financia  nem sempre o faz por puro amor da ciência (e neste caso da verdade  histórica). Resta-nos a confiança na ética e na autonomia dos investigadores e no controlo da qualidade feita pelos seus pares.

De alguim modo indiferentes a isso, o nosso blogue vai carreando, também,  alguns materiais que podem ajudar à compreensão (mais do que à quantificação) de fenómenos como a "adesão" e a “resistência” à guerra… E nesse sentido que abrimos, de há muito, as nossas páginas ao debate (sereno) sobre os combatentes, os refractários e os desertores. Somos um blogue de combatentes, de veteranos da guerra da Guiné. E a Guiné um bom local de observação.

O inquérito “on line” que decorreu durante uma semana, e que encerrou ontem, dá-nos mais algumas pistas para reflexão. Como sempre o temos dito, este não é um instrumento científico, é apenas uma forma de potenciar a participação dos nossos leitores no debate de temas que nos dizem respeito e que nos interessam. 

Os resultados que obtemos podem estar “enviesados”, por terem respondido ao inquérito leitores que não foram combatentes na Guiné, etc. Por outro lado, estamos sempre a fazer apelo à memória… E presumimos a boa fé dos nossos respondentes...De qualquer modo, , o conceito de "desertor" não é pacífico.. Enfim, demasiadas fontes de potencial enviesamento dos dados que não podemos controlar neste tipo de inquirição que, por razões técnicas, só admite uma pergunta...

Feitas estas ressaltavas, o inquérito sobre os “desertores”, não chegou a ter as desejáveis 100 respostas. Ficou perto, mas aquém. No total, tivemos 91 respondentes. O que é, em estatística, um "número grande", mas está longe de ser uma "boa amostra"...

É aquilo a que se chama uma mera amostra de conveniência. A metodologia não nos permite tirar conclusões generalizáveis… Estamos a falar de um milhão de homens em armas, durante um período, longo, que vai de 1961 a 1975, em toda a guerra colonial (cerca de 800 mil metropolitanos  + 200 mil africanos).

Há a perceção, por parte da historiografia militar e dos ex-combatentes, de  que o caso o número de desertores será sempre muito baixo (menos de 1% ou até .menos de 0,5 %), comparativamente com o dos refratários (que seriam da ordem dos 20%, ou sejam, 200 mil).(**)

Por cada  5 homens em armas,  haveria 1 refratário (, o que é um proproção brutal, mas deve ser tido em conta o contexto dos anos, marcados pela emigração em massa, que ultrapassou toda ca capacidade de controlo do regime então em vigor, o Estado Novo)...

Quanto aos desertortes é mais difícíl estimar uma  proporção.. A aceitar (memso com reservas) os 8 mil desertores, seria menos de 1 desertor (0,8)  por cada 100 homens em armas... Na prática, podemos arredondar:  1 homem por companhia (150/160  homens)... Na Guiné, ou melhor nas unidades que passaram pela Guiné, e usando esta proporção,. poderíamos ter entre 750 e 1500 desertores... Há quem continue a pensar que é muito, face ao conhecimento empírico que teve da situação, cá e lá...

Vejamos agora os nossos resultados... Admitindo que as respostas ao nosso inquérito, no nosso blogue, são dadas de boa fé, temos um fenómeno curioso: os nossos camaradas referem o dobro de casos de deserção na metrópole relativamente ao que se terá passado no TO da Guiné. Todos reconhecemos que era “mais fácil” desertar, apesar de tudo,  antes do embarque para a Guiné do que depois, no terreno (veja-se o caso da CCAÇ 2402). E nalguns casos, aproveitava-se as férias na metrópole para desertar (os 2 casos da CCAÇ 3498)…

24 respondentes referem casos de deserção na metrópole, passados na sua unidade (companhia ou equivalente)... Tudo somado daria no mínimo  34 casos; 17 assinalaram  um caso; 4 assinalaram dois casos; e 3 assinalaram 3 ou mais casos.

Quanto à deserções no TO da Guiné, durante a comissão, há apenas 14 respondentes que assinalam 15 casos.

No total (considerando a metrópole e o teatro de operações) temos, assim,   meia centena de casos.

Admitindo que cada respondente representa uma companhia (150/160 homens, em números redondos; nalguns casos, um pelotão, de morteiros, de caçadores nativos, de artilharia, etc.), teríamos cerca de 10% do de total dos homens que passaram pelo TO Guiné (que terão sido pelo menos uns 150 mil,  contando com os militares do recrutamento local mas excluindo as  milícias).

Se em 10% dos efetivos (15 mil) temos cerca de 50 casos de deserção (na metrópole e no TO da Guiné), extrapolando para a população (150 mil), teríamos 500 casos...

Esta estimativa é mais conservadora do que a dos historiadores do CD25A, mas não deve andar longe da verdade... Cerca de dois terços dos nossos respondentes  diz que não houve nenhum caso de deserção no TO da Guiné, na sua companhia. Cerca de metade diz que não houve nenhum, caso de deserção na metrópole.

É um estimativa grosseira,,, mas convém arriscar, até  para incentivar a pesquisa (metodologicamente mais controlada e rigorosa) deste problema...

Atreveríamo-nos a fazer a pôr a seguinte hipótese de investigação: poderá ter havido 150 deserções no T0 da Guiné, entre 1961 e 1974,  e as restanttes (350) poderão ter ocorrido na metrópole...

Pode haver. naturalmente, casos repetidos. E na metrópole os números poderão ser menos fiáveis... De qualquer modo, estes resultados parecem verosímeis. Quem passou pela Guiné, entre 1961 e 1974, sabe que os casos de deserção  foram esporádicos e até atípicos. O típico desertor estava longe de ser um indiíduo "politizado", "objetor de consciência", etc. (vd. casos de 1970: base naval de Ganturé, e CCS/BCAÇ 2893)...

E não houve deserções em massa, com raras exceções (por exemplo, o do ten comando graduado João Januário Lopes, da 1ª Companhia de Comandos Africanos, em Conacri, em 22 de novembro de 1970, na sequência da Op Mar Verde, ao todo cerca 26 homens, mesmo que haja dúvidas sobre as circunstâncias em que esta história ocorreu).

É sabido que organizações clandestinas que lutavam contra a guerra colonial, como o Partido Comunista, não incentivavam a deserção dos seus militantes (que de resto não seriam muitos, na época), embora pudessem e devessem  apoiar casos individuais ou coletivos (***)

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