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sexta-feira, 26 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11870: O que é feitio de ti, camarada ? (2): Afonso M. F. Sousa, residente em Maceda, Ovar, ex-fur mil, trms, CART 2412 (Bigene, Binta, Guidaje, Barro, 1968/70)



Guiné > Região do Cacheu > Barro > CART 2412 (1968/70) > O Furriel Miliciano de Transmissões Afonso M. F. Sousa junto ao centro cripto, cuja entrada é galhardamente protegida por bidões de areia, pintados de branco... Na realidade, o centro cripto era uma espécie de cofre forte dos nossos aquartelamentos, o santos dos santos, o mais misterioso recôndito da pátria lusa naquele pedaço de terra onde flutuava a bandeira das quinas... Neste caso onde só entrava o Afonso e o seu cabo cripto... Mais prosaicamante ele legendou a foto nestes termos: "fotografia deste jovem de então que, como responsável pelo centro cripto, aqui se apresenta de vigília (!) a esse espaço restrito e de seguras (?) confidencialidades ou secretismos".


Guiné > Região do Cacheu > Barro > CART 2412 (1968/70) > Localização do monumento de homenagem ao 1º Cabo Enfermeiro Silva, morto em combate em Bigene, a 21 de Setembro de 1968... O monumento, sob a sombra tutelar de um enorme mangueiro, está sinalizado na foto, com seta e legenda. O  edificio que se vê à esquerda (e hoje desaparecido), era a caserna de soldados e o depósito de
géneros. Repare-se no mangueiro cuja ramagem, à esquerda, atingia toda a largura da estrada (Barro-Bigene), e à direita camuflava todo o edifício da secretaria, comando, oficiais e centro cripto.





Guiné > Região do Cacheu > Barro > CART 2412 (1968/70) > Um monumento erigido à memória do 1º Cabo Enfermeiro Silva e que foi destruído a seguir à independência .

Fotos (e legendas): © Afonso M.F. Sousa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1.  A primeira vez que se falou dos três G - Guidaje, Guileje, Gadamael  (*)- , no nosso blogue, foi há mais de 7 anos atrás, em poste (o nº 41) de 2 de julho de 2005, da autoria de Afonso M. F. Sousa , ex-fur mil trms da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70), e em que se reproduziu o texto, já sobejamente conhecido,  de Serafim Lobato, jornalista, e antigo fuzileiro especial, "Estamos cercados por todos os lados", editado no Público, 28/12/2003. 

O nosso camarada Afonso Sousa reside em Maceda, Ovar,  e foi um dos tertulianos mais ativos no nosso blogue na I Série (**). De resto, continuou  a colaborar na a II Série do nosso blogue (iniciada em 1 de junho de 2006), tendo organizado diversos dossiês. [Vd. marcador Afonso Sousa.]

Deixou, entretanto,  de dar "sinais de vida", talvez por cansaço, saturação ou desinteresse, por volta de 2010. Continua, todavia,  a ter o endereço de email válido, e mandar-nos as boas festas todos os anos. Espero que ele esteja bem de saúde, que ele continue a ler-nos com prazer  e que se sinta com vontade para voltar a sentar-se, mais vezes,  no nosso bentém, à volta do poilão da Tabanca Grande. Curiosamente, não temos nenhuma atual do Afonso Sousa,  o que pode significar que ele quer manter a sua reserva de intimidade.

Com esta nova série ("O que é feito de ti, camarada ?"), queremos procurar reatar contactos com membros da nossa Tabanca Grande que nos últimos anos têm andado mais arredios do blogue. O Afonso fazia da lista dos 111 magníficos que transitaram da I para a II Série do nosso blogue. Na altura, eram  mais conhecidos como "tertulianos", membros da nossa tertúlia, hoje Tabanca Grande.

Entretanto, reproduzem-se a seguir excertos de alguns postes que o camarada Afonso M.F. Sousa [, ou Afonso Sousa,] publicou na I Série. 

(i) Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412 (1968/70)

A minha companhia fazia parte integrante do COP 3 (com sede em Bigene, onde fizemos o treino operacional entre 31/8/68 e 14/10/68; depois foi a partida para Binta e Guidage).

Entrámos em Guidage em 17/10/1968, a substituir a CART 1648. Mais tarde referirei os dados cronológicos respeitantes à minha CART 2412, que inclui também a sua permanência (até ao termo de missão) em Barro (que o sr. Coronel A. Marques Lopes bem conhece e aonde voltou em 1998).

Porque aqui se fala de COP 3, Guidage e Barro, achei interessante esta crónica, que vocês já conhecem, dos "relatórios secretos sobre a Guiné colonial".

Guidage tinha uma importância extrema tanto para nós como para o IN. Já tínhamos consciência disso quando lá entrámos. E aí está o que se veio a passar em 1973... com a ofensiva do PAIGC contra Guidage (no Norte)e Guileje e Gadamael (no Sul)... Os três G que, na opinião do historiador guineense, Leopoldo Amada, terão decidido "o final do império colonial"...

Publica-se a seguir um texto, do jornalista Serafim Lobato, em que se divulgam pela primeira vez os relatórios secretos sobre a batalha de Guileje e Gadamael, uma peça importante para a compreensão da história da guerra colonial e do seu fim (*). O texto esteve originalmente disponível no sítio do Publico.pt. Está também publicado no blogue História e Ciência > Relatórios secretos sobre a Guiné colonial. Algumas das notas, em parêntesis rectos, são da nossa responsabilidade (A.S., Afonso Sousa) [e/ou do editor].

(ii) COP 3

Um pelotão da CCAÇ 3 (onde também esteve, em 1968, o nosso camarada A. Marques Lopes) reforçou a CART 2412, quando esta se instalou em Guidage. Esse pelotão era comandado pelo Alferes Gonçalves.

Esta CART 2412 integrava-se no COP 3 (comando do Major Correia de Campos, em Bigene).

O COP 3 constituia uma quadrícula militar de vários agrupamentos a norte do rio Cacheu, entre Barro, a Oeste, e Guidage (Farim), a Nordeste. Comportava unidades do Exército e da Marinha, estas estabelecidas na base fluvial de Ganturé (Fuzileiros navais, sob o comando de Alpoim Calvão), junto ao Rio Cacheu, cujo ancoradouro dá saída para Bigene (2,8 Km, para Norte).

O COP 3 tinha por missão fundamental a eliminação ou amputação dos corredores entre a faixa fronteiriça do Senegal e as densas (e quase impenetráveis) matas do Óio, em cujo coração se situava a base do PAIGC, de Morés.

(iii) O gen Spínola que eu conheci

Caríssimo Coronel A Marques Lopes: Foi por uma lista na Net que localizei o Alferes Gonçalves. Como se referia à CCAÇ 3, contactei-o telefonicamente, para lhe perguntar se conhecia Guidage.

Surpreendentemente a resposta dele foi esta: acompanhei a vossa companhia (CART 2412) no trajecto Binta-Guidage, quando vocês se deslocaram para lá pela primeira vez. Comandava um pelotão da CCAÇ 3 que ficou em Guidage como reforço da vossa CART.

Eu (talvez pelos 37 anos que decorreram ?!) não estou a ver a cara dele, mas o facto é que ele e eu estivemos na mesma coluna, rumo a Guidage (1968). Ainda fomos surpreendidos a pouco mais do meio do trajecto, no sítio do Cufeu, por tiros sentidos na floresta de uma e da outra banda do caminho.

Ele sabe da história da perda do nosso comandante (o Capitão Miliciano A...)  logo nos primeiros dias, naquela terra de fronteira com o Senegal. Logo no início aterrou lá de surpresa o Spínola. Depois da rápida formatura na exígua parada, saíram-lhe estas palavras dirigidas ao capitão: "O senhor é indigno de estar à frente destes militares...o senhor prepare-se e vai já comigo para Bissau".

Viria a ser castigado com despromoção (tenente) e eventualmente com outras consequências que não conheci. Isto resultou do envio, por um soldado, de um aerograma para o general Spónola, queixando-se que estavam a passar fome, visto que o capitão se esquecera de solicitar o reabastecimento. O que valia eram as minúsculas galinhas que comprávamos na tabanca.

Por acaso ainda me lembro que, após o destroçar, de forma menos formal o general Spínola me perguntou:
- Meu militar, precisa alguma coisa para transmissões ?

Ao que eu lhe respondi:
- Precisamos de substituir a antena, meu General.

Passados uns dias essa antena lá apareceu.

2. Comentário de L,G., datado de 13/3/2006, sobre as razões que terão levado a população de Barro (ou mais provavelmente as novas autoridades do país)  a destruir, em  Barro, um momento "tuga" aos seus mortos . Na altura, achávamos (e continuamos a achar) que os monumentos aos mortos (mesmo dos meus "inimigos") são sagrados e devem ser respeitados, em toda a parte e em todos os tempos (**):  

(...) " Obrigado, Afonso! Fico a conhecer o artista quando jovem... Espero, por outro lado, que o Marques Lopes, quando lá voltar [, a Barro,] dentro em breve, desvenda o mistério da destruição do vosso monumento... Simples vandalismo ? Revanchismo ? Incúria ? Estupidez ? Maldade ? Iconoclastia ? ... É sempre lamentável: são marcas da história, quer se goste ou não se goste... E que hoje podiam ter alguma mais-valia turística, museológica, cultural, para a própria Guiné-Bissau... Há tugas a fazer milhares de quilómetros só para redescobrir uma simples pedra de um monumento como este...

Creio que na Guiné ainda estão pior do que nós, quanto à(s) memória(s) do passado recente da guerra colonial (ou da guerra de libertação, como se queira)... Não há arquivos, não há escritos, tudo tem sido pilhado, destruído ou branqueado (o que às vezes ainda é bem pior)... E os que fizeram a guerra - a geração dos guerrilheiros - estão a desaparecer sem deixar testemunhos, registados em suporte de papel, digital ou áudio... Alguma coisa está a ser feita em Guileje, pela AD - Acção para o Desenvolvimento, pelo nosso amigo Pepito e pelos seus colaboradores... Nós, também, à nossa modesta escala, no nosso blogue, com o contributo de magníficos e generosos blogadores como tu e o Marques Lopes... Um grande abraço, camarada." (***).

____________

Notas do editor:

(*) Vd. I série, poste de 2 de julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael

(**) Vd. I Série, poste de 13 de março 2006 > Guiné 63/74 - DCXXV: Barro, CART 2412, 1968/70 (Afonso M.F.Sousa)

(***) Último poste da série > 23 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11140: O que é feito de ti, camarada ? (1): Jorge Canhão, Oeiras (ex-fur mil at inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11813: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (17): Ainda os fuzilamentos dos nossos camaradas guineenses: não podemos emendar a histstória, mas temos o direito à tristeza, à mágoa e á indignação (Jorge Cabral, ex-comdt do Pel Caç Nat 63, Fá Mandin ga e Missirá, 1969/71)


1. Reprodução de texto do Jorge Cabral, ex-comandante do Pel Caç Nat 63 (Bambadinca, Fá Mandinga, Missirá, 1969/71), e antigo docente da Universidade Lusófona, onde foi presidente do Instituto de Criminologia, especialista em direito penal, advogado e escritor. O texto, já publicado em 16 de m,aio de 2006, na I Série (*), vem a propósito do poste mais recente do António J.Pereira da Costa, P11810.


Amigo Luís,

Porque comandei um Pelotão de Caçadores Nativos [nº 63] e fui amigo de alguns Comandos Africanos, a questão dos fuzilamentos toca-me profundamente (**).

Já sabia que militares guineenses pertencentes às Companhias e Pelotões de Caçadores haviam sofrido a mesma sorte. Do meu Pelotão foram três, e embora já me tenha referido a este assunto, em colaboração anterior, considero-me obrigado a mais uma vez reflectir serenamente e com a objectividade possível.

Compreendo, aceito e comungo da emoção sentida por todos aqueles que partilharam perigos, cansaços e medos com os africanos, caindo nas mesmas emboscadas e defendendo quartéis comuns.

A emoção porém, ou a falta dela, não nos devem obnubilar a razão ou tolher o raciocínio, contribuindo para conclusões simplistas. Não foram patriotas portugueses que foram fuzilados, nem o lixo, até porque a todo o Homem é devido o respeito pela sua dignidade, inerente à condição humana. Foram Homens que foram fuzilados!

Quero acreditar que todos somos contra a pena de morte e que também repudiamos frontalmente que alguém possa ser condenado sem julgamento. O ter pertencido ao Exército Português foi considerado facto suficiente para consubstanciar o crime de traição. Não se apuraram as culpas individuais, nem a consciência da ilicitude, num Tribunal imparcial, que garantisse o Direito de Defesa, como deve acontecer em qualquer parte do Mundo.

Parece evidente que o ter sido torcionário, cortador de cabeças ou criminoso de guerra, constitui uma realidade diferente do ter servido rotineiramente, por necessidade de sobrevivência, num Pelotão ou numa Companhia de Caçadores Africanos.

Tinham todos os guineenses que integravam as tropas portuguesas a consciência de que estavam a trair a sua Pátria? Haviam todos interiorizado o conceito de Pátria? Porque serviam no Exército Português?

Ao longo dos tempos, nas Campanhas de Subjugação e Pacificação, os Portugueses contaram quase sempre com a ajuda dos Fulas, os quais combatiam ao serviço de Senhores da Guerra, enquadrados em unidades africanas, ou desempenhavam funções de auxiliares. Não lutavam por nenhuma Pátria, eram aliados dos Portugueses, contra Papeis, Balantas, Bijagós, Felupes ou Mandingas, os quais se batiam em defesa do seu chão, contra o pagamento de impostos ou o recrutamento forçado para as obras. A sede do poder e da riqueza, e a possibilidade do saque, justificava a aliança Portugueses-Fulas.

A ideia do Portugal plurirracial é contemporânea do início da Guerra Colonial. A substituição do termo Colónias pela designação Províncias Ultramarinas, foi expediente saloio, para enganar a Comunidade Internacional, e procurar legitimar a Guerra – Portugal não tinha Colónias e todos eram Portugueses. Todos sabemos que se tratava de uma ficção.

Nas Colónias vigorou o Estatuto do Indigenato, de acordo com o qual, só alguns eram considerados assimilados, usufruindo da cidadania. Os africanos foram sempre subalternizados, empregados em funções menores, ou enfeitados com cargos honoríficos como os oficiais de 2ª Linha.

Até aos anos 60, nenhum negro tinha acesso à frequência da Escola do Exército. É com a guerra que esta situação vai ser alterada. A necessidade de homens para combater determinou uma estratégia de africanização, que deu lugar à criação de unidades africanas, Companhias e Pelotões, de base étnica, e primeiramente comandadas por quadros europeus. (Quando tomei conta do meu Pelotão, tinha soldados balantas, bigajós, mandingas, papeis e fulas. No fim da comissão só existiam fulas).

A primeira Companhia, totalmente africana, foi a dos Comandos Africanos, cuja instrução acompanhei em Fá Madinga. Oficiais, sargentos, furriéis e praças, incluindo mecânicos, vaguemestres, enfermeiros, todos eram guineenses.

Entre os militares nativos do meu Pelotão, existiram os que apenas cumpriram o serviço militar obrigatório e passaram à disponibilidade, designadamente todos os cabos (Injai, Carlitos, João, Negado e outro de etnia Manjaca de que não recordo o nome). Nenhum deles era Fula. Os Fulas continuaram. Porquê? Que iriam fazer fora da Tropa? Como sobreviver? De que forma alimentariam as mulheres e os filhos? Não haviam os avós e os bisavós, combatido ao lado dos portugueses? E combatido contra quem? Contra Balantas, contra Mandingas, que agora estavam no P.A.I.G.C. Onde o conceito de Pátria? Qual Pátria?

Obviamente que o caso dos quadros dos Comandos Africanos é diferente. Para os meus amigos Saegue, Januário, Jamanca, Camará, Justo ou Sisseco, o ser oficial do Exército Português representava a ascensão social, mas também a desforra contra séculos de humilhação. Os portugueses precisavam deles. Afinal também os negros podiam comandar tão bem ou melhor do que os oficiais saídos da Academia Militar (é interessante assinalar que as reticências postas por eles à Operação Mar Verde, tiveram principalmente a ver com o uniforme: queriam ir, mas fardados de oficiais portugueses).

Que esperavam estes comandos no fim da Guerra? Não posso falar por todos. Mas conversei sobre o assunto muitas vezes com o Saegue, que acreditava numa solução política, numa independência negociada, na sua futura integração no Exército da Guiné Bissau, ou na sua vinda para Portugal, que ele conhecia, pois estudara em Santarém.

Só uma eufórica ingenuidade, pode ter permitido tão trágico quanto negligente abandono. Bastaria ter atentado no que sucedeu ao Januário, irmão de um quadro do PAIGC, que, tendo desertado em Conakry com o seu grupo de combate,  foi fuzilado, ele e os seus homens.

Não podemos emendar a História! E quanto à dramática morte de Amigos, ou de Homens com quem convivemos diariamente, assiste-nos o direito à tristeza e à mágoa, independentemente dos erros, que eles possam ter cometido.

Como sempre, um Grande, Grande Abraço,

Jorge (***)


___________

Nota do editor: 


(**) Vd., na I Série, mais postes sobre este tema dos fuzilamentos de antigos camaradas nossos, guineenses, no pós-independência.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11150: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (1): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, julho de 1968




Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > A povoação (à esquerda) e o aquartelamento (à direita) vistos de helicóptero... Buba, a sul do Rio Corubal, forma um triângulo com Xitole e Fulacunda, nos outros dois vértices. É banhada pelo Rio Grande de Buba.  Buba era posto administrativo. Circunscrição (ou concelho): Fulacunda. Era também sede de batalhão. Foto do álbum do Zé Teixeira.

Foto: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados.



[Foto à esquerda: Vila Nova de Gaia, Madalena, véspera de Natal de 2005: da esquerda para a direita, LG, A. Marques Lopes, Zé Teixeira, Albano Costa, Hugo Costa e Xico Allen]


1. O nosso blogue vai fazer 9 anos no dia 23 de abril de 2013. Vamos comemorar essa efeméride, solicitando o envio de novos textos, fotografias e documentos inéditos, mas também republicando outros que merecem nova visibilidade... É o caso do "diário" do Zé Teixeira...

O Zé Teixeira não precisa de apresentações: é um dos rostos da solidariedade dos ex-combatentes da guerra colonial em relação a essa terra, verde e vermelha, que se chama Guiné, e ao seu povo, humilde e maravilhoso, de quem continuamos amigos e irmãos. O Zé é um dos "homens grandes" da Tabanca de Matosinhos, e um dos animadores do seu blogue, cujo primeiro poste foi publicado em 19 de novembro de 2008.

Se não erro - e eu não confio muito na minha memória -, conheci-o, na Madalena, Vila Nova de Gaia, nas vésperas do Natal de 2005, quando ele foi fazer-me uma visita à casa dos meus cunhados onde costumo passar o Natal, com a Alice, a Joana e o João. Por acaso ele também tem (ou tinha) um cunhado que vive por aquelas bandas. Ele, que mora em São Mamede de Infesta, Matosinhos, vinha acompanhado de mais camaradas da primeira hora: o A. Marques Lopes, o Xico Allen e o Albano Costa (mais o seu filho Hugo). Estava aqui o embrião da futura Tabanca de Matosinhos, só faltava o Álvaro Basto, que é hoje o "régulo"...


[Foto à direita: O Zé Teixeira, em Empada, 1969. Um 1º cabo aux enf, devidamente equipado: a G3 numa mão, a fita da HK 21 a tiracolo e a mala de primeiros socorros às costas]


Na altura da criação da Tabanca de Matoisnhos escrevi o seguinte, em apoio a esta iniciativa que foi, historicamente, o ponto de partida para a criação de outras tabancas, nascidas a partir da nossa Tabanca Grande:

20/11/20008:

Álvaro e demais amigos e camaradas da Tabanca de Matosinhos: Assumimos com grande alegria a paternidade da criança, mas as mães são...vocês, seus grandes malandros!... Nem sequer houve barrigas de aluguer nem foi precisa a inseminação artificial!... Tudo muito natural, à moda em antiga, sem parteira, só com aparadeira... 

O parto correu bem e a criancinha é perfeitinha, é isso que se deseja. Só espero que seja muito melhor do que o pai... e as mães...

Tenho que reconhecer que vocês são mesmo um caso sério, um verdadeiro 'case study', estudo de caso, como dizem os nossos gestores. Os campeões da convivialidade e da camaradagem! E mais: uma tabanca a valer,onde há portistas, leixonenses, boavisteiros, benfiquistas, sportinguistas, e até belenenses, ao que sei!

Que o vosso belo exemplo se multiplique por mil... e que a vida seja generosa para todos vós, camaradas da Tabanca de Matosinhos, de modo a poderem ver a criancinha andar, falar, escrever, crescer, e por aí fora... Aguentem-na (e aguentem-se...) pelo menos até à idade de ela... ir às sortes. E que tenha mais sorte que a vossa/nossa, nessa idade...

Prometo no Natal celebrar o acontecimento, aí no novo reordenamento do Milho Rei... Não sei se consegurei estar aí no dia 19, mas que vai ser festa de arromba, vai, a avaliar pelo anúncio que li... Vou passar a Consoada na Madalena e depois sigo a 26 para a Madeira... (...)

 
Um Alfa Bravo para todos. Luís Graça. (...)

2.  Entre finais de 2005 e princípios de 2006, o Zé Teixeira [, foto á esquerda, ] começou a escrever com regularidade no nosso blogue (I Série, que vai de 23 de abril de 2004 a 1 de junho de 2006, e onde se publicaram 825 postes). O nosso destaque vai para a série "O meu diário" que voltamos a reproduzir,  já que a grande maioria dos amigos e camaradas da Guiné (hoje mais de 600, seis vezes mais do que na época)  não tiveram oportunidade de conhecer as venturas e desventuras do Zé por terras de Quínara e Tombali (*)... È bom que se diga que foi o primeiro diário de guerra que chegou ao blogue, e que logo publicámos (em 19 postes), no 1º trimestre de 2006.


 Escrevemos na altura: (...) "Além de ser um notável documento humano - escrito por um homem dos serviços de saúde militares, um enfermeiro de campanha, que estava sujeito aos mesmos riscos que qualquer operacional -, [este diário] tem um grande interesse documental para melhor se conhecer o quotidiano dos militares portugueses no sul da Guiné:

"Fui enfermeiro de campanha na CCAÇ 2381. Fui para a Guiné em fins de Abril de 1968 e regressei em Maio de 1970. Estacionei cerca de 3 meses em Ingoré, no Norte, onde a companhia fez o seu treino operacional. Seguimos depois para Buba e fixámo-nos em Quebo (Aldeia Formosa), [no final de Julho de 1968].

"Aí a CCAÇ 2381 teve como missão fazer escoltas de segurança às colunas logísticas de abastecimento entre Aldeia Formosa/Buba e Aldeia Formosa/Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a autodefesa de Aldeia Formosa, Mampatá e Chamarra.

"Regressámos a Buba, em Janeiro de 1969, para servirmos de guarda às equipas de Engenharia que construiram a estrada Buba/Aldeia Formosa. Face ao desgaste físico/emocional fomos enviados, a partir de 1969, para Empada onde vivemos os últimos meses de Comissão". (**)


3. O meu diário (José Teixeira, 1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, Julho de 1968 

 PRÓLOGO

Buba, 20 de Julho de 1968

Após dois meses e vinte dias de vivência em estado de guerra na Guiné, inicio o meu DIÁRIO que não é "diário". Nele apontarei somente os casos ou situações mais importantes do meu dia a dia para a história da minha vida .

NOITE

Buba, 20 de Julho de 1968

Noite escura...
A chuva cai fortemente,
Atiçada pelo vento impiedoso.
O capim dobra-se
Em homenagem àquele grupo de valentes
Que, esgotados pela longa espera,
Sedentos e esfomeados,
Aguardam impacientes
A ordem de retirar.
Os donos da selva surgem,
Traiçoeiros, em massa.
Por largos momentos, o matraquear das automáticas,
O rebentar das granadas.
Os gritos de algum ferido.
Tudo fazem esquecer.
Trava-se uma luta de vida ou de morte.
Até que as armas se calam.
O Inimigo foge,
Protegido pela escuridão.
... E vinte jovens,
Valentes, decididos,
Dedo firme no gatilho,
Ouvido atento,
Lá se vão a caminho do Quartel,
Com mais uma missão cumprida.


Buba, 21 de Julho de 1968

Agora me lembro, hoje é domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado.

Buba, 22 de Julho de 1968


Começou a guerra a sério para mim. Ainda esgotado pelo esforço de ontem, saí às seis da manhã para esperar a coluna vinda de Aldeia Formosa (Quebo). Às oito embosquei junto à "ponte interrompida" e por volta das doze recebi ordem para avançar. A coluna aproximava-se. Ouvi dois rebentamentos e fiquei preocupado... Será que a coluna foi atacada ?...

Cerca das dezassete deu-se o encontro de forças e soube então que detectaram cinco minas anticarro, duas das quais rebentaram.

Todos alegres, voltamos a Buba com o simples café, a camisa molhada de chuva e suor à mistura.
Ainda mal tinhamos chegado quando o IN apareceu a baptizar a Companhia, atacando de canhão sem recuo, morteiro e "costureirinha" [, PPSH]. Tentou durante alguns minutos arrasar Buba, o que não conseguiu por fraca pontaria ou porque não quis.

Deitado na vala e a aguentar uma tempestade de chuva, completamente nu (,fui apanhado a tomar banho,) assim esperei que acabasse a "festa", para ir jantar.

Que espectáculo! Centenas de corpos (,muitos deles nus,) encharcados, mas alegres, saíam das valas... Mais uma vez escaparam...

Encontrei três colegas da recruta. À noite, vieram-me procurar. Encharcados pela chuva, cansados da coluna, com receio de novo ataque, queriam dormir e não tinham onde...

Também eles estão nesta guerra. Nove meses já se passaram, a meta final aproxima-se, mas quantos sacrifícios lhes vão ser exigidos ainda ?

(Continua)




Guiné > Região de Quínara > Mapa de Xitole (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Buba (quartel e aquartelamento, sede de batalhão)... e estrada Buba - Mampatá - Quebo.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

_________

Notas do editor:

(*) Vd. I Série, o último poste de 19 postes > 14 Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

(**) Vd I Série, poste de 15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIII: CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) (José Teixeira)