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quinta-feira, 2 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24112: Memórias de Luís Cabral (Bissau, 1931 - Torres Vedras, 2009): Factos & mitos - Parte IV: a visita da delegação militar da OUA, em 1965, às bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari, na região Norte do PAIGC




Três fotogramas do documentário de Piero Nelli (1926-2104),

"Labanta, Negro! " (Itália, 1966, 38' 43'').

Edição (e legendagem): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação de n
otas avulsas de leitura do livro  "Crónica de Libertação", de Luís Cabral (*):

Visita da missão militar da OUA em 1965 (pp. 287 –297)


Que fique claro: desde sempre falámos aqui, neste blogue, do PAIGC, da sua história, dos seus dirigentes e combatentes, da sua organizaçãoo, do seu armamento, das suas bases ("barracas") e linhas de infiltração, das suas operações, das sus baixas, dos países que o apoaivam (incluindo a Suécia), da sua propaganda, dos  livros e dos filmes que falam deles, etc... 

Sempre falámos sem quaisquer complexos. O nosso tom é  necessariamente  crítico: afinal somos um blogue de antigos combatentes e não combatemos contra fantasmas... ou extraterrestres... Esses fantasmas ou extraterrestres tinham um rosto e nome: Amílcar Cabral, Luis  Cabral, 'Nino' Vieira, Domingos Ramos, etc. , figuras que já nem sequer estão vivas.... 

Nunca os exaltámos mas também nunca escondemos  que não os podíamos ignorar.  A guerra (que foi um sangrento jogo de xadrez)  já acabou há meio século e é natural que haja memórias que se cruzam, quer gostemos ou não...  Mário Dias, por exemplo, fez a tropa, o 1ºCSM,com o Domingos Ramos... Já escreveu aqui, em tempos, um poste memorável sobre os seus encontros e desencontros... E, de um modo geral, todos temos alguma curiosidade em saber como era o inimigo de ontem, por onde andava, o que se escrevia sobre ele, etc. 

Feita esta prevenção pedagógica, a título meramente introdutório,  voltamos a dizer que um dos problemas com que se depara o leitor, desapaixonado. atento e crítico, da "Crónica da Libertação", de Luís Cabral (Lisboa, O Jornal, 1984) (*), é a oum ralidade da narrativa: o autor segue um fio condutor temporal, desde o início da criação do PAI (e depois PAIGC), passando pelo desenvolvolvimento da luta e acabando no assassinato do Amílcar Cabral em janeiro de 1972. Mas nem sempre (ou raramente) há datas precisas.

Sabe-se,por outras fontes, que a primeira visita da missão militar da OUA - Organização da Unidade Africana, criada em 1963, em Adis Adeba, ocorreu em 1965, com início em 23 de julho: em 20 de agosto a comissão militar da OUA dá por findos os seus trabalhos, tendo consegudo visitar instalações do PAIGC mas não as da FLING. Temos de reconhecer, em todo o caso, essa não era a melhor altura do ano , pro se estar em plena época das chuvas, para visitar um território como a Guiné.  

É possível que a delegação se tenha desdobrado, com uns observadores a visitar o Norte e outros o Sul. Por outro lado, sabe-se que Amílcar Cabral escreveu   em julho de 1965,   um "projecto do programa de trabalho da Comissão Militar da OUA incluindo a visita ao Secretariado Geral e às instalações civis do PAIGC em Conakry, bem como às bases militares em Boké e Koundara", visita essa que seria feita, obviamente,  de carrro...

Em 1965 o PAIGC ainda se procurava legitimar, aos olhos de África e do Mundo, que era o único representante dos povos de Guiné e Cabo Verde. Nomeadamente no Senegal, havia (e era tolerada) a presença de representantes de outros movimentos nacionalistas, nomeadamente da FLING. Amílcar Cabral tinha já preocupações hegemónicas (para não dizer totalitárias), não admitindo que houvesse rivais, para mais "oportunistas" (sic) na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde. 

Por outro lado, a intenção do PAIGC (ou do seu estratega, Amílcar Cabral) era também a de convencer os membros da OUA, de que precisava de mais e melhor armamento para poder combater, com eficácia, a tropa portuguesa (incluindo a marinha e a aviação).  

Daí a visita da missão militar da OUA, há muito pedida, com uma delegação  que, no Norte, e segundo o Luís Cabarl (LC), era composta por representantes (todos oficiais subalternos) de 4 países: Guiné Conacri (tenente Djarra), Senegal (capitão Tavares), Marrocos (um tenente) e Mauritânia (um outro tenente) (pág. 288).  Naturalmente, uma missão militar, com postos de baixa patente, como está,  vale o que vale...

Curiosamente, a visita realizou-se, segundo o autor, numa altura de crise política entre estes países, entre Marrocos e a Mauritânia, por um lado, e entre o Senegal e Guiné-Conacri, por outro.  Mas o Amílcar Cabral pôs todo o empenho em que a visita decorresse da melhor maneira e com toda a segurança. 

Há instruções escritas  por ele para o 'Nino' Vieira que estava no Sul. Mas, no Norte delegou no seu meio-irmão, o LC, o acompanhamento da missão. Fala-se na chegada da missão militar (de 3 elementos) da OUA  a Conacri a 15 de junho, mas a carta, manuscrita, de 5 páginas não tem indicação do ano: "É muito possível que o Luís os acompanhe. Depois de visitarem o Sul, irão ao Norte, onde temos de acabar para sempre com as mentiras dos oportunistas" (sic) (referência à FLING):

A delegação da OUA, no Norte,  terá percorrido, durante quase uma semana, cerca de 250 quilómetros, o que nos parece exagero (no caso de o trajeto ter sido feito sempre a pé). Partindo do Senegal, começaram pela base de São Domingos, no noroeste do território, sendo armados (sic) pelo ‘comandante’ Lúcio Soares. O LC e o o seu protegido Xico Mendes acompanharam toda a missão que visitou também a bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari.

Esclarece-nos o LC, que a entrada principal para a Frente Norte, passando pela fronteira com o Senegal, durante muito tempo, situava-se no sector de Sambuiá (pág. 288).

A força do PAIGC ali estacionada tinha como missão assegurar a passagem de homens e material, da fronteira ao rio Farim.

A base situava-se “a pouco mais ou menos três horas de marcha da fronteira” (sic). A vegetação era exuberante, devido à elevada humidade da região. A base era, por isso, das mais frias da Frente Norte, sobretudo no final e princípio do ano . (A referência de LG ao frio que se fazia sentir logo de manhã, leva-nos a pensar que a visita tenha ocorrido em finais de 1965.)

O comandante da base de Sambuiá era então o Bobo Queita, antigo jogador de futebol.  A base tinha abrigos, estando ao alcance da artilharia de Farim. Daqui a missão seguiu em direção da cambança da margem direita do rio Farim, onde uma canoa devia transportá-los a Jagali (lê-se: Djagali) (pág. 289).

Entre a mata de Sambuiá e o rio Farim há uma “larga e descampada planície”, uma enorme lala em que se fica a descoberto.

“Nô pintcha!”, dizia-se então. A expressão tinha vários significados, segundo o autor: 

”Era a chamada para a guerra para a marcha, para a comida, talvez até para o amor” (…) Ou seja: “chamava à realização de algo que exigia a participação de mais de uma pessoa” (pág. 289). 

A expressão não se sabe onde nasceu, durante a guerrilha, se no Norte, no Sul ou no Leste, di o LC.

“A imensa lala de Sambuiá, que se atravessava sem um suspiro de descanso, devido ao perigo que representava ser-se ali surpreendido pela aviação inimiga, ia-se tornando cada vez mais pesada à medida que se aproximava do rio” (pág. 289).

O rio Farim era navegável. Os barcos das companhias comerciais (Gouveia, Ultramarina, etc.) iam a Bigene, a Binta e mesmo até Farim para trazer a mancarra, o coconote ou a “maalira” (que eu não sei o que é, mas presumo que seja uma corruptela de “madeira” ).

O LC aproveita para descrever a paisagem:

“A paisagem que se desfrutava da cambança era de uma beleza impressionante. O rio estenda-se em curvas sinuosas ao longo da sua bacia, bordada nas duas margens pelo verde exuberante das matas de tarrafes, com os seus ramos e raízes emaranhados, donde se destacavam troncos esguios de altura surpreendente (pág. 290).

As populações da margem direita “cedo aderiram à luta de libertação” (sic) (pág. 291), e por isso aquela era uma zona de guerra. Para a guerrilha era um risco permanente atravessar o rio. Sabemos que as NT (sobretudo os fuzileiros) montavam emboscadas em pontos de cambança já conhecidos. Será aqui que morreram em 1972 a Titina Silá.

Feita a cambança, em canoa, a missão dirigiu-se para Djagali, reconstruída pela população (pág. 292). Aquando da receção da comissão da OUA , um navio da marinha flagela Djagali (pág.293).

Mas eram “raras as pessoas” (sic) que se apresentaram para saudar os visitantes. Explicação do LC:

“Havia algum tempo que as populações abandonavam as suas habitações, depois do bombardeamento da tabanca, antes do romper do dia, para só regressarem depois do sol posto, quando a aviação já não podia trazer à tabanca a morte ou a dor com as suas bombas criminosas” (pág. 292).

Os combatentes das FARP eram jovens cuja idade média não ultrapassava os 20 anos” (sic). Trajavam uniformes “muito variados”, com “calças e camisas muito diferentes umas das outras” (pág. 292).

Uma hora depois LC e os seus convidados estavam em Maqué. O comandante era o Quemo Mané (pág. 294). À noite ouviu-se uma explosão, ali perto. Um jovem auxilitar de enfermagem tinha accionado uma mina A/P, que lhe provocou a morte.

“Elementos das milícias coloniais africanas de Bissorã tinham-se infiltrado na área, certamemte no começo da noite, para colocar a mina antipessoal (…) no caminho que ligava a antiga base à fonte de Maqué” (pág. 294).

Os militares da OUA ainda visitaram as bases de Morés e Canjambari. Sabemos, pelo que conta LC, que produziram um relatório. Eu gostaria de o ler e confrontar com o relatondo do LC. Mas onde encontrar, na Net, esse relatório da OUA de 1965?

Parece que as relações do PAIGC com o Senegal de Senghor melhoraram um bom bocado, a partir daí, autorizando o governo senegalês o trânsito de homens e mercadorias pelo seu território. Mas não autorizava ainda que o PAIGC dispusesse de depósitos de armas e munições. Foi um passo: a partir daqui começaram a aparecer, cremos  que em 1967,  os primeiros “armazéns do povo”  (nome algo pomposo...para abastecimento de víveres e outros artigos não só à guerrilha como às populações da linha fronteiriça sob controlo do PAIGC (pp. 296/297).

Sabe-se que em outubro de 1965 , o Amílcar Cabral tinha marcado mais uns pontos: o seu partido fora reconhecido pela OUA como "o único movimento de libertação" da Guiné. No mesmo mês em que Portugal conseguia obter o fornecimento de 40 Fiat-G 91 R/4 por parte da Alemanha, fora dos acordos da NATO.

(Continua)


Guiné > Região do Oio >  Localização aproximada de algumas das "barracas" (ou bases...) do PAIGC  por onde terá passado, em visita, em 1965, a primeira missão militar da OUA:  Sambuiá, Maqué, Morés e Canjambari... Não consta que tenham os homens da OUA tenham ido com o lC do a Sará, que era mais longe e arriscado...

Infografia: Jorge Araújo (2018)
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Nota do editor:

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15035: FAP (82): Pedaços das Nossas Vidas: VI - Um ataque com "olhos azuis" - I Parte: "O ideal missionário do povo sueco" e "A escapatória ética da ajuda humanitária sueca" (José Nico, Gen PilAv)

1. Em mensagem do dia 22 de Agosto de 2015, o nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74), enviou-nos um trabalho para publicação, da autoria do General PilAv José Francisco Fernando Nico, versando a ajuda da Suécia aos Movimentos de Libertação africanos, durante a guerra colonial.

Caros editores Luís Graça e Carlos Vinhal
Após a conversa que tive com o Luís sobre este assunto, envio para os dois o texto que originou este meu contacto, pois não sei quem está de serviço ao trabalho editorial.
O texto em questão, da autoria do General PilAv José Nico, tem circulado na Net e o assunto que versa é certamente do interesse de muitos dos seguidores deste blogue. Por um lado, por ser assunto que é do conhecimento de poucas pessoas, por outro, por relatar factos passados na "nossa" Guiné, no início do longínquo ano de 1969, matéria que justifica uma ampla divulgação. É esse o motivo que me leva a reencaminhar-vos o referido texto para publicação no blogue, tendo-me sido já transmitida a anuência do seu autor - Gen. Nico - à sua edição no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Um abraço.
Miguel Pessoa

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PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS

Cumpri muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos irei dando conta…
José Nico
Gen PilAv


VI – UM ATAQUE COM “OLHOS AZUIS” (1)

Embora não tenha tomado parte directa na acção nunca esqueci o dia 6 de Janeiro de 1969. Há uma razão para isso: conservo ainda uma munição da metralhadora AA quádrupla ZPU-4 que nesse dia abriu fogo contra os G-91, a partir de Sangonhá, no Sul da Guiné, local que tinha sido até poucos meses antes uma posição do Exército Português. Sempre que olho para aquele pedaço de metal inerte imagino a chuva de projécteis iguais que em diversas situações sairam dos tubos dos famosos “quatro bocas”1 e nos passaram ao lado sem nunca nos conseguirem derrubar2. Como é que essa memorabile de uma arma AA que efectivamente disparou contra os nossos aviões veio parar às minhas mãos é a história que me proponho contar neste episódio dos “Pedaços das nossas vidas”.

ZPU-4. Desenho de Paulo Alegria

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Notas:
1 - “Quatro bocas”, designação que os cubanos davam às metralhadoras AA ZPU-4. Embora, por razões de “auto-estima” os guineenses nunca tenham admitido, existem grandes probabilidades dos dispositivos anti-aéreos do PAIGC e, em particular as ZPU e os canhões AA 37mm, terem sido operadas por cubanos. Os quatro canos da ZPU-4 debitavam 2400 tiros por minuto e as munições chegavam aos 15.000 pés de altura embora o alcance eficaz fosse de 4600 pés. Em qualquer caso o perigo maior para um alvo rápido como era o G-91 era a densidade de projécteis na trajectória do avião e menos a destreza do apontador.
2 - Houve aviões abatidos por outros tipos de armas AA e também pelos mísseis Strella mas nunca tivemos uma perda provocada, nem pelas ZPU-1-2 ou 4, nem pelos canhões de 37mm.

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O ideal missionário do povo sueco 

Não é possível descrever este acontecimento sem primeiro tentar traçar as linhas mestras do apoio sueco aos movimentos de libertação, durante a guerra que nos foi imposta em África, pois está directamente implicado no que vos quero relatar. Além disso, estou convencido que poucos terão consciência da dimensão e importância das acções que os suecos moveram contra Portugal nesse desastroso período da nossa história em que abdicámos totalmente do projecto da nação pluricontinental e multirracial, independentemente da situação objectiva em cada território, e embarcámos revolucionariamente na infame descolonização. Em última análise, os suecos contribuíram também para os mortos, estropiados e feridos que sofremos durante a guerra. Esta é, por isso, também uma oportunidade para lançar alguma luz sobre a dimensão e natureza do sistema adversário que enfrentámos e a que conseguimos resistir durante treze anos, apesar do diminuto peso estratégico do país.

Trata-se de uma questão que merece naturalmente uma análise muito mais abrangente do que o espaço para o presente artigo permite. Irei, por isso, tentar sintetizar o essencial do que achei até agora sobre a “amizade e solidariedade” sueca em relação aos movimentos de libertação e, consequentemente, o seu papel de inimigo como parte do sistema adversário que nos moveu a guerra.

Comecemos então pelo conceito de sistema adversário, por contraposição com a ideia corrente de que os nossos inimigos foram apenas os movimentos de libertação. Na realidade, estes beneficiaram de promotores e de apoios externos que foram engrossando com o passar do tempo até atingirem uma escala quase global. Estes apoios e os próprios movimentos de libertação estavam interligados e actuavam de forma coordenada para alcançar o mesmo objectivo estratégico e por isso devem ser considerados como um sistema. Assim, todos os que contribuíram objectivamente, por qualquer forma, para desapossar Portugal dos seus territórios ultramarinos, promovendo a liberdade de acção e a capacidade dos movimentos de libertação, foram elementos desse sistema adversário e, portanto, foram também nossos inimigos na guerra.3

Numa listagem por defeito aponto os que me parecem os mais óbvios mas, muitos outros, incluindo a gama dos países amigos com comportamentos ambivalentes, ficam por mencionar: as oposições políticas internas, diversas individualidades espalhadas um pouco por todo o Mundo, a URSS, a China, a Coreia do Norte, Cuba, os países do Norte da Europa, Argélia, Tunísia, Egipto, Senegal, Guiné-Conacri, República do Congo, República Democrática do Congo, Zâmbia, Tanzânia, o Movimento dos Não-Alinhados, a Organização da Unidade Africana e a Organização das Nações Unidas.

No grupo dos países do Norte da Europa notabilizou-se sempre a Suécia que, após uma fase de apoio informal mas efectivo, acabou por dinamizar os restantes países nórdicos4 para actuarem também abertamente contra Portugal, a partir de 1969.

De forma algo diferente dos que agiram apenas por razões políticas de natureza institucional, na Suécia verificou-se sempre uma simbiose entre a sociedade civil e o Estado. Ambos foram actores proactivos e actuaram combinados. Em última análise, o comportamento de um grupo significativo de suecos e de algumas das suas instituições foi claramente um acto de guerra contra os portugueses, muito semelhante ao dos cubanos que enviaram militares e armamento em apoio directo das acções de guerrilha sem que Portugal alguma vez os tivesse atacado ou declarado a guerra. As razões que sustentam esta atitude são naturalmente diversas mas podem ser explicadas e decorrem do sucesso do estado social sueco e de outros factores que justificam os excelentes indicadores de qualidade de vida que entronizaram o país como uma referência de desenvolvimento a partir de finais dos anos vinte do século passado.

Anteriormente, a Suécia fora um país rural, economicamente relativamente débil, que só começou a industrializar-se em meados do século XIX, na cauda dos países europeus economicamente desenvolvidos. Todavia, já nesse período, os fundamentos do estado social que iria ser, no futuro, um pilar fundamental do sucesso do país há muito que estavam enraizados na cultura sueca5. Conseguiu então, a partir daí, começar a tirar dividendos da Revolução Industrial e a partir do final do século XIX e princípios do século XX a economia acelerou definitivamente dinamizada por numerosos inventores e empresários6. No entanto, o ambiente social era ainda tão frágil que, desde meados do século XIX até aos anos 30 do século XX, muitos suecos se viram forçados a engrossar o fluxo da emigração europeia para os Estados Unidos.

Com o desenvolvimento económico e a resultante segurança material, cresceu o bem-estar social que por sua vez influenciou a melhoria da estabilidade interna e externa do país e o incremento das liberdades civis. Foram estas conquistas, reconhecidas e elogiadas internacionalmente, que acabaram por incutir nos suecos a presunção de que tinham adquirido não só o direito mas também a obrigação moral de exportar o seu modelo civilizacional para os países menos desenvolvidos e áreas problemáticas. Foi uma atitude que derivou dos princípios luteranos inculcados há muito na sociedade e no Estado7, os quais exigem que seja feito sempre o melhor (a ética dos virtuosos)8 e nestes termos os suecos nunca admitem fazer menos que o melhor, em quaisquer circunstâncias. É por isso que mesmo perante um insucesso um sueco dificilmente reconhece que errou. Este singular comportamento pode ser retratado da seguinte maneira: basicamente “os suecos não têm perguntas sobre os problemas do Mundo mas apenas respostas, que julgam serem as melhores e universais, configurando-se como modelo. Presumidamente, esse modelo poderá conduzir o resto do mundo ao estádio a que eles chegaram, no pressuposto de que isso seria possível e bom para todos”9.

Por estas razões instalou-se um pendor missionário na cultura sueca que foi reforçado por altura da nomeação, em 1953, de Dag Hammarskjöl para Secretário-Geral das Nações Unidas. O povo sueco passou então a sentir a orientação política e os programas civis e militares da ONU como uma responsabilidade também sua, como foi o caso do programa de descolonização. Psicologicamente, terá sido um lema do tipo “a ONU somos nós” um dos factores que mais influenciaram, nessa altura, a motivação internacionalista da comunicação social, juventudes universitárias, sindicatos e partidos políticos suecos. A acção de Dag Hammarskjöld à frente das Nações Unidas foi avidamente assumida como uma extensão da política externa da Suécia a qual se considerava moralmente responsável por resolver os problemas do mundo, tal como a ONU10. Foi tão intensa essa motivação que a longínqua e pouco africana Suécia resolveu participar, logo em Dezembro de 1958, na I Conferência de Povos Africanos em Acra, no Gana, claramente em busca de oportunidades de realização. Foi nessa conferência que o Partido Social Democrata sueco, então no governo, estabeleceu os primeiros contactos com os movimentos de libertação africanos os quais constituíram os alicerces do subsequente apoio sob a eufemística capa de “ajuda humanitária”.

É claro que esse ideal de “olhos azuis”, como os suecos gostam de classificar as suas “boas intenções”, a “inocência” e aparente “ingenuidade” das suas iniciativas extra-muros, nunca deu ao Mundo novas Suécias pela simples razão de que o que sustenta o estado social e as liberdades suecas é o potencial económico. São tudo coisas muito caras que não são obtidas por ideologias, nem por pretensas boas intenções mas sim com recursos e esses só podem ser gerados por um estado eficaz, investimento, educação e trabalho. Nada disso alguma vez acabou por acontecer nos países seleccionados pela ajuda humanitária sueca e em particular na Guiné-Bissau11.

Outro aspecto marcante, já referido atrás, foi a clara cumplicidade entre o Estado e a sociedade civil. A explicação para isso parece decorrer do conceito de “solidariedade” que, em sueco, não só se refere à coesão social mas também ao empenhamento e responsabilidade (tanto na Suécia como externamente) quanto a questões humanitárias12 e desenvolvimentos de natureza política. Essa atitude contribuiu para reforçar a auto-identificação dos suecos como um povo tradicionalmente avançado moral e tecnologicamente e começou a ganhar visibilidade por altura da Segunda Guerra Mundial, período que colocou em risco os valores civilizados, cabendo à Suécia, acreditam eles, o papel de sua guardiã13.

É tudo isto que justifica a paranóia missionária do povo sueco e o fervor no apoio, logo a partir de 1961, através dos OCS, organizações estudantis e partidos políticos, numa altura em que o PAIGC ainda não tinha sequer iniciado as hostilidades (excepto a casca de banana no cais do Pindjiguiti em 3 de Agosto de 1959)14 e a política oficial do Estado ainda estava longe de acometer Portugal.
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Notas:
3 - Tor Sellström, Sweden and National Liberation in Southern Africa, pág 64: “...Cabral himself who was the chief architect behind the commodity programme. Supplied with arms from the Soviet Union and its allies, he had from the outset ruled out the idea of military support from Sweden, designing instead a programme of civilian cooperation that at the close of the 1960s was met by no other country”...“Sweden and the Soviet Union were the largest donors to PAIGC. While the former was predominant on the civilian side, the latter was the leading supplier to the military struggle.
4 - Noruega, Finlândia, Dinamarca, Holanda e Islândia.
5 - Tudo terá começado com a Igreja Luterana que, em 1734, lançou as primeiras pedras na construção do Estado Social sueco ao instituir a obrigação de cada paróquia ter um asilo para os mais desfavorecidos e economicamente carenciados - O mito do "socialismo sueco", João José Horta Nobre, Mestre em História Contemporânea, 07 maio 2014.
6 - Mises Daily, Stefan Karlsson, August 7, 2006.
7 - In the Swedish religious and political tradition, the connection between Lutheranism and Swedish national identity stayed relevant long after the disappearance of religion as an all-encompassing norm in daily life. Catholicism and the Idea of Public Legitimacy in Sweden, ACADEMIC JOURNAL ARTICLE By Harvard, Jonas, European Studies , No. 31 , January 1, 2013.
8 - Até ao ano 2000, a religião Luterana foi a religião oficial do Estado sueco. O luteranismo atribui significado religioso ao trabalho mundano do dia a dia, por meio do qual se pode expressar o amor ao próximo e, consequentemente, agradar a Deus.
9 - Why Swedes would talk about themselves?, Astréia Soares, Doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, professora da Universidade Fumec/MG.
10 - Gustafsson, 1964, pág. 115.
11 - Returning to Guinea-Bissau twenty years after his visit to PAIGC’s liberated areas, in 1993 Anders Ehnmark reflected upon liberation and liberty, independence and development, dreams and realities, in his essay ‘The Trip to Kilimanjaro’, concluding that “something which was not predicted has taken place” (Ehnmark (1993) op. cit., pág. 113).
12 - Brian Palmer (1996).
13 - Why Swedes would talk about themselves?, Astréia Soares, Doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, professora da Universidade Fumec/MG.
14 - O “massacre do Pindjiguiti” foi intencionalmente provocado especialmente pelo PAI (depois PAIGC) que se tinha organizado três anos antes sob a direcção de Amílcar Cabral. A título de exemplo, para mostrar a mistura explosiva então instalada em Bissau, alguns dos membros do PAI eram membros do PCP na clandestinidade (Elysée Turpin, Carlos Correia, Abílio Duarte e Rafael Barbosa), outros eram empregados da Casa Gouveia (Elysée Turpin e Carlos Correia estes com duplo chapéu e Luís Cabral). Existiam ainda outros grupos, alguns também dinamizados por Amílcar Cabral e Rafael Barbosa. Toda esta gente conspirava e andava em bicos dos pés para provocar os “colonialistas” e foram eles que manipularam os marinheiros manjacos até à confrontação com a polícia. Basicamente tratou-se de uma greve por razões salariais, que já tinha sido ensaiada antes, e que se foi exarcebando até que em 3 Agosto 1959 deu-se uma inevitável confrontação com a polícia. Nessa altura, os grevistas picados pelos agitadores quiseram assaltar a Casa Gouveia tendo atacado os polícias (papéis) com arpões, paus, barras de ferro e remos na tentativa de os desarmar. Obviamente isto resultou em mortes. A partir desse lamentável desfecho, o desejado “massacre” passou a ser, imediata e incessantemente, utilizado no estrangeiro e em particular na Suécia como bandeira para a luta de libertação. Os mortos do Pindjiguiti ficaram para a história da libertação como um crime dos colonialistas e aos companheiros de Amílcar Cabral nunca nada lhes pesou na consciência. Tudo se justificava na lógica marxista que os iluminava. Ver também “Sweden and National Liberation in Southern Africa: Solidarity and assistance”, Tor Sellström, pág. 45.

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A escapatória ética da ajuda humanitária sueca

Os suecos podem querer convencer o Mundo de que, eticamente, são “de olhos azuis” mas todos sabemos que o estado de desenvolvimento e bem-estar que conseguiram15 são indicadores que não permitem outra interpretação das suas atitudes que não seja a da intencionalidade fundamentada e objectiva. Tinham certamente consciência de que todas as formas de apoio aos movimentos de libertação e em particular ao PAIGC que, dentre eles foi o mais beneficiado, eram letais e redundavam em mortos, feridos e destruição quer entre as forças portuguesas, incluindo as de recrutamento local e ainda as populações civis. De facto, não interessava que a ajuda sueca apenas fosse direccionada para a propaganda, para melhorar e manter as bases no Senegal e na Guiné-Conacri, para fornecer meios de transporte, para o tratamento de doentes e feridos, para financiar deslocações dos dirigentes, etc. Toda a ajuda contribuía para a capacitação do movimento cujo objectivo último era fazer a guerra e acabar com a presença portuguesa pela força. Não pode ter sido, nem foi outra, a motivação dos suecos.

Ciosos do seu estatuto como país de referência viram-se, por isso, obrigados a arranjar uma forma subtil de conferir uma aura de bondade às suas acções de modo a conservar as consciências impolutas e, em particular, não pôr em causa os preceitos que exigiam não patrocinar ou promover nada que implicasse perda de vidas ou mais sofrimento. Apresentando-se como “um país muito escrupuloso quanto aos princípios”, a ajuda aos movimentos de libertação e em particular ao PAIGC teve que ser justificada de modo a encobrir a sua finalidade última e as respectivas consequências.

Atentemos por isso no termo escolhido para designar esse apoio, precisamente o de “ajuda humanitária”. Efectivamente, esta designação não só dava a ideia de inocuidade como soava bem (para os pouco avisados que eram a generalidade dentro e fora de portas) e transpirava bondade. Outro factor muito utilizado foi a classificação do regime português como sendo uma ditadura fascista e portanto tudo o que dele emanasse estava automaticamente condenado. Por politicamente correcta validava todo o tipo de iniciativas contra Portugal, promovia a unidade de esforço com as oposições ao regime português e com a comunidade internacional democrática e, também com a não democrática, desde que não fosse ocidental ou, por exemplo, pertencesse ao bloco soviético. O problema é que o que estava em jogo era o projecto e futuro de uma sociedade pluricontinental e multirracial e não a sobrevivência do regime que transitoriamente a governava. A Suécia justificava assim a “ajuda humanitária” aos movimentos de libertação fazendo de conta que estava a combater um regime político quando, na realidade, estava a influenciar decisivamente o futuro de uma comunidade que em termos humanos se projectava muito mais avançada que as que hoje temos. As pessoas não contavam, o que importava eram os “amanhãs que cantam” das ideologias em voga16 com consequências terríveis como a conflitualidade, a ingovernabilidade ou as actuais avalanches emigratórias. Também eles, suecos, sopraram os ventos da história contra Portugal e condicionaram a seu belo prazer o futuro dos povos que habitavam os territórios então portugueses. É por isso que entre as características já inventariadas na mentalidade sueca não tenho dúvidas em acrescentar mais uma e esta bem negativa: a hipocrisia, nua e crua.

Mas não eram apenas estes os argumentos falaciosos que os suecos coligiram para justificar a sua “ajuda humanitária”. Outros que pareceriam “não ter pernas para andar” mas foram prontamente validados pelo imaculado povo “dos olhos azuis” foram a invocação do atraso português em termos económicos e o facto da colonização estar a ser feita com pessoas de baixa ou média condição social. Tanto o primeiro como o segundo argumento queriam apenas dizer que os povos africanos de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau mereciam colonos mais ricos, mais educados e de mais elevada condição social. Presumivelmente, se esses colonos fossem suecos então estaria tudo bem e esses territórios já seriam uma espécie de Suécias dos Trópicos. No entanto, enquanto nós sentíamos que as características da população portuguesa presente em África nos aproximavam mais das populações autóctones e por isso conferiam melhores condições de entrosamento, convivência e uma evolução comum mais equilibrada e eficaz, para os nossos detractores era tudo negativo e justificava a guerra que promoviam.

Para além destas considerações é no relato escrito por Tör Sellström, em 200817, que se pode perceber melhor grande parte do racional sueco para justificar o apoio aos movimentos de libertação anti-Portugal:

Declarava-se que essa ajuda não poderia entrar em conflito com o primado do direito internacional, no âmbito do qual se define que nenhum estado tem o direito de interferir nos assuntos internos de outro. Contudo, relativamente aos movimentos de libertação em África, a ajuda humanitária e o apoio à formação académica não devem ser interpretados como estando em conflito com as referidas normas internacionais nos casos em que as Nações Unidas tenham tomado uma posição inequívoca contra a opressão dos povos que lutam pela liberdade nacional. Considera-se que a África Austral ocidental, a Rodésia e os territórios africanos sob suserania portuguesa estão abarcados por essa definição.

Passaremos a seguir a explicar o processo que levou a esta decisão. Entretanto, é de notar que poucos países ocidentais eram tão diferentes entre si como Portugal e a Suécia no período pós-guerra e que as ligações económicas eram inicialmente fracas.

Apesar de ambos os países terem passado à margem da segunda guerra mundial, o fosso, que separava a ditadura fascista do Portugal católico da social-democracia da Suécia protestante, era abissal. Na arena internacional, Portugal via-se como um importante portador do estandarte do destino imperial e tinha aderido à OTAN, enquanto a Suécia fazia gala do seu passado não-colonial. Em termos nacionais, o regime de Lisboa seguia uma via ultra-proteccionista, que administrava uma economia retrógrada e estagnada, baseada no sector primário, enquanto que o governo social democrata da Suécia registava um crescimento económico acelerado e era um país cada vez mais exportador, em resultado directo duma política de transformação industrial assente na qualificação. No prisma social, as políticas elitistas praticadas em Portugal criaram taxas de analfabetismo e má saúde pública que colocavam o país mais no terceiro mundo, enquanto as práticas igualitárias do "modelo sueco" colocavam este país na vanguarda da educação e da saúde. 

As relações comerciais entre Suécia e Portugal eram bastante marginais até meados dos anos 60. Em 1950, o valor das exportações suecas para Portugal chegava a 28,3 milhões de coroas suecas, ou seja 0,5 por cento do total de exportações. Os números correspondentes para as importações suecas feitas por Portugal representavam nesse mesmo ano 25,1 milhões de coroas suecas, ou seja 0,4 por cento. Dez anos mais tarde o valor das exportações suecas tinha aumentado para 60,9 milhões de coroas suecas, mas a parte de Portugal no total de exportações ficou estável, enquanto a proporção relativa das importações de Portugal diminuiu para 0,3 por cento. Era fácil de ver que o comércio externo que a Suécia tinha com Portugal era muito menos relevante do que o que tinha com a antiga colónia portuguesa, o Brasil. Os investimentos directos em Portugal foram, durante muito tempo, apenas de relevância marginal. Apenas algumas empresas suecas, como a SKF e a Electrolux tinham estabelecido sucursais em Portugal nos anos 20, ao passo que algumas empresas têxteis viriam, mais tarde, a fazer investimentos directos. Por junto, havia apenas cerca de cinco empresas suecas em Portugal em 1960 e os seus produtos combinados eram bastante reduzidos.

Esta é uma pequena amostra do convencimento e arrogância sueca em relação a Portugal. A construção ética apenas visou dar cobertura ao que desejavam fazer a todo o custo e que tinha começado a ganhar momento ao tempo de Dag Hammarskjöl nas Nações Unidas. Sentiram-se, assim, com base em análises claramente preconceituosas, auto-mandatados a dar-nos uma lição. Todavia, tudo o que acima se transcreveu pode agora, que a guerra acabou há muito, ser contra-argumentado. Para não me alongar demasiado limitar-me-ei a comentar a invocação da virgindade sueca em relação ao colonialismo e ao facto do Estado-Novo “criar taxas de analfabetismo e má saúde pública que colocavam o país mais no terceiro mundo”. Em relação ao primeiro ponto é preciso frisar que, no passado, os interesses da Suécia assentaram no comércio marítimo e na indústria do ferro. Por essa razão nunca estiveram muito interessados em ocupar território mas sim em garantir o acesso dos seus navios a pontos de carga e descarga em África e em vender ferro trabalhado. Para além disso, estabeleceram, embora por um curto período, diversos entrepostos na costa do Ghana destinados à aquisição e trânsito de escravos com destino às Américas. Em paralelo com esse comércio avultava o fornecimento das barras de ferro para lastro dos navios negreiros e as argolas e grilhetas com que os escravos eram sujeitos a bordo e nos pontos de embarque e desembarque. Também mantiveram uma colónia de escravos em Saint-Berthélemy desde 1787 até Outubro de 184718. Por último, em finais do Séc XIX a Suécia participou na Conferência de Berlin com o mesmo estatuto e as mesmas intenções das restantes potências europeias. Não parece por tudo isto que a Suécia se possa distanciar agora, em termos morais, nem dos portugueses nem dos outros países que colonizaram África.

Sobre “as políticas elitistas praticadas em Portugal que criaram taxas de analfabetismo e má saúde pública” este argumento difundido na opinião pública sueca era claramente mal intencionado. Dava a impressão que o regime era tão mau que estava a fazer o país “andar para trás”. A verdade é que o regime português, apesar de tudo, fazia o que podia depois do descalabro da 1.ª República e havia evolução. Não tão rápida como seria desejável, ou não tão rápida como a da Suécia, mas isso decorria do que se pudesse considerar como a situação de referência para efeitos de comparação, por exemplo, à data da instauração do Estado Novo. Também resulta claro, bastando para isso olhar para as fotografias da época, que o país de 1926 era completamente diferente do país de 1960. Este alegado retrocesso invocado pelos suecos parece ser resultado da propaganda dos opositores ao regime e dos líderes dos movimentos de libertação, em particular de Amílcar Cabral, Eduardo Mondlane e Holden Roberto, que foi de quem os suecos se aproximaram mais. Outra coisa não seria de esperar.
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Notas:
15 - A admissão de que a ingenuidade seja um traço da cultura sueca contrasta com a imagem da Suécia moderna, secular e tecnologicamente avançada e com um alto índice de informação sobre questões internacionais (Why Swedes would talk about themselves?, Astréia Soares, Doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, professora da Universidade Fumec/MG).16 - Nada mais elucidativo do que comparar as projecções de liberdade e desenvolvimento de Amílcar Cabral para a Guiné-Bissau e a situação real do país após quarenta anos de independência.
17 - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, Tor Sellström, Nordiska Afrikainstitutet, Uppsala 2008
18 - Up until the 9th of October 1847 Sweden had a colony in the West Indies called Saint-Berthélemy where there were thousands of slaves. When Gustav III was asked to end slavery in the beginning of the 19th century by Great Britain where the abolitionist movement had grown strong the Swedish king firmly neglected that Sweden had had any participation in having slaves. This denial has lived to our days in Sweden as well on the former Swedish colony Saint-Berthélemy, Pan African Visions » Afro-Swedish Perspectives, Blogs » Living in Denial: Sweden and the slave trade, October 16th, 2012

(Continua)

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Nota do editor

Poste anterior da série de 29 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13443: FAP (81): A propósito do voo MH17 das linhas aéreas da Malásia atingido por um míssil, em 17/7/2014, sob o céu da Ucrânia... Deus nos livre da antiaérea amiga, que da inimiga livramo-nos nós (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7241: Notas de leitura (167): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
A saga está quase a findar.
Aprecie-se ou não as memórias de Luís Cabral, elas fazem parte dos códices essenciais para estudos futuros. Há certamente omissões, excessos de apreciação, episódios deliberadamente truncados, para trazer benefício à imagem da direcção do PAIGC. Mas é um relato que tem princípio, meio e fim. Resta saber se Luís Cabral deixou outras memórias referentes a este período ou subsequente à sua deposição.

Um abraço do
Mário


“Crónica da Libertação” (4), por Luís Cabral

Beja Santos

A consolidação do PAIGC ao nível interno e internacional

Em 1965, o PAIGC ganhara indiscutivelmente prestígio: vinham jornalistas visitas às chamadas zonas libertadas, foram reduzidas as dificuldades na fronteira senegalesa, a coordenação da acção das organizações nacionalistas das colónias portuguesas eram um facto. 

É nesse contexto que Amílcar Cabral se deslocou a Cuba onde foi participar na Conferência Tricontinental e onde se encontrou com Fidel Castro que trouxe novos apoios para a luta armada. A intervenção de Cabral em Havana, como muito observadores disseram, trouxe a sua consagração como teórico, ao introduzir elementos inovadores no que toca ao proletariado rural e à liderança revolucionária da pequena burguesia. Fidel anunciou vários apoios: preparar combatentes para o desembarque em Cabo Verde, enviar pessoal e material sanitário bem como instrutores para a República da Guiné e zonas libertadas.

Em 1966, estava Amílcar Cabral no Boé, foi descoberta a preparação de um criminoso atentado, tal como escreve Luís Cabral:

 “Os elementos descontentes tinham já aliciado alguns combatentes dos quais um atirador de bazuca seria o autor do miserável atentado quando o Secretário-Geral do partido se tivesse recolhido à sua barraca, para ali passar a noite. Denunciado o atentado por um dos camaradas contactados, o grupo foi preso. Os responsáveis da justiça agiram prontamente, o processo foi organizado, a tentativa de crime comprovada durante o julgamento. Os chefes da monstruosa conspiração foram condenados à pena capital e executados”. 

Porque havia descontentamento, porque era necessário liquidar Amílcar Cabral, o autor não adianta as razões, o que é lastimável se acaso por detrás da tentativa de atentado estavam motivos semelhantes aos de 20 de Janeiro de 1973. Não deixa de ser curioso verificar, segundo Luís Cabral, que Amílcar terá convocado uma reunião de dirigentes em que lera uma declaração segundo a qual se tornasse necessária a tomada de decisões extremas em relação a companheiros, repetindo-se nova tentativa de atentado, ele se retiraria completamente da luta.

Também nesse ano se tomou a importante decisão de incrementar a luta na frente Norte. É nessa altura que Luís Cabral é transferido para Ziguinchor, no sentido de se imprimir uma nova dinâmica na região senegalesa. Mais tarde, Amílcar visitou o Norte e fez um grande comício na tabanca de Djagali, na margem esquerda do rio Farim. No Norte, foram criadas sete regiões autónomas e um órgão de direcção e coordenação. Na frente Leste, a vida tornara-se insuportável em Madina do Boé e Beli. Domingos Ramos que fora transferido do Xitoli para ali acabou por morrer depois de ter sido gravemente ferido, no ataque a Madina do Boé.

Quanto à preparação para um desembarque em Cabo Verde, Amílcar Cabral recuou quanto à oportunidade de tal operação. Luís Cabral e Chico Mendes reformularam a vida política e militar da frente Norte, resolvendo dois problemas: fazer chegar mais material e atravessar zonas perto de aquartelamentos portugueses e fazer chegar esse mesmo material a todas as regiões. Se é verdade que tudo melhorou, continuaram as carências de infra-estruturas de acolhimento para os combatentes evacuados.

Por esse tempo, deu-se a visita de uma delegação militar da Organização da Unidade Africana que visitou a frente Norte. A delegação constatou que era necessário que as forças do PAIGC dispusessem de um armamento mais potente. Mas o facto que Luís Cabral destaca foi a oportunidade de os oficiais do Senegal e da Guiné Conacri terem forjado excelentes relações, isto quanto a diplomacia entre os dois países era de grande tensão. 

A mudança táctica das autoridades senegalesas quanto à passagem de homens e armas trouxe um grande reforço à luta. Luís Cabral regista outros acontecimentos que reputa como fundamentais para o crescimento do PAIGC: a propaganda, sobretudo a radiofónica, com a inauguração da Rádio Libertação; a criação de cursos de enfermagem; a melhoria do abastecimento, o bom funcionamento das escolas. Em 1967, as populações sobre o controlo do PAIGC passaram a receber armas.

As forças portuguesas estavam agora a receber helicópteros que semeavam o pânico quando largavam ou recolhiam as tropas especiais que atacavam as bases. A resposta foi a criação do Corpo de Comando e a utilização de melhores peças de artilharia. Segundo ele, as bazucas T-21 constituíram um importante elemento dissuasor.

Em 1968, em Fevereiro, um grupo de combatentes fez uma incursão durante a noite até Bissalanca de onde lançou fogo de morteiro sobre as instalações militares do aeroporto. Aumentou a pressão sobre os aquartelamentos portugueses, nomeadamente no Sul e no Leste. É neste contexto que Schultz termina a sua comissão e é substituído por Spínola. 

Luís Cabral enumera as diversas reuniões internacionais em que participou Cabral e o seu crescente prestígio. Quando, no início de 1969, desapareceu Madina do Boé, a pressão intensificou-se em todo o Gabu. As forças portuguesas concentravam-se, o PAIGC tinha que responder da mesma maneira. Mas Spínola não trazia só uma nova lógica para a manobra militar, pretendia captar as populações. A libertação de Rafael Barbosa que anunciou o seu arrependimento, foi um grande choque para o PAIGC. Ele escreve: 

“O antigo presidente do partido tinha sido, afinal, mobilizado pelos nossos inimigos e prontificara-se a trair o nosso povo e o PAIGC em troca da liberdade. Vários outros antigos militantes seguiram o mesmo caminho. Uns pondo-se abertamente ao serviço dos colonialistas, outros procurando anonimamente a sua segurança e bem-estar nas fileiras da Acção Nacional Popular… Os outros camaradas que participaram connosco na fundação do PAIGC tinham já sido libertados anteriormente. Eram eles Elisée Turpin e Júlio Almeida. Um e outro voltaram à sua vida, este como técnico agrícola, aquele dedicando-se a actividades comerciais e industriais de pequena envergadura, aproveitando-se das facilidades que a nova política do governador lhe facilitava”. 

Para Luís Cabral, Rafael Barbosa estava completamente desprestigiado e muito provavelmente estaria a denunciar militantes que actuavam em Bissau. Spínola procurou acções ofensivas, atacando quartéis do PAIGC dentro do Senegal. É neste contexto que chegou uma nova arma de grande potência, o GRAD-P. Os foguetões iam fazer a sua entrada na guerra de guerrilhas.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7237: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (4): Páginas de um diário quase improvável, antes de viajar para a Guiné (2) 31 de Outubro

Vd. último poste da série de 6 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7232: Notas de leitura (166): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Guiné 64/74 - P4384: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (5): O nº 48, Dezembro de 1972, dedicado à 'visita da OUA às regiões libertadas no sul'




Tradução do nº 48 da revista PAIGC Actualités, um orgão de propaganda política do PAIGC, publicado mensalmente, em francês. Subtítulo: "A vida e a luta na Guiné e Cabo Verde". O nº 48 tem 6 páginas e é datado de Dezembro de 1972. Tradução de Vasco da Gama, a partir de cópia digitalizada fornecida pelo co-editor Eduardo Magalhães Ribeiro.


Recebidos com entusiasmo e esperança pelo povo e pelos combatentes.
Uma Delegação da OUA [, Organização de Unidade Africana,] chefiada pelo comandante M’Bita, secretário executivo do Comité de Libertação Africano (na foto ao centro ), visita as regiões libertadas no sul do nosso país.

O NOSSO PARTIDO EM ÁFRICA E NO MUNDO
Amigos ingleses nas regiões libertadas


(O Sr e Sra Wainright no Hospital Solidariedade, onde conversam com o camarada dr. Boal responsável político do hospital)

Richard Wainright, Presidente do Partido Liberal Inglês e Administrador da Joseph Rowntree Social Trust Service, acompanhado por sua esposa, Joyce Wainright, visitam as obras do Instituto de Amizade e do Hospital da Solidariedade.

Após uma estadia em Dakar e em Ziguinchor, o casal inglês dirigiu-se ao Internato do Norte nas regiões libertadas onde as crianças apresentaram um espectáculo cultural em honra dos nossos ilustres hóspedes que de seguida partiram para a República da Guiné onde visitaram a Escola Piloto e o Jardim de Infância em Conacri e o Hospital de Solidariedade em Boké. Na região de Boé, na parte leste do país, os nossos amigos ingleses foram recebidos na Escola Internato, tendo também contactado as populações das aldeias libertadas.
A fundação Joseph Rowntree Social Trust Service concedeu ao longo deste ano uma ajuda importante às nossas escolas e hospitais.



( O escritor inglês Basil Davidson conversa com a responsável da organização dos Pioneiros do Partido no sul do país Teodora Gomes.)

O escritor e africanista inglês Basil Davidson visita pela terceira vez as zonas libertadas do nosso país. Acompanhado pelo camarada Vasco Cabral, do Comité Executivo, visita o Sul e de seguida o Leste. Nesta última frente reuniu demoradamente com o Secretário Geral do Partido, Amílcar Cabral, que se encontrava na região em visita de inspecção.
Basil Davidson, que foi o primeiro escritor da Europa Ocidental a denunciar os crimes dos colonialistas portugueses, é um amigo do nosso povo, tendo publicado inúmeros escritos sobre a nossa luta, tendo o seu livro Revolução em África sido prefaciado pelo Amílcar Cabral.
Em cima, o escritor inglês Basil Davidson conversa com a responsável da organização dos Pioneiros do Partido no sul do país Teodora Gomes.



(A delegação da NORAD na Escola Piloto na companhia do camarada Aristides Pereira)
UMA DELEGAÇÃO NORUEGUESA, MM. Jensen, director adjunto do Serviço de Desenvolvimento Internacional (NORAD ), visitou o nosso secretário geral em Outubro último.

A delegação da NORAD conversou com o camarada Aristides Pereira da Comissão Permanente do CEL a propósito da ajuda concedida pela Noruega ao nosso Partido, tendo visitado os departamentos do Instituto Amizade em Conacri e o nosso Hospital Solidariedade em Boké.
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Por ocasião da sua presença na sede das Nações Unidas em Nova Yorque, no passado mês de Outubro.

Razão pela qual o nosso líder renunciou ao uso da palavra na Assembleia Geral das Nações Unidas.
O camarada Amílcar Cabral após consulta à Direcção do Partido, explica numa carta dirigida à Assembleia Geral os motivos que o levaram a tomar esta decisão.

Senhor Presidente,
Um numeroso grupo de Estados membros da ONU, entre os quais os países irmãos de África e vários países amigos, expressou o desejo de que nos dirigíssemos à Assembleia Geral, numa sessão plenária, no decurso do debate sobre a descolonização. Esta pretensão encontrou eco favorável no seio da 4ª Comissão que encarregou o seu ilustre Presidente de efectuar junto de Vª. Exª., as diligências necessárias para a sua materialização.




(O Secretário Geral do Partido com Marcelino dos Santos, Vice Presidente da Frelimo, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque)

Na sequência de várias consultas realizadas concluímos que uma confortável maioria se inclina a favor desta nossa iniciativa cuja importância ninguém conseguirá subestimar, a não ser a transcendência política, no quadro da luta levada a cabo pelas forças anticolonialistas da ONU contra o particularmente retrógrado colonialismo português.

Tendo em consideração as manifestações de simpatia e de apoio que nos foram directamente transmitidos por parte de uma numerosa delegação presente na sessão, temos a certeza que no caso de ter havido um debate e uma votação sobre esta questão, a Assembleia Geral ter-nos-ia convidado a usar da palavra perante a Assembleia , em sessão plenária. Esta certeza constitui já para o nosso povo africano outro factor de encorajamento no conflito, infelizmente sangrento, que travamos contra o governo colonialista de Portugal sobre quem recai toda a responsabilidade.

Mesmo na minoria que se absteve ou se opôs surgem alguns estados cuja amizade e compreensão são já favoráveis ao nosso povo e também à nossa luta. Por razões que aliás não põem minimamente em causa a nossa possibilidade de nos dirigirmos à Assembleia Geral, esses estados seriam forçados, se houvesse uma votação, a abster-se ou a votar contra.

Escusado será dizer que não é com toda a certeza o caso da ínfima minoria formada pelos aliados do governo colonialista português que se opõe sistematicamente a toda e qualquer iniciativa no sentido de acelerar a liquidação do colonialismo e do racismo em África.





(Sevilha Borja, Presidente do Comité Especial da ONU que visitou as regiões libertadas no sul do nosso país, conversa com o camarada Amílcar Cabral, no decorrer da Assembleia do Conselho de Segurança sobre a agressão das forças colonialistas portuguesas contra a República do Senegal, em Outubro passado)





(O líder do nosso Partido, o primeiro combatente pela liberdade africana a usar da palavra perante a ONU com Koffi Kouamé da Costa do Marfim)

Após consulta à direcção do nosso Partido e informados que foram os representantes dos países irmãos e amigos, que ao tomarem tal iniciativa, a todos os títulos positiva, deram mais uma prova da sua solidariedade concreta para com o nosso povo e a nossa identidade com os princípios e objectivos da O.N.U., expressamos á Assembleia Geral, por intermédio de Vª. Exª. o nosso desejo para que, relativamente a esta questão, nem o debate nem a votação sejam efectuados.

Com efeito, é com a maior alegria que constatamos que uma larga maioria dos Estados Membros reconhecem o direito inalienável ao nosso povo de poder ser escutado através da voz dos seus legítimos e verdadeiros representantes, por todas as instâncias da ONU, incluindo a Assembleia Geral. No entanto não desejamos nesta etapa da nossa luta que países verdadeiramente amigos ou potencialmente solidários com a nossa causa se vejam obrigados publicamente a contradizer os seus próprios sentimentos e princípios. Uma vitória política é um bem demasiadamente precioso para um povo que luta pela sua libertação nacional contra um inimigo sem escrúpulos e fortemente apoiado pelos seus aliados. Acreditamos que, mesmo no caso vertente, há sucessos aos quais é necessário saber renunciar.

Queira aceitar, Senhor Presidente, a expressão dos nossos sentimentos e da mais elevada consideração.

O Secretário Geral do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)
(assinado) Amílcar Cabral

MOSCOVO: Os camaradas André Pedro Gomes, membro do Comité Executivo da Luta e Comandante da frente NHACRA – Morés, e Júlio Semedo, do Secretariado Geral, participam na capital soviética no encontro internacional da juventude trabalhista.

O jornalista francês LAMBOTTE , do jornal Humanité, visita as frentes Sul e Leste do nosso país.
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Enquanto as populações e os combatentes no Sul do país acolhem calorosa e fraternamente a delegação do Comité de Libertação da OUA.

O NOSSO EXÉRCITO DE LIBERTAÇÃO INFLIGE PESADAS BAIXAS ÀS TROPAS EXPEDICIONÁRIAS PORTUGUESAS.

Uma delegação do Comité de Libertação da OUA constata a importância dos objectivos alcançados através da luta de libertação do nosso povo, sob a direcção do PAIGC.

Guiada pelo comandante M’Bita, Secretário Executivo do referido Comité, a delegação da OUA, que nos visitou em Novembro último, contactou os principais dirigentes políticos e militares do Sul visitando algumas unidades das nossas Forças Armadas, hospitais e postos sanitários instalados na zona, bem como outro tipo de actividades sociais levadas a cabo pelo nosso Partido.

Os nossos ilustres visitantes foram saudados pelas populações libertadas de Balana no decorrer de um grande encontro realizado na sede do Tribunal do sector. Ao dirigir-se à numerosa assistência, o comandante M’Bita após ter felicitado as populações e os combatentes pela sua coragem e determinação, afirmou que a OUA vai colaborar com todos os meios ao seu alcance, no sentido de reforçar a contribuição decisiva de África para uma mais rápida liquidação do colonialismo português no nosso país. A delegação da OUA era composta, entre outros, pelo Secretário Executivo do Comité de Libertação, o comandante Ahmed Sidki do Egipto, o capitão Macaranga da Tanzânia e os tenentes M’Bemba Queita e Komyetá da República da Guiné.

OS NOSSOS COMBATENTES REALIZARAM 75 ACÇÕES DE GRANDE RELEVÂNCIA, DAS QUAIS 60 ATAQUES CONTRA OS CAMPOS ENTRICHEIRADOS DOS PORTUGUESES E 15 EMBOSCADAS BEM COMO OUTRAS IMPORTANTES ACÇÕES.


(No regresso ao nosso país o Comandante M’Bita na companhia dos membros da delegaçã da O.U.A., reencontra o Secretário Geral do nosso Partido, o camarada Amílcar Cabral)


(A delegação do Comité de Libertação observa pormenorizadamente a defesa anti-aérea das nossas posições)

As cidades de Mansoa e Catió foram atacadas por duas vezes. Entre os quartéis atacados estão as importantes guarnições de Xime, Xitole (duas vezes), Cufar (três vezes), Bedanda (duas vezes), Fulacunda, Aldeia Formosa (no sul do país), S. Domingos (três vezes), Olossato, e Mansoa ( no norte) e Pirada no leste.

As baixas entre os colonialistas cifraram-se em 141 mortos confirmados, entre os quais um capitão e vários oficiais subalternos, mais de uma centena de feridos , 6 camiões e um helicóptero destruídos e uma quantidade enorme de material capturado pelos nossos Combatentes, sobretudo em Choquemone, onde a 25 de Novembro [de 1972] uma operação inimiga de grande envergadura se saldou num enorme fracasso.

Face às sucessivas derrotas que os nossos combatentes lhes têm infligido nos últimos meses e cada vez mais furiosos por causa da divulgação dos nossos sucessos a nível internacional, os colonialistas portugueses intensificaram em Novembro os bombardeamentos com napalm nomeadamente no Sul libertado.
Entre outras, as aldeias de Gandua, Timbo, Catchaque, Bari e Santana foram parcial ou totalmente destruídas e as tropas helitransportadas praticaram actos de terrorismo, matando 25 pessoas, sobretudo mulheres e crianças, em Caduco, Cancolia, Gambia, Mandjaque, Gamassampá e Botchebissa, onde os soldados portugueses perpetraram sevícias contra a população e violaram 5 raparigas. Tendo sido repelidos destas aldeias pelas Forças Armadas locais, o inimigo registou pesadas baixas durante os seus actos terroristas.


(No longo e difícil percurso de libertação, os nossos combatentes são filhos dignos do nosso Partido africano)

Sendo o espelho dos sentimentos do nosso povo, do qual são os legítimos representantes, os nossos combatentes dedicam o resultado das suas acções de Novembro ao povo irmão da República da Guiné, em homenagem e reconhecimento da sua histórica vitória contra a agressão imperialista portuguesa em 22 de Novembro de 1970. Novembro de 1972 regista, com efeito, o maior número de acções contra as tropas colonialistas que sofreram neste mês, uma das mais pesadas penas em vidas humanas.



P.A.I.G.C. Actualidades

Boletim de informação editada pela Comissão de Informação e Propaganda do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde. Correspondência: Caixa Postal 298 – Conakry (Rep. Da Guiné) Caixa Postal 239 - Dakar (Senegal)

NOTA: Este documento contou com a preciosa ajuda, na tradução do francês para o português, do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Capitão e CMDT da célebre companhia "Os Tigres de Cumbijã", Cumbijã, 1972/74.
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Nota de M.R.:

Vd. postes anteriores desta série em:

2 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3828: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (1): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 1-2