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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16990: Notas de leitura (923): "A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Porto, Caminhos Romanos, 2016, muitos anos de pesquisa de arquivo, um milhar de páginas, fotos, mapas e outra documentação preciosa... Uma obra de referência, de grande rigor, incontornável. Pref. do almirante Nuno Vieira Matias, antigo cmdt do DFE 13 (CTIG, 1968/70)


A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926 / Armando Tavares da Silva ; pref. Nuno Vieira Matias. - [Porto] : Caminhos Romanos, 2016. - 972 p., [64] p. il, [12] mapas desdobr. : il. ; 25 cm. - ISBN 978-989-8379-44-3 [Preço 'on lne': 56,00€]



A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926, de  Armando Tavares da Silva  >


 Prefácio:  “A Presença Portuguesa na Guiné”

Alm.te Nuno Vieira Matias


A análise histórica é, em qualificadas escolas, muito usada como ferramenta essencial à compreensão de fenómenos humanos e à sua condução em termos políticos e estratégicos, ainda que em épocas já muito diferentes. De facto, o conhecimento do passado de um determinado meio humano, de características com contornos bem vincados, ajuda a entender comportamentos actuais e a prospectivar medidas, ou políticas, orientadoras para novos padrões comportamentais. Este pensamento flui naturalmente com a leitura do excelente trabalho de investigação histórica que temos em presença, o qual se reveste, assim, de grande interesse actual e também futuro.

Ao longo dos trinta e dois capítulos que constituem a componente principal do livro é-nos dado a conhecer, com grande detalhe e rigor, a vivência, frequentemente conflituosa, entre várias etnias da Guiné Portuguesa e os esforços da administração portuguesa para o estabelecimento de uma governação baseada em princípios das sociedades ocidentais. São historiados 48 anos desse processo, de 1878 a 1926, período que o Autor escolheu, como justifica nas “Palavras Prévias”, principalmente “por ser aquele em que houve maior pressão para a ocupação efectiva do território, em que decorreram as conversações com a França para a sua delimitação e em que se concentraram, na quase totalidade, as chamadas operações de pacificação “.

Trata-se de um espaço temporal em que ocorreram múltiplos incidentes, que demonstram não apenas a natureza diversa e rebelde de muitas gentes guineenses, como as dificuldades no estabelecimento de uma organização política e social enquadradora da multiplicidade étnica e religiosa da população, vivendo no espaço artificialmente definido que passou a constituir a Guiné Portuguesa. A riqueza da extensa investigação dá-nos conta dos muitos conflitos verificados, quer entre as etnias locais, quer entre estas e os portugueses, mas também refere inúmeros episódios de bom relacionamento que tivemos com os nativos. Daí facilmente se extrapola que a dificuldade de convívio tem sido uma constante, que chega até aos nossos dias.

O autor, Armando Tavares da Silva, o mais recente membro
da nossa Tabanac Grande 
Esta é uma ideia que perpassa por toda a obra, excelentemente enquadrada pela Introdução onde o Autor faz um resumo da história do território, desde a chegada dos primeiros portugueses à região. Nuno Tristão terá sido o primeiro a chegar e a constituir a primeira vítima mortal das frechas envenenadas de mandingas, em 1446, talvez na foz do Rio Gâmbia. No ano seguinte, seria a vez do escudeiro norueguês de D. Afonso V, Valarte, que comandava nova expedição, de ser morto ou capturado, já não em terra de mandingas, mas na de outras etnias não claramente definidas.

Os nossos navegadores, os primeiros homens brancos a chegarem àquelas terras, foram descobrindo também que ali havia uma enorme diversidade étnica. Esta, sabemos hoje, foi consequência de muitas migrações de povos diversos do nordeste africano os quais, ao longo de séculos, procurando melhores condições de vida, se foram deslocando para as férteis costas guineenses, empurrando à sua frente os que já lá se encontravam. Os bijagós foram mesmo pressionados a deixarem a terra continental e a ocuparem o conjunto de ilhas adjacentes que tomaram o seu nome.

Não demoraria muito, contudo, para os portugueses entenderem que deveriam ter com aqueles povos um relacionamento cautelar, como o prova a excelente expedição de Diogo Gomes, em 1456, que o Autor caracteriza – em consonância com a apreciação de Teixeira da Mota (1946) – indicando: “ A acção por ele desenvolvida fornece-nos ‘um quadro típico da atitude civilizadora dos portugueses na Guiné’: a preocupação das ‘relações pacíficas com o gentio, tratando-o com humanidade e generosidade’; a superação do conflito religioso com a conversão do régulo; ‘um esforço de educação civilizadora, pelo envio de sacerdotes, técnicos construtores e animais domésticos’. O navegador é, assim, ‘um dos mais inteligentes’ capitães henriquinos.”

Essa atitude de procurado bom relacionamento, de tolerância e de aceitação da diferença que sempre tem caracterizado os portugueses em qualquer parte do mundo, notei-a também nas duas longas comissões de serviço que fiz em Angola e na Guiné. Neste último território ultramarino português, entre 1968 e 1970, testemunhei exactamente a constante que a presente obra evidencia das turbulências de relacionamento, aumentadas então pela guerrilha com forte apoio do exterior, sobretudo da esfera soviética, mas também verifiquei a amizade que muitas etnias mantinham connosco, levando-as até a combaterem bravamente pelo nosso lado. E a prova maior da nossa tolerância é constituída pelo facto de os islamizados guineenses terem sido dos nossos maiores aliados e de muitos terem combatido e alguns morrido nas nossas fileiras. Na região onde predominavam no leste da Guiné, a de Gabú, havia uma paz que contrastava com a luta de guerrilha, por vezes violenta, que ocorria nas regiões dos rios Cacheu, a norte, do Cubijã e do Cacine, a sul, no Oio, etc.

Recordo que, no destacamento de fuzileiros especiais que comandei, havia guias de religião muçulmana e que todos acatávamos com respeito as suas práticas religiosas e os seus hábitos, por exemplo, alimentares. Também relembro uma missão que me foi atribuída de estabelecer segurança na zona do farol situado no limite norte da Guiné, na região de Varela, a fim de permitir a uma equipa das Oficinas Navais de Bissau efectuar a sua reparação, repondo o funcionamento há muito interrompido. Preparei cuidadosamente a missão na incerteza do que poderia encontrar, uma vez que a norte do Cacheu e junto à fronteira do Senegal a guerrilha era muito forte. Contudo, a surpresa foi grande quando, após o nosso desembarque, apareceram grupos de felupes recebendo-nos com música. Enquanto as reparações se processavam, continuámos o relacionamento, partilhando as rações de combate do nosso almoço e até fazendo habilidades com as fundas que usavam para atirar pedras ao gado que guardavam. Estas eram, afinal, práticas bem conhecidas sobretudo dos meus fuzileiros alentejanos…

O livro termina com o capítulo onde são abordadas as usuais dificuldades governativas no período de que trata (1925-26), mas também o esforço persistente de organização administrativa, incluindo o aparecimento da terceira Carta Orgânica da Guiné e, ainda, a extinção da marinha colonial.

O interesse do valiosíssimo texto é acrescentado pela inclusão no seu interior de dois cadernos com muito curiosas fotografias de uma vasta colecção sobre “povos, vistas e paisagens e temas militares”, onde nos aparecem lindas ilhas dos Bijagós, algumas povoações e também imagens com relevo histórico militar. No final da obra, somos brindados com um “Apêndice Iconográfico” que inclui cerca de três dezenas de fotografias de navios da Armada que serviram na Guiné, a que se segue um encantador acervo de elementos de cartografia desse Território, respeitantes aos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX. Reproduzem atraentes elementos onde a toponímia antiga nos é revelada, assim como outros dados raros, nomeadamente itinerários de algumas operações militares.

O conjunto dos cinco anexos do livro enriquece ainda mais a obra, contribuindo com detalhada e precisa informação, quer para fundamentar exigentes trabalhos de pesquisa, quer para satisfazer a curiosidade mais profunda de leitores especializados. De facto, o Autor preocupou-se em disponibilizar dados úteis e interessantes sobre aspectos tão diversos quanto as “Etnias” do território da Guiné, os “Tratados, Convenções e Autos”, a lista de “Governadores e Encarregados do Governo”, assim como a de “Ministros e Chefes do Governo” e, ainda, uma muito interessante e plena de significado, “Missiva do régulo Mamadu Páte para o governador Judice Biker”.

Em conclusão, estamos perante um livro que constitui, na verdade, uma notável obra de investigação histórica, produzida com grande rigor científico e que exemplifica bem o gigantesco esforço que um povo pouco numeroso, saído do extremo oeste da Europa, desenvolveu, pioneiramente, pelo mundo fora. Eram poucos os Portugueses, mas eram grandes no saber, no querer e no sentido fraterno dos seus contactos. Por isso, foram os primeiros a estabelecer-se em África e os últimos a sair.


Alm.te Nuno Vieira Matias [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Câmara Municipal de Porto de Mós, sua terra natal]

[Fixação de texto, realces a amarelo e negritos, da responsabilidade do editor do blogue; a reprodução deste prefácio foi-nos devidamente autorizada pelo autor do livro]

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16982: Notas de leitura (922): “De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2011)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16987: Tabanca Grande (424): Armando Tavares da Silva, nosso grã-tabanqueiro nº 734, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, 2016), livro galardoado com o prémio "Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo"


Capa do livro do prof Armando Tavares da Silva,“A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”, Porto, Caminhos Romanos, 2016, ISBN 978-989-8379-44-3).

O nosso mais recente membro da Tabanca Grande, o historiador Armando Tavares da Silva, foi galardoado com o prémio  Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo, pela publicação deste livro. O prémio foi dado pela Academia Portuguesa da História, e a cerimónia de entrega decorreu em 7 de dezembro de 2016, pelas 15,30 horas na sede desta Academia, Palácio dos Lilases, Alameda das Linhas de Torres, 198-200, 1769-024 Lisboa. A cerimónia foi presidida pelo Presidente da República.


1. Mensagem,  de 23 do ocorrente, do nosso leitor e escritor Armando Tavares da Silva,  convidado a integrar a Tabanca Grande em 6/12/2016 (*):

Prezado Professor Luís Graça, demais Editores do blogue e caros Grã-Tabanqueiros

É para mim uma grande honra e prazer pertencer a esta grande comunidade, aceitando o convite que me foi dirigido. Honra que é acrescida pelo facto de considerar este blogue do máximo interesse e importância por documentar, pela voz dos próprios interventores, grande parte do que foi a luta na Guiné durante os anos 1961-1974. Quem quiser, assim, fazer a história dos acontecimentos deste importante período, não poderá prescindir do manancial de informação que ele contém. É este um motivo do agradecimento que deve ser feito aos promotores deste blogue e a todos os que nele colaboram.

Eu não estive na Guiné, mas não é difícil de imaginar que, tendo durante cerca de uma dezena de anos feito uma extensa investigação sobre o que foi a presença portuguesa neste antigo território ultramarino português (agora a República da Guiné-Bissau) entre os anos 1878-1926, siga com grande interesse e apreço tudo o que respeita a este território, sua história presente e passada.

Devo começar por esclarecer que o meu interesse pela história do território resultou do facto de um avô meu, como aspirante de marinha, ter participado, em 1904, na chamada guerra do Churo, uma das operações militares ditas de “pacificação” da Guiné. O Churo era uma região de povos da etnia papel ao sul de Cacheu, os quais amiudadas vezes atacavam esta praça causando mortos entre os seus habitantes.

Aquele interesse foi acrescido por se ter dado a coincidência de o chefe-do-estado-maior na altura (major Lapa Valente) ser casado em segundas núpcias com a minha avó materna. Lapa Valente serviu na Guiné durante 7 anos – uma das mais longas presenças de militares – e durante este período foi por 3 vezes governador interino e uma vez encarregado do governo, tendo participado nas expedições ao Jufunco em 1901, ao Nhacre e ao Oio em 1902, ao Arame em 1903 e ao Churo em 1904.

Foi por verificar quão escassa era a historiografia portuguesa relativa à Guiné que decidi empreender a morosa tarefa de mostrar quais foram os problemas – militares a administrativos – que as autoridades portuguesas tiveram de defrontar para o estabelecimento de uma efectiva administração num território onde Portugal dispunha de várias praças, presídios e feitorias, a qual se tornou premente na sequência das resoluções da Conferência de Berlim de 1885.

O trabalho empreendido levou à publicação em 2016 do livro “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, ISBN 978-989-8379-44-3) (**). Foi abrangido o período de quase 50 anos que se seguiu à separação administrativa da Guiné relativamente a Cabo Verde em 1879, período em que se verificou a quase totalidade das operações militares no território após a delimitação de fronteiras com a França em 1886.

Com a realização deste trabalho fiquei a compreender a razão por que o partido independentista criado nos finais dos anos 1950 dizia respeito não apenas à Guiné, mas simultaneamente também a Cabo Verde. E fiquei ainda a compreender a particular composição do grupo dos seus promotores e principais dirigentes.

Nesta perspectiva, aquele livro lança-nos luz sobre os antecedentes da luta travada para expulsão dos portugueses daquele território entre 1961 e 1974, e permite-nos compreender melhor o seu real significado, bem como os desenvolvimentos que têm ocorrido na Guiné-Bissau até aos nossos dias.

A este propósito tem interesse transcrever o Prefácio que o Almirante Nuno Vieira Matias, que comandou na Guiné de 1968 a 1970 um destacamento de fuzileiros especiais, elaborou para o livro.


2. Resposta der ontem do nosso editor:

Meu caro Armando: Acabo de ver a sua mensagem, vou no Alfa a caminho de Braga, onde tenho um júri de doutoramento na área das ciências da comunicação.

Regresso ao fim da tarde. Já comecei a editar os seus textos: a apresentação à Tabanca Grande (, vou procurar mais umas notas bibliográficas... a seu respeito) e o prefácio ao seu livro (que vou ilustrar com imagem da capa). Os nossos postes, como sabe, não podem ser muito extensos, daí esta minha opção.

Naturalmente que respeitarei a sua (e a do prefaciador) opção no que diz respeito à ortografia. Os nossos autores e comentadores têm essa liberdade, faz parte do nosso "livro de estilo".

O meu amigo irá ser apresentado mais logo, na viagem de regresso (espero estar despachado por volta das 17/18h). Será o grã-tabanqueiro nº 734, e a sua presença muitos nos honra, enquanto blogue dos "amigos e camaradas da Guiné". [Últimas duas entradas, mais recentes, Braima Galissá e Armando Gonçalves] (***). Já sabe como são as regras: aqui, os camaradas de armas tratam-se por tu; os amigos dispensam as formalidades, os títulos... Mas todos respeitam todos...

Fique com o meu número de telemóvel (...). Já corrigimos a gralha que apontou, no marcar do nosso blogue [Armando Tavares da Silva]...

Boa saúde, boa continuação do seu valioso trabalho de pesquisa. Luís Graça

3. Nota biográfico do nosso grã-tabanqueiro nº 734:




4. Citação do prefácio do livro (, assinado pelo Almirante Nuno [Gonçalo] Vieira Matias, que comandou na Guiné,  de 1968 a 1970, um destacamento de fuzileiros especiais (, o DFE nº 13) [. é atualmente Presidente da Academia de Marinha, vice-presidente da Direcção da Sociedade de Geografia de Lisboa, membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, membro de mérito da Academia Portuguesa da História, entre outros cargos]: 


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