1. Mensagem de Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74,
Mansoa,
Bolama,
Aldeia Formosa e
Bissau, com data de 11 de Novembro de 2008:
Estimados Editores,
Caro Carlos Vinhal,
Não me esqueci do pedido para escrever como foram as coisas depois do 25 de Abril de 1974, mas andei a ver como poderia organizar isso e encontrei como solução aquela que envio em ficheiro.
Ficam inteiramente à vontade para publicarem ou não.
Os nomes mencionados são quase todos de amigos de quem há muito não sei o paradeiro, não deixaram de ser amigos e indico-os porque poderá haver quem, também conhecendo-os e sabendo onde estão, possa convidá-los a participarem. Admito que aconteça com eles o que comigo aconteceu, não fosse um outro camarada e só por acaso descobriria este blogue.
Pronto, está dito o essencial e o que queria.
Comecei a dar volta ao baú e descobri lá um poema que foi adaptado por um alferes miliciano de uma companhia que estava em Aldeia Formosa. Foi impresso em postais de Boas Festas e serviu para enviarem no Natal de 1972. Estou a tentar descobrir um desses postais, só tive dois, mas parece-me tarefa difícil. Se houver alguém que se lembre ou tenha um postal do Natal de 1972 de uma companhia de Aldeia Formosa ajuda, não devem ter havido muitos, especialmente impressos. Tem inclusive o crachá dessa companhia que eu não me recordo qual era. Poderá também ajudar à recolha de emblemas e crachás feita pelo nosso outro camarada da tabanca. Pela minha parte vou tentar descobrir o crachá do Agrupamento de Transmissões para vos enviar.
O estar com todos sem fazer parte de ninguém tem destas coisas.
Um abraço,
BS
2.
E Depois do 25 de Abril
por Belarmino Sardinha
Quando se contam Estórias que poderão fazer parte da História, estas, embora verdadeiras, só devem ser história depois de despidas da emotividade colocada na narrativa de quem, vivendo as situações, não conseguiu libertar-se de as descrever apaixonadamente, mesmo que devidamente documentadas.
Continuo assim empenhado em contar estórias, não podendo fazê-lo de outra forma por não me sentir habilitado a mais, embora o que escrevi seja verdade indesmentível, deixo para quem, especialista na matéria e melhor do que eu, possa fazê-lo ao reescrever e enquadrar as coisas no lugar correcto.
Após clarificada a minha posição para utilizar o termo Estória e não História, procurarei redigir novo rascunho acerca do que me foi sugerido, contar como foram vividos os dias, em Bissau, após 25 de Abril de 1974.
Pouco posso dizer, tinha praticamente a comissão acabada, em Abril de 1974. Se houvesse uma maior afluência ou adesão dos camaradas que como eu estiveram lá nos anos de 1972/74 era bom. Esperemos que se sintam motivados e respondam, pronto.
Ao longo do texto procurarei deixar alguns nomes, de conhecidos e amigos (espero que todos eles me desculpem), que foram protagonistas de acontecimentos que, não só pelas suas posições mas também por força delas, poderão ajudar a completar a História. Quem sabe se os editores ou outros camaradas, com trabalho feito, não conseguirão motivá-los e ajudá-los a integrarem o blogue.
Após grande agitação no Agrupamento de Transmissões, uns dois ou três dias imediatamente anteriores ao 25 de Abril de 1974, por parte de alguns oficiais que perguntavam com frequência se tinha vindo esta ou aquela mensagem, acordámos todos, os que não estavam de serviço, com a certeza de que algo se tinha passado na noite de 24 para 25 de Abril de 1974.
O nosso comandante, à data Tenente-Coronel, Mateus da Silva (*), tinha substituído interinamente o então Governador e Chefe Supremo da Forças Armadas Bettencourt Rodrigues. Esta situação manteve-se durante e até à chegada do Coronel, graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião.
Foi este o nosso despertar, no Agrupamento de Transmissões, no dia da revolução dos cravos.
Como as rotinas de serviço nada tivessem de diferente e as possibilidades de procurarmos nova ocupação não fossem possíveis, havia também que manter a rotina das horas vagas, ir até ao centro de Bissau, beber umas cervejas, comer nos locais habituais ou naquele que era o mais recente,
O Ninho , na estrada para o QG e assim passarmos o tempo que faltava.
Contudo essa rotina complicou-se em Bissau nos dias seguintes ou em quaisquer outros locais que não os quartéis. Começámos a ser insultados com palavras como
vai-te embora para a tua terra ou
fora daqui e até agredidos ou pelo menos essa tentativa, próprio de alturas de mudanças desta natureza, pelo que era impensável andar sem ser em grupo.
Isso obrigou a diversas intervenções da polícia militar, com alguma firmeza, pois as coisas ficavam, por vezes, bastante difíceis e quase sempre para os militares. O ambiente no meio civil nunca mais foi calmo e tranquilo como até então. Onde não havia guerra começava agora a inflamar-se a situação. Nessa altura julgo estar ainda lá, na PM, no Forte da Amura, o então alferes miliciano Fernando Pinto.
Mas também dentro dos quartéis se registaram mudanças, há muito que no Agrupamento de Transmissões falávamos nas condições que tínhamos nos nossos quartos (desculpem-me os camaradas que estavam ou estiveram em condições péssimas e lamentáveis, conheci algumas. Tenho sempre dito que fui bafejado pela sorte e que estive sempre bem. Tal como o apanhado num acidente mas que acaba sempre por ter sorte. Enfim, adiante. Não podia fazer este relato sem dizer isto), onde não cabíamos todos se chegava alguém vindo do interior.
Como trabalhávamos por turnos, de quatro horas, alguém tinha que ceder a cama, por vezes mais do que um até, caso contrário o camarada não dormia, montava uma tenda ou arranjava outro qualquer expediente.
Aproveitámos os ventos de mudança e até o segundo comandante, um Major pouco simpático cujo nome não me recordo, passou a ser uma simpatia e andou a ver as nossas instalações e a ouvir as queixas que tínhamos. Digo-o com conhecimento por ter feito parte do grupo que o acompanhou e expôs a situação. É claro que houve algumas melhorias, mas pouco pude acompanhá-las devido ao meu regresso em Julho de 1974, após cumpridos 24 meses e vinte dias.
Os festejos continuavam e eram uma realidade, ouvia-se agora na Rádio os diferentes grupos de militares que lá iam dando voz, havendo mesmo militares que lá iam cantar, alguns em coro. Recordo um que interpretou um dos
hinos do 25 de Abril de 1974,
Grândola, Vila Morena do saudoso Zeca Afonso. Refira-se que na altura era, salvo erro, Director da Rádio o conhecido autor de obras musicais Nuno Nazareth Fernandes, também ele à data alferes miliciano de engenharia.
Estas as pinceladas rápidas que posso dar sobre a vida após 25 de Abril de 1974 na cidade de Bissau. Ouvia-se dizer que no interior havia já confraternização e visitas dos elementos do PAIGC aos quartéis. Não pude testemunhar nenhum desses acontecimentos.
Acrescento ainda outro nome, o do ex-furriel miliciano Carlos Santos Pereira (**), que se encontrava lá também nessa altura e tratava de uma área ainda aqui não falada ou, pelo menos não vista por mim, os serviços de escuta, onde eram ouvidas todas as emissões de rádio do Senegal e Conacry e eram efectuadas ainda outras escutas.
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Notas do B.S.:
(*) O Tenente-Coronel Mateus da Silva, além de militar, era, e digo era porque apenas o conheci naqueles anos, entenda-se, uma pessoa de agradável trato com todos os militares, sendo frequente a sua presença em partidas de futebol dentro do quartel.
Posteriormente, já na Metrópole, integrou uma das administrações, à data CTT/TLP, onde trabalharam alguns dos ex-militares do Agrupamento de Transmissões.
(**) Também ele, além de poder falar sobre o assunto que era feito pelo serviço de escuta, e relatar a vida após 25 de Abril de 1974, pode contar porque foi até Bigene, durante uns três meses. Mas melhor que ninguém ele o poderá explicar.
Trata-se do jornalista Santos Pereira, convidado das televisões para falar sobre os conflitos na Tetchénia e nos Balcans e com obras publicadas na editora Cotovia.
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Notas de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (3): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152)
Vd. última colaboração de Belarmino Sardinha em 29 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3377: O meu baptismo de fogo (19): Como, porquê e não só (Belarmino Sardinha)