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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25223: Historiografia da presença portuguesa em África (411): A primeira exposição colonial portuguesa contada numa revista do Rio de Janeiro (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
Jamais em tempo algum tinha ouvido falar deste boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, dois investigadores brasileiros dão porquês para o seu aparecimento e falam da vida acidentada que a publicação teve, a maior colónia portuguesa no mundo ainda recebia afavelmente gente republicana, como Norton de Matos, e acresce que naqueles anos de 1930 os próceres do Estado Novo desconfiavam das doutrinas de Gilberto Freyre no que toca ao luso-tropicalismo. Tudo teve o seu tempo, mas acho que vale a pena dar uma vista de olhos ao que o escritor e jornalista Hugo Rocha publicou sobre a presença guineense na primeira exposição colonial portuguesa e é bom deixar no nosso arquivo as duas páginas com imagens de Bolama daquele tempo que era capital da colónia.

Um abraço do
Mário



A primeira exposição colonial portuguesa contada numa revista do Rio de Janeiro

Mário Beja Santos

Com a preocupação de vasculhar quanto a referências da Guiné portuguesa, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa alertaram-me para o Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, publicação que vingou entre 1932 e 1939, primeiro com o título de África Portuguesa e depois referenciada como Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro. Que pretendiam? No n.º 1 de África Portuguesa, janeiro de 1932, com o título a que vimos, faz-se a seguinte apresentação:
“A que vem África Portuguesa? Sentar praça nas hostes dos paladinos do Novo Renascimento Colonial Português. Este Novo Renascimento da expressão política devia-se a várias sacudidelas: a fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa e às epopeias de Silva Porto, Serpa Pinto, Capelo e Ivens. E à ocupação efetiva: Mouzinho, Alves Roçadas, João de Almeida, António Enes, Norton de Matos. África Portuguesa vem contribuir com a sua quota parte, cá deste lado do Atlântico, para essa obra de ressurgimento colonial, proporcionando aos nossos patrícios e a todos quantos se interessam pelas coisas coloniais uma resenha dos principais acontecimentos e factos mais notáveis da vida das colónias. Enfim, pôr em relevo a obra colonizadora dos portugueses.”

Mas pode-se apurar mais quanto aos intentos deste projeto, veja-se um artigo de Mateus Silva Ikolaude e Marçal de Menezes Paredes sobre as questões da lusofonia no n.º 48 da Revista Portuguesa de História, Coimbra, 2017.
Escrevem os autores:
“Na década de 1930, Portugal e Brasil constituíram na esfera diplomática importantes espaços de aproximação política. Se, por um lado, em Portugal existia um colonialismo com pretensões nacionalistas e que pensava o exemplo brasileiro como referências às colónias africanas, por outro, no Brasil havia nacionalismo que mobilizava componentes internacionais para com África e para com Portugal. O Rio de Janeiro constituía-se no principal centro de emigração portuguesa do mundo e a colónia lusitana organizada buscava afirmar e recriar a sua identidade a partir de duas estratégias principais: o associativismo e a imprensa. A visão do Brasil enquanto obra máxima da ação colonizadora portuguesa refletia-se na representação assumida pelos emigrantes residentes na antiga colónia, ao passo que a constituição da maior comunidade portuguesa fora de Portugal, em pleno século XX, reforçava simbolicamente os laços estabelecidos historicamente de uma predestinação lusitana. No dia 22 de maio de 1930 foi fundada a Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro. Em 1934, a tiragem da revista era de dois mil exemplares que eram gratuitamente distribuídos para intelectuais, políticos, além de escolas, centros culturais e prefeituras.”

Haverá inúmeras tensões com o Estado Novo, basta pensar que uma das figuras mais admiradas na colónia era Norton de Matos, opositor do novo regime, curiosamente na década os próceres dos Estado Novo olhavam de viés as doutrinas de Gilberto Freire sobre o luso-tropicalismo, a doutrina será recuperada com a questão colonial posta nos anos 1950 e 1960.

No número dedicado à primeira exposição colonial portuguesa, que decorreu no Porto em 1934, o escritor e jornalista Hugo Rocha prendeu-se de amores com a Guiné e redigiu um apontamento digno de reflexão:
“Ontem, a meio da tarde, para matar saudades, fui ao Palácio ver os pretos e buscar assunto para esta reportagem à margem do noticiário quotidiano. E a primeira impressão, forte, dominadora, absoluta, foi a de que entrara em pleno território colonial. Desde há poucos dias, 63 pretos e pretas da Guiné fazem vida africana em pleno recinto da Exposição Colonial Portuguesa. Fulas, Bijagós, Mandingas, Balantas. A melhor, a mais completa representação etnográfica que a Guiné, guarda avançada de Portugal na África, podia enviar à metrópole.
Pronta para receber tão imensa embaixada, a aldeia da Guiné, que é a mais típica do certame, porque é lacustre como grande parte das aldeias da Guiné e porque se situa entre uma paisagem admirável, não chegou, todavia, para acomodar todos os indígenas. Houve que dividir, como soe dizer-se, o mal pelas aldeias. E, assim, no bosque, em sítio escuso, de aspeto tropical, novas cubatas houve que erguer. E fez-se nova sanzala. E 20 negros – 18 homens e 2 mulheres – de raça Fula, passaram a habitar, ali, dando-se, também, a ilusão de que não estão no Porto, de que estão na Guiné…”


Interrompo aqui a citação para referir que há uma conversa entre Hugo Rocha e um guineense a quem ele chama Mony, fala-se do tempo em Portugal e na Guiné, e há para ali uma alusão maliciosa, Mony era casado com aquelas duas mulheres, uma delas estava a pentear um dos homens, para o observador havia para ali uma cena de sedução e perguntou-se a Mony se ele não tinha ciúme, a resposta foi portentosa, Mony não sabia o significado da palavra ciúme… E vamos continuar com o texto de Hugo Rocha:
“Henrique Galvão, com admirável sentido prático pelo que deve ser a preparação do certame, não quer que os indígenas da Guiné estejam ociosos. Sendo, alguns deles, trabalhadores excelentes, o melhor sistema de os tornar úteis ao certame, enquanto as portas não se abrirem ao público, era, evidentemente, empregá-los nas obras.
E assim, mal chegados, os negros começaram a faina, auxiliando os trabalhadores brancos que labutam, ali. Acarretam. Limpam. Auxiliam. Elas, enquanto os homens não perdem o seu tempo, estabelecem o ménage. Transportam lenha para as fogueiras, águas para a cozinha. Ao fim da tarde, quando eles estão disponíveis, a ilha oferece o quadro mais completo da Guiné que possa conceber-se. Quase todos vestindo – despindo será melhor dito… - à boa usança do sertão, eles estendem-se pelo chão, sobre as esteiras ou na terra dura. E elas, com uma paciência de Job, penteiam-nos, engorduram-nos, fazem das suas carapinhas baças um emaranhado inextrincável de fios embebidos de tacula, que parecem, pronto o toucado, barretes avermelhados e um tudo nojentos…

Depois, o batuque. Horas seguidas, enquanto a multidão de empregados e operários forma barreira compacta no continente, defesa como é a entrada na ilha, o tantã soa entre as árvores, a que uma ou outra palmeira, refletindo-se no lago, dá o ar tropical…
E a algazarra do dialeto, que ninguém entende, e as risadas sonoras, e o cheiro pronunciado a sertão, e aqueles corpos negros, nus e besuntados, que se agitam como se aquele fosse o seu verdadeiro meio, dão, a quem olhar a cena e a considerar, atentamente, a sugestão completa, farta, dominadora, de África…”


Foi o único artigo sobre a Guiné que encontrei. No entanto, dei com imagens de Bolama e seis imagens do interior da primeira exposição colonial portuguesa que aqui vos mostro.

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Nota do editor

Último post da série de 21 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25194: Historiografia da presença portuguesa em África (410): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (7) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25138: Notas de leitura (1664): "Dicionário de História da I República e do Republicanismo", coordenação geral de Maria Fernanda Rollo, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, edição do Centenário da República, Assembleia da República, 2014 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
No âmbito das comemorações do Centenário da República, a Assembleia da República editou um dicionário de história da I República onde se inclui um artigo sobre a vida da Guiné em tal período, assinado por Célia Reis. A investigadora recorda a alvorada tumultuosa do republicanismo na colónia, os conflitos em que se envolveu o primeiro governador republicano, Carlos Pereira, os conflitos entre Teixeira Pinto e a Liga Guineense, a nova organização administrativa, a importância do comércio alemão até à Primeira Guerra Mundial, a que se seguiu a crescente influência portuguesa, logo dada por António da Silva Gouveia, que terá funções políticas nos órgãos de soberania em Lisboa; mais refere a autora que os sucessivos insucessos das sociedades agrícolas, vinham com muitos sonhos e com pouco sentido das realidades; a colónia intensifica a exportação do amendoim e das oleaginosas e destaca-se uma figura de governação durante este período, Vellez Caroço, queria fazer da Guiné o que Norton de Matos lançara bases em Angola. Dir-se-á que não há nada de inovador no texto, certo é que está muitíssimo bem arrumado e não esconde que a Guiné marcava passo, não havia meios financeiros e o pessoal político vinha para se amanhar.

Um abraço do
Mário



A Guiné e a I República

Mário Beja Santos

O "Dicionário de História da I República e do Republicanismo", com coordenação geral de Maria Fernanda Rollo, do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, edição do Centenário da República, Assembleia da República, 2014, acolhe no seu II volume um artigo de Célia Reis sobre a Guiné republicana. Abre o trabalho com a evolução política da colónia designadamente a partir da definição das fronteiras em 1886, refere as ininterruptas rebeliões das diferentes etnias, em particular as do litoral, contestando o imposto palhota que era encarado como o principal fator do reconhecimento da soberania portuguesa. É um período de campanhas que levou a que a administração guineense se mantivesse essencialmente militarizada.

O ideal republicano era difuso, com a chegada do 5 de Outubro de 1910, houve mudanças de posições mas também recalcitrantes, a proclamação do novo regime teve lugar no dia 10, quando se arvorou o novo estandarte. A 23 de outubro chega o primeiro governador republicano, Carlos de Almeida Pereira, Tenente da Armada, viu-se envolvido em múltiplas contendas, deixa o seu nome ligado ao derrubo das muralhas que cercavam Bissau. O Partido Republicano começou a sua organização local, surgiu a Liga Guineense, cedo começou a divisão política, logo patente na eleição de deputados de 1911, através de processos habituais de corrupção e de compra de votos. Em 1916, Bolama e Bissau voltaram a ser concelhos. Antes, porém, iniciou-se uma fase de conflitos e sublevações que levaram à intervenção do Chefe de Estado-Maior Teixeira Pinto, entre 1913 e 1915, deixou a classe política dilacerada, a Liga Guineense opunha-se aos métodos usados por Teixeira Pinto e aos castigos impostos aos Grumetes de Bissau e aos seus parentes Papéis. A Liga acabou dissolvida, continuou a contestação de Cabo-Verdianos e Grumetes a Teixeira Pinto e a Abdul Indjai. Ainda hoje permanece na penumbra as razões principais sobre tal confronto, mais recentemente René Pélissier admitia a hipótese, até então não explorada pela historiografia, de uma movimentação dos alemães em conjunto com os Grumetes e os Papéis ou mesmo na influência dos franceses, mas documentação comprovativa não há.

A Primeira Guerra Mundial teve reflexos indiretos na Guiné, a opinião pública em Bissau e Bolama manifestava-se pró-alemã, enquanto o novo governador, Manuel Maria Coelho, pareceu estreitar relações com os franceses. Seja como for, foi proibida às casas alemãs a venda de armas e mobilizaram-se as embarcações de captagem que lhes pertenciam. Alemães e sírio-libaneses foram detidos, sendo parte dos primeiros enviados para os Açores. A partir de 1917, voltaram a fazer-se campanhas militares, primeiro nas ilhas Bijagós, depois contra os Baiotes. Em 1919, deu-se a queda de Abdul Indjai, levado para Cabo Verde. Em 1917, publicou-se a Carta Orgânica da Guiné, onde se manteve a importância da autoridade dos régulos. Criou-se a Secretaria dos Negócios Indígenas, para resolução das questões da maioria da população e alteraram-se as circunscrições. Em 1922, foi aprovado o Código Administrativo da Guiné, pelo qual Bolama e Bissau passaram a ter câmaras municipais, enquanto Cacheu, Farim, Canchungo e Bafatá contavam com comissões municipais. É governador Jorge Vellez Caroço, vem inspirado para mudar a colónia, tomado pelo exemplo de Norton de Matos em Angola. Não faltarão intrigas durante o seu mandato, nem conspirações, lança-se num processo de desenvolvimento, privilegiando a instrução e a construção de infraestruturas de comunicação. Suceder-lhe-á Leite de Magalhães. Finda a I República, a Guiné continuou a ser uma colónia para onde se deslocavam como deportados muitos republicanos, alguns deles, em ligação com a insatisfação de comerciantes locais, farão eclodir a revolta de 17 de abril de 1931, chefiados pelo médico Gonçalo Monteiro Filipe.

Célia Reis dá-nos o quadro étnico, referencia o número diminuto de europeus e a carência brutal de estruturas básicas: ao tempo de Vellez Caroço havia apenas 3 médicos. Predominavam ao tempo as religiões fetichistas, seguia-se o islamismo, a doutrina católica era mínima, não havia ordens religiosas, as Franciscanas só regressariam em 1932. As publicações durante este período espelharam a fraca presença europeia. O Boletim Oficial da Guiné manteve-se como o único órgão informativo da colónia até 1920, quando apareceu o jornal Ecos da Guiné, foi seguido por A Voz da Guiné e depois pelo Pró-Guiné, todos de vida curta e dedicados aos portugueses. O novo órgão de informação só surgiu depois de 1931, O Comércio da Guiné. Não havia ensino secundário e em 1916 as escolas de ensino profissional reduziam-se ao ensino de tipógrafos e radiotelegrafistas. Vellez Caroço preocupou-se com o desenvolvimento da instrução dos guineenses, criando escolas: em 1925, contavam-se 10 estabelecimentos para o sexo masculino, 6 para o feminino e 5 mistas.

Finda a escravatura, a Guiné tornou-se uma colónia de exploração dos seus recursos, com vista à exportação. Apareceram várias companhias concessionárias, que não tiveram sucesso, caso da Agrifa, Companhia Agrícola e Fabril da Guiné e a Sociedade Agrícola do Gambiel. O problema das taxas foi uma permanente dor de cabeça, sempre a questão da proteção pautal e Célia Reis dá-nos conta da vida económica e financeira da colónia no período. A Alemanha era o principal parceiro comercial até à Primeira Guerra, esta alterou a situação, dando primazia a Portugal. É um período que leva a melhoria de comunicações, o telégrafo estabeleceu-se no interior, no final da Monarquia.

Como observa a autora, “Entre os rendimentos na Guiné encontrava-se o imposto de palhota, que substituíra o de capitação, em 1903. Nem todas as despesas previstas eram realizadas, mas as sucessivas campanhas militares contribuíram, naturalmente, para o seu acréscimo, não obstante a compensação de vida ao alargamento do imposto palhota a mais subjugados. Entre as despesas, a maior parte pertencia ao funcionalismo militar, a que se somavam os gastos com os restantes funcionários. Os projetos de Vellez Caroço, na década de 1920, provocaram o endividamento da Guiné, tornando necessário que o ministro João Belo (já na Ditadura Militar) abrisse um crédito para o compensar. O aumento de imposto, então, usado para ultrapassar aquela situação deficitária.”

Lembro ao leitor que Célia Reis é autora do artigo Guiné na obra O Império Africano, coordenado por A. H. de Oliveira Marques, Vol. XI da Nova História da Expansão Portuguesa, direção de Joel Serrão e Oliveira Marques, edições Estampa, 2001, de que aqui já se fez recensão.

Cacheu e a sua fortaleza
Monumento aos aviadores italianos falecidos num desastre aéreo em Bolama
Tropas portuguesas perfiladas na inauguração ao monumento dos aviadores italianos
Estátua do presidente americano Ulysses S. Grant, em Bolama
Bolama, capital da Guiné
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25129: Notas de leitura (1663): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (10) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24893: Notas de leitura (1639): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte I: a voz dos colonialistas republicanos nostálgicos e exilados




Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 2. maio de 1932,  pág. 71


1. A Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro foi fundada a 22 de Maio de 1930.

Este boletim foi um dos primeiros projectos desta associação. O seu objetivo era   dar a conhecer aos portugueses do continente americano, e em especial do Brasil, as colónias portuguesas espalhadas pelo mundo. Tinha como subtítulo "Pela Raça, Pela Língua". 

(...) "A nossa bandeira cobre umna superfície de mais de dois milhões de quilómetros quadrados, onde gravitam 16.860.000  portugueses", dos quais 8,7 milhões "negros", 7 milhões de "brancos", 550 mil "índios", 450 mil "malaios" e 160 mil "amarelos" (sic).

Na realidade, a Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro era "a única associação dedicada exclusivamente à propaganda colonial portuguesa no Brasil" (Assunção, 2017, pág. 60) (#).  Além disso, " também congregava a especificidade de ser produzido por intelectuais republicanos exilados no Brasil, nostálgicos de um ideário 'republicano' de colonização que detinha como principal modelo as gestões de Norton de Matos em Angola (1912-14 e 1921-1924)." (Assunção, 2017,  pág. 59).(#)

Do Boletim publicaram-se 25 números  (alguns são números duplos),  de maio de 1931  (nº 1) a dezembro de 1939 (nº 25). Diretor: António de Sousa Amorim (um republicano, minhoto de Ponta de Lima, exilado no Brasil).

Velhos africanistas como o nosso camarada António Rosinha vão gostar de  o "folhear": está disponivel, em formato pdf e html, na Hemeroteca Digital, sítio da Hemeroteca Municipal de Lisboa (HML).

De entre os  colaboradores do Boletim, descortinámos, um pouco ao acaso, e numa leitura rápida de uma amostra, nomes conhecidos como Norton de Matos, Paiva Couceiro, Henrique Galvão, Manuel Teixeira Gomes, Sarmento Pimentel, Augusto Casimiro (1889-1967) (capitão de infantaria, herói da I Grande Guerra,  braço direito de Norton de Matos em Angola, cofundador da "Seara Nova"...), e outros (quase todos republicanos,  exilados e nostálgicos de um pretenso império que ia "do Minho a Timor", como defenderá mais tarde a propaganda estado-novista )... 

A linha político-ideológica é a do "nacionalismo imperial",  do "panlusitanismo"  e mas também do incipiente "luso-tropicalismo" (teorizado por Gilberto Freire, e rejeitado nos anos 30 e 40 pelo Estado Novo)... 

São termos usados por Marcelo Assunção, na sua tese de doutoramento em história pela Universidade Federal de Goiás, para caracterizar a linha editorial do Boletim e a orientação política da Sociedade,  cada vez mais em rota de colisão com o Estado Novo e a política colonial de Salazar.

A trajetória do Boletim passa por duas grandes fases, a da crítica velada (1931-1934) à repulsa ao salazarismo (1935-1939) (que são analisados no cap. II, da tese de doutoramento abaixo citada).

(...) No segundo momento (capítulo III), analisaremos o fenômeno do pan-nacionalismo (da Sociedade Luso-Africana e outras instituições e personagens do período) no quadro mais amplo dos pan-etnicismos, evidenciando as visões sobre o panlusitanismo/luso-brasilidade nas três primeiras décadas do século XX. 

Em seguida, perscrutaremos o panlusitanismo nos anos 30, sendo o Boletim o principal órgão de reprodução do ideário, seja através da sua visão do panlusitanismo como resposta a ascenção do imperialismo germânico e italiano, seja através da 'Cartilha Colonial', de Augusto Casimiro, a principal expressão da visão de mundo dos republicanos que publicam nesta. 

Em um terceiro momento (capítulo IV), trataremos do “republicanismo nostálgico” no Boletim a partir das distintas críticas ao modelo de gestão colonial do salazarismo (centralismo, trabalho forçado, arcaismo economico, etc.). 

Por fim, no capítulo V, analisaremos os “exotismos” construídos sobre o “outro” colonizado a partir da historiografia e dos estudos africanistas (etnologia e antropologia) publicados no Boletim." (... ) (Assunção, 2017, pág. 59).(#)

Há referências à Guiné, mas as estrelas do império (e as   que ocupam mais espaço no Boletim)  são, sem dúvida, Angola e Moçambique. Talvez valha a pena, numa próxima oportunidade, explorar essas referências, o que implica percorrer com atenção os 20 exemplares disponíveis. Destaque para já para o número especial do Boletim, dedicado à Exposição Colonial do Porto de 1934 (de que foi diretor Henrique Calvão).


Capa do nº especial dedicado à exposição colonial do Porto (1934). Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 9, abril-julho de 1934.
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(#) Vd. ASSUNÇÃO, Marcelo. F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017. Disponível em formato pdf em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6960 

Resumo:

Nosso objetivo principal nessa tese é analisar o projeto colonial da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, tendo como fonte primordial de estudo os vinte volumes do seu Boletim (1931-1939), como também os livros, cartilhas e outras produções oriundas dos membros da Sociedade. 

Para realizar esse intento, num primeiro momento (capítulo I) analisamos as condições de emergência do “nacionalismo imperial” do qual o boletim é somente uma das expressões. 

Nos outros quatro capítulos, buscamos entender as diversas especificidades do Boletim. No capítulo II evidenciamos a trajetória da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro em suas duas grandes fases: da crítica velada ao salazarismo e a busca por uma grande “coalização panlusa” (1931-1934) até a repulsa ao Estado Novo dos últimos anos (1935-1939), apreendendo essas transformações a partir de diversas fontes, mas primordialmente através dos editoriais do Boletim. 

No III capítulo buscamos explorar os sentidos políticos do “panlusitanismo” no seio do contexto mais global dos “pan-etnicismos”, abordando também a partir do boletim e da obra “Cartilha Colonial”, de Augusto Casimiro” o discurso panlusitano. A frente, no capítulo IV, fizemos uma análise do projeto colonial dos gestores militares republicanos e sócio-correspondentes da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, dando ênfase as críticas que estes faziam às práticas coloniais do salazarismo e o espelhamento idealizado no “modelo Norton de Matos”. 

Por fim, no capítulo V, perscrutamos as relações entre a historiografia do colonialismo e os estudos africanistas com um ideário de “vocação imperial” tão presente no saber colonial hegemônico nos anos 30. 

Em suma, o exame destes discursos permitem visualizar no seio do Boletim, e das publicações da Sociedade, a particularidade do colonialismo republicano em meio à hegemonia política salazarista nos anos 30. Estes irão ser uma vanguarda do reformismo colonial que só ganha força nos anos 50. A derrota do seu projeto nos anos 30 é uma expressão de que em tempos de Estados Novos a retórica “democrática” (mesmo que restrita ao discurso) não tinha espaço. 

Palavras-chave: Colonialismo, Republicanismo, Salazarismo, Panlusitanismo, Relações Luso-Afro-Brasileiras, Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro.

 https://repositorio.bc.ufg.br/tedeserver/api/core/bitstreams/082dfd1d-ce90-4507-9e4f-cae7720dc11b/content (Com a devida vénia...)

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23791: Notas de leitura (1517): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte I: As colónias não valiam o preço...

1. Confesso que li o livro de um fôlego... E reli-o seguir com mais atenção crítica, pensando fazer uma nota de leitura para o blogue.

A obra resulta de uma maratona de conversas semanais (42 ao todo, representando 100 horas de entrevistas) com o historiador, ensaísta, cronista, jornalista e analista político Vasco Pulido Valente, (VPV), pseudónimo literário de Vasco Valente Correia Guedes (Lisboa, 1941 - Lisboa, 2020).

"Na realidade, trata-se de uma longa viagem de dois séculos, que teve por razão uma tentativa de se compreender Portugal à luz do seu passado mais recente de dois séculos" (João Céu e Silva, pág. 9).

Uma viagem temerária, a que meteu ombros João Céu e Silva (n. Alpiarça, 1959). Escritor, licencido em História, viveu no Rio de Janeiro, é jtambém jornalista e colaborador do "Diário de Notícias" (desde 1989).

"Uma longa viagem com Puliudo Valente" é o sexto volume da série "Uma longa viagem com...", que conta com autores como José Saramago, António Lobo Antunes, Miguel Torga, Álvaro Cunhal e Manuel Alegre.

O sonho confesso (e megalómano) de VPV era ter escrito a história de Portugal desde as invasões napoleónicas e a fuga da família real para o Brasil (1807) até à instauração do Estado Novo (1933). No final da sua vida, e já doente, penalizou-se, de algum modo, por ter desperdiçado o seu enorme talento no jornalismo mas também como "conselheiro do prímcipe"...

Foi, por exemplo, polémico secretário de estado da cultura, no VI Governo Constitucional, presidido por Francisco Sá Carneiro, um dos (poucos) políticos que ele admirava, a seguir a Mário Soares. Foi militante do PS e do PPD, alegadamente para combater, com Mário Soares, o comunismo, e com Sá Carneiro, os militares e o Conselho da Revolução.

Com a vitória da Aliança Democrática, nas eleições legislativas de 1979, foi chamado a integrar o executivo como Secretário de Estado da Cultura. Em 1986 foi apoiante de Mário Soares na sua primeira candidatura presidencial.

Aquele que foi talvez a figura mais polémica do jornalisno português das últimas 3 ou 4 décadas, tendo coleccionado ódios de estimação todos os quadrantes políticos e ideológicos mas também na academia e na cultura (menorizava escritores como José Saramago, António Lobo Antunes ou Agustina Bessa Luís, mas não deixava de  arrasar o inquisidor-mor,  o então Subsecretário de Estado da Cultura, António de Sousa Lara, que imiseravelmente  vetara  o livro do Saramago,   "Evangelho Segundo Jesus Cristo", de 1991, da lista de romances portugueses candidatos ao Prémio Aristeion em 1992).

Considerava-se um especialista na história do séc. XIX e tem uma visão sinóptica sobre todo o nosso séc. XX, não escapando ao seu balanço crítico, muitos vezes implacável, cruel e demolidor, os principais atores da cena política, do último representante da Casa de Bragança ao Salazar, de Afonso Costa a Soares, sem esquecer Spínol,  os capitães de Abril, e por aí fora. 

"Estrangeirado" (vindo da filosofia, fez o doutoramento em História pela Universidade de Oxford), olhava para os "indígenas" deste país com um misto de sarcasmo e comiseração, zurzindo na sua "saloiice" e "!chico-espertice"... Eça de  Queiroz e Oliveira Martins eram duas das suas referência literárias e intelectuais.  Na secretária tinha, por sua ve4z. duas fotos, uma de  Mário Soares  e  outra de Sá  Carneiro (a este não perdoavá  ter-se deixado matar, cortando a sua, dele, VPV, "carreira política": sonhava, com Sá Carneiro, fundamentar, ideologicamente, a direita portuguesa). 

O índice da obra permite perceber melhor a organização temática e cronológica que o entrevstador e autor fez do material recolhido durante 2 anos, até quase ao fim da vida de VPV (entre parêntese, o ínicio da página):  

  • a vida cortada ao meio (11)
  • rato de biblioteca (33)
  • o século maravilhoso (51)
  •  como Salazar se senta na cadeira (71),
  • dúvidas logo no 1º de Maio (187)
  •  restaurantes e corrupção (221)
  •  sedução numa pasta de recortes (245)
  •  fora dos tempos (269)
  • nota final (293). 

O capítulo de maior fôlego é aquele que é dedicado a Salazar e ao Estado Novo (c. 115 pp.), seguido, à distância,  pelo que é centrado  nas peripécias  do 25 de Abril,  a que chama um clássico "golpe militar": os capitães do QP pura e simplesmente sentiram-se ultrapassados e humilhados pelos "mercenários" (os milicianos) e  decidiram a acabar com a guerra... e liquidar o império (c. 50 pp.) . 

Aos nossos leitores poderá interessar, deste livro,  sobretudo o que diz respeito, direta ou indiretamemente à guerra colonial e às forças armadas. Vamos citar e analisar alguns excertos, reproduzidos aqui com a devida vénia. O trabalho do João Céu e Silva é meritório e intelectualmente honesto: o autor não se esquce também de fornecer ao leitor o "contraditório" (vinte e tal páginas de recortes com críticas ao VPV e pontos controversos do seu CV).

Salazar e as colónias

“Para Salazar, as colónias eram um peso financeiro muito grande no Orçamento" (VPV, pág. 108)

O problema não era novo, remontando ao tempo da República:

(...) "Já fora um problema nos primeiros Orçamentos porque havia na República uma direita integracionista liderada por Cunha Leal que queria que ficassem na Constituição como território nacional e não como colónias, como depois se fez integrando-as no todo económico nacional. Algo que depois Salazar aceitou, mas que até certa altura não queria" (...).

Cunha Leal (Penamacor, 1888 - Lisboa, 1970) era um politico da direita republicana, foi membro do Partido Republicano Nacionalista, e fundador da União Liberal Republicana (em 1923). Foi apoiante do golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 (que instaurou a Ditadura Militar e depois o Estado NIvo). Irá, contudo, incomptabilizar-se com Salazar, tornando-se então um dos mais acérrimos opositores da primeira fase do regime do Estado Novo. Ao mesmo tempo, foi dos primeiros a defender um solução política de autodeterminação para as colónias. É autor, entre outras obras, de "O Colonialismo dos Anticolonialistas" e "A Gadanha da Morte: reflexões sobre os problemas euro-africanos" (ambas edição de autor, Lisboa, 1961)

Diz Vasco Pulido Valente, citado por João Céu e Silva:

(...) "Além de Cunha Leal, estava à frente desse movimento nacionalista Norton de Matos, com quem Salazar teve umas fricções a esse respeito" (…). Queriam chamar-lhe províncias ultramarinas, situação que Salazar só aceitou muitos anos depois; efetivamentente não eram províncias ultramarinas, mas colónias, com os orçamentos feitos em Lisboa para ele controlar” (pág. 108).

Norton de Matos (Ponte de Lima, 1867 - Ponte de Lima, 1955) foi sempre um opositor ao Estado Novo., vindo da maçonaria e da República, e que manteve com Angola uma relação especial:

Continua VPV:

(…) "As colónias mantiveram-se sem investimento nenhum, ou muito pouco, sendo que Salazar deixava umas companhias estrangeiras investirem em caminhos de ferro e coisas assim. (…) Não havia investimento do Estado português, que apenas pagava aos funcionários e aos destacamentos mínimos de polícia e do Exército." (...)

O que é Salazar pensava das colónias (onde nunca pôs os pés) ?

(...) "Ele sempre teve a ideia que (…) as colónias não valiam o preço. O que se percebe, pois não existia grande mercado nas colónias: exportava-se alguma coisa, como sapatos, têxteis e vinhos, mas toda a gente sabia que isso se fazia para os poucos brancos, já que os negros não compravam pela simples razão de que não tinham dinheiro (…).

"Angola ainda era a colónia que podia pagar, mesmo que o custo do transporte anulasse muito do lucro. São Tomé também importava, porque era o único sítio onde havia brancos por causa das roças de cacau, mas muito poucos. Ninguém via futuro na expansão colonial, porque a existência de riquezas num território não faz um país". (VPV, pág. 109).


Contrariamente a Norton de Matos, Salazar nunca foi um entusiástico partidário da política de colonizar e povoar...

(Contimua)

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quinta-feira, 6 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17213: Agenda cultural (552): Lançamento do livro de Sérgio Neto, "Do Minho ao Mandovi: um estudo do pensamento colonial de Norton de Matos" (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016): 10 de abril, 2ª feira, às 17h00, Casa Municipal da Cultura, Coimbra. Apresentação: professores doutores Luís Reis Torgal e Armando Malheiro da Silva


Capa do livro de Sérgio Neto, "Do Minho ao Mandovi: um estudo sobre o pensamento colonial de Norton de Matos. Coimbra". [ Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, 464 p., 23 cm. (História contemporânea, 2183-9840), ISBN 978-989-26-1172].



O autor, Sérgio Neto, historiador


Resumo:

A longa vida do general José Norton de Matos (1867-1955) teve na questão colonial, apesar do “Milagre de Tancos” e da sua candidatura à presidência da República, em 1949, um esteio maior. Com efeito, a sua comissão na Índia, (1898-1908), onde dirigiu os Serviços de Agrimensura, a sua participação na missão encarregue de delimitar os limites de Macau (1909-1910), assim como os cargos de Governador-Geral (1912-1915) e de Alto-Comissário (1921-1924) da província de Angola, assinalaram muitos anos de actividade no Ultramar, a que se seguiu, uma vez concluída a acção no terreno, a redacção de livros de pendor doutrinário e uma vasta colaboração em jornais e revistas, sendo de destacar aquela que desenvolveu n’O Primeiro de Janeiro (1931-1954).

De resto, é possível falar num saber (sobretudo) de experiência feito, em que Norton beneficiou do contacto directo com colonialistas de gerações anteriores, como Mouzinho de Albuquerque, Henrique Paiva Couceiro ou Joaquim José Machado, governador da Índia quando da sua chegada a este território. Seja como for, as leituras dos clássicos ingleses da colonização tiveram o seu lugar no ideário “nortoniano”, expressando o general grande apreço pela aliança com a Grã- Bretanha e admiração pelos seus processos administrativos nos territórios africanos e na Índia. 

O objectivo deste estudo é seguir o percurso colonial de Norton de Matos, de modo a integrá-lo na sua época. Havendo convivido com a questão ultramarina, ao longo de três regimes políticos, ensaiar-se-á avaliar a sua experiência colonial a partir das linhas de força da Monarquia Constitucional, da Primeira República e do Estado Novo. Apreciar os debates e os argumentos trocados. Explicar o impacto da geopolítica mundial do período de entre-guerras no olhar desta importante figura histórica portuguesa do século XX, cotejando-a com a mitologia colonial herdada da Primeira República e aqueloutra desenvolvida pelo Estado Novo. 

Importa, pois, estabelecer os pontos de contacto entre os três regimes e explicitar algumas ideias que permearam as suas visões, nomeadamente, o mito prometeico da “gesta colonizadora”, o Apartheid, a miscigenação e o entendimento colonial que fazia dos imperialismos coloniais, assim como as primeiras independências, na Ásia e em África.

Fonte: NETO, Sérgio Gonçalo Duarte - Do Minho ao Mandovi : um estudo sobre o pensamento colonial de Norton de Matos. Coimbra : [s.n.], 2013. Tese de doutoramento. Disponível na WWW: http://hdl.handle.net/10316/23772
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Nota do editor:

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16028: (In)citações (89): Reflexão sobre a oportunidade (a falta dela) decorrente do MFA (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

1. Texto do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviado ao Blogue em mensagem de 23 de Abril de 2016, subordinado ao título:


Reflexão sobre a oportunidade (a falta dela) decorrente do MFA

Caros Luís e Vinhal,
Cantou-se durante antigamente que o tempo voltasse para trás. Não volta, nem há volta a dar-lhe. É passado, e pesam as consequências do que ficou por fazer, como do que foi feito. Este texto, na minha opinião, pode seguir-se ao último que enviei durante o mês passado e aguarda publicação, se tal for o vosso entendimento. Em vésperas de novo aniversário sobre o golpe volto a referir a descolonização, no pressuposto do abandono do ultramar. Em anteriores comentários já tive ocasião para mostrar alguns índices do desenvolvimento económico e social de Angola, que era o motor português para a sustentabilidade do modelo integracíonista prosseguido pela política de Salazar, que viria a passar por alterações com Caetano no reconhecimento da autonomia crescente daquela "província", dadas as diferenças entre elas de circunstâncias sócio-económicas.

"Já em pleno período terrorista, o problema do futuro do ultramar português foi posto, pelos próprios portugueses, no quadro destas quatro teses:

1.ª - O ultramar integrado no todo nacional - Portugal - com o qual ele constitui um território indivisível.

2.ª - A autonomia progressiva dos territórios ultramarinos (tese de Caetano).

3.ª - A autodeterminação, em cada território, decidindo livremente a integração no todo nacional (indivisível, ou federal, etc), ou a independência (tese de Spínola, mais apressada por ele próprio nas comunicações oficiais decorrentes da sua condição na Guiné, apesar da impreparação de algumas das províncias, designadamente a que governava).

4.ª - O abandono, puro e simples, dos territórios, aos movimentos terroristas, que se auto-intitulavam "movimentos de libertação".

A primeira tese ... ignorava as mais diversas realidades geo-étnicas ... sucedeu e opôs-se à política representada pelo Acto Colonial (1930) ... cada uma delas possuindo legislações próprias - política muito discutível, sem espírito de previsão salvo no que respeita uma eventual tentativa de redistribuição internacional dos territórios coloniais; porque ... as descolonizações começaram a realizar-se alguns anos depois, exigindo uma estratégia completamente diferente.
A tese da "integração" ... não tanto como estratégia de momento, mas sobretudo realidade histórica (foi) retomada apressadamente (1951) em substituição do Acto Colonial ... continuando a política de Paiva Couceiro ... seguida também por Norton de Matos. O engrandecimento de Portugal - diz N.M. - só se conseguirá pela Unidade da Nação - Todas as nossas leis se têm de basear na unidade nacional ... em primeiro lugar a unidade territorial ... haverá para tanto um organismo único - orientador, propulsor e fiscalizador, onde estejam representados todos os interesses nacionais. (...) a nossa dupla missão em Angola devia ser, segundo Norton de Matos, a de introduzir nesse território elementos demográficos metropolitanos, e a de civilizar a raça negra . (...) o elo essencial ou, pelo menos, indispensavelmente complementar desta "unidade", era a língua: "Enquanto os habitantes de Angola, Moçambique, Guiné, Índia e Timor não falarem todos correctamente o português, a Unidade Nacional não será perfeita e a civilização desses povos poderá fazer-se, mas conduzirá fatalmente a nacionalidades diversas. (...) tratava-se de uma "Unidade" que garantisse, em caso de independência, como no Brasil, a língua e o génio da cultura portuguesa". Mas até 1961, a política de integração ... foi mais retórica do que de realizações governamentais. A verdadeira colonização eram os colonos que a faziam; e foram os colonos que se opuseram aos terroristas em Angola, antes que as primeiras forças militares ... chegassem a África. Não se tratava de uma sublevação de populações, mas apenas de um movimento conduzido por aventureiros e ajudado por potências estrangeiras.

Foi nestas condições que Caetano tomou as funções de Presidente do Conselho (1968), já com a ideia da autonomia progressiva (2.ª tese), isto é, a autonomia administrativa e financeira. (...) as províncias ultramarinas "deviam reger-se por legislação própria, com respeito das culturas e dos usos e costumes das populações nativas". Em 1972 foram publicados a nova lei orgânica do ultramar português e os estatutos das suas diversas províncias (que consagravam a ideia de autonomia progressiva e participada). Economicamente, cada província mantinha o seu próprio sistema monetário e de câmbio, mas as saídas de divisas não podiam exceder as entradas - o que limitando as importações (equipamentos e bens de consumo), estimulou a criação de novas industrias em Angola e em Moçambique. Esta tese estava ... entre a de Norton de Matos (no que diz respeito à fixação do elemento branco português em Angola e Moçambique, e à mestiçagem) e o método de colonização do Brasil . " (...) "como não era admissível o abandono do Ultramar nem a proclamação de independências prematuras, sob o domínio de minorias brancas que teriam de assentar na força o seu governo ou entregando a aventureiros africanos a vida, os bens e o destino de fortes núcleos civilizados dotados de infra-estruturas e equipamentos técnicos modernos, tinha de se procurar uma via intermédia" (Caetano).

A colonização portuguesa foi, no seu conjunto histórico - reabilitando-se do do que ela pôde ou teve que ser cruel, para tornar-se a mais humana de todas - autodescolonizadora no próprio processo das relações humanas estabelecidas entre colonizados e colonizadores. Portanto, o neologismo "autodescolonização"... designa uma descolonização que se faria pela própria iniciativa dos colonos e da metrópole, obedecendo a essa força de relações humanas entre metropolitanos e autóctones, determinando a promoção destes à mesma cidadania daqueles, para uma mesma consciência nacional. (...) (tal autodescolonização) ... deve desenvolver-se pela mestiçagem. Se não houver mestiçagem, não se pode falar de autodescolonização, porque haverá, então, um apartheid ou separação pura e simples, em que uma das partes continua a colonizar a outra (ou então as duas comunidades tornar-se-iam independentes uma da outra)".

Para entendimento das boas intenções deste parágrafo, vou repetir a evolução demográfica registada em Luanda, no período de 1960 a 1970, que já divulguei em posts anteriores:
Em 1960 havia 55.567 brancos, que em 1970 já eram 126.817; no inicio do mesmo período, eram 13.593 mestiços, que passaram a 37.974; enquanto em 1960 os pretos que eram 155.325, passaram a ser em 1970, 312.290. Com outras origens, em 1960 eram 55 indivíduos, que em 1970 passaram a ser 247 (não se especifica onde foram integrados os indivíduos de origem asiática). Assim, constata-se que o número de brancos e pretos, de per si, quase duplicou, e os mestiços quase triplicaram, o que vem dar razão aos que afirmam o bom ambiente na cidade, e o crescente número de relações de paternidade entre brancos e pretos. Era porque a população se sentia à vontade e sem preconceitos. Depois do golpe, e antes da independência já se verificava a instilação de ódios racistas, que o MFA não se coibia de incrementar, conforme revela o General Silva Cardoso, "Angola, anatomia de uma tragédia", Oficina do Livro, que ainda pode ser encontrado em livrarias, mas mais barato e frequente em alfarrabistas.

Assim, desta breve análise a textos da autoria de Amorim de Carvalho, "O Fim Histórico de Portugal", Porto, 1977, que inclui passagens de Norton de Matos em "Memórias e Trabalhos da Minha Vida", e de Marcelo Caetano no seu livro "Depoimento", obras só disponíveis em alfarrabistas, podemos constatar que o MFA não passou de um conjunto de oficiais (depois alargado a milicianos e a sargentos e praças) de nula ou escassa formação política orientada para o bem e integridade das populações como compete a quaisquer forças armadas (revelou-se prestimoso em serviços para potências estrangeiras), não mostrou conhecimento sobre a estrutura da nação (os que, de início, eventualmente tenham acreditado nas boas intenções e justiça da atitude desencadeada), e que no espaço de um ano, através de reuniões e mensagens mais ou menos clandestinas, evoluiu de uma motivação profissional reivindicativa, para uma justificação de mudança e transformação nacional. Eram imberbes, podem agora arguir, e não se deram conta dos alcances da iniciativa.

As consequências já as conhecemos; pobreza, por falta de aparelho produtivo, destruído o anterior; perda da soberania, pela adopção obrigatória de normativos legais provenientes da Comunidade, susceptíveis de impedir ou obrigar a adopção de diferentes meios legislativos, para além de condicionarem medidas de carácter económico, financeiro, laboral, diplomático e outros; e indignidade de um povo que há 40 anos estende a mão à caridade (ainda os empréstimos que nos iludem e permitem alguma qualidade de vida), em consequência das demagógicas mentiras políticas, do que resulta o risco do banimento da independência, pela integração em nacionalidade mais forte, ou no ostracismo miserável de uma região abandonada pelos credores (tipo Albânia dos anos 70 com Enver Hoxha), que podem fartar-se de alimentar "projectos" revelados egoístas e insaciáveis a favor da plutocracia nacional estribada na subvenção dos partidos, ou na dúvida sobre a capacidade de retornos dos elevados montantes emprestados, que, neste momento, e pelo andar da carruagem - comum a todos os governos anteriores, é o que se afigura de mais viável. De facto, peço a alguém mais inteligente, que me demonstre como as sucessivas execuções orçamentais, sem expressão no aumento do produto, ou na expectativa sobre a capacidade produtiva, podem contribuir para a melhoria de vida dos portugueses, e permitir que a classe política continue a desbaratar verbas só justificadas no papel, a usufruir de rendimentos e privilégios desadequados à "democrática" condição nacional, e a cometer esse desaforo traiçoeiro de vender património público e sobrecarregar a população com os excessos de endividamento, vendas que não revelam quaisquer melhorias, quer das instituições, quer do equilíbrio económico-financeiro (amortizações e redução da dívida pública, que a privada deveria ter outras implicações.

Aqui chegados, já vimos por alto como a Descolonização foi um fracasso, sem termos recordado as infames traições aos africanos que integraram as FA; nem aos civis, brancos, pretos e mulatos que foram mortos ou desapossados dos seus bens e modos de vida; quanto ao Desenvolvimento, também é permanente a sensação de caducidade de uma sociedade que não se mostra auto-sustentável; e, por fim, sobre a Democracia, fica também demonstrado o livre arbítrio do MFA, que nunca pôs à consideração popular a avaliação dos seus procedimentos, antes, deu perseguição a muitos dos que clamavam contra a destruição das instituições e dos abusos cometidos sobre a vida normal das populações, sem nunca ter evidenciado a humildade de reflectir sobre os actos praticados ou estimulados, nem sobre as consequências registadas. Sobre o programa dos 3 dês, ficam desmascarados os benefícios do 25 de Abril, em oposição com a estrutura económica e social que garantia meios para o desenvolvimento português, apesar das previsíveis independências poderem alterar as situações de cada parcela, que deveriam contar com períodos de preparação e solidariedade, com vista à consolidação das respectivas autonomias.

Ter promovido eleições como o fez, equivaleu a dar (pseudo) escolha à população ainda "impreparada", crédula da bondade dos partidos, que não se deu conta do tabuleiro onde se disputou uma partida da guerra-fria, que influenciou as estratégias em África e na Península Ibérica; e sobre os partidos e os actos eleitorais, basta constatarmos a tradicional demagogia dos candidatos, contraditada logo que chegam ao poder e estabelecem os tradicionais esquemas e alianças, alicerçadas em despudorada impunidade. Como se diz popularmente, quem parte e reparte, e não fica com a melhor parte, ou é tolo, ou não tem arte. Pertenço ao grupo dos que não querem ser tolos, e tenho a ideia de que as boas empresas, são-no, porque fazem boas e frequentes auditorias. O que é o Estado senão uma grande empresa, a maior de cada nação, e quem deseja vê-la na falência?

Como não sou dono da verdade, chamo a atenção para a necessidade de interpretar o que deixo, daí suscitando uma de duas reacções: a adesão total ou parcial, ou a contestação. Lanço o repto aos contestatários para divulgarem os seus pontos de vista, e, daí, criarmos a possibilidade de podermos beneficiar de interessantes e construtivas trocas de impressões.

Abraços fraternos
JD

Notas:
- As frases entre comas referem-se a citações referenciadas no texto principal. As aspas abrem e fecham os períodos retirados do livro "O Fim Histórico de Portugal". Onde não há aspas nem comas, corresponde a textos da minha autoria, princípio e fim do texto.
- O presente texto destina-se a publicação no blogue www.blogueforanadaevaotres.blogspot.pt, de Luís Graça e Camaradas da Guiné.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16021: (In)citações (88): Reflexão sobre o inicio da decadência nacional (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

quarta-feira, 30 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15913: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (43): Os receios europeus de um antigo colonialista português, gen Norton de Matos, em dezembro de 1943

1. Mensagem do Antº Rosinho, um dos nossos 'mais velhos', que andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado... Fez o serviço militar em Angola,  foi fur mil, em 1961/62,  diz que  foi 'colon' até 1974... 'Retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'...


Data: 23 de março de 2016 às 19:32
Assunto: Os receios europeus de um antigo colonialista português, o limiano gen Norton de Matos (dezembro de 1943)


Sobre a II Grande Guerra, Norton de Matos (*) escreveu isto,  em livro que o nosso confrade de tertúlia JD [José Dinis] me proporcionou [ J. Norton de Matos - Memórias e trabalhos da minha vida, 4 volumes. Lisboa: Editora  Marítimo-Colonial, 1944-1945]:




José Norton de Matos (1867-1955), general e político português.   1 junho de 1917. Fonte: Hemeroteca Digital - "Portugal na Guerra :  revista quinzenal illustrada" (n.º 1, 1 Jun. 1917)
Autor: Garcez. Foto do domínio público [, tem mais de 70 anos]. Cortesia de Wikimedia Commons



" (...) Muito receio que se a guerra não acabar por todo o ano que vem (1944),  desapareçam por completo as forças capazes de lhe pôr fim por meio de um armistício e da paz que se lhe deverá seguir. Será então a continuação da luta, cada vez mais desordenada, até à aniquilação de todos os combatentes. A desordem e a anarquia a seguir para presidirem à queda das civilizações." (...)

" (... )Há até hoje duas grandes nações vencidas, a França e a Itália" (...)


" (...) "Não creio que à Alemanha só duas coisas possam acontecer, a vitória ou o desaparecimento. O desaparecimento ou aniquilação somente se darão, como acima disse, se a guerra se prolongar até que deixem de existir as forças de paz. Mas esse eclipse abrangeria então todos os povos da Europa." (...)

(...) "Para a Europa deixaria por muitos séculos qualquer missão histórica. Mas para a Europa inteira e não apenas para três nações europeias."



Eu, "colon", tertuliano, membro da Tabanca Grande, apenas quero lembrar que em dezembro de 1943, quando Norton de Matos [, Ponte Lima, 1867 - Ponte de Lima, 1955] disse isto, faltava meio ano para o princípio do fim, quando aconteceu exactamente o célebre dia D, desembarque na Normandia (ainda não havia túnel mo canal da Mancha).

Este dia D ditou aquilo que Norton de Matos temia, não houve paz, e deu-se a aniquilação da Alemanha, digo eu.

E,  como o general dizia, seria também "um eclipse de todos os povos da Europa".

Só trago isto para o blogue por 2 (dois) motivos:

(i) ser oportuno lembrar que a Europa indefesa e impotente de hoje é a continuação da Europa daquele tempo, e anda tudo ligado;

(ii) sabemos que o estado de impotência em que os países da Europa ficaram,   levou a que, por exemplo,  a França não conseguisse,  a seguir, dominar militarmente na Indochina a sublevação político-ideológica que viria a humilhar o exército Francês e mais tarde provocar o que seria a Guerra do Vietname, e em seguida o desastre de vários anos na Argélia e, por vários anos ainda,  uma descolonização imprópria, na África subsariana, com guerras intertribais, se iria reflectir mesmo em Paris, com imensos atritos raciais, e tribais e culturais.

E a Inglaterra e a Bélgica não se sentiram com resistência para continuar a suportar as "rebeldias" tribais e raciais e as ideologias internacionalistas, em colónias como a Nigéria, Quénia ou Congo e Ruanda, etc.

Daí o desastre das descolonizações africanas totalmente inadequadas,  cujas consequências negativas  também atingiram a própria Europa.

Volto ao general que ainda no mesmo capítulo vaticina (, palavra minha,) que,  caso aconteça o pior, ficariam os "povos das Américas e da Ásia" a substituir os Europeus. (O livro foi editado em 1944, a guerra ainda continuava).

Norton de Matos era um homem admirado por muitos africanistas portugueses em Angola e Moçambique e na Índia, pelas suas ideias coloniais.

Norton de Matos, antissalazarista incondicional, tinha uma ideia da II Grande Guerra e sobre as suas consequências se não houvesse acordos de paz, ideias semelhantes a Salazar.

Os anticolonialistas detestam um e o outro, sendo que há antissalazaristas, algum ainda vivos, que dizem que Salazar devia ter entrado na II Guerra,  como tínhamos entrado na I Grande Guerra.

Vou continuar a ler o livro do Norton de Matos (1944) e vou olhando para os noticiários (2016) e vou comparando o angolano Fernando Peyroteo [1918-1978], o moçambicano Eusébio [1942-2014] e o madeirense Ronaldo [n. 1985, tem costela caboverdiana].

Cumprimentos e que o Google não tire a paciência ao Luís Graça.
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Notas do editor:

(*) Vd. biografia deste grande português no poste de  26 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12902 Agenda cultural (306): Vila Nova de Famalicão > Ciclo de Conferências 2014 > Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974 > 4 de abril de 2014, 21h30 > Conferência do doutor Sérgio Neto (CEIS20/UC): "De Goa a Luanda, pensamento e acção de Norton de Matos"

(**) Último poste da série > 22 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15781: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): A unidade que os cabo-verdianos ajudaram a criar

quarta-feira, 26 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12902 Agenda cultural (306): Vila Nova de Famalicão > Ciclo de Conferências 2014 > Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974 > 4 de abril de 2014, 21h30 > Conferência do doutor Sérgio Neto (CEIS20/UC): "De Goa a Luanda, pensamento e acção de Norton de Matos"




Vila Nova de Famalicão > Ciclo de Conferências 2014 > Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974 > 4 de abril de 2014, 21h30 > Conferência do doutor Sérgio Neto, do
Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, da Universidadae de Coimbra (/CEIS20/UC): " De Goa a Luanda, pensamento e ação de Norton de Matos". (*)



1. Divulgação do evento, a pedido do Museu Bernardino Machado.

Entretanto, decorreu já. no passado dia 14 deste mês a segunda conferência deste ciclo subordinado ao título "Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974".

Fica aqui o resumo dessa sessão, de acordo a página dio Museu Bernardino Macahado (**):

(...) O Prof. Jorge Paulo Fernandes, na última conferência, intitulada “As Ideias Colonialistas de Aires de Ornelas”, realizada no dia 14 de Março do corrente ano no Museu Bernardino Machado, iniciou por evidenciar se faria hoje sentido em recuperar as ideias colonialistas de Aires de Ornelas.

Figura chave portuguesa nos finais do século XIX e nos princípios do século XX, será com Aires de Ornelas que o império colonial se tornou na chave política portuguesa até 1974. Pertencendo à geração colonialista de 1895, o Prof. Jorge Paulo Fernandes evocou Aires de Ornelas em três perspectivas: o homem, a experiência africana e as ideias colonialistas.

Aliás, estas mesmas começaram a ser difundidas pela imprensa, nomeadamente em dois títulos, nomeadamente enquanto director do “Jornal das Colónias” e na “Revista do Exército e da Armada”, fundada por Aires de Ornelas.

Numa fase inicial, Ornelas incorporou no movimento, sem sucesso e numa “fantasia sem preocupação”, nas palavras do Prof. Jorge Paulo Fernandes, que pretendia restaurar Portugal através de uma ditadura militar, numa altura em que o rotativismo estava a ser fortemente criticado pelos republicanos.

Em 1906, perante a dissidência do Partido Regenerador, Ornelas ficará ao lado de João Franco, será Ministro da Marinha e do Ultramar no governo de 1906 a 1907. Estará, assim, com o príncipe Filipe na viagem a África, indo, logo a seguir à implantação da República, para o exílio, chegando a chefiar a revolta militar de Monsanto em 1919.

A questão a saber para o Prof. Jorge Paulo Fernandes é se Aires de Ornelas é um reacionário, tradicionalista ou uma figura do tradicionalismo monárquico. Fiel monárquico, Ornelas nunca nega a ordem pela monarquia constitucional. Será, enquanto conselheiro do Rei D. Manuel em Londres, uma figura de cautela e de moderação, conselhos que incutia no próprio Rei.

No seu contacto com África, Ornelas será o que irá definir a estratégia militar em África, numa altura em que o Estado português irá possuir o armamento mais moderno e completo da época. Desta forma, com um investimento em tecnologia militar e médica, melhor preparação técnica, permitiram tais condições uma série de vitórias africanas, novas proezas que farão olhar para África de forma diferente.

Defendia Ornelas para África a soberania portuguesa pelas soberania das armas, assim como o darwinismo social (isto é, a reacção musculada). Ao mesmo tempo, Ornelas defendia igualmente uma reacção nacionalista africana, reclamando uma política administrativa para as colónias.


Defensor de uma descentralização administrativa, projectando a municipalização (ideia que já vinha de Mariano de Carvalho, uma autonomia administrativa realizada pelos portugueses de Moçambique, não da metrópole), na prática tais ideias não tiveram a sua consequência; e se esteve ao lado dos vencedores, acabou, nas palavras do Prof. Jorge Paulo Fernandes, um derrotado: o império pelo qual sonhou, terá ganho na sua importância estratégica, enquanto que as ideias descentralizadoras não tiveram o seu seguimento. (...)

2. Norton de Matos (1867-1955)

(i) Jorge Maria Mendes Norton de Matos nasceu (1867) e  morreu (1955) em Ponte de Lima; 

(ii) Frequentou o colégio em Braga, tendo ido depois, em 1880, para a Escola Académica, em Lisboa; 

(iii)  Em 1884, iniciou o seu curso na Faculdade de Matemática em Coimbra;

(iv)  Fez o curso da Escola do Exército e, em 1898, partiu para a Índia;

(v) Começou aí a sua carreira na administração colonial, como diretor dos Serviços de Agrimensura;

(vi) Finda a  sua comissão, viajou por Macau e pela China em missão diplomática;

(vii) O seu regresso a Portugal coincidiu com a proclamação da República (1910);

(viii) Dispondo-se a servir o novo regime, Norton de Matos foi nomeado chefe do estado-maior da 5ª  divisão militar;

(ix) Em 1912 tomou posse como governador geral de Angola; s sua atuação nesta  colónia revelou-se extremamente importante, ao impulsionar fortemente o seu desenvolvimento, e protegê-la da ameaça contínua que pairava sobre o domínio colonial português, por parte de potências europeias rivais (Inglaterra, Alemanha e Itália); ficará para sempre associado à criação da cidade de Nova Lisboa (hoje, Huambo), em 1912;

(x) Foi demitido do cargo em 1915, como consequência da nova situação política que se vivia em Portugal durante a Primeira Guerra Mundial;

(xi)  Foi depois chamado, de novo, ao Governo, ocupando o cargo de ministro das Colónias, embora por pouco tempo: em 1917,  é obrigado a exilar-se em Londres;

(xii) Mais tarde, é promovido a general por distinção e nomeado Alto Comissário da República em Angola;

(xiii) Na primavera de 1919, foi delegado português à Conferência da Paz de Veersalhes;

(xiv) Em junho de 1924, exerceu as funções de embaixador de Portugal em Londres, cargo de que foi afastado aquando da instauração da Ditadura Militar (1926-1930);

(xv)  Em 1929, foi eleito grão-mestre da Maçonaria Portuguesa;

(xvi) Recebeu diversas condecorações, entre outras,  a Grã-Cruz de Torre-e-Espada;

(xvii) Em 1948, participou nas eleições presidenciais de 1949, contra o candidato do regime do Estado Novo, o general Óscar Carmona (1869-1951).

Fontes: InfopédiaWikipédia e Almanaque Republicano (, blogue donde retirámos a foto acima, com a devida vénia)

domingo, 24 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7170: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (8): Da Casa Gouveia aos Armazéns do Povo

1. Mais um texto do António Rosinha (, foto à esquerda), 




Data: 23 de Outubro de 2010 23:55
Assunto: A adaptação da Casa Gouveia (capitalismo)aos Armazens do Povo(comunismo)-Transformação muito imaginativa



A experiência socialista na Guiné com Luis Cabral, e a tentativa do mesmo socialismo com Vasco Gonçalves/Cunhal em Portugal, quase chegou a satisfazer a curiosidade daqueles que, como muitos de nós,  olhavam para as economias de leste, como fruto proibido pelo salazarismo.


A malta em África, sem televisão nem jornais, criou um hábito de fazer zapping no rádio transistor, que corria emissoras em português desde Argel, BBC, rádio Tirana, Praga, rádio Moscovo e Voz da América,  etc, mas dávamos muita preferência ao que vinha de leste.
De maneira que se adquiriu uma grande curiosidade e até alguma crendice no comunismo.
Um slogan que se ouvia muito dirigido contra Portugal nessas emissoras, em duplicado, uma emissão para Portugal e África e outra para Brasil e América, era chamarem "colonialistas, imperialistas e fantoches", que penso que seriam os brancos, os militares portugueses  e os africanos que estavam ao nosso lado.


Quando Norton de Matos em 1949 se candidatou a presidente da República, e desistiu in extremis, nas aldeias do interior a mesa de voto em geral era nas nossas escolas que hoje estão abandonadas. Os nossos velhotes, se não fossem comunistas ou do contra,  iam votar no Craveiro Lopes,  por aconselhamento do regedor, do presidente da junta, e do padre e talvez do professor.


Os que eram comunistas clandestinamente, que já tinham as melhores casas e as melhores propriedades classificadas e destinadas a ocupações por  eles próprios, votavam,  como se dizia naquele tempo, no contraPreviamente a PIDE encarregava-se de os engavetar e pô-los à sombra por uns dias se não acontecesse pior, como mais tarde vieram os relatos.
Em 1949, quem tivesse 10 ou 11 anos podia ficar com esta lembrança dos acontecimentos no mundo rural da metrópole.


Passados uns anos, em 1958, quem tivesse 20 anos, via os mais velhos votarem no Américo Tomás, aconselhados pela União Nacional, pelos chefes instalados, e pelos que tinham medo ao comunismo. Os que eram do contra, por exemplo,  uns colegas meus, votavam Humberto Delgado, porque aí o Salazar ia à viola e os funcionários que nunca eram aumentados, iam ganhar mais, diziam os menos politizados, e os mais politizados sonhavam que com o comunismo é que devia ser bom.


Falava-se que Humberto Delgado teve mais votos, mas houve falcatrua, e no caso de Angola onde se notava menos a presença da PIDE, havia euforia nítida a favor de Humberto Delgado. Mas uma ideia que ficou em toda a gente, em 1949 e em 1958, é que nem um general nem o outro eram anti-colonialistas declarados. Mas uma coisa hoje os livros confirmam o que se pensava nesse tempo, os socialistas/comunistas colaram-se a esses candidatos da oposição a Salazar. E já havia nos votantes do contra, muitos com ideias anti-colonialistas e pró-independência, no pessoal letrado das colónias.


Dizia-se que  essas eleições «abalaram os alicerces» do Estado Novo. Mas o grande abalo deu-se em 1968,  quando se partiu o pé da cadeira onde o Botas [, Salazar,] descansava , e passados poucos anos vimos, quem viu, a implantação do socialismo/comunismo na Guiné Bissau, com toda a naturalidade e sem a mínima oposição.


Em Angola e Moçambique não se pode dizer o mesmo, pois que o MPLA e FRELIMO tiveram os inconvenientes duma guerra bastante longa, e em Portugal deu-se o 25 de Novembro muito cedo, o que não deu a tranquilidade de que auferiu o PAIGC na Guiné e em Cabo Verde, onde o regime socialista se concretizou.








Guiné > s/d > Algures, em região sob controlo do PAIGC (ou "região libertada") > Um armazém do povo. Fonte: PAIGC. Segundo texto do Jorge Santos, membro da nossa Tabanca Grande, "O PAIGC promove a criação dos Armazéns do Povo por decisão tomada no 1º Congresso de 1964. O objectivo dos Armazéns do Povo, empresa geral de comércio de tipo estatal, era garantir o fornecimento de artigos de primeira necessidade à população das regiões libertadas e, por meio de troca, receber produtos agrícolas que deveriam em seguida escoar-se para o exterior, criando-se e desenvolvendo-se assim, progressivamente, a base de um comércio externo. O número de Depósitos dos Armazéns do Povo passou de 6, em 1964, para 16, em 1969". Fonte: PAIGC - História da Guiné e Ilhas de Cabo Verde. Porto: Edições Afrontamento. 1974

E aqui entram as teorias escritas de Amílcar Cabral, e a execução prática de Luis Cabral, implantando o regime socialista com o apoio dos países de leste e Cuba, mas também da anuição da cooperação portuguesa e de muitos países que não eram comunistas. E, quem tivesse vivido muitos anos à espera de ver o comunismo implantado em África, que fosse a Bissau, que ficava admirado como Luis Cabral adaptou o regime colonial-salazarista, ao regime que,  penso eu, era o regime marxista, ou soviético, ou resumindo, o regime que o Salazar combatia e Nossa Senhora de Fátima dizia que era mau.


Como Luis Cabral conhecia bem a Casa Gouveia e o semi-monopólio da mesma, apenas lhe passou a chamar Armazéns do Povo e passou a administração para o PAIGC. Todo o comércio que se praticasse, desde a mancarra exportada a tudo o que fosse importado, ou recebido por doações, passava pelos Armazéns do Povo.


Até parecia fácil como aquele regime (económico) funcionava, e Luis Cabral mostrava um àvontade na governação que parecia que tinha nascido para governar. No caso da produção agrícola interna e transportes fluviais, foi seguir simplesmente o procedimento do colon, que ele conhecia bem, e projectou um melhoramento dos acessos fluviais herdados do colonMandou reconstruir pontes cais de Caboxanque, Cadique, acostamento  de Impungueda, Binta, e várias rampas para canoas.


Fez acordos de cooperação com técnicos de meio mundo para melhorar a produção de arroz, cajú, etc, e uma fábrica de transformação de produtos agrícolas no Cumeré, e até já tinha uma estrada projectada de Antula para o Cumeré sobre o canal do Ipernal. Não havia produtos à venda nas lojas dos portugueses e libaneses, era só prateleiras vazias, e quando os Armazéns do Povo tinham produtos para venda, fornecia essas lojas de venda a retalho.
Mesmo a venda de porta a porta do produto das mulheres que apanhavam camarão, com uma pesca muito característica aproveitando as marés, essas mulheres estavam proibidas de vender esse camarão, porque era defraudar a economia guineense, pois só os Armazéns do Povo podiam pôr esse camarão no circuito comercial. Assim como também era proibida a venda na via pública de  cajú ou mancarra torrada  pelas mulheres e crianças,  pela mesma razão de ser um crime económico.


Pode haver alguem eventualmente que duvide desta minha afirmação, mas desde já aviso que assisti a polícias perseguir mulheres e garotas, que frente à UDIB vendiam pequenas medidas de mancarra e camarão,  que tinham que fugir para não perder o produto.
Tambem foram criados postos de controlo em pontos estratégicos de acesso às cidades, sendo que o mais célebre era junto a Safim, que controlavam a circulação de pessoas e bens.


Vendo  como o governo de Luis Cabral implantava o sistema comunista, num país em que o povo aceitava tudo o que lhe era imposto, inclusive as filas (formas) para adquirir o simples pão ou arroz, e até aceitava que os membros e famílias do PAIGC tivessem o privilégio de não ir para as filas do pão, era natural que houvesse algum tipo de revolta, mas tal não se manifestava. E até parecia não haver muita violência, pois que em cada fila, ou nas padarias, ou nas lojas, ou no mercado municipal, um único polícia  era o suficiente para manter a ordem.


O governo e o PAIGC, ao fazerem a adaptação do sistema colonialista/capitalista ao sistema comunista, de um momento para o outro, tinha que haver alguma capacidade quer de autoridade como de capacidade governativa. A autoridade, essa, facilmente se encontrava na força militar do PAIGC. Mas a capacidade governativa  donde vinha, se os guineenses eram na maioria sem escolaridade,  e os mais estudados como os antigos estudantes do império, eram em número muito reduzido? E uma grande parte de gente guineense com mais preparação, não se deixou engajar pelo projecto de Amilcar Cabral?


Sem dúvida, para mim evidentemente, que Luis Cabral baseou a equipa governativa em gente de Cabo Verde, que temos que reconhecer, pelo que acontece com a governação de Cabo Verde, estavam bem preparados. E com a saída dos caboverdeanos em 1980,  com o golpe de Nino vieira sobre Luis Cabral, foi o total descalabro. Porque com todos os problemas que houvesse com Luis Cabral e os caboverdeanos no governo, havia uma enorme credibilidade internacional que foi posta em causa, e a rotina governativa que já existia foi desfeita e não havia outra alternativa preparada.


Os caboverdeanos da maneira como vencem as dificuldades de governar uma terra como Cabo Verde, fariam coisas maravilhosas na Guiné, se não fossem as contradições que é evidente que existiam no interior do projecto do PAIGC. Vão morrendo alguns, Luis Cabral, Vasco Cabral, Nino Vieira, por exemplo, sem relatarem quais as virtudes e os defeitos daquele projecto, o que poderia explicar alguns acontecimentos antigos e modernos que se passam na Guiné, e poderia ajudar a resolver alguns problemas, se alguem publicasse a história dos bastidores de Conacri, Havana e Moscovo. Mas quem conhecesse o que pensavam os angolanos e caboverdeanos antes de a  luta armada de libertação começar, desde funcionários públicos, estudantes ou comerciantes, sabia que eles diziam e pensavam que se governavam muito bem se a Metrópole os deixassem governar. Isto no caso do PAIGC e MPLA, não me refiro à UNITA e UPA (FNLA).


Indepententemente de concordarmos ou não que os diversos países africanos deveriam ficar independentes das metrópoles naquelas circunstâncias da guerra fria dos anos 50/60 do outro século, penso hoje que Angola e Moçambique e a Guiné tinham gente capaz de fazer das suas terras uns países de fazer inveja e que sabiam governar. Claro que também se sabe que os que podiam fazer daqueles terras, países sem guerras e com harmonia e prosperidade poucos ficaram nessas terras, sendo que a maioria está na Europa, Brasil  e até na América e Canadá ou já morreram.


Menciono apenas Amílcar Cabral e Luis Cabral para dar o exemplo dos que podiam fazer coisas lindas. Mas em Angola e em Portugal conheci e conheço muitas figuras públicas que podia mencionar e que andam por aí no jornalismo e na política portuguesa.


Então quem há uns tempos atrás tenha trabalhado em empresas de construção civil em Portugal, via que era rara a empresa em que nas chefias não houvesse um engenheiro angolano ou moçambicano e técnicos de toda a ordem.


Mesmo na Guiné houve sempre muitos engenheiros e técnicos angolanos e moçambicanos nas empresas portuguesas que trabalhavam como portugueses porque fugiram da guerra e da política entre os movimentos vencedores(!) nas suas terras de origem. Poderia haver desentendimentos políticos e até algum tipo de ditadura como também houve em Cabo Verde, mas aqui entenderam-se sem haver guerra nem quente nem fria nem tiros nem assassinatos.


Mas sem dúvida que Luis Cabral quase conseguia realizar alguns dos sonhos de Amílcar: o socialismo e a unidade. Enquanto ele governou funcionava, pelo menos aparentemente, o socialismo/comunismo, penso que com todas as suas características, pelo menos no campo económico. Quanto à unidade que Amílcar falava, pelo menos etnicamente,  parecia alcançada, apenas a unidade com Cabo Verde se saberá o que se passou, quando a história dos bastidores for publicada por aqueles que viveram por dentro dos mesmos.


Como tive ocasião de ser cumprimentado em grupos de trabalho,  mais que uma vez pelo presidente da República da Guiné Bissau,  Luis Cabral, em que o ouvi falar e senti o entusiasmo com que estava dedicado à Guiné, acredito que por ele, todos os sonhos de Amílcar Cabral se concretizariam. 


Mas uma coisa que sem dúvida falhou no projecto do PAIGC, e de Luis Cabral, foi a falta de colaboração do povo, principalmente dos mais idosos que viviam de braços caídos durante todos aqueles primeiros anos de independência. Mas se com Luis Cabral o socialismo não entusiasmou, com Nino Vieira dilui-se bastante com gilas, industriais de madeira (madeireiros),  importadores de vinho, empreiteiros, etc., até que foi dado por findo mais ou menos em 1990, tranquilamente.


Este testemunho do que vi não é documentado nem quantificado, apenas fotografado de memória e que se não tivesse visto e estado nas filas de pão e de peixe, mais de meio ano sem comer batatas (das nossas), matar a fome milagrosamente na pensão da Dona Berta, e os guineenses da  Tecnil já não compareciam ao trabalho porque não tinham arroz (fome em familia), não é para condenar nem aplaudir o governo ou as ideias do PAIGC.

É mais uma tentativa para compreender que ideias e projectos se realizaram e/ou ficaram por realizar na luta tremenda do PAIGC, que fazendo juz a uma máxima  que se ouviu durante muitos anos "e a luta continua", e que parece que ainda hoje continua.
 
Até porque se a governação na Guiné é complicada, pessoalmente gostei de trabalhar e conviver com imensos guineenses, e apesar das dificuldades, a dividir por todos não custa nada, a Guiné é mais tranquila e viável que muitos países africanos e até se vive muito melhor (os guineenses são mais humildes) que em muitos países latino-americanos.
Eu, pessoalmente,  já trabalhei no Rio de Janeiro, junto à favela da Rocinha, em que,  chegando às cinco da tarde,  chegava junto a mim um segurança armado até aos dentes, e dizia: 
- Cara, si tu não larga tudo e vai, dentro de 5 minuto tu tá por tua conta!


Espero que um dia os guineenses oiçam a explicação porque tinha que ser como foi, e aí talvez aqueles que estão de braços caídos se entusiasmem.
Cumprimentos para todos,


Antº Rosinha


[ Fixação / revisão de texto / título: LG]

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Nota de L.G.: