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quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22544: (In)citações (192): "António Carvalho, foi bonita a festa, pá!" (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, Os Tigres do Cumbijã, 1972/74)


Foto nº 1 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > O autor, escrevendo uma dedicatória ao aeu vizinho Joaquim Costa (ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74): ambos conheceram o pesadelo de Nhacobá... (Por razões de agenda, o Joaquim Costa não ficou para o almoço.)


Foto nº 2 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > O Joaquim Costa, na assistência, na segunda fila, no lado esquerdo. (Em primeiro plano a Luisa Valente, companheira do Zé Manel da Régua, o poeta Josema).


Foto nº 3 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > A filha mais velha do autor, abraçando o pai. Foi também ela  revisora do texto. (O neto, por ser menor, foi "cortado" na imagem, por razões de direito de reserva de intimidade.)


Foto nº 4 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > A filha, mais nova, Ana Carvalho, na mesa, falando com emoção do seu pai. (É doutoranda em ciências da educação pela Universidade do Porto, e fez-se acompanhar de uma série de colegas, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação.)


Foto nº 5 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" >  As fortes  emocões do dia: o autor abrançando um antigo condiscípulo do Colegio da Mealhada que não via há meio século, e que veio propositadamente da Figueira da Foz, com  o António Pimentel. (Lamentavelmente não fixámos o seu nome.)


Foto nº 6 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Dois dos mais conhecidos e populares frequentadores da Tabanca dos Melros, e nossos queridos grã-tabanqueiros. o Francisco Baptista, também ele escritor de talento, e o Manuel Carvalho (, o irmão mais velho, o "Necas", do autor)



Foto nº 7 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Duas garrafas velhinhas, de vinho do Porto, da garrafeira da Quinta da Sra. da Graça, trazidas pelo Zé Manel da Régua para "batizar" o livro do seu grande amigo e camarada, o "Carvalho de Mampata"



Foto nº 8> Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" >  O poeta Josema, lendo um trecho da contracapa do livro onde vem o seu poema "Calor, "Calor, cansaço, suor..." (, de junho de 1974, escrito em Mampatá).

 
Foto nº 9> Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Bebendo à saúde, à vida, à amizade, à camaradagem...


Foto nº 10> Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > O auor, conversando com um casal de amigos medenses.



Fotos (nºs 2, 4 e 6): © Fernando Súcio (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Fotos (nºs restantes): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Joaquim Costa, com data de ontem, às 18h55


Meu caro amigo Luís

Foi um grato prazer poder dar-te aquele abraço, embora contido, ainda com medo que o bicho morda.

Gostei da festa do nosso amigo Carvalho de Mampatá / Medas

Rabisquei estas curtas mas sinceras palavras, tendo como lastro o grande Chico Buarque (, poema "Tanto Mar"), que gostaria, caso vejas oportunidade, de as publicar, não obstante o desrespeito pela métrica e pela rima.




A Festa dos “Quatro Passos”

Foi bonita a festa, pá,
Fiquei contente,
O teu livro "Quatro passos"
Guardo-o no sítio mais quente.

Foi bonita a festa, pá,
Fiquei contente
De conhecer o Luís
E ver-te feliz, no meio da tua gente.

Foi bonita a festa, pá,
Fiquei contente
De ver a ternura aos molhos
Nos olhos de tanta gente.

Foi bonita a festa, pá,
Fiquei contente,
Embora descontente
Por não fruir a tua festa mais tempo

Foi bonita a festa, pá,
Fiquei contente
De ver ainda valentes
Muitos ex combatentes.

Foi bonita a festa, pá,
Fiquei contente
Por carro, parelhas ... e 30 pipas de vinho
Não te subirem à cabeça,
Fazendo sempre o teu caminho, humildemente.

Foi bonita a festa, pá,
Fiquei contente
Por nestes incertos tempos
Em que ter nunca é suficiente,
Saber que há homens decentes.



Vd. também poste de 13 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22540: Agenda cultural (783): Foi dia de festa na Tabanca dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o dia 11, em que o António Carvalho lançou ao mundo o seu livro - Parte I: mais de 80 presenças!

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22540: Agenda cultural (783): Foi dia de festa na Tabanca dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o dia 11, em que o António Carvalho lançou ao mundo o seu livro - Parte I: mais de 80 presenças!

Foto nº 1 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos"  > Na mesa, da esquerda para a direita, o autor, o nosso editor Luís Graça (que fez as despesas da apresentação da obra) (*) e o Zé Manuel Lopes (Josema) que teceu palavras de elogio  e grande estima pelo seu camarada e amigo, o "Carvalho de Mampatá", e leu um dos seus poemas, "Calor, cansaço, suor...", datada de junho de 1974, escrito em Mampatá.

Foto nº 2 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos"  > Na mesa, da esquerda para a direita, o autor, o nosso editor Luís Graça, a Ana Carvalho (filha do autor) e o Zé Manuel Lopes (Josema) que   leu um dos seus poemas, "Calor, cansaço, suor...", datada de junho de 1974, escrito em Mampatá.



Foto nº 3 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Momento musical, uma amiga, canta três conhecidas cancões do seu reportório brasileiro, acompanhada à viola por um sobrinho do autor,,. Na mesa, ao centro, o Jorge Teixeira, o "bandalho-mor" de "O Bando do Café Progresso: das Caldas à Guiné" (tertúlia), que desempenhou aqui o papel de "caixa" do autor (, ficando à sua guarda a venda dos livros).

Fotos: © Fernando Súcio (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 4 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos"  >  Sessão de autógrafos > O autor e o Joaquim Costa (ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74): os dois estiveram em Nhacobá...



Foto nº 5 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos"  >  Sessão de autógrafos > Da direita para a esquerda, o autor, o Ma e o Jorge Teixeira e o Manuel Carmelita (ex-fur nil radiomontador, CCS/BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73).



Foto nº 6 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos"  > Sessão de autógrafos > O Eduardo Moutinho Santos (ex-Alf Mil da CCAÇ 2366, Jolmete e Quinhámel;  e ex-Cap Mil Grad, cmdt da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70).



Foto nº 7 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos"  > Sessão de autógrafos > O António Pimentel (ex-al mil rec inf, CCS/BCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro,1968/70), ao centro, apresenta ao autor um dos seus condiscípulo do tempo do Colégio da Mealhada. Há meio século que nºao me se viam!


Foto nº 8 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos"  >  Dois históricos da nossa Tabanca Grande, o Manuel Carvalho ("Necas", mano mais velho do autor) e o Zé Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos.(A família Carvalho teve três filhos na "guerra do ultramar", dois na Guiné e um em Angola).


Foto nº 9 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos"  >  O
Fernando Súcio (ex-sold cond auto, o Pel Mort 4275, Bula, 1972/74), habitual frequentador da Tabanca dos Melros e membro de "O Bando do Café Progresso".

 

Foto nº 10 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos"  > Duas grandes senhoras: a Fátima Carvalho e a Margarida Peixoto, curiosamente ambas professoras primárias" (hoje aposentadas). 



Foto nº 11 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Almoço, servido pela equipa do nossso grã-tabanqueiro Gil Moutinho, ex-fur mil pil, BA12, Bissalanca, 1972/73, é um dos régulos da Tabanca dos Melros; recorde-se que ele mantém a parte agrícola da sua quinta e faz a gestão do restaurante Choupal dos Melros, especializado em eventos (casamentos, batizados, festas)... 

As "entradas" form servidas na antiga eira, um belíssimo e grande espaço, com latada, meses de pedra e espigueiro,  permitindo  a concentração de mais de 70 pessoas... Enfim, um evento, impensável há um mês atrás, por causa da pandemia de Covid-19...A inscrição de tanta gente no almoço também é indicativa da crescente confiança dos portugueses...e da necessidade de voltarmos a conviver nas nossas tabancas... Pormenor que diz muito sobre o espírito da Tabanca ds Melros: toda a gente se serviu dos "comes & bebes", sem qualquer controlo "administrativo", depois o pessoal sentou-se, no interior, nas mesas do restaurante... e no final cada um foi à sua vida, depois de pagar à saída: o Gil Moutinho tinha uma lista, a lápis, com os nomes dos inscritos, e que um dos seus colaboradores  ia riscando,  após o ato de pagamento...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do António Carvalho, ex-fur mil enf, CART 6250, "Os Unidos de Mampatá", Mampatá, (1972/74), membro da Tabanca Grande desde 13/9/2008, nascido e residente em Medas, Gondomar:


Assunto - Um Caminho de Quatro Passos"

Data - 13 set 2021 18:11  


Caro camarada Luís Graça:

Se nunca tive dúvidas quanto ao interesse do nosso blog, que tão bem soubeste criar e desenvolver, no dia da apresentação do meu livro pude confirmar os benefícios que decorrem ou podem decorrer, para qualquer combatente, da sua existência. 

A acrescer a esta ideia saliento a tua generosidade, quando aceitaste fazer a apresentação do meu livro, apesar de alguma debilidade física que te dificulta a mobilidade, Obrigado, Luís, não só por esse teu trabalho intelectual, mas também pela divulgação do evento de modo empenhado e exaustivo.

O evento teve a participação de mais de oitenta pessoas, tendo ficado para almoçar mais de setenta. Vendi perto de sessenta livros, só nesse dia. 

Caberá, em maré de agradecimentos, não esquecer o excelente serviço prestado pelo nosso amigo, também combatente da Guiné, Gil Moutinho. Devo também agradecer o papel de tesoureiro desempenhado, sem mácula, pelo Presidente do Bando, o Jorge Teixeira.

Obrigado, Luís, obrigado, blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

2. Comentário do editor LG:

António, o prazer foi todo meu meu, mas também era a minha obrigação, estando por ali perto,  naquela semana: da Tabanca de Candoz, Marco de Canaveses, à Tabana dos Melros, em  Fânzeres, Gondomar, são cerca de 60 quilómetros: o Fernando Súcio, vindo da Campeã, Vila Real, deu-me boleia desde a portagem de Marco de Canaveses, e estou-lhe grato pela sua generosidade, tornando possível a minha comparência na tua festa. Em boa verdade, fiz menos de vinte quilómetros no meu carro, que deixei junto à portagem de acesso à A4... (Confesso que não tenho conduzido nos últimos tempos, devido aos meus problemas músculo-esqueléticos.)

António,  a divulgação de iniciativas como esta não é nenhum privilégio, muito menos um favor ou um  frete, é um direito teu, é um obrigação nossa. Tu és membro da nossa Tabanca Grande, és um antigo combatente, és nosso amigo  e camarada, escreveste um livro que tem mérito e o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné limita-se a cumprir a sua missão, que é justamente a de estar ao serviço dos seus membros, e ajudar a partilhar as suas memórias, os seus escritos, as suas histórias, as suas fotos. Foi o que fizemos.

Deixa-me também dizer-te que fiquei feliz por reencontrar tantos bons amigos e camaradas, frequentadores habituais da Tabanca dos Melros, de O Bando do Café Progresso e da Tabanca de Matosinhos, e conhecer pessoalmente alguns dos nossos novos grã-tabanqueiros, como foi o caso do Joaquim Costa. 

Por outro lado, foi um privilégio estar contigo, a tua família, a tua esposa, as tuas filhas e o teu neto (e em especial a tua filha Ana), o teu mano "Necas", o nosso mui querido amigo e camarada Manuel Carvalho ... Constatei que és um homem com muitos amigos e admiradores na tua terra, uma boa parte deles acorreram a este evento, no passado dia 11, sábado, na Tabanca dos Melros. 

Estou ainda de acordo contigo, uma palavra de agradecimento tem de ficar aqui registada ao Gil Moutinho, régulo da Tabanca dos Melros, que ajudou também a abrilhantar a tua festa.

E não leves a mal que volte a recordar que o teu livro pode ser adquirido, ao preço de 15,00 Euros (portes incluídos, no território nacional ou estrangeiro). Os pedidos devem ser dirigidos ao autor, António Carvalho:

 Email: ascarvalho7274@gmail.com | Telemóvel: 919 401 036

(Continua)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21880: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (2): Despejado na Guiné

1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), com data de 7 de Fevereiro de 2021:

Meus caros amigos, combatentes.

O que vos mando é mais um capítulo do meu livro, para, caso entendam, o publicarem no nosso blog. Como é bastante volumoso poderá ser publicado de modo fatiado, admitindo até que algumas partes possam ser desinteressantes, logo não publicáveis.

Um abraço vos mando por esta via, com votos de saúde.
Carvalho de Mampatá.




2 - DESPEJADO NA GUINÉ

Aos dezoito meses de tropa fui convocado para me apresentar no Quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, onde me havia de juntar à Companhia de Artilharia n.º 6250 e seguir por avião para o território da Província da Guiné, no dia 27 de junho de 1972. 

Era o pior local aquele que me coube, poderia ser Moçambique, melhor ainda Angola, e muito melhor qualquer um dos outros territórios do Portugal Ultramarino onde a guerrilha não se tinha imposto. Mas era aquele e não outro. Pensei ainda, num ou noutro momento, dar o salto para França, manobra muito mais arriscada agora do que se o tivesse feito antes dois ou três anos. Pode ser que tudo corra bem, cogitava eu, lembrando-me do meu irmão mais velho, o Neca, que já por lá tinha passado quase incólume. É certo que ele me tinha feito alguns “desenhos” sobre a realidade guineense e que não eram muito agradáveis, mas pode, caros leitores, uma reportagem sobre uma realidade ser compreendida inteiramente, sem a presença do corpo e da alma?

Falava-me de patrulhamentos sob temperaturas escaldantes, de milhões de mosquitos e outros insetos incomodativos, de noites inteiras debaixo de chuvas torrenciais, de sede, de péssima alimentação e também de gritos de feridos e outras cenas tétricas. E era ele, segundo me disse mais tarde, e eu próprio vim a perceber, muito contido nas descrições.

Passadas quatro horas, desde a partida do aeroporto de Lisboa, lá estávamos nós a divisar, por entre as nuvens, as coberturas de zinco da maioria das casas da cidade Bissau, o que nos dava por antecipação uma ideia de pobreza da cidade capital. As portas abertas do avião, logo que se imobilizou na pista, deixavam entrar uma aragem muito quente e húmida que nos fazia ensopar o corpo e a farda de abundante suor. Estávamos já em plena época das chuvas que se inicia em maio e acaba em novembro, com temperaturas muito altas de dia e de noite. 

Depois de uma apressada formatura ainda na pista para a apresentação da praxe às autoridades militares, seguiu-se uma deslocação, em camiões, daqueles cento e cinquenta soldados para o Quartel dos Adidos, onde esperaríamos por nova etapa. O Quartel dos Adidos destinava-se precisamente a acomodar tropas em trânsito quer inseridas em unidades inteiras, como era o caso, quer no acolhimento individual de soldados. A estadia era normalmente muito curta e em péssimas condições. No nosso caso ficámos ali deitados no chão de cimento, sobre malas ou roupas, até que, pelo meio da madrugada, fomos acordados aos gritos, porque estavam já no exterior alguns camiões que nos conduziriam ao cais de Bissau, onde embarcaríamos com destino à Ilha de Bolama.

O Zé Manel da Régua não foi só um dos soldados da minha companhia, ouvia-lhe opiniões e leituras das realidades exóticas daquela terra e das suas gentes e gostava da sua autenticidade e honestidade, sobretudo da sua humanidade e do seu espírito generoso e disso tudo resultou uma amizade para toda a vida. 

Hoje julgo que as vivências em situações extremamente difíceis como é a guerra constituem o cadinho ideal para a consolidação da amizade. Tinha ele aquele ar de despreocupado (que ainda mantém) muito marcante, algumas vezes desligado da realidade, quiçá a congeminar um dos seus poemas. Estivesse ele, naquela madrugada de 28 de junho a dormir profundamente, ou às voltas com o conteúdo e a forma de mais uma poesia, a verdade é que ele ficou ali no chão da caserna sem dar conta da nossa partida e só quando estávamos já no meio da boca gigante do rio Geba, a caminho da ilha de Bolama é que ele acordou. Apareceu no dia seguinte, com umas botas emprestadas, por ter perdido as suas, numa boleia de uma avioneta que algum amigo lhe arranjou, com o ar mais despreocupado que se pode imaginar.

Permanecemos nesta ilha durante cerca de trinta dias, em exercícios de aperfeiçoamento operacional. Bolama era de certo modo o espaço ideal para o efeito, porque tinha características de vegetação idênticas às que iríamos encontrar e era território insular e, por isso, sem guerra. Como é sabido, numa ilha é quase impossível a sobrevivência de guerrilha por ausência de apoios externos e caminhos de fuga. 

Mas havia de ser nessa ilha, durante um exercício com arma de lançamento de granadas, que havia de assistir, a poucos metros de distância, à morte de dois soldados, no fatídico dia 10 de julho de 1972 quando contávamos apenas treze dias de presença na Guiné: o Soldado José Mata e o Alferes José Carlos Figueiredo, o primeiro jaz sepultado no cemitério de Valbom – Pinhel, o segundo tem o seu corpo depositado no cemitério de S. Pedro do Sul.

Bolama tinha sido capital da Guiné, entre 1879 e 1941, por isso deslumbrava-me com alguns exemplares do seu património arquitetónico, apesar do seu estado de abandono e ruína, como o antigo Palácio do Governador, o edifício dos Paços do Concelho e as desativadas instalações do Banco Nacional Ultramarino. Nada que me mitigasse a saudade dos que tinha deixado por cá, como da minha namorada com quem, se não fosse o execrável estorvo da guerra, teria já casado, dos meus pais, dos irmãos, da minha tia materna, dos avós, dos amigos, das coisas boas da vida normal sem sobressaltos nem medos. 

E naquela noite, mais triste que qualquer outra que tivesse já vivido, em pleno cemitério de Bolama, à luz de velas, amortalhava os corpos dilacerados daqueles dois soldados, cujas vidas se tinham esvaído nesse dia, num mar de sangue, vertendo irreprimíveis lágrimas por entre soluços de revolta. Como era bem pior a guerra do que dela me contara o meu irmão Neca! E imaginava eu, enquanto, ajudado por outros, depunha nas urnas, com o maior respeito, quase veneração, aqueles camaradas martirizados por uma causa inútil: como seria o sofrimento dos pais destes jovens com promissores projetos de vida, quando lhes baterem à porta os arautos da indizível desgraça dos seus filhos!?

No dia seguinte uma avioneta fez o transporte dos dois combatentes, para Bissau e, passados alguns dias ou poucas semanas, estariam os sinos das suas terras a chamar os amigos e vizinhos para o enterro destes jovens que tinham perdido a vida pela Pátria. Nós sairíamos daquela ilha, integrada no chamado arquipélago dos Bijagós, no dia 28 desse mesmo mês de julho, com destino ao sector onde devíamos substituir outra companhia e aí permanecer durante cerca de vinte e quatro meses.

A viagem teve duas etapas, porquanto saímos de Bolama numa embarcação idêntica à que nos trouxera de Bissau, uma LDG (Lancha de Desembarque Grande) que nos levou por um braço de mar até à povoação de Buba e só ao segundo dia partimos de Buba para Mampatá, o nosso destino, no dia seguinte. Uma LDG servia para transportar tudo: camiões, materiais de qualquer tipo e tropas, e tinha a particularidade de pode acostar em qualquer ponto da costa ou da margem dos rios, mesmo que desprovidos de cais. 

Pois seguimos então do canal de Bolama para a embocadura do rio Grande Buba, na verdade um dos muitos braços de mar muito comuns no território guineense, avistando ambas as margens de floresta cerrada para onde, de vez em quando, os tripulantes da embarcação disparavam alguns tiros aleatoriamente, com o intuito de dissuadirem eventual tentativa de ataque por parte dos guerrilheiros do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde). 

Passado um dia e uma noite lá nos aparecia, ao longe, a povoação e aquartelamento de Buba e à medida que nos aproximávamos, mais nítidos se tornavam os contornos dos edifícios e depois as silhuetas dos soldados da companhia aí instalada. Logo depois a vozearia festiva da nossa chegada quando a LDG abriu a sua bocarra para deixar sair camiões, tropas e materiais como chapas de zinco, madeiras serradas, cimento, cerveja, arroz e outros géneros alimentícios. Ainda nem todos tínhamos abandonado a barcaça mas a festa da receção aos periquitos prosseguia com a passagem, na nossa frente, de camiões transportando supostos soldados feridos, numa encenação em que a companhia instalada em Buba pretendia assustar-nos. Não teria transcorrido mais que uma hora, quando nos preparávamos já para o início da segunda etapa, por estrada, num percurso de cerca de vinte e cinco quilómetros, rebentou uma emboscada no itinerário por onde deveríamos passar, e logo depois começaram a chegar soldados dessa companhia de Buba, feridos reais, numa reedição autêntica daquilo que tínhamos visto, anteriormente, a brincar.

Logo ali, ainda antes de chegarmos ao nosso sector, fui solicitado para colaborar na assistência ao soldado Bento que estava entre a vida e a morte. A enfermaria estava instalada dentro de um abrigo subterrâneo e eu auxiliava o furriel enfermeiro da companhia de Buba na tarefa penosa de mantermos vivo aquele jovem que tinha um estilhaço alojado no tórax. Por entre gemidos do ferido e os estrondos das saídas das granadas das nossa peças de artilharia instalava-se, entre nós os recém chegados, a sensação de que tínhamos vindo parar a um dos piores sítios da Guiné. O contacto com os guerrilheiros tinha ocorrido quase no fim da tarde e, em pouco tempo, a escuridão sobreveio e por isso não mais foi possível a evacuação aérea do ferido para o Hospital Militar de Bissau. 

No outro dia, pela manhã, lá apareceu a avioneta que transportou o Bento para o hospital. Debalde porém. O Bento fenecia gradativamente e nem os melhores cirurgiões de Bissau o puderam salvar. Está sepultado em Ferreira das Aves - Concelho de Satão.

No dia seguinte iniciaríamos a nossa jornada de vinte e cinco quilómetros até Mampatá, alquebrados de corpo e de espírito pelos acontecimentos do dia anterior. Nos camiões que nos transportavam seguiam também materiais de construção, munições e víveres. Ao meu lado, sentado sobre um saco de arroz, olhos perscrutantes sobre a mata cerrada, um soldado do recrutamento local, o More. Magro e baixo não parecia nada o guerreiro destemido que vim a conhecer na convivência quotidiana, em Mampatá. Dizia-me o More :
- Não preocupa, aqui perigo não há, se PAIGC atacou ontem, hoje não vem mais. 

Trinta e sete anos mais tarde havia de procurar este soldado da milícia do exército de Portugal, em Mampatá, quando aí voltei para rever o sítio onde penei e as pessoas que me suavizaram o sofrimento. Alguns ainda ali viviam e com eles recordei, com indizível emoção, os vinte e quatro meses mais longos da minha vida. 

Mas o More, aquele soldado condecorado com a Cruz de Guerra, cujas cavaqueiras me adoçavam os dias compridos, já não fazia parte do mundo dos vivos. Pouco tempo depois do fim da guerra, aquela Cruz de Guerra que recebera do governo de Portugal, enaltecedora dos seus feitos, tornou-se, por traição da história e vingança dos fracos, a prova da sua culpa. Pouco depois da independência acordada entre Portugal e o PAIGC, os novos governantes ajustaram contas com todos os que serviram o exército de Portugal, escapando apenas os que fugiram. Tribunais improvisados presididos por desumanos guerrilheiros sedentos de vingança, prendiam e matavam a esmo. O More foi, assim, barbaramente assassinado.

Os meus olhos focavam-se na mata densa procurando entrever qualquer sinal de perigo no espaço marginal à picada, preocupado com a iminência de uma emboscada e pouco interessado na beleza da floresta de onde se ouviam apenas os guinchos dos macacos. Estariam eles a avisar-nos de algum perigo ou, pelo contrário, tendo celebrado um acordo com o inimigo, anunciavam antecipadamente o nosso massacre. Estes e outros pensamentos fluíam da minha imaginação como se houvesse alguma relação lógica entre aquela guincharia e a nossa sorte. 

E passadas algumas horas, talvez quatro, por entre buracos cheios de água, viaturas atascadas na lama e paragens por desconfiança de alguma emboscada ou porque os soldados apeados tivessem assinalado alguma mina, lá chegámos a Mampatá, onde uma ruidosa companhia constituída maioritariamente por açorianos nos recebeu em ébrio delírio. Não era motivo para menos, porque, com a nossa chegada, iniciar-se-ia a sua partida de regresso à paz de suas casas. 

 Mampatá era uma tabanca habitada por cerca de trezentas pessoas e nós ficaríamos ali instalados por entre moranças cobertas de capim, numa perfeita amálgama entre civis e militares, sem qualquer barreira entre as instalações militares e as casa dos civis. De certo modo esta familiaridade amenizava o ambiente e permitia-nos uma convivência quase sempre fraterna. Na verdade será errado chamar civis aos moradores daquela povoação, porquanto, excetuando as crianças e as mulheres, quase todos estavam mobilizados para a guerra: uns incorporados numa unidade militar local – o Pelotão de Caçadores Nativos n.º 68, outros integrados no Pelotão de Milícias e, finalmente, todos os homens tinham uma espingarda do género das que até ainda há pouco tempo equipavam a GNR de Portugal. 

Já havia uma escola básica naquela aldeia, construída por uma companhia anterior mas, como se tornasse insuficiente, fomos incumbidos de erigir uma segunda escola. Os professores eram dois militares que faziam o melhor por aquelas crianças e até pelos adultos que queriam aprender a ler e escrever. Ademais, naquele tempo, muitos soldados do recrutamento metropolitano não tinham a quarta classe e era obrigatório que voltassem à vida civil com esse diploma. 

De certo modo, aquelas duas escolas e os sorrisos das crianças que as frequentavam, pintavam aquele cenário distópico, de cores esperançosas, apesar da fogueira da guerra sempre presente e reavivada de tempos a tempos. Um dia, à noite, quando estava a substituir um camarada professor, corri para o exterior, seguido pelos alunos, procurando abrigo deitados junto ao muro do recreio. Tinha sido o tiroteio provocado por uma emboscada a um pelotão nosso, a um quilómetro ou dois do arame farpado que nos tinha feito sair apressados. A atividade operacional, para além da defesa daquela povoação, era constituída por patrulhamentos, montagem de emboscadas e segurança do itinerário entre Mampatá e Buba. 

Esta era a rotina dos dias mas, ainda em 1972, com o início dos trabalhos da abertura e pavimentação de uma estrada, tudo se alterou. A Engenharia Militar precisava de constante proteção enquanto as máquinas de terraplanagem revolviam o solo. Esse trabalho de proteção era absolutamente desgastante porque obrigava a uma presença constante durante o dia e da noite para se impedir os ataques aos trabalhadores e a montagem de minas.

Se alguém fazia anos havia sempre cerveja e algum vinho a regar uma refeição melhorada, com a presença dos amigos mais chegados. Normalmente os furriéis comemoravam em conjunto com os alferes e vice-versa. Os cabos e soldados festejavam normalmente por secção. Nalguns casos, os militares de especialidades com poucos componentes, como os mecânicos, os enfermeiros e os transmissões juntavam-se nos festejos de aniversário em função da respetiva especialidade. 

No dia 17 de fevereiro de 1973 coube-me comemorar o meu próprio vigésimo terceiro aniversário, na companhia do capitão, dos alferes e dos furriéis, e não faltou um cabrito assado no forno com batatas, nem faltou cerveja e vinho naquela noite, cuja despesa era assumida na totalidade pelo aniversariante, porque era assim que estava estabelecido. Os mais poupados, aqueles a quem nós apelidávamos de forretas, naquele dia bebiam muito mais do que o habitual. 

Nessa noite demorei muito tempo até chegar ao meu quarto. Peguei no sabonete e reguei-me durante algum tempo debaixo do chuveiro, e lembro-me de o ter segurado nos dentes enquanto me refrescava. Cheguei ao quarto e deixei-me cair sobre a cama. Só me lembro de acordar aflito, já dia, com o barulho de um mango a cair sobre a cobertura de chapa.

Passados três dias coube-me sair para o mato com um pelotão. Não era frequente sair, o meu trabalho estava diariamente ligado à enfermaria que dava assistência a militares e à população civil. Talvez estivesse algum cabo enfermeiro de férias e cumulativamente um outro doente. Certo é que, pelas seis da manhã, como era comum nas operações de segurança aos trabalhos da construção da estrada, lá estou eu com um grupo de combate a caminho da frente da estrada, logo a seguir à tabanca de Colibuia. 

A missão era percorrer cerca de um quilómetro até nos internarmos na orla da mata onde nos deveríamos manter em alerta até às catorze horas, quando os trabalhos eram interrompidos para prosseguimento no dia seguinte. Quando já estávamos a chegar à orla da floresta rebentou um grande “fogachal” proveniente da nossa frente, de onde não divisávamos o inimigo. 

Quem já esteve debaixo de fogo há de perceber o que sentíamos, naquele ambiente de berros, de pó que se levanta, de ramos traçados por projeteis a cair sobre nós, da sensação de que aquilo nunca mais acaba, de que é impossível não haver mortos ou feridos graves, de que a todo o momento alguma bala ou estilhaço nos vai furar. Do desespero evoluímos para a certeza de que, se não fizermos fogo, se não reagirmos, podemos até ser apanhados à mão, como se diz em linguagem de guerra. Havia mais tropa ali por perto, pelo que chegariam reforços certamente. À minha esquerda, o António Carola do Nascimento, apontador do morteiro, grita-me por ajuda porque estava ferido. Olhei-o e perguntei-lhe onde era o buraco. Que era nos tomates, respondeu-me. Disse-lhe eu, num rasgo que hoje me causa admiração: 

- Nascimento, se falas é porque não estás muito mal, faz fogo com o morteiro senão morremos aqui todos

Respondeu-me ele como se esquecesse milagrosamente do seu ferimento:

 - Mande-me para cá granadas que eu mando-as para aqueles gajos

Assim é que era falar, pensei eu. Rolava sobre mim mesmo, bem colado ao chão, e trazia mais duas granadas dos camaradas do meu lado direito que o Nascimento se encarregava de remeter por via aérea. Já o fogo do inimigo parecia estar a diminuir, quando um dos soldados do grupo que acorreu em nosso auxílio se acerca de mim e, numa atitude que nunca esquecerei, carrega-me com as mãos sobre os ombros e preocupado intima-me:

 - Deita-te tu estás ferido

Dava ele importância ao sangue que me escorria do dedo mínimo da mão esquerda e me tingia todo o antebraço, mas que ele julgava provir do tórax. E de seguida, de pé, atrás de mim, com um destemor singular, aquele soldado do Pelotão de Nativos n.º 68, Ussumane Buaró, islâmico, disparou alguns dilagramas com a sua arma, contribuindo de forma que julgo decisiva para a fuga do inimigo.

Em 2009, quando fui à Guiné, numa caravana solidária, transportando alguns bens preciosos para o povo de Mampatá, procurei o Ussumane Buaró, dele só já pude ver a campa onde seus restos mortais foram sepultados no redor da tabanca. Ao seu filho mais velho deixei uma recordação num modesto gesto de homenagem e gratidão a alguém que se preocupou com a minha sobrevivência. No dia 16 de março de 1973, saiu, pelas seis horas da manhã, um grupo de combate da minha companhia, com destino à frente de trabalhos das obras de abertura e pavimentação da estrada entre Mampatá e Nhacobá. A cerca de um quilómetro o soldado Albuquerque pisou uma mina antipessoal e com o estampido uma nuvem de pó visível de longe, fazia crer o pior – a perda de uma perna, na melhor hipótese. Transportado de helicóptero para o Hospital de Bissau e operado, morreu passados cinco dias. Está sepultado no cemitério de Barcelos.

Um poema de homenagem ao Albuquerque – Autor: Josema, pseudónimo do meu amigo e camarada da companhia José Manuel Lopes:

Puseste o pé em sítio errado
um som violento o pó levantado
escondeu por algum tempo
o teu corpo violentado

sem pensar em outras minas
correram em teu socorro
o sangue fugia do teu corpo
e o “hélio” não chegava

tua cara ainda de criança
ficava cada vez mais pálida
tudo num silêncio angustiado

apesar dos teus vinte anos
a vida fugiu-te em golfadas
porquê tanto sangue derramado?


Concluída a primeira estrada foi preciso construir uma outra, ligando o nosso destacamento ao importante quartel de Buba, ficando quase toda a atividade operacional condicionada pelo lema spinolista: "Por Uma Guiné Melhor". O General Spínola tomou posse como Governador e Comandante Chefe da Província da Guiné em 1968, e na tentativa de subtrair a população do controlo dos guerrilheiros organizou os chamados congressos do povo que eram assembleias consultivas constituídas por régulos, chefes religiosos e pessoas com ascendência social relevante que funcionavam como câmaras de eco das aspirações da população. Ao mesmo tempo desenvolveu um grande esforço no domínio da construção de estradas e de escolas. 

No plano estritamente militar ele implantou um programa de africanização da guerra, recrutando cada vez mais tropas naturais do território. Este plano pareceu inicialmente dar alguns bons resultados, mas o PAIGC tinha cada vez mais apoio internacional e o seu apetrechamento, em 1973, com lançadores de misseis térmicos, capazes de derrubar os nossos aviões mais modernos, tornou a guerra insolúvel. E a declaração unilateral de independência por parte do PAIGC, em 24 de setembro de 1973, foi o corolário dessa mudança de curso da guerra, quando os nossos aviões começaram a ser derrubados.

Naquele primeiro semestre de 1973 a situação militar piorava cada vez mais, e o abandono do quartel de Guileje bem como o massacre a que foram sujeitas as nossas tropas em Gadamael, no Sul e em Guidage, no Norte, resultavam sobretudo da grande dificuldade que os pilotos da Força Aérea Portuguesa sentiam agora, face ao uso dos novos misseis, pelo PAIG. Esse constrangimento repercutia-se não só num desempenho menos eficiente, por parte da Força Aérea, na proteção das nossa tropas, como também, na evacuação de feridos e no transporte aéreo de víveres, tabaco e correio. Este era absolutamente fundamental para o estado psicológico da maioria dos soldados e a falta de correspondência escrita, durante muitos dias, provocava desânimo. 

A carta ou o chamado aerograma, que dispensava selo, eram os únicos meios de comunicação disponíveis, naquelas circunstâncias. Havia ainda o telegrama para o envio ou receção de mensagens curtas, como a que recebi em meados do mês de outubro informando-me do falecimento do meu avô, mas que eu considerei ser a minha avó porque, erradamente, alguém trocou o acento circunflexo por um acento agudo e, por isso, andei cerca de um mês a pensar que tinha perdido a avó e não o avô. Em novembro Spínola, descrente quanto à possibilidade de se ganhar a guerra e impedido pelo governo de Lisboa de negociar um plano de autonomia para a província, abandonou o seu posto, sendo substituído pelo General Bettencourt Rodrigues. Com o início da estação das chuvas a situação estabilizou um pouco, mas a atividade militar iria recrudescer em 1974, fazendo aumentar o número de feridos e mortos e acrescer inúteis sacrifícios a todos, o que me angustiava cada vez mais.

Houve dois grandes momentos de eufórica alegria, durante a comissão: a notícia da revolução do 25 de Abril e o dia do regresso a Portugal em 24 de agosto de 1974. Naquela manhã, aparentemente igual a tantas outras, depois de ter já cumprido a minha rotina na assistência aos doentes da população civil, passando pelo bar para tomar alguma bebida fresca, vi junto ao posto de transmissões alguns camaradas que dialogavam entre si, com gestos e expressões de espanto e notável felicidade. 

Que caso seria aquele? Não era nada de trivial. Ao aproximar-me logo me envolvi naquela atmosfera de esperança, de quase certeza quanto ao fim daquele calvário. Não haveria retrocesso, Spínola estava por trás daquilo, agora era mesmo a sério, não era um arremedo, como tinha sido o golpe do dia 16 do mês anterior, desta vez era mesmo o derrube do regime, uma mudança radical de política, negociações imediatas com o PAIGC, e fim imediato da guerra com regresso antecipado a Lisboa. 

Não foi bem assim, porque as hostilidades ainda prosseguiram por mais algumas semanas embora em decréscimo e a nossa partida não foi antecipada. Mas a convicção de que tudo estava a acabar era geral e, por isso, quando a noite chegou, nesse mesmo dia, com a confirmação de notícias mais consistentes sobre o sucesso definitivo da revolução, em Mampatá, perante o espanto e algum entusiasmo da população, os soldados extrovertiam toda a sua alegria com algum álcool à mistura. E assim estaria a acontecer por todos os aquartelamentos da Guiné. 

Estariam os guerrilheiros do PAIGC tão felizes quanto nós? Não sei. Os eventos inimagináveis, um mês antes, surpreendiam-nos a cada semana: 14 de maio teve lugar uma reunião entre representantes do MFA e oficiais e sargentos das unidades do sector da qual resultou a certeza inequívoca de que a guerra era para terminar; nos primeiros dias de junho recebemos em Mampatá um Comissário Político do PAIGC que reuniu com a população e com os militares guineenses integrados no Exército Português; no dia 26 de junho cerca de uma centena de guerrilheiros do PAIGC, inimigos de ontem amigos agora, entraram na povoação e trocaram connosco crachás e outros adereços. Estava assim garantido o estabelecimento definitivo da paz. 

Depois foi só a paciência de esperarmos mais dois meses, já sem a pressão da guerra, mas com o peso dos dias vagarosos que pareciam não mais acabar. No dia 24 de agosto, com aqueles 150 camaradas dentro do Boeing 707, parecia que nunca mais levantávamos voo ao encontro de quem tínhamos por cá deixado, mas quando, finalmente, a força dos reatores nos despregaram do chão, a alegria sem peias brotou exaltada do coração de todos nós. Perdiam-se gradativamente do alcance dos nossos olhos as ruas de Bissau e a floresta frondosa envolvente, eram já os grandes rios parecidos com regatos e depois só nuvens que tudo encobriam menos os dias amargos que deixávamos e até, porque não dizê-lo, também uma imperecível marca de convivência com culturas diferentes que nos proporcionaram o conhecimento de outras religiões, outras culturas e uma visão plural da humanidade.

Tinha assistido ao fim de um conflito evitável e sem qualquer proveito para ambas as partes, no qual perderam a vida, nos três territórios de Angola, Guiné e Moçambique 8831 jovens portugueses, num total de 800.000 militares mobilizados durante 13 anos. E aos que propagam a teoria de que a guerra de África não era uma causa perdida e que até já estava quase ganha responde o silêncio de 98 jovens mortos, só na Guiné, no período decorrente entre 1 de Janeiro e 25 de Abril de 1974. 

E são estes números apenas os das nossas hostes, mas não são, nem nunca a minha sensibilidade o aceitaria, desprezíveis os milhares de mortos, do lado dos que combateram pela independência, entre militares e civis. Caberá aqui evocar uma reflexão de Pirro, rei de Epiro, depois de sair vitorioso de vários confrontos com exércitos da península itálica, no decurso de século terceiro a.C. nos quais perdeu, ainda assim, algumas dezenas de milhar de soldados: Se formos mais uma vez vitoriosos, numa batalha contra os romanos, perdendo idêntico número de soldados, ficaremos arruinados. Julgo que terá sido esse pensamento do rei de Epiro, reportado pelo historiador grego Plutarco, que norteou a decisão histórica do General Spínola, quando fez saber ao governo de Lisboa da sua indisponibilidade para prosseguir numa guerra de vitórias pírricas.

As guerras deverão ser sempre o último recurso das nações civilizadas, nunca uma opção estratégica. Dirão outros que aquele era um território português e como tal tinha que ser defendido. A esses asseverarei que os estados têm como dever prioritário não propriamente a defesa do território, mas a defesa de todas as pessoas que nele habitam, assegurando que todos tenham direito à satisfação das suas necessidade básicas, à liberdade, à democracia e à justiça.
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 12 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21762: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Manpatá, 1972/74) (1): Contra os canhões marchar, marchar...

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21702: (De)Caras (167): o ten inf Esteves Pinto (1934-2020), que foi instrutor de alguns de nós no CISMI, em Tavira, e que morreu no passado dia 18, com o posto de cor inf ref



Tavira > CISMI > Parada > Outubro de 1968 > Atiradores de infantaria > 6º Pelotão, 3ª Companhia  > Da esquerda para a direita, de pé: Eduardo Estrela (, futuro fur mil. CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71), Fonseca, Pereira, João, Torres, Chichorro (já falecido)  e Joaquim Fernandes (, futuro fur mil, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71). Na primeira fila, tambémda esquerda para a direita: Santos, Chora, Salas, Paulo , Loureiro e Saramago.

Foto (e legenda): © Eduardo Francisco Estrela (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Tavira > Quartel da Atalaia > Antigo CISMI, hoje RI 1 > 1 de fevereiro de 2014 > Belo exemplar da nossa arquitetura militar, fica situado na Rua Isidoro Pais. Imóvel classificado como de interesse público, segundo o excelente síio da Câmara Municipald e Tavira

 O Quartel da Atalaia, um dos mais antigos do país, foi começado a construir em 1795, sob o reinado de D. Maria I. Mas a sja construção foi entretanto interrompia e só retomada em 1856 devido á conjuntura nacional desfavorável (ida da corte para o Brasil, invasões napoleónicas, revolução liberal de 1820, guerra civuil de 1828-1834, etc.). Com a extinção das Ordens Religiosas, é entregue ao exército o antigo Convento de Nossa Senhora da Graça, que alguns de nós também conheceram. O Quartel da Atalaia, ainda por concluir, serviu ainda de hospital das vítimas de peste de cólera que se abateu sobre a cidade (e grande parte do país, a começar pela capital) em 1833, em plena guerra civil. Em boa verdade o edifício só ficará concluído  nos primeiros anos do século XX, sendo  então para lá transferida a guarnição de Tavira. Sofreu alguns alterações funcionais em 1950, 1954 e 1970.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Tavira > CISMI > Julho de 1968 >   A chegada ao quartel da Atalaia dos novos instruendos do 1º Ciclo do CSM, vindos de todo o país.  Fila do pessoal para receber fardamento, Foto do Fernando Hipólito, gentilmente cedida ao César Dias e ao nosso blogue.

Esta rapaziada de finais da década de 1960 já tem um outro "look", a começar pelo vestuário... Presume-se que as belas cabeleiras, à moda dos "Beatles", já tinham ficado ingloriamente no chão do barbearia lá da terra ou de Tavira... Muitos fotam tosquiados à máquina zero, suprema humilhação para um jovem da época!... Não, já não é a mesma malta que parte, de caqui amarelo e mauser, para defender as Índias & as Angolas, uns anos antes ... O velho Portugal onde tínhamos nascido,  estava a mudar, lenta mas inexoravelmente.  E a nossa geração já não estava disposta a suportar os mesmos sacrifícios dos seus pais.


Foto (e legenda).  © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: logue Luís Graça & Camaradas da Guiné]]

 


1. Através do nosso leitor e camarada cor inf ref Manuel Bernardo tivemos a triste notícia  do falecimento do cor inf António Rebordão Esteves Pinto, instrutor no CISMI, em Tavira, no tempo em que alguns de nós, membros da Tabanca Grande, lá fizemos a recruta e/ou a especialidade. (Estou-me a lembrar de camaradas como o César Dias, o António Levezinho, o Humberti Reis, o Eduardo Estrela, o Joaquim Fernanses, o José Fernando Almeida, o Manuel  Carvalho, o Carlos Silva, u próprio e tantos outros.)

O cor inf ref  Esteves Pinto faleceu no dia 18 do corrente mês. Nunca esteve no TO da Guiné. Mas queremos lembrá-lo aqui, na qualidade de nosso antigo instrutor e comandante de companhia no CISMI, Tavira. À família enlutada a Tabanca Grande apresenta as suas condolências. (****).

De acordo com o seu currículo militar, o cor inf Esteves Pinto:

(i) era natural do Fundão;

(ii)  estudante na Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa,  em 1957, foi  chamado a cumprir o Serviço Militar Obrigatório, tendo assentado praça em Mafra;

(iii) fez uma primeira comissão de serviço (1961/63), em Angola como o posto de alferes miliciano;

(iv) foi condecorado em 1963 com a Cruz de Guerra de 4ª classe, por atos de bravura em combate;

(v) de regresso à Metrópole, foi convidado a frequentar a Academia Militar,. tendo seguido a carreira militar:

(vi) tenente do quadro, foi  colocado, em 1965 (e até 1969), juntamente com o ten Fernando Robles, em Tavira, como instrutor do CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos;

(vii) foi mobilizado, de novo  desta vez para Timor, terra que ficou no seu coração, como comandante da CCAÇ 2682 (1970-1972);

(viii) terminou a sua carreira militar com o posto de coronel, não sem ter passado ainda por Angola, em 1975.

Uma nota biográfica mais detalhada está disponível no portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, 1954-1975.


2. Da notícia do falecimento do cor Esteves Pinto demos conhecimento de alguns camaradas que o conheceram, em Tavira, e que comentaram, em resposta ao meu mail de 26 do corrente:

(i) César Dias (ex-Fur Mil Sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, Maio de 1969 / Março de 1971)

Luis, lembro-me do Esteves Pinto (Tenente), foi o nosso comandante da 2ª companhia, tentava moralizar as tropas, " O militar é a parte válida do povo", daí ter que ser forte, "não há fim de semana para ninguém",,, ,  isto na formatura de 6ª feira após o almoço.

Fiquei com boa impressão dele, embora os nossos caminhos não se tivessem cruzado mais
Presto-lhe homenagem.. Aos seus familiares e amigos manifesto o meu pesar.


(ii) Eduardo Estrela (ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71)

Morreu o (do nosso tempo no CISMI ) ten Esteves Pinto, que comandava no último trimestre de 1968 a 2ª  Companhia. O homem que, nas marchas finais de Dezembro de 68, perto do Cerro da Cabeça em Quelfes/Moncarapacho , perante o dilúvio que se abateu sobre a zona do acampamento dizia: " o rei manda marchar, não manda chover ".

Á família enlutada os meus pêsames. Que descanse em paz.


3. Algumas referência no nosso blogue ao nosso antigo instrutor ten Esteves Pinto e a outros instrutores do CISMI de Tavira (1965/69), militares que, de uma maneira ou de outra, nos marcaram, tal como nos marcou a passagem por Tavira, na recruta e/ou especialidade. 

Temos meia centena de referências ao CISMI  e sessenta a Tavira


(i) Eduardo Estrela [ fez recruta no CISMI,  e a instrução de especialidade de atirador de infantaria, integrado  no 3º Pelotão da 4ª Companhia, no 2º semestre de 1968; foi fur mil, CCAÇ 14, Cuntina, 1969/71]:

(...) O comandante da 3ª Companhia do CISMI, Tavira, era o cap Eduardo Fernandes, militar íntegro e respeitador.

O ten Madeira era o adjunto e era uma flor sem cheiro. Mau e sádico. Uma vez, levou durante a noite a  
companhia para as salinas (, o capitão estava ausente). Dei-lhe a volta e vim de lá com trampa só até aos joelhos. 

Já tive o privilégio de lhe dizer isso pessoalmente num almoço no CISMI. O homem agora é coronel reformado e mora, como sempre morou, em Castro Marim. (...) (*)

(ii) César Dias:

(...) Concordo com os adjectivos de classificação atribuídos quer ao Capitão Fernandes quer ao seu adjunto nesse terceiro turno de 68, e no caso do Tenente Madeira os adjectivos poderiam ir mais além. 

Também integrei esse grupo nessa noite das salinas,  aproveitando a ausência do Comandante foi uma diversão para ele, já passaram quase 52 anos mas são coisas que não esquecem, apesar de tudo o que se passou na Guiné. 

Já agora digo que era do 7º pelotão do Aspirante Coelho, outro homem integro. (...) (*)

(iii) Eduardo Estrela:

(...) Acabo de ver o comentário do César Dias no blogue, a propósito do agora coronel Madeira e a sua referência ao Aspirante Coelho. O Asp Coelho era realmente um homem íntegro e respeitador. Lembro-me bem dele e da sua já visível falta de cabelo á época. Abraço fraterno a todos. (...) (*)

(iv) Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70):

(...) Também andei por Tavira no verão de 67, 3º turno,  Armas Pesadas.

Tenho algumas memórias do dia em que fizemos fogo para a ilha de Tavira a partir da costa. O comandante de companhoa era o Cap Madeira,  natural de Cabo Verde,  e de Pelotão era o Alf Chumbinho,  exigente mas que nos tratava com respeito,  por 'senhor instruendo'. 

Quando íamos iniciar o fogo de canhão sem recuo 10,6 vimos que estavam na zona dois barcos pequenos com um pescador cada. o Chumbinho disse que resolvia o problema com uma canhoada e resolveu,  embora um oficial superior que lá estava tivesse dito:  não me arranje problemas".

Ainda hoje me rio com a cena dos dois homens a remar cada um para seu lado e nem a recolha do material fizeram. Na ilha havia um silvado que foi incendiado com uma granada de fósforo e depois apagado com uma normal que atirou areia para cima do lume. Alguém pôs um burnal velho atrás do canhão para vermos o efeito e vimos que não é lugar para se estar.

Também fui dos que escolheram Armas Pesadas a pensar que ficaria mais resguardado mas tinha uma secção distribuída como qualquer Atirador e muitas vezes o Pelotão todo, é a vida. (...)

(v) Luís Graça:
 
 (...) Passei pelo RI 5 (Caldas da Rainha) (15 de Julho de 1968) e CISMI (Tavira) (29 de Setembro de 1968)... 

De quem me lembro, [em Tavira,] foi do Tenente Esteves [Pinto], que era o comandante da minha companhia [, a 2º,]  (estava a tirar a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria), e do parvo de um alferes miliciano, lateiro, que nos dava instrução, no campo da feira (adorava, o sádico, pôr-nos a rebolar em cima da bosta de boi, enquanto ele passava o tempo a "namorar" à janela, uma das meninas ou coironas lá da terra....). Era algarvio, com sotaque, nunca pusera os pés em África... Deve ter apodrecido nos CISMI...

 (...) Do Esteves recordo-me apenas a sua lengalenga patrioteira e já gasta, lembrando-nos, a propósito e a despropósito, que "nós éramos a fina flor da nação"... Nós: emendávamos, entre dentes: "a fina flor do entulho"...

E, claro, não posso esquecer o inefável comandante do CISMI que me proibiu, a mim e mais um camarada, a inauguração de um exposição documental sobre a II Guerra Mundial (que estávamos a organizar, na caserna, e estava praticamente pronta...) com o argumento, mesquinho, safado, de que "para guerras já bastava a nossa" (...) 
 (**)

(vi) Mário Fitas (ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67);

(...) Fui para o CISMI em Agosto de 1963 e acabei o curso em Dezembro do mesmo ano. O curso de sargentos milicianos era composto de dois meses de Instrução Básica e mais dois de especialidade.

Não esperava ir parar ao Ultramar, nem tão pouco à Guiné. Pois...só que precisamente em Janeiro de 1964 os cursos passaram a seis meses. Aqui tens como o teu camarada Mário Fitas foi fornicado e ir parar com os costados na Guiné. Fomos os últimos a envergar a célebre farda colonial amarela.

(...) Por curiosidade, o comandante do meu pelotão em Tavira foi o então alferes, hoje coronel Cadete, que esteve em Mejo,  julgo que com o José Brás, já mais tarde em Moçambique o Cadete levou um tiro no ventre. Um dos instrutores de Lamego, o alferes hoje tenente general Rino, que comandou a CCAÇ. 764 em Cumbijã. O mundo é muito pequeno! (,,,)

Hoje em dia o meu amigo coronel Manuel Amaro Bernardo,  dos comandos e escritor, era o comandante da 1ª. Companhia de instrução em Tavira.(...) (**)


(vii) José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68)

(...) Aqui, neste terraço de que se avista o quadriculado da antepara, vivi eu uma aventura imoderada.

Sexta-Feira, formutura para saída, o oficial de dia, Ajferes Cadete, olha-me na cara e diz que tenho as botas mal engraxadas. 

Formatura desfeita, volto à caserna e, ainda que sabendo da mentira, ponho as botas a brilhar. Nova formatura e lá vou eu de novo e o gajo olha-me para as botas e diz que tenho a barba mal aparada. De novo na caserna, espero por nova formatura para tentar ir passar o fim de semana na Ilha, de novo entro para a revista e o bicho diz-me: 'você é parvo, não viu já que não sai?'

 A minha vontade era mesmo partir-lhe o focinho e, nessa altura, sendo o que era, juro que o machucaria bem. Contive a raiva e puz-me a estudar a forma de sair dali, aparecendo-me o terraço como a única salvação. Disfarcei, andei por alí, subi as escadas, atrás de mim veio um camarada amedrontado mas desejoso de sair também. Passei para fora da antepara, desci para uma das janelas ainda agarrado acima, ajudei o camarada medroso a descer e saltámos correndo de imediato dali para fora. 

No Domingo, na praia, camaradas que sairam nesse dia,  avisaram-me que o Cadete dera pela minha falta e andara de bicicleta a ver os riscos da borracha das botas na parede, jurando que me esperaria na entrada na Segunda de manhã. De facto, apesar da apreensão, entrei sem problemas e ninguém me perguntou por onde tinha andado. Já antes, eu havia tido uma questão com o Cadete que não era o Comandante do meu Pelotão mas tinha metido o bico numa pega comigo. Acabei por reencontrá-lo quando a minha Companhia saiu de Aldeia Formosa e, por troca com a dele, fomos para Medjo onde ele estava antes. (...) (***)
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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6496: Controvérsias (79): Os nossos instrutores militares não tinham experiência de contra-guerrilha (Manuel Joaquim)

 (***) 10 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12703: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (1) : Parte I (1-6 pp.)

Vd. também:


21 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12750: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhidi por Fernando Hipólito o digitalizado por César Dias) (3) : Parte III (pp. 13-16)

22 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12759: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (4) : Parte IV (pp. 16-18): Regime disciplinar; Pretensões, dispensas e licenças