Mostrar mensagens com a etiqueta Mansomine. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Mansomine. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

Guiné 63/74 - P371: CCAÇ 2636 (Bafatá, 1970/71) (6): Mimos do PAIGC em Mansomine


Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > O João Varanda, junto à sede do BCAÇ 2856, "frente à casa da Dona Rosa Libanesa"...

Acrescente-se que o "café das libanesas" era, juntamente com o Restaurante "A Transmontana", um dos sítios mais populares na nossa época (CCAÇ 12, 1969/71), constituindo um verdadeiro porto de abrigo para quem vinha do mato...

© João Varanda (2005)

"À porta do célebre café das libanesas, filhas da D. Rosa. Sou amigo pessoal do filho, ex-ten. cor. paraquedista, que mora cá, em Portugal, em Linda-A-Velha, e também amigo de infância de um dos genros dela que mora aqui em Lisboa, e com o qual, por acaso, já tenho tido relações profissionais".

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 1996 >

O Humberto Reis, "à porta do célebre café das libanesas, filhas da D. Rosa". Acrescenta o autor: "Sou amigo pessoal do filho, ex-tenente coronel paraquedista, que mora cá, em Portugal, em Linda A Velha, e também amigo de infância de um dos genros dela que mora aqui em Lisboa, e com o qual, por acaso, já tenho tido relações profissionais".

© Humberto Reis (2005)

Texto do João Varanda (ex- furriel miliciano, CCAÇ 2636, Có/Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71).


SECTOR DO CAOP - 2

A CCAÇ 2636 através da nota nº. 1107 de 2 de Abril de 1970 do Comando de Agrupamento Leste foi transferida para o Sector de Bafatá, ficando agregados, para efeitos administrativos, alojamento e alimentação, dois grupos de combate e os especialistas ao BCAÇ 2856. Os outros dois grupos de combate, para o mesmo efeito, ficaram agregados ao EREC [Esquadrão de Reconhecimento] 2640.

A CCAÇ 2636 ficou de intervenção ao Agrupamento Leste (que engloba 5 sectores), tendo dois grupos de combate, sido destacados para os destacamentos fronteiriços de Ualicunda e Sare Uale em 9 e 17 de Março de 1970, respectivamente. Os outros dois grupos de combate estacionados em Bafatá continuariam na actividade operacional, ora entrando em operações ora montando emboscadas.

Manteve-se assim o carácter permanente operacional. Assim, e no cumprimento da missão a que ficamos vinculados, iniciamos a actividade operacional com horário de vinte e quatro sob vinte e quatro horas.


OPERAÇÃO FAREJA MELHOR > 19-21 de Março de 1970

Tratou-se de um simples treino operacional, a fim de adaptar os grupos de combate àquelas andanças, contudo, também nos avisaram, que deveríamos ir atentos, pois que na Guiné, até dentro do quartel se corria perigo. Ainda que esse quartel se situasse em Bafatá.

Era fim de tarde, cerca das 19.30 horas, quando partimos de Bafatá para Fá Mandinga (sede leste da 1.ª Companhia dos Comandos Africanos ), localidade a cerca de cinquenta quilómetros de Bafatá.

O transporte foi feito em viaturas auto (Berliets) e cada uma levou vinte e quatro homens armados e equipados. O trajecto fez-se depressa. Não demoramos duas horas. Uma vez chegados, iniciamos a marcha em direcção ao local do “objectivo”, um simples patrulhamento com montagem de emboscada.

Seguimos por uma picada abandonada. Havia muito tempo que as viaturas do exército tinham deixado de a utilizar por causa das minas. No entanto, nós caminhamos por ela, sujeitando-nos a levar com uma mina pela frente. Felizmente não existiam, o que foi uma sorte, já que, de noite, não havia a mínima possibilidade de as detectar.

- Para treino operacional, é muito arriscado! - dizia o cabo António Alves de Medeiros (Machinho), um camarada que possuía já uma certa prática de guerra.
– O que vale é não irmos na frente! - retorqui eu – E segundo creio não será tanto o azar que iremos pôr os pés fora do local, onde os outros já pisaram!

A noite estava muito escura e nós progredimos agarrados uns aos outros para não nos perdermos. Um pequeno descuido e a coluna partir-se-ia e depois não haveria outro remédio senão esperar que o novo dia nascesse para nos voltarmos a encontrar. O sono começava a atormentar-me.

Caminhávamos há várias horas, ora avançando, ora parando. As esperas eram demasiado curtas para nos sentarmos, enquanto as progressões não passavam, por vezes, de mais de uma centena de metros, seguidos de nova paragem. Esta maneira de avançar era muito mais cansativa do que a progressão contínua e chegava a ser irritante.

Trás! … Bato com a cabeça nas costas do furriel Paiva e acordo. Vinha a dormir de pé. Nunca me passara pela mente que tal fosse possível. Agora, contudo, tinha tirado a prova. Mais uma que tenho para contar quando chegar à Metrópole, um episódio em que, muito possivelmente, ninguém vai acreditar. Se … chegar!

(...) A primeira fase da operação foi o patrulhamento à península sul com cambança em Temato – Manssomine – Sissau. Sem vestígios de passagem há quatro ou cinco dias de dezenas de elementos que se dirigiam a Noroeste. Nossas tropas pernoitaram emboscadas na região cota 17 bolanha de Dembel Jule. Amanheceu, com centenas de macacos – cães, fazendo uma algazarra tremenda e caminhando pela copa das árvores em saltos gigantescos. Nunca tinha visto macacos daquela raça.

Eram bichos enormes. Alguns quase do tamanho de homens e com os caninos desenvolvidos, semelhantes aos dos cães. Não pareciam nada felizes com aquela intromissão nos seus domínios, o que levou alguém do grupo a comentar ironicamente:
- Bolas, nem os macacos gostam de nós! …

Saímos da picada para um caminho de pé-posto, trilho muito batido. Via-se perfeitamente que passavam por ali, dezenas de pessoas por dia. Fiquei apreensivo porque, à partida nos tinham, dito que aquela zona era desabitada. E preocupado, indaguei do alferes Martins Ferreira.

– Ouça, meu alferes! O que pensa destes sinais? Serão da população, ou dos turras?
– Olha pá, tanto podem ser da população que a carta assinala lá mais para a frente, de guerrilheiros armados, ou ainda das duas coisas ao mesmo tempo. Aqui na Guiné não se sabe bem quem é guerrilheiro, nem quem não é, portanto o que tens a fazer é ires preparado para tudo. – E acrescentou:
- O seguro morreu de velho, não achas! … O kápa!
– Entendido.

A caminhada continuou em silêncio ainda por mais de meia hora até que o Comandante da Companhia, capitão Manuel Medina e Matos, mandou fazer alto e sair do trilho.

Íamos montar a enboscada a Dembel Jule. Afastámo-nos cerca de vinte metros da picada, ficando paralelos a esta. Fizemos uma zona de morte de mais de trezentos metros que reforçámos com um dispositivo de armadilhas eléctricas à base de granadas de mão, defensivas, e minas M 7. Estas eram accionadas por um “explosor”, logo que alguém se aproximava da nossa posição. Findo este trabalho que não levou mais de alguns minutos, recolhemos à mata e ficamos a aguardando.

(...) O calor começara a fazer-se sentir, já estávamos a 20 de Março / 70, segundo dia da operação e às 10.00 horas era quase insuportável, mesmo debaixo das árvores, o que, aliado ao cansaço produziu os seus efeitos. A tarde, mais de dois terços dos grupos de encontravam-se a dormir.

De repente em Dembel Jule, no fim do trilho avistámos três elementos inimigos, dois armados não reagiram fugiram em direcção ao rio, um no cimo de uma palmeira (Chefe de tabanca de Manssomine), controlada pelo PAIGC, foi capturado enquanto extraía vinho de palma.

A captura deste elemento só por si deu-nos saldo positivo desta operação, embora ficassemos paralisados pela surpresa, ao mesmo tempo completamente amedontrados.

Sem perder tempo continuamos a operação, patrulhando vários trilhos na região sul de Dembel Jule, na mata marginal direcção norte até cota 13 para 19, sem vestígios foi onde decidimos fazer uma refeição de ração de combate, para depois pernoitarmos.

Na manhã de 21 de Março de 1970 acordámos cedo, ao som de “costureirinhas” (PPSH) num matraquear infernal. Os projécteis cortavam ramos de árvore por cima das nossas cabeças ou ricocheteavam, levantando terra, ali mesmo na frente dos nossos olhos.

Nunca nos víramos num assado daqueles, era a hora da vingança do PAIGC. Todavia reagimos rápido e corri para detrás de um baga – baga que por sorte, se erguia ali perto. O suor escorria-me pela cara e sentia como que um aperto na garganta e no peito, à altura do coração.

A fogachada não parava e nem sequer diminuía de intensidade. Apontei a minha espingarda G - 3 para o local de onde me pareciam vir os disparos e carreguei no gatilho. A arma saltou-se nas mãos como se tivesse vida própria e três segundos depois, tinha esvaziado o carregador. O primeiro da guerra do leste, numa guerra em que eu ainda pensava ser a minha. Foram trinta e cinco minutos, debaixo de fogo ininterrupto, em que nenhum de nós conseguiu levantar a cabeça.

Do lado dos guerrilheiros do PAIGC chegava-nos uma algazarra tremenda. Chamavam-nos nomes e alguns nada abonatórios. Entre eles, havia alguém que, em bom português, nos insultava:
- Vão para a vossa terra, filhos da puta!...Enquanto andam aqui na guerra, as vossas mulheres, andam em Lisboa a fornicar com quem lhes apetece! …

Do nosso lado o Comandante da Companhia, sem sair detrás do enorme baga – baga, incitava ao ataque:
- Para a frente! Nós somos os melhores!...Agarrem-nos à mão, agarrem-nos à mão! Pago uma grade de cervejas a quem me trouxer um!

A resposta não se fez esperar. Alguém de entre nós gritou:
- Apanha-o tu, meu herói de merda!... De heróis mortos está o inferno cheio! … O capitão ficou pior que uma barata, mas, ao tentar indagar quem fora o engraçadinho, chocou com uma muralha de rostos fechados. Estávamos todos de acordo com o nosso camarada.

O fogo guerrilheiro acabou. De um momento para o outro, nem mais um tiro, e a mata voltou a mergulhar no mais absoluto silêncio. Parecia que nada se havia passado. Entretanto na Companhia, ia um verdadeiro pandemónio. Era difícil entender como nos deixamos surpreender daquele modo, estando emboscados, portanto com todas as vantagens do nosso lado. Fora um erro gravíssimo e, ao mesmo tempo estúpido, que nos custou caro e nos podia ter custado muito pior.

No chão, dois feridos bastantes graves, contorciam-se com dores e gemiam baixinho enquanto um enfermeiro lhes prestava os primeiros socorros.

Um com um tiro nas costas que só por milagre não lerpou. A bala atingira-o de raspão, passando-lhe por debaixo das costelas sem lhe atingir os pulmões, e saindo pelo ombro abrindo um enorme buraco.

O outro levara um tiro na mão direita e ficou com alguns dedos esfacelados. Ficaria deficiente para o resto da vida. A recuperação dos feridos tornara-se impossível de helicóptero, seria difícil aterrar no meio da mata, extremamente cerrada. Só restava uma solução. Regressar a Fá Mandinga com os feridos e de lá enviá-los de ambulância para o Hospital de Bafatá. Mas ao iniciar a marcha, novos problemas surgiram.

Faltava a secção do furriel Monteiro e os seus homens evaporaram-se sem deixar rasto.
Ficamos trespassados pela surpresa. Os nossos pensamentos eram unânimes naquele momento: - O furriel Monteiro deixara-se certamente apanhar pelos turras, com todos os seus homens. Que grande bronca! Como é que fora possível?

Ninguém se lembrava de o ter visto durante o combate, portanto devia ter sido aprisionado logo no início. Mas sendo assim, porque é que nem sequer gritara? …Entretanto o furriel Monteiro encontrava-se perdido na mata, com meia dúzia de homens. Não foram apanhados.

Fugiram simplesmente ao ouvir os primeiros tiros, abandonando o pelotão e levando atrás de si todos os homens sob o seu comando, pois estes ao ver o chefe cavar, não pensaram duas vezes e piraram-se com ele. O Comandante da Companhia estava resolvido a partir. Não podíamos ficar ali eternamente à espera, com dois feridos perdendo sangue, que enfraqueciam de momento a momento. Até Fá Mandinga eram mais de vinte quilómetros que teríamos de fazer a passo de tartaruga. O furriel Monteiro, conseguira estabelecer contacto rádio connosco. Ao ouvir a sua voz, através do emissor T.H.C. – 736, um suspiro de alivio.

Faltava agora que ele se juntasse a nós o que, numa situação de escuridão como aquela e sem qualquer ponto de referência, era pelo menos muito difícil.

Optámos pela maneira que nos pareceu mais fácil: disparámos espaçadamente alguns tiros para o ar, a fim de se poder orientar para a nossa posição.

Demorou mais de uma hora a chegar e com ele trazia outra vítima: O cabo Lagoa que, com o susto, perdera completamente a fala, que só passados mais de quatro meses recuperou. Esta fuga de um graduado da Companhia, logo na primeira operação na zona leste, deixou-nos muito desanimados e levou alguns de nós a pensar se, com homens assim, algum dia ganharíamos a guerra. Com a Companhia completa, iniciamos finalmente a marcha no regresso à bolanha de Sissau, cambança de Manssomine. Marcha penosa e lenta, pois um dos feridos teve de ser transportado às costas durante quase todo o caminho.

Demos por terminada a operação quando chegamos a Fá Mandinga cerca das 14.30 horas, completamente arrasados de nervos e cansaço, evacuando de seguida, os feridos para o Hospital de Bafatá.

Esta operação veio demonstrar-nos que os guerrilheiros do Movimento de Libertação , o PAIGC, não eram nada do que nos tinham feito acreditar na Metrópole, durante a instrução. Que não se borravam de medo a fugir dos Combatentes do Exército Português, mas que muito pelo contrário, nos atacavam e nos venciam com a maior das facilidades.

A Op Fareja Melhor serviu para compreender, que naquela guerra, nós iríamos ser mais patos do que caçadores.

Nota: Para a história da CCAÇ 2636 esta operação mereceu os seguintes comentários do Exmº. Comandante Interino do Batalhão de Caçadores 2856.:

“ Considera-se que a operação foi bem executada e conduzida. Oo Comandante da força executante, Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Medina e Matos, evidenciou desde a fase de preparação excepcional interesse e entusiasmo pela operação e conduziu-a com nítido espírito de missão revelando larga experiência de comando de tropas em operações”.