Mostrar mensagens com a etiqueta Mansabá. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Mansabá. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24922: Fichas de unidade (32): CCAÇ 15 (Bolama e Mansoa, 1970/74); divisa: "Taque Tchife" (Agarra à mão)

Crachá e brasão da CCAÇ 15 


Fichas de unidade > Companhia de Caçadores nº 15

Identificação: CCaç 15

Cmdt:

  • Cap Inf Manuel José Reis do Nascimento
  • Cap Inf Luís da Piedade Faria
  • Cap Mil Inf João Nuno Rocheta Guerreiro Rua
  • Cap QEO José Eduardo Marques Patrocínio
  • Cap Inf Idílio de Oliveira Freire
  • (oficial n/ identificado)
  • Alf Mil João António de Magalhães

Divisa: "Taque Tchife" (Agarra à mão)"

Início: 29Jan70 | Extinção: finais de Ju174

Síntese da Actividade Operacional

Foi constituída e organizada no CIM, em Bolama, com quadros e algum pessoal especialista metropolitano e o restante pessoal natural da Guiné, da etnia Balanta, sendo inicialmente designada por CCaç Balanta e tomando a designação de CCaç 15 a partir de 28Fev70.

 Após a instrução inicial, efectuou a IAO no CIM, em Bolama, de IS a 28Fev70.

Em 04Mar70, deslocou-se para Mansoa, a fim de substituir a CCaç 2857 na  função de intervenção e reserva do sector, tendo actuado em diversas operações na região de Locher-Changalana, na interdição da ligação Sara-Sarauol e na segurança e protecção de itinerários e dos trabalhos das estradas Mansoa-Bissorã e Jugudul-Bambadinca. 

Destacou ainda pelotões para reforço de outras guarnições, nomeadamente de Mansabá, de 08 a 25Nov70 e de Cutia, de 27Nov70 a finais de Mar71).

Em finais de Ju174, foi desactivada e extinta.

Observações - Tem História da Unidade até 31Mar72 (Caixa n." 130 - 2." Div/4." Sec, do AHM).

Tem 22 referências no nosso blogue. Na Tabanaca Grande temos dois camaradas que pertenceram à CCAÇ 15: o António Sampaio e o Joaquim Mexia Alves.

Fonte - Adapt de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 635
____________

Nota do editor:

domingo, 12 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24843: S(c)em Comentários (15): Ainda a propósito da Operação Jaguar Vermelho, levada a efeito entre 26MAI e 11JUN70, na Região do Morés, com a participação da CART 2732 (Carlos Vinhal)

Localização do MORÉS - Região do Oio - no triângulo formado pelos itinerários Mansoa-Bissorã-Mansabá-Mansoa
Infografia: © Luís Graça & Camaradas da Guiné

Recorte da pág. 486 do 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional - Tomo II - Guiné - Livro II da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974)


1. Ainda a propósito da Operação Jaguar Vermelho, levada a efeito entre 26MAI e 11JUN70, na Região do Morés, transcreve-se o constante nas páginas da HU da CART 2732:

DA HU DA CART 2732, CAP II / FASC 1 /PÁG 6 E 7:

26 DE MAIO DE 1970 - INÍCIO DA OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO"

Na 1.ª Fase, de 25 a 26MAI, 02 GCOMB emboscaram em MAMBONCÓ sem resultados.

Em 30MAI, a CART a 4 GCOMB reforçada com 01 SEC do PEL MIL 250, deslocou-se para a Regiãi de CÃ QUEBO. Ao entrar na mata de CÃ QUEBO, foram detectados 02 elementos IN armados. As NT abriram fogo sem que estes fossem atingidos. Fez-se uma batida a numerosos trilhos e vestígios da fuga IN. Montada uma emboscada sem resultado. Às 19h00 encontro com um grupo IN armado com armas aur. e mort. 60. As NT abriram fogo pondo em debandada o grupo IN, e, por ser escuro, não se efectuou batida.

Em 31MAI às 05H00 iniciou-se a batida à procura de casas de mato cuja localização aproximada se adivinhava. Em FARIM 1A5 encontradas 4 tabancas que foram destruídas, tendo sido apanhados 2 carregadores de arma aut. e material sem significado. Às 18H00, golpe de mão a um aldeamento com cerca de 100 casas, já abandonado, onde foram capturadas munições de armas ligeiras e utmsílios domésticos. Em FARIM 1A5 montou-se uma emboscada e apareceram 2 el IN que fugiram depois de as NT abrirem fogo sobre os mesmos. Fez-se uma batida e então o IN estimado em 2 grupos fortemente armados, emboscou as NT causando um ferido (milícia), e 1 praça do Pel Caç Nat partiu um dedo ao fazer fogo de morteiro.

Em 01JUN foi pedido fogo de artilharia pois ouviam-se vozes e tinha-se que passar a bolanha para o regresso a MANSABÁ onde se chegou pelas 15H00.

Na 2.ª fase, de 03 a 05JUN, 2 GCOMB montaram emboscada em FARIM 1F3 sem resultados.

Em 07, a Companhia a 4 GCOMB deslocou-se em meios auto para MAMBONCÓ. As NT dirigiram-se para BIGINE. Encontraram em seguida o trilho CAI-MORÉS que não tinha nenhuns vestígios de passagem. Montaram emboscada e pernoitaram na zona. No dia seguinte dirigiram-se a TAMBATO. Dirigiram-se depois à bolanha de MANSOA 9I3 para serem reabastecidos de água e fazerem a evacuação de 3 doentes. Cerca das 16H00 à ordem iniciaram o regresso à estrada CUTIA-MANSABÁ onde chegaram às 17H30.

Posição relativa de Mansabá-Cã Quebo-Bigine e Cai. © Infografia da Carta de Farim 1:50.000 (Luís Graça & Camaradas da Guiné)
____________

Notas do editor

Vd. poste de 9 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24836: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (16): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Operação "Jaguar Vermelho", de 26 de Maio a 8 de Junho de 1970 na região do Morés

Último poste da série de 10 de Novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24838: S(c)em Comentários (14): Os fulas, que se alistaram nas forças armadas portuguesas, valorizavam o dinheiro, mas nunca perdiam de vista o mais importante que eram objectivos políticos a longo prazo (Cherno Baldé, Bissau)

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24830: Fotos à procura de... uma legenda (178): Mansabá e a sua placa toponímica, com lista em diagonal, bicolor, encarnada e verde, cores da Bandeira Nacional...

Guiné > Região do Oio > Mansabá > 1970 >  Placa toponímica assinalando a entrada de Mansabá para quem vinha de Cutia

Foto (e legenda):   © Carlos Vinhal (1970). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A foto acima foi reproduzida no poste P24828 (*) com um lapso: "placa toponímica assinalando o fim da localidade de Mansabá"...

O Valdemar Queiroz, o nosso campeão do passatempo "Veja se é bom observador", não deixou escapar,  como sempre, aquilo que lhe parecia que não bater a bota com a perdigota, e zás, comentou: 

(...) Mais uma fotografia interessante e surrealista. Não só a placa de trânsito está mal colocada, deveria estar colocada no lado esquerdo, como ao contrário virada para a tabanca que ficou para trás." (...) | 7 de novembro de 2023 às 23:04

O Carlos Vinhal, que lá fez umas férias naquele aprazível "resort" turístico da Guiné, Mansabá, entre 1970 e 1972, e que é o dono da foto-recuerdo, veio a terreiro "defender a sua dama":

(...) "Caro Valdemar, tens (e não tens) toda a razão. A placa toponímica, e não de trânsito, da foto, assinala a entrada de Mansabá para quem vinha do Sul, Cutia, e se dirigia para norte, Farim. A fazer fé no Luís, se a legenda é minha, na altura eu devia estar sob efeito de alguma substância ilícita" (...) |  de novembro de 2023 às 10:06
 
E fez um esclarecimento adicional: 

(...) Aquela faixa em diagonal não quer dizer fim de localidade, trata-se de uma lista bicolor encarnada e verde, cores da Bandeira Nacional.(...) | 8 de novembro de 2023 às 10:16

O editor LG comentou, por sua vez,  desfazendo o equívoco:

(...) Valdemar e Carlos, não tenho aqui o livro do Mamadu Djaló (vim a Lisboa), não posso confirmar, mas pelo que vejo na cópia digital que me mandou o Virgínio Briote, a foto tem a seguinte legenda: "FOTO 103: Mansabá, vista aérea da povoação e aquartelamento. Foto de Carlos Vinhal, ex-Furriel Mil."

Trata-se de uma gralha, obviamente, que eu não sei se foi corrigida antes da impressão do livro... A legenda, no poste, era pois da minha autoria ("placa toponímica assinalando o fim da localidade de Mansabá")...  

Devia ter visto com mais atenção a foto, e  consultado o Carlos Vinhal, mas ele já fez o favor de corrigir, e muito bem: "Guiné > Região do Oio > Mansabá > Placa toponímica assinalando a entrada de Mansabá para quem vinha de Cutia" (...) .8 de novembro de 2023 às 12:50


2. Mas agora é altura de lançar um desafio aos nossos leitores: 
  • alguém mais tem fotos destas, de placas toponímicas com lista em diagonal, bicolor,  encarnada e verde, cores da Bandeira Nacional...?  
  • qual o seu significado? 
  • nasceu de uma bizarria das autoridades locais, civis e/ou militares?
  • era uma reafirmação do portuguesismo das gentes da terra? 
  • ou uma provocação aos "vizinhos" do Morés? 
Talvez o Carlos Vinhal possa dar mais um eslcarecimento adicional... (**)


Carlos Vinhal (ex-fur mil, at art, MA, CART 2732, Mansabá, 1970/72)  junto à placa toponímica que assinala a entrada de Mansabá para quem vem de Cutia. Na placa, em diagonal, a lista com as cores encarnada e, supostamente, verde, representativas da Bandeira Portuguesa. E na coluna pode ler-se: "CART 2732"...


Foto (e legenda)  © Carlos Vinhal  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
_____________


(**) Último poste da série >  25 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24586: Fotos à procura de... uma legenda (177): Foto do Abílio Duarte, tirada talvez pelo Cândido Cunha, em Fasse, Paunca: (i) "Furriel com um bebé ao colo"; (ii) "O capitão pode ser o chefão disto tudo, mas é o furriel que me dá a pica cá no sitio"; (iii) "Os furríeis podem ser os mais garbosos, mas quem me trazia as sobras eram os da ferrugem", etc. (Valdemar Queiroz / Chernmo Baldé / Carlos Vinhal / Eduardo Estrela / Luís Graça)

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24828: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVIII: um centro de instrução de Comandos em Mansabá, nas barbas do PAIGC, às portas do Morés


Guiné > Região do Oio > Mansabá > Placa toponímica assinalando a entrada de Mansabá para quem vinha de Cutia


Guiné > Região do Oio > Mansabá > c. 1970/72 > Vista da tabanca.  

Fotos (e legendas)  © Carlos Vinhal  (1970). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Oio > Farim > c. 1969 / 71  Nas margens do Cacheu, em Farim.

Foto (e legenda)  © Carlos Silva (1970). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não  lhe permitaram ultimar.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra)M

(xxii) assalto ao Irã de Caboiana, com a 1ª CCmds Africanos, e o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor;

(xxiii) vamos vê-lo a dar instrução a futuros 'comandos' no CIM de Mansabá, na região do Oio, no primeiros meses do ano de 1973, e a fazer algumas extras (e bem pagas) com o grupo do Marcelino, aoi serviço do COE, que era comandado pelo major Bruno de Almeida; mas não nos diz uma única sobre essas secretas missões; ao fim de 12 anos de tropa, é 2º sargento e confessa que está cansado...


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVIII:

 Um centro de instrução de Comandos em Mansabá, nas barbas do PAIGC, às portas do Morés 

No final de 1972, eu era 2º sargento,
estava com muitos anos de guerra, sentia-me muito cansado

Num dia daqueles entrei no gabinete do major Almeida Bruno, comandante do Batalhão de Comandos, e pedi-lhe que me transferisse para uma companhia africana. Depois de olhar para mim, mandou chamar o 1º sargento e pediu-lhe o meu processo.

Começou a folheá-lo e, uns momentos depois, mandou chamar o tenente Jamanca. Nisto entrou o Marcelino da Mata [1] e, logo a seguir o Jamanca.

O major, dirigindo-se ao Jamanca, perguntou-lhe porque é que ainda não tinha sido entregue o meu processo de promoção. Como o Jamanca ficou calado, o comandante voltou a fazer a pergunta e o Jamanca continuou calado. Nessa altura, o Marcelino disse que no batalhão já se vendiam os postos e que era por isso que não gostava de lá estar [2].

O comandante não ficou muito satisfeito com esta saída do Marcelino e mandou-o estar calado.

Amadu, vais ser oficial. E a questão do vencimento vai resolver-se.

Uma semana depois, talvez, estava na cantina quando me chamaram ao telefone.

−Amadu, sabes com quem estás a falar?

Eu não reconheci a voz e respondi que não, que não sabia quem me estava a telefonar.

− É do Comando-Chefe, é o Ramos[3]!

− Olá. meu capitão, está bom?

E, depois começámos a falar, até que me convidou a ir ter com ele.

Fui sem demora. Quando o vi, ele perguntou-me se eu queria escolher um furriel e dez soldados, que fossem da minha total confiança e passasse a sair com ele[4], para o mato.

Nesse mesmo dia chamei o furriel Facene Sama. Eu gostava do Facene, tanto como se fosse meu filho. Disse-lhe:

− Escolhe dez homens da tua completa confiança e apresenta-te na parada com eles, com as vossas armas e mais dois RPG2 e uma HK 21. Quando estiverem prontos, chama-me. Entretanto, fui buscar a minha arma, os equipamentos e um rádio AVP 1.

O grupo já estava formado quando me dirigi ao encontro deles. Passei-lhes revista, inspeccionei as armas e os respectivos equipamentos e disse-lhes que estivessem prontos para saírem no dia seguinte às 07h30.

No dia seguinte, começámos a sair com o Marcelino da Mata e com o capitão paraquedista Ramos. Por cada saída eu recebia mil escudos e o furriel e os soldados quinhentos.

Estas acções duraram três a quatro meses, com uma a duas saídas por semana, ao mesmo tempo que me mantinha nos Comandos em Brá e saía sempre que o meu grupo estava escalado.

Tive conhecimento que ia haver um curso em Mansabá, logo nos inícios de 1973. Eu andava muito cansado e, quando vi o meu nome na lista de instrutores, pedi para me trocarem. Quando teve conhecimento do meu pedido, o capitão Matos Gomes mandou-me chamar.

− De que é que eu estou cansado, meu capitão? De tantas correrias, de marchas forçadas!

− Não vais correr, Amadu, quem corre são eles, tu vais mandar, vais controlar as corridas e as marchas.

Três dias depois, lá fui eu, outra vez, numa coluna de viaturas, para Mansabá. Chegámos atrasados, já passavam das 16 horas. Tinha havido um acidente com alguns feridos, na curva de Nhacra, logo a seguir à povoação.

Eu levei a minha mulher e o Braima Baldé e o Bailo Djau também levaram as deles. Depois de chegarmos fomos procurar alojamentos.

No dia seguinte começou o curso[5]. Nos três primeiros dias comemos muito mal, não havia carne. Não estávamos a passar muito bem e, então fui falar com o capitão, comandante da companhia, a ver se nos podia arranjar carne.

Que havia um homem, chamado Malan, que matava o gado e que, quando precisavam de carne, falavam com ele.

Eu, o alferes Carolino Barbosa e os sargentos Braima Bá e Bailo Djau andámos de casa em casa, à procura do homem até que o encontrámos sentado na varanda. Cumprimentou-nos mas não nos mandou entrar.

Quando lhe fizemos o pedido, disse que não, que só mataria com a autorização do capitão. Nós dissemos-lhe que tinha sido o capitão que nos tinha indicado o nome dele, mas mesmo assim recusou, dizendo que o capitão tinha que falar directamente com ele.

Vimos um furriel ali perto, dentro de um jipe e pedimos-lhe que transmitisse ao capitão que estávamos ali por causa da carne, mas que o homem dizia que só na presença do capitão é que o caso se podia resolver.

Não demorou muito, chegou um jipe com um alferes que, a mando do capitão, disse que o homem podia matar vacas para o nosso consumo. No dia seguinte, de manhã, tínhamos a carne que precisávamos. E á tarde, quando estava com o capitão Matos Gomes perguntei-lhe se era possível organizar uma coluna para Farim. Porque eu tinha parentes lá, que tinham muito gado. Arranjava pastor, trazia-o para Mansabá e era capaz de arranjar carne de vaca a 11 escudos o quilo.

Saímos no dia seguinte, de manhã, em coluna, e ainda não eram 11h00 já estávamos em Farim. Contactei os parentes, juntámo-nos à beira dos correios, falei-lhes do que precisava, começámos a negociar e chegámos a acordo. E pedi para eles me arranjarem também alguém, voluntário, que fosse comigo para Mansabá.

O gado estava numa bolanha ali perto. Ajudaram-me a escolher vinte e duas vacas e depois atravessámos o rio, ao encontro da coluna que estava na outra margem do rio Cacheu.

A partir dessa altura, passámos a fornecer a carne à companhia, a uma cantina e à serração. Quando abatíamos uma vaca dividíamos a carne.

No decorrer da instrução de comandos havia quase sempre azares. No curso que estávamos a dar[6], um soldado[7] de meu grupo foi atingido mortalmente por um colega e um outro foi ferido na prova individual[8].

Num dia em que o capitão Matos Gomes se tinha deslocado a Mansoa, saímos para fora do arame farpado e andámos na mata. O nosso capitão ainda não tinha regressado mas, como estava no programa do curso, jantámos à pressa para nos prepararmos para a instrução nocturna.

O alferes[9], que o nosso capitão tinha deixado a substituí-lo, perguntou-nos o que íamos fazer.

− Vamos sair para a instrução nocturna.

− Não me responsabilizo pela saída do quartel, à noite. Só quando o nosso capitão vier[10]!

Contrariados, porque a instrução nocturna fazia falta, fomos aos quartos mudar de roupa. Depois dirigi-me a casa do padre da Mesquita, que era meu amigo. Estivemos a conversar e, quando chegou um homem que o vinha visitar também, despedi-me e comecei a dirigir-me para o quarto. Quando estava quase a entrar na estrada alcatroada, de um momento para o outro vi o céu muito claro e logo a seguir tiroteio à volta do arame farpado. O fogo de armas automáticas e os rebentamentos não me deixavam regressar para o quartel.

Decidi voltar a casa do padre. Quando cheguei, vi-a a arder, de uma ponta a outra. Voltei para a Mesquita e encontrei muita gente lá dentro, militares europeus e outras pessoas. Como não havia bombeiros, alguns militares vieram do quartel com água. Toda a gente tentava apagar o fogo, que tinha tomado conta da casa.

Quando o PAIGC cessou o ataque, soubemos que tinham sido atingidas mortalmente três pessoas, um casal idoso e um rapaz[11].

Voltaram a atacar o aquartelamento quando o curso estava a terminar. Desta vez, utilizaram armas pesadas, mas tiveram pouca pontaria, as granadas caíram todas fora do quartel e da povoação.

No final do curso, regressámos a Bissau e começámos os preparativos para o treino operacional que iria começar com uma das maiores operações de comandos. Quase 500 homens, o batalhão inteiro, comandado pelo major Almeida Bruno. 

(Continua)
_________

Notas do autor e/ou do editor VB:

[1] Nota do editor: Marcelino da Mata, na altura 2º sargento, chefiava o grupo “Os Vingadores”, sediado na Amura, que dependia do COE, comandado pelo major Almeida Bruno.

[2] O ambiente entre nós nem sempre foi o melhor. Havia rivalidades étnicas que se cruzavam com os problemas que ocorriam em qualquer unidade militar.

[3] Nota do editor: capitão António Joaquim Ramos, paraquedista, em missão no COE do Comando-Chefe

[4] A missão era levar a efeito assaltos a acampamentos IN, juntamente com o grupo “Os Vingadores” do 2º. sargento Marcelino da Mata.

[5] Nota do editor: foi o primeiro curso realizado em Mansabá. Os anteriores tinham sido realizados em Fá Mandinga. A ideia de Mansabá partiu do major Almeida Bruno, para marcar a diferença relativamente ao anterior, pois este era o primeiro curso realizado sob a responsabilidade do Batalhão de Comandos da Guiné, criado em 2 de novembro de 1972. A ideia era estabelecer um Centro de Instrução de Comandos e a localização tinha a ver com a situação operacional. Era um desafio ao PAIGC, um centro de instrução de Comandos nas barbas do Morés.

[6] Nota do editor: em 21 abril 1973.

[7] Nota do editor: Saranjo Baldé, durante a limpeza da sua arma, segundo a versão oficial.

[8] Prova individual, numa pista de combate no exterior do quartel, com obstáculos e progressão com tiro real.

[9] Nota do editor: alferes da 35ª CCmds, comandante de um grupo de combate.

[10] A instrução nocturna era feita habitualmente na zona da pista, na direcção da estrada para Bafatá, ou nos terrenos junto à estrada Mansabá-K3-Farim. Aproveitava-se, assim, a instrução para criar instabilidade no PAIGC.

[11] No quartel caíram várias granadas e um foguete de 122 abriu um buraco na parede do bar.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 22 de outubro de  2023 > Guiné 61/74 - P24780: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVII: assalto, da 1ª CCmds Afriicanos, com o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor, ao irã da Caboiana, em outubro de 1972

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24490: Tabanca Grande (550): João de Jesus Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que se vai sentar no lugar 878 do nosso poilão

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, João de Jesus Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), enviada ao Blogue no dia 15 de Julho de 2023:

Boa tarde Carlos Vinhal
Sou leitor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné desde as primeiras publicações - ainda como "FORANADA.BLOGSPOT.COM - mas nunca me decidi em colaborar no mesmo.

Como ultimamente, o Luís Graça se vem queixando da falta de colaboradores e publicações para "alimentar" o Blogue, resolvi oferecer a minha colaboração.

Para isso, estive a reler a história da minha Companhia e a relembrar as várias situações e "estórias" vividas naquelas terras vermelhas, quentes e chuvosas.

Desdobrei a história da minha Companhia em várias partes, para não ficarem muito "pesadas" e levarem os nossos camaradas a desistirem da leitura antes de chegarem ao final.

Já tenho a história da minha COMPANHIA DE CAVALARIA 2721 em emails individualizados.
Só preciso que me informes a data a partir da qual posso começar a enviar-te para publicação.
Pensei em mandar um email por semana, para não ficar muito maçador.

Se concordares com este prazo, diz-me o dia de semana que preferes que envie.

Votos de saúde.
Abraço.
JOÃO MOREIRA
Ex-Furriel Miliciano


********************

2. No mesmo dia foi enviada resposta ao João Moreira

Caro João:
Muito obrigado pelo teu contacto e pela tua disponibilidade para aderires à nossa tertúlia, não para seres mais um, mas prometendo desde já colaborar "forte e feio" com as tuas memórias.
Na verdade estamos muito necessitados de sangue novo, não forçosamente em idade, mas de camaradas que queiram deixar, na nossa página, as suas memórias, escritas e fotográficas, destinadas a serem consultadas pelos nossos vindouros e pessoas que, de alguma maneira, queiram ler os testemunhos, na primeira pessoa, de quem "por lá" andou e sofreu na pele as consequências de uma guerra que não quis.

As tuas memórias militares começarão quando e como quiseres. A recruta foi o nosso começo mas o fim, esse parece vir só com o fim da nossa existência. Estás à vontade para começares até na inspecção militar.

A periodicidade para o envio e publicação dos teus textos e fotos, será conforme queiras, mas acho que semanalmente não estava mal.

Não esqueças que de ti queremos saber: o nome, posto, especialidade, unidade, datas de ida e volta da Guiné, locais de acção, etc.

As fotos que enviares deverão ser acompanhadas por legendas (à parte), onde constará a identificação dos retratados (caso não vejas inconvenientes nisso), data, local e situação. Quando as quiseres intercalar nos textos, ou as colocas tu, ou fazes uma nota no local para nós as localizarmos durante a edição.

Deves mandar as tuas coisas, sempre para: luis.graca.prof@gmail.com e para mim, carlos.vinhal@gmail.com, para assim teres a certeza de que eu e/ou o Luís vai ler.
Vamos fazer uma prévia apresentação tua à tertúlia, pelo que podes aproveitar para aí começares a contar a tua vida militar e outros pormenores que aches que possamos saber de ti, por exemplo, formação académica, profissão, etc.

Acho que o essencial está dito, mas estou sempre por aqui para qualquer dúvida.

Recebe um abraço do camarada, de há muito, e amigo desde hoje
Carlos Vinhal


********************

3. Nova mensagem do camarada João Moreira ainda no mesmo dia:

Carlos e Luís Agradeço a aceitação do meu pedido de inscrição no grupo.
Em resposta ao Carlos Vinhal, informo que tomei nota das tuas sugestões.
Comunicar-vos-ei os elementos que sugeriste. Não garanto que seja hoje, mas se se proporcionar ainda informo neste fim se semana. Se não puder, envio durante a próxima semana.

Informo-vos que enviarei um email por semana, para publicação e que neste ritmo posso tenho stock para mais de um (1) ano.

Abraço e bom fim de semana.

JOÃO DE JESUS MOREIRA
FURRIEL MILICIANO (porque não quis virar as divisas)

João Moreira na actualidade

********************

4. No dia 16 recemos a mensagem em que o nosso novo amigo, João Moreira, faz um resumo do seu percurso militar:

Boa tarde Carlos e Luís,

As sugestões do Carlos Vinhal, iriam ser satisfeitas ao longo das publicações que irei enviar.

De qualquer forma e para fazer a minha apresentação vou enviar os dados que o Carlos Vinhal sugeriu.

Chamo-me JOÃO DE JESUS MOREIRA-

Nasci no dia 05 de Junho de 1946, no lugar do Candal, freguesia de Santa Marinha, concelho de Vila Nova de Gaia.

Tirei o Curso Geral do Comércio na Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Gaia.
Fiz a Secção Preparatória para o Instituto Comercial, na Escola Oliveira Martins, no Porto.
Fiz a admissão e frequentei o Instituto Comercial do Porto mas não acabei o curso.

Fui trabalhar na secção de peças duma empresa Comercial do Porto, que entre outras actividades também vendia máquinas industriais.

Com o desenvolvimento dessa secção foi criado um departamento de contabilidade só para esse sector e eu fui transferido para a contabilidade até ir para a tropa.

Quando vim do ultramar fui reintegrado na secção de peças, que passei a chefiar e a ser o gestor de stocks.

Na vida militar fui furriel miliciano com a especialidade de atirador de cavalaria. Também tirei a especialidade de Minas e Armadilhas, em Tancos.

Em Janeiro de 1969 fui para Estremoz para formar batalhão para a Guiné, mas não embarquei por estar internado no Hospital Militar de Évora.

Quando tive alta do Hospital Militar vim gozar os 10 dias da mobilização para ir ter com a minha Companhia que estava em Ingoré. Ao 2.º ou 3.º dia recebi um telefonema do 1.º sargento da secretaria do RC 3 de Estremoz, a dizer para regressar ao quartel, porque tinha sido desmobilizado.

Fiquei lá até Dezembro de 1969, data em que fui transferido para o RC 4, em Santa Margarida, para formar a Companhia de Cavalaria 2721, novamente para a Guiné.

Embarquei no T/T Carvalho Araújo, no dia 04 de Abril de 1970, ou seja já tinha sido incorporado há 27 meses (21 meses de tropa efectiva mais 6 meses das 2 especialidades perdidas. Já era furriel desde Janeiro, embora ainda não me tivessem promovido.

Fui para o Olossato, que tinha um destacamento no Maqué. Ficavam na estrada Mansoa, Bissorã, Olossato, Farim. No final de Maio de 1971, metade da Companhia foi para Nhacra e a outra metade, onde estava o meu grupo de combate, só fomos no dia 09 de Junho.

Ao princípio da noite sofremos um ataque (penso que foi o primeiro ataque a Nhacra). Em Nhacra também passei pelos destacamentos de Dugal e Ponte de Ensalmá.

Regressamos num avião dos TAM, no dia 28 de Fevereiro de 1972.

Curiosamente o Vinhal foi e veio nos mesmos transportes, 2 semanas depois de eu ter ido, e esteve também na mata do Oio. Estávamos a cerca de 10 quilómetros de distância, em linha recta, com o mítico MORÉS, no meio.

Nhacra, 1971 - João Moreira

Reprodução, com a devida vénia, da pág. 512 do 7.º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), publicação do Estado-Maior do Exército.

********************

5. Comentário do Coeditor CV:

Caro amigo, e camarada de armas, João Moreira, como prometi, estás apresentado formalmente à tertúlia.
Tens reservado para ti o lugar 878 do nosso poilão.

Acho que sabes que tens na tertúlia um companheiro da tua CCAV 2721, o ex-Alf Mil Op Esp, Paulo Salgado, que escreveu o livro "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor". Não sei estiveste na apresentação aqui no Porto.

Temos, como disseste, um percurso quase paralelo na Guiné, vocês embarcaram para lá no dia 4 de Abril de 1970, indo no "Carvalho Araújo", e nós no dia 13 do mesmo mês, no Porto do Funchal, no navio "Ana Mafalda". Fomos quase vizinhos, Olossato e Mansabá não ficavam asssim tão distantes, fazendo as duas localidades parte do "empreendimento turítico" do Morés.
Se a tua Companhia substituiu em Abril, no Olossato, a CCAÇ 2402 do BCAÇ 2851, a minha substituiu também em Abril, mas em Mansabá, a CCAÇ 2403 do mesmo batalhão.

Apesar de tudo, a CCAV 2721 teve mais sorte porque em Maio/Junho de 1971 se mudou para um local bem mais pacífico, Nhacra, enquanto a 2732 aguentou estoicamente, em Mansabá, até Fevereiro de 1972, chorando ainda a perda de dois camaradas, em Janeiro, na zona de Mamboncó, um dos carreiros de e para o Morés. A CCAV 2721 regressou a casa em 28FEV72 e a CART 2732 só em 19 de Março.

Ah! Ainda mais uma coincidência, temos ambos uma "pós-graduação" em Minas e Armadilhas.
Posição relativa do Morés, uma importante base estratégica do PAIGC. © Infografia Luís Graça & Camaradas da Guiné

A tua Companhia a partir do Olossato, e a minha, em Mansabá, foram forças activas no Plano de Operações Faixa Negra, que tinha como missão o apoio logístico e manter a segurança aos trabalhos de asfaltamento da estrada Mansabá-Farim, obra reatada no Bironque, até à margem esquerda do rio Cacheu. As nossas Companhias faziam parte das chamadas Forças de Intervenção, a minha integrada no Sub-Agrupamento "M", juntamente com a CCP 122, 2 GCOMB/CCP 121, mais 1 Pelotão(-) do EREC 2641. A tua 2721 fazia parte do Sub-Agrupamento "O", juntamente com a CCP 121(-) mais 21.º PelArt (10,5).

Posição relativa do Bironque na estrada Mansabá-Farim. © Infografia Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Ainda a propósito da tua ida tão tardia para a Guiné, e uma vez que já terias tempo suficiente para a promoção a Furriel Miliciano, antes do embarque, nunca chegou a sair à ordem a tua promoção a 2.º Sargento? Éramos mesmo muito mal tratados, no fim do curso de sargentos promoviam-nos(?) a cabos, e quando tatingíamos o tempo para promoção a 2.ºs sargentos, esqueciam-se de nós.

Como o poste já vai longo, resta-me deixar aqui um abraço de boas-vindas em nome dos editores e da tertúlia.

Estamos por aqui sempre disponíveis para qualquer dúvida que tenhas em relação ao funcionamento do Blogue, e já que nos indicaste a tua data de nascimento, a menos que não queiras, terás direito ao nosso singelo postalinho de aniversário. CV

____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24275: Tabanca Grande (549): As "fotos da praxe" do cor inf ref Mário Arada Pinheiro, que completou 90 anos em 12/12/2022... Foi 2.º cmdt do BCAÇ 2930 (Catió, 1971/73) e Cmdt do Comando Geral de Milícias (1973)

sexta-feira, 31 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24179: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte VIII: Tabanca e destacamento de Cutia, na estrada Mansoa-Mansabá


Foto nº 1 >  
Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia, que ficava do lado esquerdo da estrada Mansoa-Mansabá


 Foto nº 1A >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia (detalhe: o fortim)


 Foto nº 2 >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia: vista geral


Foto nº 2 >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia: em primeiro plano, o espaldã0 do morteiro 81
 

Foto nº 3 >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa) > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Destacamento de Cutia: o espaldã0 do morteiro 81

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Padre José Torres  Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71). Desta vez tendo por tema o destacamento de Cutia, que ficava a meio caminho entre Mansoa e Mansabá.

A oganização e a seleção das fotos são feitas pelo seu amigo e nosso camarada Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa), tendo passado depoos pela Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (Fev 1970/Dez 1971). (É médico, foi diretor do Hospital de Tomar, 6 anos, de 1990 a 1996, e diretor clínico cumulativamente 3 anos, de 1994 a 1996; viveu em Abrantes; hoje vive em Tomar.)

O José Torres Neves é missionário da Consolata, ainda no ativo. Julgamos que já fez, em 2022, os 86 anos. Vive num país africano de língua oficial portuguesa. Esteve no CTIG, como capelão de 7/5/1969 a 3/3/1971. Os capelães eram, em geral, graduados em alferes, não eram portanto oficiais milicianos. Um ou outro podia do quadro.

As fotos (de um álbum com cerca de 200 imagens) estão a ser enviadas, não por ordem cronológica, mas por localidade, aquartelamentos ou destacamentos do sector de Mansoa.

Estas são as primeiras de um lote sobre o destacamento (e a tabanca) de Cutia. Temos 35 referências a Cutia.

Há uma história passada com outro capelão, o saudoso padre Mário da Lixa (1937-2022), que merece ser recordada: é do tempo de outro batalhão, o BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68). O Mário de Oliveira, capelão por escassos 4 meses, veio dizer missa a Cutia e no regresso uma das viaturas da esc0lta teve um acidente... Leiam depois o resto no poste P1946 (**).


Guiné  > Carta geral da província (1961)  Escala 1/500 mil  > Posição relativa de Cutia a meia distância entre Mansoa e Mansabá


Guiné > Região do Oio > Carta de Mambonco (1954) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Cutia (a nordeste de Mansoa), na estrada para Manboncó e Mansabá,

Infografia: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné (2023)
__________

Notas do editor:

quinta-feira, 30 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24178: Memórias de Luís Cabral (Bissau, 1931 - Torres Vedras, 2009): Factos & mitos - Parte V: O "making of" do "Labanta, Negro!", um filme italiano, de Piero Nelli (1926-2014), a preto e branco, de estética tardo-neorrealiista, e que serviu que nem uma luva à propaganda do PAIGC

"Labanta, Negro!" > Fotograma, 38m 28 s > A despedida do realizador italiano Piero Nelli


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 30m 58 s > 11 de fevereiro de 1966 > 6h30 > Partida para a emboscada às obras da TECNIL na estrada Mansoa-Mansambá


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 31m 21 s >  A preparação da emboscada do PAIGC à força que fazia a segurança às obras da estrada Mansoa-Mansabá,  a cargo da TECNIL


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 32m 06s >  A preparação da emboscada do PAIGC à força que fazia a segurança às obras da estrada Mansoa-Mansabá,  a cargo da TECNIL


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 32m 58s >  A emboscada do PAIGC à força que fazia a segurança às obras da estrada Mansoa-Mansabá,  a cargo da TECNIL


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 30m 31s >  Panfleto, manuscrito, convidando os militares portugueses  à deserção: "Amigo desconhecido: Com este papel podes estar seguro do teu bom acolhimento em caso de deserção". Assinado: PAIGC.


"Labanta, Negro!" > Fotograma, 37m  21s > "Quartel-General do Norte"> 13 de fevereiro de 1966 > As despedidas...  À  italiana?

Fotogramas do documentário de Piero Nelli (1926-2014), "Labanta, Negro! " (Itália, 1966, 38' 43''). O filme ganhou o prémio do melhor documentário do ano no Festival de Veneza. Filmado a preto e branco, nas zonas controladas pelo PAIGC  (no Oio), na então Guiné portuguesa, de 2 a 15 de fevereiro de 1966, é um documentário de estética tardo-neorrealista, que o partido do Amílcar Cabral soube explorar habilmente como "arma de propaganda".  

Segundo a CECA (2014, pág. 372) (*), "o ano de 1966 foi considerado pelo PAIGC como o ano da informação, tendo desenvolvido uma intensa e bem orientada campanha de propaganda 'visando esclarecer a opinião pública mundial com testemunhos irrefutáveis'. Para tal estiveram no Boé e em Quitafine vários jornalistas e cineastas africanos, franceses, americanos, ingleses, italianos, holandeses e soviéticos que produziram artigos e filmes - documentários sobre aspectos da luta e do nível de realizações sócio-económicas do PAIGC, que mais tarde deram origem a publicações nas editoras francesa 'Maspero'
e americana 'Africa Report«, entre outras".

Por lapso, a CECA não menciona a visita desta equipa italiana, à região do Oio, o que nos parece lamentável... No nosso blogue, já tinha havido duas anteriores referências a este filme, talvez o mais famoso dos que se fizeram durante a guerra  (**).



"Labanta,Negro!" > O filme serviu objetiva e intencionalmente a propaganda do PAIGC:  foi apresentado pelos autores como um "diário de paz e de guerra" (sic), filmado entre 2 e 15 de fevereiro de 1966, tendo por protagonistas os guerrilheiros da "província portuguesa do ultramar" da Guiné Cabo-Verde (sic, como se fora um só território)... O documentário (que não tem qualquer perspetiva crítica, é claramemnte "engagé", deliberadamente "militante" ou "não independente") foi, além disso, acolhido pelo Comité de Descolonização da ONU, reunido em Argel, de 16 a 21 de junho de 1966, "como prova testemunhal sobre a situação" da colónia da Guiné Cabo-Verde (sic).

Edição (e legendagem): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da publicação de notas avulsas de leitura do livro "Crónica de Libertação", de Luís Cabral (**):

O documentário "Labanta, Negro!", filmado na região do Oio, entre 2 e 15 de fevereiro de 1966, por dois cineastas italianos 

No início de 1966, Luís Cabral (LC) está em Dacar, é o responsável pela supervisão da Frente Norte, cabendo-lhe a missão de tentar melhorar as difíceis relações do Senegal com o PAIGC, ao tempo em que os homens de Amílcar Cabral (AC) ainda não tinham “livre trânsito” no pais de Senghor, estando acantonados apenas em Dacar e em Ziguinchor.

É então contactado pelo cineasta italiano Piero Nelli, que queria fazer um documentário sobre a “luta de libertação”. Vinha acompanhado do seu operador de câmara Eugenio Bentivoglio (pág. 259).

LC, depois de contactar o irmão, AC (não fazia nada sem o seu consentimento) e o Osvaldo Vieira, comandante militar da Frente Norte, dirigiu-se à base do Morés, acompanhado dos dois italianos. Eram três dias de viagem, com cambança (sempre perigosa) no rio Farim…

Ali, no Oio, era o chão dos oincas, “mandingas e islamizados” (sic) (pág. 260), com uma forte tradição de resistência contra o colonizador: recorde-se as “campanhas de pacificação” do capitão Teixeira Pinto, o “capitão-diabo”, em 1913-1915, por exemplo.

Em 1962, “o ano da grande repressão” (sic), as populações do Morés, cercadas pelas tropas coloniais, e sem armas para se defenderem, tiveram de se refugiar no Senegal. A “base central” do Morés era, por isso, mítica para o PAIGC (e de algum modo também para as tropas portuguesas).

A base, que o LC conhecia pela primeira vez, “estava situada num terreno irregular, onde pequenas saliências aqui e declives ali ofereciam uma certa proteção contra os bombardeamentos” (pág. 261).

O Morés estava rodeado de “oito quartéis” do inimigo, um dos quais Farim, apenas separado pelo rio do mesmo nome. Chico Mendes era o comissário político. Osvaldo Vieira o comandante militar da região (e aquele que LC conhecia melhor, dos tempos de Bissau: desde a adolescência, trabalhava na Farmácia Moderna, de que era diretora técnica a dra. Sofia Pomba Guerra, conhecida opositora do regime salazarista). O Inocêncio Cani, de etnia bijagó, o futuro “matador” de AC, era o responsável pela base. LC encontrou-se com ele pela primeira vez. Notou que, em relação a ele, LC, o Cani mostrou “um comportamento algo reservado” (pág. 261). Também conheceu nessa altura o Simão Mendes, “responsável da saúde” (pág. 262), que viria, nesse ano, a ser vítima mortal de um bombardeamento da base.

Apesar da receção calorosa que ele e os cineastas italianos tiveram no Morés, o LC não deixa de experimentar um sentimento de isolamento e desconforto: “quando eu decidia mandar chamar um ou outro camarada que conhecia bem, ficava com a sensação de que ele não estava à vontade, parecia ter medo de qualquer coisa” (pág. 262).

LC irá constatar, algum tempo depois, que a “disciplina rigorosa” que prevalecia na base, por alegadas razões de segurança, implicava também o recurso (frequente) a “castigos corporais”, a única maneira de prevenir a deserção de populações e guerrilheiros.

LC ficou impressionado com uma cena que observou, de um grupo de um dezena de homens e de uma mulher com o filho ao colo. Os homens tinham as mãos inflamadas das palmatoadas que acabavam de receber, castigo de que escapara a mulher por causa da criança (uma vez que a tinha de transportar).

LC terá ficado indignado, argumentando que o AC nunca aprovaria o uso de “castigos corporais”, prática que associava ao colonialismo. O Osvaldo Vieira “insistia que a nossa gente não compreendia outra linguagem e que o Amílcar era bom de mais” (sic)… e que não se agissem assim, com dureza, quer em relação aos combatentes, quer em relação à população, nos casos de infração às regras estabelecidas, “estavam perdidos” (sic) (pág. 265).

É uma delícia, esta explicação, a do Osvaldo Vieira, deitando por terra o “mito” das “regiões libertadas”…

Nas páginas 262-264, LC descreve, com algum detalhe e sentido de humor, as peripécias das filmagens do futuro documentário italiano “Labanta, Negro!”…

O Pierro Nelli (1926-2014) era um “antigo partisan das guerrilhas antifascistas”, na Itália de Mussolini e da ocupação nazi. Tivera conhecimento da luta do PAIGC, “ocasionalmente”, em Dacar. E estava agora entusiasmado com o que via nas florestas do Oio, e “altamente emocionado” pelo interesse e carinho com que o recebiam nesta visita. Viria a tornar-se “um admirador do nosso Partido” (pág. 262).

LC explicou-lhe que “na nossa terra não tínhamos montanhas para nelas instalar bases de guerrilha”… e que o Amílcar, seguramente (en)levado pelo “mito “ da Sierra Maestra, da ilha de Cuba, “dissera desde o início da luta que as nossas florestas seriam as nossas montanhas” (pág. 262).

De qualquer modo, ao deslocar-se na floresta o duo italiano tinha sempre alguém que ia à sua frente a assinalar ou remover os obstáculos, um tronco caído, uma cova mais funda, uma pedra, um ramo de árvore mais inclinada…

No plano de filmagens estava incluída uma sequència de guerra: “o encontro com as forças inimigas ia ser filmado, na estrada Mansoa-Mansabá, cujos trabalhos de alcatroamento avançavam com muita dificuldade, sob a protecção do exército colonial”.

Os cineastas ficaram a cem metros da estrada. Chegaram antes do romper do dia. Ficaram instalados “de maneira a ter bem claro na objectiva da câmara o ângulo onde deviam actuar os nossos camaradas já emboscados” (pág. 263).

A tropa, “apoiada com carros de assalto” (sic) (deveriam tratar-se de simples autometralhadoras Daimler, coisa que o LC não sabia distinguir), chegou primeiro que os operários, os técnicos e as suas viaturas (a empresa deveria ser a TECNIL onde, mais tarde, em 1977 irá trabalhar, como topógrafo, o nossso camarada António Rosinha).

Por inexperiência ou azar (para não dizer “nabice”), o operador de câmara ficou virado para oriente, donde vinham os primeiros raios de sol: 

(…) “Os reflexos desta perfurante luminosidade na objetiva da câmara cinematográfica fez com que ela fosse localizada pelo destacamento inimigo alguns segundos antes dos primeiros tiros da emboscada cuidadosamente preparada pelos nossos combatentes” (pág. 263).

Face ao intenso fogo que, de imediato, se desencadeou, de um lado e do outro, os cineastas tiveram que se retirar “precipitadamente” do local, “só tomando o fôlego quando se sentiram fora do alcance das armas inimigas” (pág. 264).

Na precipitação da retirada, o realizador perdeu o seu magnetofone, mas um dos guerrilheiros voltou depois ao local para o recuperar.

O aparelho registara os sons dos tiros produzidos durante a confrontação. E o operador também “registara imagens ao acaso, durante a retirada”, inadvertidamente, com a câmara ligada… É uma das sequências mais notáveis do filme de 38 minutos: “uma sequência plena de vida e de arte”, acrescenta o LC.

O operador de imagem, Eugenio Bentivoglio, não se cansava, já no regresso à base, de falar do medo, “la grande paura”, que experimentara, o maior de toda a sua vida, enquanto o realizador se mostrava mais calmo: pertencente a uma geração mais velha, conhecera a guerra e os seus horrores.

E num comentário, algo “naif” mas não menos fanfarrão, o LC (que nunca foi grande combatente, diga-se de passagem) acrescenta: a seu lado (do Piero Nelli), e ainda debaixo de fogo, “o comandante Joaquim Furtado (…) chamava a sua atenção para a beleza dos patos selvagens que esvoaçavam a alguns metros do lugar onde passavam, afastando-se do perigo iminente que vinha do lado da estrada” (pág. 264).

No dia seguinte, e para despedida do LC e dos seus amigos italianos, tudo acabou em bem, com um “grande comício” em que tomaram a palavra o Osvaldo Vieira e o Chico Mendes (tido por grande orador).

O Piero Nelli “chorou” ao deixar o Morés, garante o LC. E mais disse: que com o seu filme, o realizador italiano “ ia procurar ser o mais fiel possível, para transmitir ao espectador europeu que, como ele, nada sabia sobre a nossa luta, os sentimenmtos que vivera tão intensamente no nosso pais “ (pp. 266/267).

E arremata o LC:

 “Parece que conseguiu. O seu filme, ‘Labanta Negro’, título de um poema do cabo-verdiano Dambará (***), poeta das ilhas, recitado em Morés por um dos alunos, foi premiado com o Leão de Ouro do Festival de Veneza, como o melhor documentário do ano” (pág. 267).

Visto à distância de mais de meio século, parece ser um vulgar filme de propaganda, de estética tardo-neorrealista, que já não faz chorar ninguém…O realizador é incapaz do necessário distanciamento afetivo e do espírito crítico que deve ter o cinema documental… E a voz “off” do narrador, monocórdica, parece a de um (mau) locutor de serviço.

2. 
 O filme "Labanta Negro" (1966) (38' 44'')  em italiano, com falas em crioulo, está disponível no You Tube, na conta Archivio Audiovisivo del Movimento Operaio e Democratico, desde 21/03/2019.

Ficha técnica: Labanta Negro! 

Cópia integral: https://goo.gl/Q7PCy2 

Realização: Piero Nelli. 

Produção: Reiac Film, Itália. 

Ano: 1966. 

Duração: 38' 44''.

Aconselha-se a ver o documentário com as legendas em italiano, que são geradas automatiocamente (vd. definições). E uma vez que a narração é muita rápida, é preferível optar por uma reprodução mais lenta).

Sinopse (adapt. do italiano por LG): 

Em crioulo "Labanta, Negro!" (1966) significa "Levante-te, negro!". O filme, pensado como um diário, quer ser um testemunho da luta pela independência da colónia portuguesa da Guiné, a partir dos "territórios já libertados" (caso do Morés, por exemplo), onde a guerra e a actividade militar coexistem com a criação das primeiras estruturas de uma sociedade civil africana que se organiza na floresta, nas aldeias, nas savanas. 

O filme mostra, entre outras coisas, as "aldeias destruídas pelos bombardeamentos portugueses"  e os restos de um avião, um T6,  abatido em 1963 . 

Algumas sequências são dedicadas a uma reunião do PALGC, onde Luís Cabral intervém sobre a "luta de libertação"; também é registrado o depoimento de Osvaldo Vieira, comandante do Exército do Norte. As imagens de um confronto com uma patrulha portuguesa na estrata de Mansoa-Mansabá, em 11/2/1966, e do posterior regresso dos guerrilheiros à base do Morès (uma dramática sequência entre os minutos 30 e 34) encerram o documentário. 

Este documentário foi recebido pelo Comité de Descolonização da ONU, reunido em Argel, como prova testemunhal sobre a situação da "província ultramarina portuguesa" da "Guiné Cabo Verde" (sic).

No texto acima, seguimos as memórias do Luís Cabral para sabermos algo mais sobre o "making of" do filme, que teve na altura algum sucesso e contribuiu bastante levar a luta do partido de Amílcar Cabral (AC) ao conhecimento do público europeu, nomeadamente em Itália.  O filme teve alguma projeção, ao ganhar o prémio para o melhor documentário no Festival Internacional de Cinema de Veneza de 1966.
___________

Notas do editor:

(*) Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pág. 372.

(**) Vd. postes:



(***)  Kaoberdiano Dambará era o pseudónimo literário do poeta, escritor e advogado, cabo-verdiano,  lcenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, Felisberto Vieira Lopes (Santa Catarina, Santiago, 1937 – 2020), 


(...) Vieira Lopes/Kaoberdiano Dambará é uma personalidade marcante, única e incontornável da literatura e da advocacia cabo-verdiana. Escolheu-se aqui homenageá-lo apresentando as publicações onde ele assina com o pseudónimo poético revolucionário, escritas em fases marcantes da sua vida: Noti (1964), fase de euforia e de engajamento na luta pela independência; e A saída da Crise não é pelo Anteprojecto da Constituição (1980), fase de desencanto e de combate ao regime de partido único instaurado no país com a independência. (...)

(...) "Noti": Livro de poemas em crioulo, edição do Departamento da Informação e Propaganda do Comité Central do PAIGC, França 1964, com introdução de Ioti Kunta (pseudónimo de Jorge Querido), é uma das obras poéticas mais representativas da poesia engajada na luta de libertação da Guiné e Cabo Verde. (...)