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segunda-feira, 26 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22405: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte IV: Lendas mancanhas


Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág, 23)






1. Transcrição das págs. 23 a 27 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato > Lendas e contos 
da Guiné-Bissau

[Foto acima: o autor, Carlos Fortunato, foi fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga]


Lendas mancanhas (pp. 23-27)


Apesar de correntemente ser utilizada a designação mancanha para esta etnia, considera-se que o termo adequado é a designação brame.

Crê-se que pertencem ao mesmo ramo étnico o brame, o manjaco e o papel, face aos seus costumes e características linguísticas (14).

Uma das lendas sobre a sua origem, conta que quando os portugueses chegaram aquelas paragens e querendo saber o nome da etnia que ali vivia, fizeram essa pergunta a um dos habitantes.

- Mancanha - respondeu ele, pensando que lhe estavam a perguntar o nome.

E foi assim que nasceu a etnia mancanha.

Na verdade, naquela zona existem muitas pessoas com esse nome, pois é usado quer como nome próprio, quer como apelido.

***

Outra lenda conta que, numa das guerras entre os portugueses e os manjacos, havia um homem de nome “Mancanha” que era amigo dos portugueses e que estes muito estimavam.

Quando os portugueses chegaram a uma tabanca (aldeia), os habitantes da mesma disseram que eram da família dos “Mancanha”, e por isso foram muito bem tratados. Ao saberem disto as outras tabancas
passaram todas a dizer o mesmo.

- Eu sou da família mancanha - diziam eles e bastava ouvir-se a palavra mancanha, para logo serem deixados em paz.

Assim começaram a “nascer” tabancas mancanhas, e foi assim que nasceu a etnia mancanha, segundo esta lenda.



Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág. 24)

***

A lenda mais bonita sobre a origem desta etnia, é uma história de amor.

Segundo esta lenda, ela teve origem num escravo mandinga de nome Braima, e numa jovem de nome Bula, a qual era filha de um poderoso senhor de guerra de etnia fula.

Braima e Bula sabiam que o seu amor era impossível, e por isso fugir era a única solução, para conseguirem ficar juntos.

Os jovens sabiam que os riscos de uma fuga eram muitos e que na terra dos seus antepassados, não havia um lugar onde se pudessem esconder, pois o pai de Bula não iria perdoar aquela afronta, e enviaria os seus guerreiros em sua perseguição.


Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág. 25)


O Império mandinga de Cabú tinha sido destruído pelos fulas, e o seu poder chegava quase a todo o lado, mas não chegava às terras dos manjacos.

Os reinos manjacos eram orgulhosos da sua independência, e nã aceitariam qualquer exigência exterior, além disso estavam longe e fora do alcance dos reinos fulas. Os manjacos não estavam em guerra nem
com fulas, nem com mandingas, e Braima e Bula esperavam ali serem  bem recebidos.

O caminho de fuga implicava contudo, atravessarem as terras dos aguerridos balantas, onde corriam o risco de serem mortos, mas eles sabiam, que isso também iria fazer parar os guerreiros, que o pai de
Bula enviaria na sua perseguição.

Contra tudo e contra todos, Braima e Bula fugiram, sendo imediata mente perseguidos pelos guerreiros do pai de Bula, mas conseguirachegar às terras dos balantas, e tal como tinham previsto os  perseguidores pararam e abandonaram a perseguição.

Braima e Bula continuaram a sua fuga, abrindo caminho através dezonas de mato denso, para não serem  istos, e assim depois de muitas privações, conseguiram finalmente chegar à terra dos manjacos.
O casal iniciou a construção da sua tabanca, em terras abandonadas, perto ao rio Mansoa, mas que ficavam a pouca distância das terras dos alantas, o que os obrigou a estarem sempre alerta.


Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág. 26)


Os filhos que nasceram, e as boas relações com os manjacos, permitiram-lhes fazer crescer a sua povoação, pois a eles se juntaram homens e mulheres manjacas.

À pequena aldeia, Braima deu o nome de Bula, como demonstração do grande amor que sentia pela sua mulher, Bula. A aldeia tornou-se um Reino, e o filho mais velho de Braima fundou depois a povoação de , a qual passa a ser também um Reino, mas vassalo de Bula.

Bula cresceu imenso, sendo hoje uma localidade importante. Segundo esta lenda, a designação de brame para esta etnia, tem origem no nome de Braima.


Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág, 27)


[Adaptação, revisão/fixação de texto e inserção de fotos e links para efeitos de edição deste poste no blogue: LG]
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Nota do autor:

(14) Mancanhas - pag. 54 de “A Babel Negra”, refere-se que “... é de crer que, produtos dum mesmo ramo étnico, tenha surgido o brâme, o manjaco e o papel.”, na pag. 34 da “História da Guine I”, René Pélissier refere-se que “Quanto aos Manjacos, 71.000 em 1950, levantam um problema de identificação porque, até aos anos 1910, senão mais tardiamente ainda, os Portugueses designam na maior parte (os que vivem no interior das terras, entre o rio Cacheu e o rio Mansoa) pelo nome de PAPÉIS, reservando o nome MANJACO às zonas costeiras
desta mesma região.”


2. Como ajudar a "Ajuda Amiga" ?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com
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segunda-feira, 15 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19979: Notas de leitura (1198): “Estratégias de Vivência e de Sobrevivência em Contextos de Crise: Os Mancanhas na Cidade de Bissau”, por Mamadú Jao; Nota de Rodapé Edições, 2015 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Na esteira de um conjunto de estudos que interrogam as capacidades de vivência e sobrevivência em meio rural e urbano perante a ausência do Estado e a degradação das condições de vida, Mamadú Jao, um antropólogo que foi Diretor do INEP e que trabalha presentemente para Fundo das Nações Unidas para a População questiona a etnia Mancanha e as suas estratégias de vivência e de sobrevivência, oferece-nos um estudo onde fica claramente realçado o papel da mulher na coesão socioeconómica dos agregados familiares.
O Estado é frágil, é incapaz de cuidar dos seus mais necessitados, é nestas estratégias de sobrevivência que reside a perdurabilidade dos valores da Nação.

Um abraço do
Mário


Resistir à crise em Bissau: as estratégias dos Mancanhas (2) 

Beja Santos

“Estratégias de Vivência e de Sobrevivência em Contextos de Crise: Os Mancanhas na Cidade de Bissau”, por Mamadú Jao, Nota de Rodapé Edições, 2015, corresponde a um estudo de uma etnia e de uma etnicidade confrontando um processo social dentro de um Estado frágil e num tempo em que se fala de globalização e desenvolvimento global – afinal, há organizações civis de sociedades que asseguram aquilo em onde o Estado e as promessas globais estão ausentes.

Já se apresentou a Guiné-Bissau, a problemática do desenvolvimento e a história do povo Mancanha. Vamos agora observar a sua organização económica e crenças e o funcionamento das sociétés Mancanhas em Bissau (recorde-se que sociétés é sinónimo de organizações de base comunitária).

A estrutura social Mancanha é baseada nos escalões etários e na linhagem. Têm uma organização política do tipo vertical, com um régulo no vértice, seus colaboradores, chefes de tabanca e o resto da população. Em Mancanha Nasí é o régulo, tem como principal função velar pelo bem-estar do povo, ele é o primeiro a iniciar o corte de palha para a cobertura das habitações, recorre-se a ele para exercer justiça e os mais necessitados contam com a sua benevolência para a resolução de diferentes problemas sociais. Os Mancanhas vivem maioritariamente de uma economia de subsistência, dispõem de uma agricultura do tipo itinerante e outra do tipo intensivo. São animistas. Na Guiné-Bissau coexistem diversas crenças e práticas religiosas, os Mancanhas cabem nas chamadas religiões tradicionais. Há investigadores que centram a área cultural Mancanha na região do Cacheu, para o autor, o Chão dos Manjacos na província Norte da Guiné-Bissau engloba também os Papéis, e por isso prefere chamar-lhe Chão Brâme, o que significa que abarca Manjacos, Mancanhas e Papéis, os três grupos étnicos que partilham uma base cultural comum. Qual o ponto fulcral das crenças Mancanhas? O autor responde:  
“ As forças sobrenaturais, as únicas detentoras de habilidades de fazer o bem e o mal, não agem se não a pedido de um outro homem. Esta maneira de encarar a vida dos homens constitui a principal ideia força que orienta a vida dos elementos que hoje se identificam com o grupo étnico Mancanha”.
Mamadú Jao explana os ritos, os cultos, os diferentes intervenientes, descreve o espiritismo, o choro e o toca-choro (momento cerimonial animista para se celebrar quando morre algum familiar).

No seu trabalho, Mamadú Jao destaca o programa de ajustamento estrutural como o momento de viragem para a expansão do setor informal. Este programa chegou à Guiné ainda nos anos 1980, teve como consequência a degradação das condições de vida das populações, grande desemprego, reduções drásticas dos salários. Por exemplo, um estudo sobre a situação de consumo das famílias em Bissau, realizado em 1991, indicava que 55% das famílias em Bissau consumia, em média, uma refeição e meia por dia. Um outro estudo, realizado em 2008, sobre a égide da UNICEF, indicava que 17% dos cerca de 743 inquiridos em todo o território nacional só consumia uma refeição por dia e 49% duas refeições. Houve que encontrar alternativas para a sobrevivência: mulheres bideiras, solidariedade de grupos paroquiais ligados às igrejas, entre outras. É neste ponto que o autor nos dá o ambiente de negócio e a fileira de alguns produtos comercializados. Há dois sistemas mercantis: o tipo de entreposto, baseado nos comerciantes proprietários de empresas formalizadas; e o sistema multivalente, composto por pequenos empresários. A economia transacionada gravita à volta do caju, arroz, produtos florestais, oleaginosas, peixe, frutas e vegetais. Estes sistemas têm deficiências, e é nestas frestas que se dá a expansão do setor informal.

Citando o investigador Philip Havik, recorda-se que os povos pré-coloniais já tinham sistemas de troca e intercâmbio, comércio de longa distância, comércio do tipo entreposto e até setor informal. Este setor é hoje muito vasto, no mercado de Badim encontram-se comerciantes a vender cosméticos e artigos de beleza, têxteis, produtos alimentares de toda a natureza. O autor dá atenção às bideiras:
“Bideira deriva de bida, vocábulo em crioulo da Guiné que, por sua vez, deriva do vocábulo português vida. Bideira designa mulher que vende algo para ganhar a vida”.
E quem são as bideiras? São originárias de meio urbano, originárias do Norte e Leste. E o autor esclarece:  
“A maior presença das mulheres pertencentes às etnias do Norte e Leste no mercado explicava pela longa tradição de emigração masculina destas regiões, situação que faz com que as mulheres assumam, pelo menos temporariamente, a responsabilidade do sustento da família. No essencial as bideiras ocupam-se do escoamento de produtos de produção local das zonas de produção para Bissau. A venda de arroz em caneca, em lugares fixos, representa o maior negócio para os produtos importados”.
É no comércio de comida que ganha relevo a verdadeira estratégia de sobrevivência para um número considerável de famílias: “Peixe, frutas, sobretudo”.

Mamadú Jao descreve as fontes de financiamento do setor informal e entra no coração do seu estudo: as sociétés Mancanhas em Bissau, detalha a vida Mancanha nos bairros Belém, Luanda e Calequir, comenta a composição étnica, os escalões etários e as ocupações profissionais. E aproveita para discretear os equívocos à volta do conceito de desenvolvimento:  
“Alguns estudiosos acusam a África de recusar o desenvolvimento, não se dando conta que o problema reside no próprio modelo de desenvolvimento proposto aos africanos. Em nosso entender, o interesse em estudar a natureza das subculturas resultantes do choque dos valores externos com os valores locais. Este tipo de estudos é importante sobretudo porque pode contribuir para o aprofundamento dos conhecimentos sobre a natureza das relações entre o tradicional e o moderno na África contemporânea”.
Ao longo deste estudo Mamadú Jao apercebeu-se da coexistência de elementos de tradição cultural dos Mancanhas com elementos das instituições do tipo moderno. Desenvolve um modo de funcionamento das sociétés Mancanhas, as relações de poder no interior das mesmas, os domínios de intervenção e as diferentes estratégias.

Nas conclusões, o antropólogo releva que a cultura Mancanha tem uma ampla abertura aos elementos de outras etnias, dada a sua natureza sincretista, as sociétés aposta na diversificação de atividades mas a sua sobrevivência passa pela dispersão (emigração) e por ações de solidariedade entre a cidade e o campo. A parte positiva das sociétés é a de contribuírem para o reforço da coesão interna dos seus membros e de dinamizar as relações de ajuda mútua nos momentos de dificuldade.
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Notas do editor

Poste anterior de 8 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19958: Notas de leitura (1194): “Estratégias de Vivência e de Sobrevivência em Contextos de Crise: Os Mancanhas na Cidade de Bissau”, por Mamadú Jao; Nota de Rodapé Edições, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 12 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19972: Notas de leitura (1197): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (14) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19958: Notas de leitura (1194): “Estratégias de Vivência e de Sobrevivência em Contextos de Crise: Os Mancanhas na Cidade de Bissau”, por Mamadú Jao; Nota de Rodapé Edições, 2015 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Tive a felicidade de conhecer o Dr. Mamadú Jao em 2010, em visita ao INEP, de que era diretor, entreguei-lhe uma lembrança valiosa que me for transmitida pelo nosso confrade Humberto Reis: todas as cartas da Guiné Portuguesa, na escala de 1:50.000, as cartas com que trabalhávamos. O INEP ainda não se recompusera da tragédia da guerra civil, por ali se tinha aboletado a tropa senegalesa, que se aquecia com fogueiras alimentadas com documentos históricos, perda irreparável do património guineense, até os livros à venda estavam chamuscados.
Este trabalho do antropólogo dá-nos uma visão particular das respostas de organizações tradicionais num contexto de crise aguda em que as mulheres são as grandiloquentes protagonistas.

Um abraço do
Mário


Resistir à crise em Bissau: as estratégias dos Mancanhas (1)

Beja Santos

“Estratégias de Vivência e de Sobrevivência em Contextos de Crise: Os Mancanhas na Cidade de Bissau”, por Mamadú Jao, Nota de Rodapé Edições, 2015, corresponde a um estudo de uma etnia e de uma etnicidade confrontado um processo social dentro de um estado frágil e num tempo em que se fala de globalização e desenvolvimento global – afinal, há organizações civis de sociedades que asseguram aquilo em que o Estado e as promessas globais estão ausentes.

Estudar os Mancanhas, como vivem e sobrevivência num país profundamente instável, tem outros aliciantes: alargar o debate sobre a sociedade civil até entender o real desempenho das sociedades étnicas e como estas ajudam a superar os fracassos cumulativos de modernização. Mamadú Jao é um nome proeminente nas ciências sociais da Guiné-Bissau, é antropólogo, foi investigador do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau durante mais de duas décadas, exercendo mesmo as funções de diretor. Foi professor universitário e atualmente é oficial do Fundo das Nações Unidas para a População. De há muito que se sentia aliciado para um estudo sobre as sociétés Mancanhas, as organizações informais de base comunitária. Reparou que os diferentes técnicos associados a programas de desenvolvimento rural não conheciam este tipo de organizações, que ele considera uma lacuna que prejudica qualquer projeto de desenvolvimento.

Tratando-se de uma obra de caráter científico, organiza a sua obra com a seguinte estrutura: a vida socioeconómica da Guiné-Bissau; debate à volta de conceitos para a abordagem do tema em estudo, tais como desenvolvimento, etnia, setor formal/informal, pobreza, crise, capital social, rural/urbano, entre outros; análise dos aspetos relacionados com a vida socioeconómica e política dos Mancanhas; análise do contexto socioeconómico criado na Guiné-Bissau com a adesão do país ao Programa de Ajustamento Estrutural; exame das formas concretas de ação da população Mancanha na cidade de Bissau que serviram de atenuantes face à difícil situação económica e social que a Guiné-Bissau vem enfrentando há décadas, o enfoque centra-se sobre as sociétés, um nome genérico a que os Mancanhas dão às suas organizações de base comunitária.

O investigador começa por nos dar o quadro geral do país, desde a caraterização socioeconómica e política, aprecia a situação política nas zonas libertadas e no período da independência com bastante detalhe, questiona o modelo de desenvolvimento para concluir que as diferentes propostas políticas desde a independência até à liberalização redundaram em fracasso.

Segue-se um capítulo dedicado à problemática do desenvolvimento e dos conceitos que lhe gravitam à volta, trata-se de um enquadramento teórico rigoroso e abrangente onde o autor aborda o desenvolvimento alternativo, o desenvolvimento participativo, o desenvolvimento sustentável, o desenvolvimento humano e o desenvolvimento solidário. Nesta aceção, revela estratégias possíveis de vivência e sobrevivência, o papel da economia informal, o binómio rural-urbano, e dentro desta linhagem de conceitos chegamos à etnia onde ele se detém em várias definições de que há vantagem em mencionar duas, a de Anthony D. Smith: “… existe grupo étnico na medida em que este é designado, ou se designa a si mesmo, por um nome colectivo, em que possui uma história comum, uma mesma cultura, a mesma religião, uma mitologia própria, uma noção de solidariedade, uma referência ou um território…”; e a de estudiosos da antiga União Soviética, para os quais as etnias “representam grupos humanos consolidados, que se criaram ao longo da história num território determinado e que possuem características linguísticas, culturais e psíquicas comuns e relativamente estáveis, assim como a consciência de si (a consciência da sua identidade e da diferença em relação a todas as demais formações similares fixadas num nome de designação colectiva)”.

Feito este enquadramento, chegamos à história dos Mancanhas. André Álvares de Almada, na sua obra “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde”, de 1594, abre luz ao grupo étnico Brâme ou Buramo, confinam com os Felupes, povoando uma região do rio de S. Domingos. Deste antigo grande tronco Brâme derivaram Manjacos, Mancanhas e Papéis. Estudiosos do tempo da Guiné Portuguesa referiram a existência das localidades do território Brâme, correspondentes a povoações que ao tempo davam pelo nome de Pelundo, na atual região dos Manjacos, e Bula e Có onde existe uma elevada percentagem de Mancanhas. Para o autor o processo de desintegração do “império” Brâme terá começado nos últimos anos do século XIX. Há dados sobre as transações comerciais no território Brâme, são conhecidas as suas feiras. E o autor observa: “Este tipo de feiras semanais, também conhecidas como lumo, não só continua a existir na Guiné-Bissau, mas também expandiram-se vastamente por todo o território nacional. Contudo, o funcionamento de algumas dessas feiras sofreu algumas alterações. Por exemplo, na região dos Brâmes (Manjaco, Mancanha e Pepel), verificaram-se alterações em algumas localidades. É o caso de Bula (região dos Mancanhas). Antigamente o dia de lumo variava todas as semanas – por ordem decrescente, entre o primeiro e o sexto dia; atualmente, fixou-se o sábado como dia de lumo. Já em Canchungo (região dos Manjacos) mantém-se a regra antiga: a rotatividade através dos seis dias da semana e por ordem decrescente".

O autor assevera que as explicações sobre a origem e a história étnica dos Mancanhas baseia-se ainda muito em contos e lendas e exemplifica com trechos saborosos. O espaço Mancanha está confinado à atual superfície do setor administrativo de Bula, que representa cerca de 15% do território da região de Cacheu e 3% da superfície da Guiné-Bissau. No censo da população de 1950, a percentagem dos Mancanhas era de cerca de 5%, atrás, por ordem de importância das etnias Papel, Mandinga, Manjaco, Fula e Balanta. O autor dá-nos igualmente conta dos fluxos migratórios nacionais e internacionais, causas da emigração, e assim chegamos à organização sociopolítica deste grupo étnico.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19949: Notas de leitura (1193): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (13) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19215: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (61): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica [ACAP], do QG / CCFAG - III (e última) Parte


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 ( Bambadinca) > Xime > Cais fluvial do Xime >1970 > 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) >  Ao centro, em segundo plano, de óculos escuros e boné azul (da FAP),  o fur mil op esp., Humberto Reis, cujo grupo de combate estava encarregue de escoltar o transporte de milhares de rachas de cibe, desembarcadas no cais do Xime, e destinadas ao reordenamento de Nhabijões, um dos maiores da época (iniciado com o BCAÇ 2852, 1968/70, e continuado com o BART 2917, 1970/72)... 

Já não nos lembramos quantas rachas de cibe levava uma casa... Só a estrutura do telhado, com cobertura de folha de zinco, deveria levar pelo menos umas 20... Mais outro lado, para suportar o telhado ao longo do varandim a toda a volta.. O total de casas em construção era de 350, fora os equipamentos coletivos ou sociais...  Na altura falava-se que cada racha de cibe ficava ao exército em 7$50 (sete pesos e meio)... Um total de 15 mil rachas de cibe,  é nossa estimativa do material transportado do Xime para Nhabijões, com um custo direto de mais 100 contos.  (A preços de hoje, seria qualquer coisa como 30 mil euros)... Fora as chapas de zinco, as portas e janelas, as ferragens, o cimento... O resto, a mão de obra (civil e militar), os transportes, a segurança, etc.  era de borla. Tudo em nome de uma "Guiné Melhor"... Ao que consta, o sucessor de Spínola não terá tido a mesma abundância de dinheiro para continuar a fazer a "psico"... 

O PAIGC não gostou da brincadeira: em 13 de janeiro de 1971, as NT acciona duas potentes minas A/C à saída do reordenamento, de que resultaram 1 morto e bastantes feridos graves... Em outubro de 1973,  ela primeira vez na história da guerra, o grande reordenamento de Nhabijões, de maioria balanta, foi flagelado, ao mesmo tempo que o destacamento do Mato Cão;

Nhabijões, no subsetor de Bambadinca, era então um importante aglomerado habitado por gente com parentes no "mato", e que era tradicionalmente considerado, antes do reordenamento,. como um conjunto de núcleos habitacionais ribeirinhos "sob duplo controlo".  Só a CCAÇ12 (, baseada em soldados do recrutamento), deu 1 alferes, 1 furriel e 1 cabo (metropolitanos) e 1 soldado (guineense) para integrar a equipa técnica do reordenamento de Nhabijões... E destacava periodicamente militares para a sua defesa... E os Nhabijões foram "regados com o nosso sangue"...

Estima-se que, entre 1969 e 1974, as Forças Armadas no CTIG tenham construidos 8 mil casas, no total das tabancas reordenadas... Admitindo que cada casa, com chapa de zinco, levasse pelo menos 50 rachas de cibe, temos um total de 400 mil rachas de cibe, com um custo de 3 mil contos (, a preços de 1972  representariam hoje mais de 700 mil euros...).  Os ministros da Defesa, do Ultramar e das Finanças tramaram a política spinolista "Por Uma Guiné Melhor"...

Quer se goste ou não, há uma Guiné antes e depois de Spínola... Quando ele chega em meados de 1968, o território tinha 60 quilómetros de estrada alcatroada... Cinco anos depois, são 550 km. No ano escolar de 1970/71, a tropa administra127 das 298 escolas primárias do território, ou seja cerca de 43%., O resto eram as escolas oficiais , como a de Bambadinca (30%)  e as escolas das Missões Católicas (27%)... Spínola deixa o território com uma criança em cada três, em idade escolar, a frequentar a escola... O despotismo iluminado de Spínola foi uma ameaça série ao PAIGC... Mas homens como Spínola ou Sarmento Rodrigues foram exceções na história da administração do império colonial português...


Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto ( reordenamento, com o quartel à direita, em primeiro plano) nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz (*)

Foto: © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Região de Tombali > Cufar > Matofarroba > Tabanca > 1973 > O alf mil inf Luís Mourato Oliveira, da CCAÇ 4740 (Cufar, 1973) (à direita do condutor)  e o alf mil médico (, o condutor do jipe,  e cuja identidade desconhecemos) em visita ao reordenamento feito pelas NT e pela população.  Matofarroba ficava nas proximidades de Cufar, a cerca de 2/3 km.

Foto: © Luís Mourato Oliveira  (2016) Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Capa da brochura "Os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações". Província da Guiné, Bissau: QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné]. Repartição AC/AP [, Assuntos Civis e Acção Psicológica]. s/d.

Foto: © A. Marques Lopes / António Pimentel (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na sequência do poste P19196 (**), decidimos reproduzir o documento supracitado, que nos chegou, em tempos, pela mão dos nossos camaradas António Pimentel e A. Marques Lopes, e que já foi publicado, no nosso blogue em 2007 (***) , com revisão e fixação de texto do nosso coeditor Virgínio Briote.  

Esta é a III (e última) Parte (****). Esperamos que o A. Marques Lopes que nos confirme: (i) o número de páginas da brochura (em princípio, 9 páginas(; e (ii) se o texto foi publicado na íntegra na altura. Uma ou outra palavra está ilegível. A resolução da imagem dos mapas (nºs 1 e 2) precisa de ser melhorada.

Por outro lado, estamos a  pedir aos nossos leitores, amigos e camaradas da Guiné, que nos disponibilizem textos, fotografias e outros documentos sobre os reordenamentos populacionais. Tanto quanto sabemos, não há trabalhos académicos publicados sobre este tópico. Muitos de nós estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, nos reordenamentos populacionais no TO da Guiné, nomeadamente no tempo do Com-Chefe e Governador Geral António Spínola (1968-1973).

Gostávamos de poder fazer um levantamento de todos os reordenamentos populacionais realizados ma Guiné, durante toda a guerra. E idenficar os nossos camaradas que integraram as equipas técnicas dos reordenamentos (graduados e praças) (, caso. por exemplo, do Luís R. Moreira) e que no BENG 447 planearam, coordenaram, apoiaram e/ou supervisionaram a construação de reordenamentos (caso,. pro exemplo, do Fernando Valente Magro).


Reprodução do documento [Revisão e fixação de texto: VB / LG].
   
IMPORTÂNCIA SOCIAL E ECONÓMICA DOS REORDENAMENTOS (pag. 6/9) (Continuação)

5. Não devendo em princípio existir um carácter de obrigatoriedade quanto à deslocação das populações das suas tabancas para um aldeamento, a não ser que o interesse comunitário superiormente o determine, há que empregar meios persuasivos quando se encontre alguma resistência. Para se criar ...[ilegível]

Esquematicamente vemos, assim:

Antes da construção:

  • auscultação das populações (indirecta, directa); 
  • auscultação e elucidação do Chefe da Tabanca; 
  • auscultação e elucidação do Guarda de Irã;
  • auscultação e elucidação das autoridades religiosas islâmicas.

Durante a construção:

  • garantir a autoridade constituída; 
  • garantir, tanto quanto possível, os interesses da localização dos aglomerados correspondentes às antigas tabancas, dentro do plano urbanístico; 
  • respeitar os usos e costumes das populações;
  • colaborar no transporte de todos os haveres das populações deslocadas;
  • interessar as populações na construção das casas, escolas, postos sanitários, etc., permitindo e desenvolvendo o sentimento de posse. 

6. A forma mais prática de se assegurar o deslocamento das populações para os reordenamentos é criar nelas a necessidade desse reordenamento. Para isso é necessário elucidá-las dos benefícios que vão auferir e garantir os seus desejos quanto a aspectos respeitantes aos seus usos e costumes. Será de toda a conveniência o conhecimento das suas motivações religiosas e étnicas. 

Nos quadros anteriores já foi feito um esquema suficientemente desenvolvido. Em novo quadro, indicar-se-ão as principais motivações a explorar para um útil e efectivo trabalho de consciencialização das populações.

1.BENEFíCIOS SOCIAIS

  • melhores casas;
  • escolas;
  • postos de socorros; 
  • assistência médica; 
  • água.

2. BENEFíCIOS ECONÓMICOS

  • melhores lavras;
  • celeiros colectivos;
  • mercado para escoamento da produção; 
  • lojas.

ISLAMIZADOS

Fulas

  • construção de mesquitas;
  • difundir a religião; 
  • os régulos governarão melhor com toda a população junta; 
  • os fulas têm de voltar a ser senhores dos seu "chão" que o IN quer roubar;
  • os antepassados foram valentes. 

Mandingas

  • construção de mesquitas;
  • difundir a religião; 
  • os chefes poderão dirigir melhor; 
  • as novas tabancas poderão ter lojas e fazerem comércio para terem riqueza; 
  • os antigos foram valentes e têm de os saber imitar.

ANIMISTAS

Balantas

  • terão maior protecção dos Irãs; 
  • o Balanta terá a liberdade na tabanca e no mato, que o IN impede; 
  • o Balanta vai deixar de ser escravo do IN; 
  • os Balantas juntos têm força para exterminar o IN;
  • haverá sempre muita fartura. 

Manjacos

  • terão maior protecção dos Irãs; 
  • juntos terão muita força;
  • impedirão o roubo de mulheres quando estiverem juntos; 
  • poderão fazer comércio;
  • cada família poderá ter os seu Irã. 

Brames
  • terão maior protecção dos Irãs; 
  • o régulo governará melhor; 
  • vão ter mais vacas para estrumar as terras e para o choro; 
  • os Brames não terão necessidade de emigrar porque nada lhes faltará; 
  • o IN quer escravizá-los e não o poderá fazer estando todos juntos.

[Fim do documento, de 9 páginas]
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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 22 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9936: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (9): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - VII Parte - Evolução da situação militar - Anexo IV

(**) Vd. poste de 5 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19196: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (58): os reordenamentos populacionais (Francesca Vita, doutoranda em arquitetura, Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto)

(***) Vd. postes de:
12 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2100: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (1) (A. Marques Lopes / António Pimentel)

16 de setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2108: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (2) (A. Marques Lopes / António Pimentel)

(****) Últimos dois postes da série:

20 de novembro de 2018 > Guiiné 61/74 - P19213: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (59): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológioco [ACAP], do QG / CCFAG - Parte I

21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19214: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (60): os reordenamentos no desenvolvimento sócio-económico das populações, brochura da Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológioco [ACAP], do QG / CCFAG - Parte II

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17449: Notas de leitura (966): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (2) (Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Que ninguém espere encontrar aqui uma caraterização das etnias guineenses com o rigor antropológico e etnológico. Tudo aqui é observação de quem pensa que está a falar de primitivos, gente que precisa de ser civilizada, aculturada. Não que falte algum rigor em certas apreciações, mas neste documento o autor não esconde que fala de civilizado para indígena, os pobres coitados têm costumes bizarros, a cultura do branco ainda não os moldou para a cidadania. Só décadas depois é que o olhar do cientista se despiu de preconceitos raciais.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico incontornável: Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 (2)(*)

Beja Santos

Estes anuários tinham a apresentação de um mostruário do território, dos seus transportes, da natureza da sua administração, fazia-se uma incursão pela cidades e vilas e depois passava-se para as atividades económicas, neste tempo ainda se falava pouco do turismo mas fazia-se sempre menção da fauna e flora, eram requisitos obrigatórios do feitiço africano; e por último, mostrava-se um pouco da história da pacificação e referiam-se os usos e costumes dos indígenas.

Deixei exatamente para este texto a descrição do anuário sobre as etnias existentes na Guiné. Não se perca de vista estamos em 1925 e a antropologia e a etnologia ainda não são consideradas ciências. De acordo com o anuário, na Guiné Portuguesa o tipo de raça dominante é o negro e o negroide e o hamita cruzado. Segue-se um pálido resumo dessas raças, os usos e costumes e o autor adverte que não há intuitos “de que nos tomem por senhores doutores no assunto”.

Fulas – a sua índole é boa, se bem que de feitio concentrado. Pouco robustos em geral, são bastante atreitos a doenças. Quase todos praticam a tatuagem, nos lábios, as mulheres e os homens no rosto. Devido a esta prática absurda, acontece vermos tipos de mulheres verdadeiramente cativantes, prejudicados em absoluto pela deformação dos beiços. O Fula usa lavar-se, mas nem todos empregam o sabão, por ser crença entre eles que tal emprego faz diminuir a virilidade. São supersticiosos à sua maneira. Logo que lhes morre um filho ou parente mudam em regra de povoação, transportando para longe os seus penates. Têm a vaidade de que são grandes progenitores.

Mandingas – têm boa índole, são alegres, expansivos, hospitaleiros e obedientes. São atraídos pelo comércio e a agricultura. Têm duas castas: a dos ferreiros e a dos sapateiros, não podem juntar-se com castas diferentes. Têm os Mandingas também a sua autoridade religiosa que denominam almarne (penso que o autor confundiu, a palavra própria é almani). Ele é ao mesmo tempo conselheiro político, goza de muito prestígio. É curioso como se transmitem entre eles as heranças: por morte do pai herdam os irmãos, começando pelo mais novo que tenha família. Os filhos e as mulheres fazem parte do legado, e neste caso elas ficam sendo pertença do herdeiro. Quando este tem mulheres a mais, a mulher herdada pode passar para o outro irmão, desde que ela concorde, e dividem-se os filhos entre os irmãos.

Felupes – são bem constituídos, robustos, musculados, sadios e resistentes. Quando novos e solteiros, usam várias contas nas pernas e diversas penas na cabeça. Quanto a trabalhar, não se matam muito, apenas produzem o suficiente para comer e pagar o seu imposto. Só depois dos 20 anos é que se casam e não se divorciam, separam-se do modo mais simples quando não se dão bem. Crêem em Deus e nos espíritos malignos.

Papéis – são muito vivos e espertos, musculosos e resistentes. Quase todos de caráter concentrado. Têm um costume interessante: deformar os dentes, tornando-os pontiagudos. Exímios montadores de bois ou de vacas, é costume passarem nos caminhos a trote, ou a galope. No que respeita a bebidas, apreciam o álcool e o vinho de palma. As raparigas Papéis, logo que nascem são pedidas em casamento por qualquer homem, que desde logo tem que auxiliar o pai dando-lhe aguardente e trabalhando na sua lavoura. Uma vez chegadas à idade 10 ou 12 anos, vão as raparigas para casa das mães dos seus futuros maridos e só se juntam com estes depois de atingida a puberdade.

Manjacos – são considerados como uma divisão dos Papéis, com que se assemelham fisicamente e até pelos costumes. Náuticos por temperamento, são os que mais contingente fornecem para o pessoal de embarcações. A mulher Manjaca é ordinariamente esbelta e agradável. Adora os lenços de cores vivas e ornamenta-se, como os ídolos, de bizarros colares de pontas e manilas. Os Manjacos constituem uma população densa e obedecem aos régulos, que são senhores absolutos.

Banhuns (Brames ou Mancanhas) – não crêem na alma, nem sabem o que isso seja, mas acreditam na transmigração. Há Banhuns que se caracterizam pelas horas mortas da noite em hienas e onças para exercerem pequenas vinganças. Para os Banhuns, a mulher não é bem um ser, um farrapo desprezível, sem vontade própria, que eles negoceiam como negociariam a vaca ou uma cabra. Reconhecem que precisam dela mas não se lhe dedicam. Por este facto estão sempre prontos a tê-la em casa e a recebê-la, mesmo que saibam que os filhos que ela lhes traz não lhes pertencem. Ela lavra a mancarra, corta o chabéu (cacho de coconote), lavra o milhinho, que é uma espécie de alpista ou painço; ela prepara os terrenos, sacha e monda as culturas, colhe a mancarra e quebra o coconote.

Balantas – as suas crianças, mal nascem, são lavadas e podem chorar à vontade. Hão de esperar que as mães tenham leite. Se estas morrem em resultado do parto, ou mesmo muitos meses depois, os filhos têm também de morrer por não haver quem os amamente. Quando nascem gémeos, um é abandonado junto de qualquer montículo de bagabaga e lá morre, tomando a mãe conta do outro. Aos mancebos (blufos) tudo é permitido. Praticam a circuncisão, para eles a maior festa. Escolhem as mulheres com que hão de casar. A mulher Balanta, é em geral, infiel ao marido, o que não admira, visto este normalmente ser muito mais velho do que ela. Há entre eles um costume muito curioso: se duas famílias são inimigas, fazem as pazes trocando os filhos em casamentos.

Beafadas – são uns verdadeiros amorosos de batuques. É a mulher que trabalha; é ela que trata da apanha dos produtos, ela que põe em fio o algodão, ela que o tinge, enquanto homem descansa à sombra da árvore.

Cassangas – são considerados uma espécie de Beafadas, havendo quem neles encontrasse muitas semelhanças.

Nalus – atingindo a idade de 18 anos, podem casar e terão tantas mulheres quantas forem as irmãs que tiverem. Praticam a circuncisão. As mulheres são consideradas, em geral, como escravas, não havendo nenhum cuidado com elas quando estão grávidas, chegando até a ser espancadas pelos maridos. Entre os Nalus herdam os filhos, e na falta destes, os sobrinhos.

Bijagós – são os únicos indígenas que não praticam a circuncisão. Untam os corpos com azeite de palma e, nas ocasiões das festas, juntam a este um barro branco. São bons nadadores. Alimentam-se de macacos, ratos, jibóias, cães ou outros bichos domésticos. As suas casas, em regra, são caiadas com barro branco. Algumas têm vários desenhos informes, feitos com barro vermelho e amarelo ou com uma tinta preta. Crêem todos numa entidade suprema.

E o artigo termina assim: acrescentaremos agora que, a par do Balanta, é talvez o Fula o mais corajoso na investida, de uma intrepidez mais calma.


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Nota do editor

(*) Poste anterior de 5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17433: Notas de leitura (964): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (1) (Beja Santos)

Último poste da série de 6 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17437: Notas de leitura (965): Guiné: um rio de memórias, "alegres e doridas"... Porque regressar é preciso: "costuma(-se) dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente"... E quem o reafirma é o Luís Branquinho Crespo, que lá voltou quarenta e tal anos depois...