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quinta-feira, 6 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24204: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIII: Na 1ª CCmds Africanos em 1970: de Fá Mandinga a Bajocunda, Pirada e Senegal, respondendo ao terror do PAIGC


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > CIM Fá Mandinga > 1ª CCmds Africanos > 1970 > Recrutas do curso de Comandos. Soldados Quintino Gomes (morto em combate, em 1973), o 1º da esquerda,  e Abdulai Djaló Cula, o último, à direita. Foto de Amadu Djaló, reproduzida na pág. na 158.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > CIM Fá Mandinga > 1ª CCmds Africanos > 1970 > Grupo de 26: d
a esquerda para a direita: 



(i) o 1º, Abdulai Djaló Cula (A); furriel José Mendonça (o nosso 1º morto, mina A/P, Ponta do Inglês, Xime) (B); José Vieira (morto em Cumbamori), Op Amestista Real, 19/5/1973) (C);  ao meio de boina o 2º sargento Carolino Barbosa (fuzilado pelo PAIGC) (D) e furriéis Júlio César Sá Nogueira (D) e Mário Teixeira (E) (ambos à direita, fuzilados em Conakry, grupo do Tenente Januário,  na sequência da Op Mar Verde, novembro de 1970). 

(ii) De joelhos, Laurindo Ribeiro (G), Mamo Djana (H) (morto em emboscada na estrada entre Pirada e Bajocunda), o 3º homem, soldado Nicolau Cabral (I) (morto em Bajocunda), entre outros que não consigo identificar. Foto do autor, reproduzida na pág. 159. 

[Edição e legenda complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2023]



Guiné >Zona leste > Região de Gabu > Vista aérea de Bajocunda. Foto cedida por 
Amílcar Ventura, ex-Furriel Mil. Mec., Bajocunda, 1973/74, e reproduzida na pág. 161.


1. C
ontinuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital,  do seu livro 
"Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O seu editor literário, ou "copydesk", o seu camarada e amigo Virgínio Briote,  facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.


[Floto à direita > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) ]

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri,  começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii)  depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido,  por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757; 

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló; 

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal.

 

Capa do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.  


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um    luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIII:  
 
 
Na 1º CCmds Africanos em 1970: de Fá Mandinga a Bajocunda, Pirada e Senegal, respondendo ao terror do PAIGC (8pp. 158-165) 


Em fevereiro [1] de 1970 estávamos em Fá Mandinga. Depois de três dias a preparar o terreno, começámos o curso. Na primeira parte houve vários feridos, foram eliminados vários, a maior parte por falta de capacidade física.

 Finalmente arrancámos para a parte da formação dos grupos, a que se seguiu o treino operacional.

Aqui já tivemos dois mortos, o furriel José Mendonça e o soldado Nicolau Cabral. O furriel[2] pisou uma mina anti-pessoal e ficou cortado em dois. Os membros inferiores nunca apareceram.

Numa das primeiras saídas, entre 25 e 26 de Junho de 1970, numa emboscada em Sare Aliu, junto à linha da fronteira na área de Bajocunda, o soldado Nicolau[3] foi satisfazer as necessidades e não avisou ninguém. Era uma noite escura e quando regressava para junto do grupo perdeu a orientação e entrou pelo outro lado da emboscada. Ninguém o reconheceu, nem deu tempo para fazer perguntas.

Num desses dias, em Dinga Bantaguel, o nosso grupo, comandado pelo alferes Tomás Camará, viu um rapaz a caminhar na nossa direcção, debaixo de um sol ardente, acompanhado de vários cães. Nós estávamos dispersos, com alguns sentados à sombra de uma árvore grande, a manjanja, que dava boa sombra.

Costuma ser junto a estas árvores que, na Guiné, o pessoal da tabanca se junta na hora de mais calor. Todos os dias, os homens grandes da tabanca encontram-se ali[4] e, por vezes, mandam vir o almoço e comem todos juntos.

Mal o rapaz, de cerca de vinte anos, chegou, o comandante do grupo começou a interrogá-lo. Eu estava sentado, um pouco afastado, mas a ouvir a conversa. Quando o rapaz se estava despedir, o Tomás Camará disse-lhe para passar a noite connosco, que amanhã íamos para Bajocunda em viaturas[5], mas o rapaz respondeu que não podia. Então, o Tomás disse-lhe que podia ir à vida dele. Nessa altura, levantei-me e disse para trazerem uma corda. Chamei o rapaz.
 
− Olha, anda cá.

Mandei-o encostar-se a um pequeno mangueiro e amarrei-o com a corda.

− Ficas aqui, amarrado, durante a noite. Se formos atacados,  és morto. Ou então, dizes a verdade toda. Se ninguém nos atacar, desamarramos-te e ninguém te faz mal. E, de manhã, podes ir para o Senegal, ou então vais connosco para Bajocunda, se quiseres.

Ele disse que ia dizer a verdade. Que tinha vindo com a guerrilha até à fronteira e que eles o mandaram vir cá saber em que tabanca a tropa estava, para terem informações correctas. Mandei desamarrá-lo.

Ficámos à espera, mas já tínhamos a certeza que iríamos ter visitas essa noite, só não sabíamos qual seria o resultado, mas ataque não ia faltar.

Por volta da 01h00 da madrugada, o Tomás Camará estava a falar em voz alta e um grupo do PAIGC progrediu até de onde vinha a voz, com a intenção de nos atacar. Eu, que era o 2º comandante do grupo e que tinha a responsabilidade de montar a segurança, montei 4 postos: na saída para Bajocunda, na saída para Canquelifá, na saída para a fronteira e na saída para a fonte. A 5ª equipa ficou ao pé do comandante.

O pessoal do PAIGC que vinha da fronteira, entrou na tabanca e orientados pela voz alta do nosso comandante,começaram a progredir nessa direcção. Um soldado nosso viu um homem para aí a cinco metros e disparou uma rajada. Eu e o Tomás corremos para a frente, mas a guerra acabou depressa. Ficou o corpo no local, ao lado de um RPG 2.

De manhã enterrámo-lo e fomos a Panaghar, uma tabanca no Senegal, recolher dois homens do nosso território, que estavam lá refugiados. Tínhamos ouvido dizer que havia gente da Guiné refugiada naquela tabanca do Senegal. E fomos tentar saber por que é que a população estava toda a fugir para lá. Disseram-nos que o pessoal do PAIGC os tinham ameaçado de que deviam abandonar as tabancas. 

A partir dessa altura deixámos de montar a segurança às tabancas que ficavam na linha de fronteira porque estavam completamente mobilizadas pelo PAIGC. E as tabancas que não tinham aderido ao PAIGC começaram a aparecer queimadas.

Encontrávamo-nos Bajocunda[6] quando chegou uma mensagem urgente para nos deslocarmos a Pirada[7]. Preparámos a coluna e partimos sem demora. Quando lá chegámos encontrámos o comandante Calvão[8] na entrada do aquartelamento, à nossa espera.

Deu ordens para virarmos as viaturas para a pista e para nos reunirmos com ele, que tinha uma missão para nós. O comandante chamou os quadros da companhia, afastámo-nos dos soldados e dispusemo-nos em círculo, com o comandante no meio. Disse que havia necessidade de queimar as tabancas de Sare Bocar, de Sinchã Sore e de Perim, todas dentro do Senegal. Sare Bocar ficava mais próxima de Paunca[9] e nós devíamos começar por aí, onde nas proximidades havia um acampamento do PAIGC e depois marchávamos para Sinchã Sore e Perim.

Na reunião com o comandante ficou assente que se algum dos nossos morresse lá, tirávamos-lhe a arma, o equipamento e farda e deixávamos o corpo. Se houvesse algum ferido grave, procedíamos da mesma forma, deixávamos o moribundo nu. Foi por este motivo que o comandante nos tinha mandado ir com ele para longe do resto do pessoal

Era uma decisão muito dura, mas para a tropa Comando nada podia ser duro e a nossa função era cumprirmos, fosse qual fosse o fardo.

Quando estávamos reunidos na pista com o comandante aproximou-se de nós uma carrinha com um homem branco, chamado Mário Soares[10], ainda com sabão da barba na cara. Este Mário Soares era um comerciante que nos dava informações e havia quem dissesse que também as dava ao PAIGC. Vinha acompanhado por um homem negro, senegalês, que trazia uma informação. Que nessa manhã uma companhia do PAIGC tinha entrado no nosso território e, que nesta altura, devia estar na ponte[11]. 

O capitão João Bacar Jaló pediu logo ao comandante Calvão que autorizasse que a 1ª CCmds patrulhasse a zona até à ponte. Mas o comandante não esteve de acordo, que quem ia tratar do assunto iam ser os homens do batalhão[12].

Enquanto estávamos em reunião com o comandante, ele chamou o capitão da companhia[13] aquartelada em Pirada e deu-lhe instruções para mandar patrulhar até à zona da ponte. Momentos depois, ouvimo-los a regressar, dizendo que tinham patrulhado a estrada até à ponte e que não tinham encontrado nada. Ficámos a olhar uns para os outros, admirados com tanta rapidez.

Quando nos estávamos a preparar para a saída, estava a chegar um grupo da nossa Companhia, comandada pelo tenente Januário, com uma coluna de viaturas civis, carregadas com géneros. Saudámo-nos, mas não houve tempo para muitos cumprimentos. Eles seguiram para Bajocunda e nós para a fronteira com o Senegal. Quando a coluna deles[14] chegou à zona da ponte, caíram numa emboscada no pontão do Maul-Jaubé, no itinerário de Pirada a Tabassi. Estávamos nós ainda junto ao arame farpado, quando ouvimos o tiroteio e os estrondos dos rebentamentos. Sigam aos vossos destinos, foi a ordem que recebemos do batalhão.


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Carta de Pirada (1957) > Escala 1/50 mil  > Posição relativa de Pirada, Tabassi e Bajocunda, e já no Senegal as tabancas de Perim e Sinchã Sari. Pirada estava nas proximidades do marco fromnteiriço 69.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)

 
Pirada ficava a pouco mais de um quilómetro da fronteira com o Senegal. As tabancas de Perim, a nem um quilómetro, Sinchã Sore [gralha ?, na carta de Pirada está grafado o topónimo  Sinchã Sari] a pouco mais de dois da linha da fronteira e Sare Bocar a pouco mais de cinco.

Guinjé > Bissau > 10 de junho de 1967 > O Abdulai Jamanca, então 1º Cabo, a ser condecorado. Foto reproduzida na pág. 161.

Fomos a corta mato, sem qualquer problema e entrámos pela tabanca de Sare Bocar. Era mais ou menos meia-noite quando o Alferes Jamanca bateu à porta de uma casa. Saiu um homem.

   Onde é a casa do chefe da tabanca?  − perguntou o alferes.

O homem apontou para uma casa e o Jamanca disse para vir connosco. Acordado o chefe da tabanca, cumprimentaram-se e o João Bacar Jaló, o comandante da nossa companhia, disse ao Jamanca para ele dizer ao chefe da tabanca que dissesse à população que retirasse todos os seus haveres, porque a tabanca ia ser incendiada.

Três ou quatro homens da tabanca acordaram e juntaram-se ao chefe da tabanca. Este, depois de ouvir o Jamanca, perguntou:

− Mas de onde vocês vieram?

− Guiné Portuguesa  − respondeu o João Bacar.

O chefe da tabanca, que só via africanos à sua volta, pensou que éramos do PAIGC.

− Mas vocês estão enganados. Isto aqui é Senegal!

− Nós somos obrigados a queimar as vossas tabancas porque o PAIGC sai daqui e vai ao nosso território queimar as nossas tabancas e depois volta para aqui respondeu o Jamanca.

Depressa os residentes da tabanca começaram a retirar as suas coisas, enquanto os soldados começavam a chegar fogo às casas.

Quando o primeiro soldado ateou o lume, um morador, surpreendido, gritou:

− Mas é verdade, isto não é brincadeira!

A certa altura, a situação parecia ter tomado conta dos soldados que, entusiasmados, pareciam não querer sair dali. O alferes Justo conseguiu pôr ordem, avisando-os que se algum deles ficasse ferido havia ordem para lhe tirar a arma, equipamento e farda e deixá-lo no local. 

Acalmaram rapidamente e seguimos para a Sinchã Sore, onde a acção se repetiu, praticamente da mesma forma. E quando o dia[15] já estava a nascer chegámos a Perim e a única diferença foi ser já de dia. Estas duas tabancas eram de menor dimensão e arderam quase na totalidade. Depois retirámos, sem incidentes na direcção de Pirada, utilizando o carreiro.

A partir desta data, confirmou-se mais tarde, as nossas tabancas na zona da fronteira deixaram de ser queimadas pelo PAIGC e nós passámos a proceder da mesma forma, também deixámos de importunar as tabancas do Senegal.

Quando entrámos em Pirada, o comandante Calvão estava à nossa espera. Depois de ouvir as nossas notícias, meteu-se numa avioneta e foi fazer um voo de reconhecimento para ver os resultados. Só a primeira tabanca, a de Sare Bocar não tinha ardido completamente, mas mais de metade tinha ficado em cinzas.

Nesta altura soubemos o resultado da emboscada ao nosso grupo que, no dia anterior, escoltava viaturas civis. Tinha tido dois mortos, um cabo miliciano[16] e um soldado[17]. O cabo miliciano tinha acabado a escola de rádio telegrafista e tinha sido colocado na 1ª CCmds Africanos. Nem se chegou a apresentar ao comandante da companhia, morreu no caminho. Na emboscada morreram ainda dois civis, um condutor chamado Fernandes[18], residente em Bafatá,  e um ajudante[19]. Depois destas notícias, regressámos a Bajocunda, onde a nossa companhia estava sedeada.

Corremos aquela área toda, todos os dias um grupo nosso saía para a mata das zona da fronteira.

(Continua)

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Notas do autor ou do editor:

[1] Nota do editor: em 11 Fevereiro 1970.

[2] Nota do editor: em 18 Junho de 1970

[3] Nota do editor: Soldado Nicolau Tomás Cabral.

[4] A este local, onde se concentra a população, os Mandingas chamam bantaba e os Fulas Banta.

[5] Nota do editor: da CArt 2438, comandada pelo Cap Art Veiga Vaz e a pouco mais de um mês do termo da respectiva comissão; em Bajocunda estava instalado, desde 27 Junho 1970, o COT1 (Comando Operacional Transitório 1), comandado pelo Major Inf Nuno Valdez dos Santos, então recém-criado “com a finalidade de fazer face a uma intensificação da actividade inimiga sobre a região de Pirada/Bajocunda (...) e ficando na dependência do Comandante do Agrupamento 2957”, sediado em Bafatá sob o comando do Coronel Art Neves Cardoso.

[6] Nota do editor: em 04 Julho de 1970

[7] Nota do editor: desde 17 Março 1970, sede da CCaç 2571.

[8] Comandante Alpoim Calvão.

[9] Nota do editor: desde 23 Junho 1970, guarnecida com 3 pelotões da CCaç 2658 e 3 pelotões “Fulas” da CArt 11/CTIG.

[10] Nota do editor: Mário Rodrigues Soares instalou-se na Guiné em 1948 e montou no posto fronteiriço de Pirada um estabelecimento comercial ligado à “Casa Gouveia”. Em Setembro de 1974, em risco de ser fuzilado pelo PAIGC, conseguiu escapar e chegar a Lisboa, onde ficou detido 45 dias em Caxias. Morreu em Abril de 1995.

[11] Nota do editor: sobre o rio Mael-Jaubé, quase paralelo à fronteira desde Pirada a Oribodé, para leste.

[12] Nota do editor: BArt 2857.

[13] Nota do editor: CCaç 2571.

[14] Nota do editor: da CArt 2438, instalada em Bajocunda

[15] Nota do editor: 5 Julho de 1970.

[16] Nota do editor: Cabo Mil Julião Albano Cabral.

[17] Nota do editor: Soldado José Augusto Maru Djaná.

[18] Nota do editor: Rufino Gomes Fernandes.

[19] Nota do editor: Mamadu Bobo Jaló, residente em Nova Lamego.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos: LG]

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Nota do editor:

sábado, 3 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)




Excerto da edição do "Diário de Lisboa", de 10 de setembro de 1974, com a notícia do reconhecimento (formal), pelo Governo Provisório Português, da indepemndência da Guiné-Bissau. Era presidente da República o general Spínola, aqui, na foto, no Palácio de Belém, com a delegação da Guiné-Bissau, chefiada pelo major Pedro Pires, e constituída pelo comissário para as Relações Exteriores, Vitor Saúde, e o comandante da Frente Leste Serafam Malém (?), e quem foi acompanhada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soarea.


Fonte:Casa Comum | Instituição:Fundação Mário Soares | Pasta: 06820.170.26872 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18558 | Ano: 54 | Data: Terça, 10 de Setembro de 1974 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos 

(1974), "Diário de Lisboa", nº 18558, Ano 54, Terça, 10 de Setembro de 1974, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4792 (2022-12-2) (Com a devida vénia...)


1.  Chegamos ao  fim das nossas noats de leitura (*) do livro de João Céu e Silva . "Uma longa viagem com Pulido Valente" (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp.).

Mais do que uma biografia lietrária de Vasco Pulido Valente (VPV) (1941-2020), trata-se  de uma longa (e apaixoante)  viagem pela história de Portugal, desde o início das invasões francesas e saída da corte para o Brasil em 1807 até à atualidade. O jornalista e escritor João Céu e Silva, com formação em história, realizou uma 
centena de horas de entrevistas gravadas, com VPV, ao longo de quase dois anos.

O livro acaba por ser também uma espécie de "testamento" do entervistado, um dos maiores (e mais polémicos) cronistas do seu tempo, e também um conceituado historiador, especialziado na nossa história dos últimos dois séculos.

Deste livro, achámos que podia interedsar aos nossos leitores tudo o que dizia respeito, direta ou indiretamemente,  à guerra colonial e às forças armadas, incluindo o 25 de Abril,o 25 de Novembro, Spínola, o MFA e a descolonização.

Para finbalizar, deixamos aqui,  com a devida vénia (ao autor e à editora(, mais uns tantos excertos : (i) o 25 de Abril, visto por VPV como um "pronunciamento militar"; (ii) o 25 de Abtril e a "técnica do golpe de Estado"; (iii) o "mistério" do 25 de Novembro que não teve "mistério nenhum"; e, por fim, (iv) a descolonização e a "culpabilização" do Mário Soares.

Seleção, revisão, fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue, bem como notas complementares dentro de parêntes retos: LG) (**).


(i)  25 de Abril: pronunciamento militar

P- Refere que a revolução de Abril foi romântica e fraudulenta. Portugal nunca muda ?

R- É fraudulenta porque foi uma revolução inventada, pós-facto- Os capitães queriam sair de África e deram a volta. Não fizeram uma revolução, foi um pronunciamento, e depois, quando chegaram ao poder, precisavam de uma ideologia. 

Só após terem feito o pronunciamento é que perceberam a gravidade e o alcance do que tinham feito, e necessitavam de eliminar a sociedade portuguesa tradicional para não sofrerem nenhuma espécie de represálias. E eliminaram. 

Atrás disto veio um movimento de opinião a que se atribuiu essa eliminação da sociedade tradicional, que foi, aliás, bastante artificial, e feita pelo governo e não pelas massas. As nacionalizações não foram impostas pelas massas, a reforma agrária não foi de acordo com as massas, a revolução foi decretada e a reforma agrária foi realizada em atos militares e na maior parte dos casos sob proteção dos militares. E pelo PCP também. Sim, pelo PCP, pelos militantes do PCP, que eram muito poucos,, e pelos militares. Os militantes do PCP não teriam chegad.

E atrás disso um movimento romântico indefinido, que exortava as maravilhas do socialismo real,  o governo do povo ou o poder popular,  e, como não fazia sentido nenhum, acabou por cair” (pág. 42).


(ii) 25 de Abril: a técnica do golpe de Estado


(…) Um golpe militar não tem destino e este tem de ser procurado na vida civil, na Igreja, na maçonaria ou, no caso do 25 de Abril, no Partido Comunista Português ou no Partido Socialista. 

Os militares diziam “não queremos continuar com a guerra colonial (…) queremos dar autodeterminação aos nossos pretos (…) porque os nossos são diferentes dos pretos dos outros, são nossos amigos”. 

Dava-se a liberdade aos “nossos pretos” e depois, para onde se vai ? “Nós somos uma malta porreira, somos camaradas” – tratavam-se assim – “e isto aqui é uma igualdade do caraças. Rastejámos todos  pelo chão na recruta, pendurámo-nos todos em argolas e temos todos de andar  com farda”. 

A única coisa que os militares podiam fazer a seguir ao 25 de Abril era buscar qualquer coisa fora da instituição, uns foram buscar o PCP, outros o PS. (…) 

Quanto a Otelo, foi buscar coisas ao anarcossindicalismo, que ele nem percebeu o que era e chamou de poder popular

Ou seja, os militares não tem destino em si próprios; podem organizar muito bem uma operação como o 25 de Abril, mas basta seguir a cartilha. (…) (pp. 96/97).


(iii) 25 de novembro de 1975: 

não houve mistério nenhum

 

P . Temos o 25 de novembro de 1975. Continua a ser um dos grandres mistérios ?

R – Não acho que seja um grande mistério. O que aconteceu é que havia unidades  no Exército português que estavam contra o PCP, e aquele rumo da revolução, entre elas a dos Paraquedistas , a dos Comandos e algumas pessoas que tinham feito outro trajeto político. 

Entre essas, os que tinham sido contra os mercenários, que se tinham passado para o Estado-Maior de Spínola e ficado com um certo prestígio no movimento dos capitães,, porque tinham sido os primeiros a protestar: era o caso  de Eanes e, nos Comandos, o Jaime Neves. 

Foi simples e encontraram-se e fizeram o golpe do 25 de Novembro. O Eanes dirigiu e o Jaime Neves executou. Todos os seus colegas diziam que eles eram brilhantes operacionais (…), daí não me não tenha surpreendido que tivessem ganho. Não houve mistério nenhum nisso, até porque contaram com o apoio do Soares e tinham o respaldo político do PS (pág. 194) (…)

(…) Foi um golpe em que os operacionais do Copcon e do PCP não participaram. E o que aconteceu foi que o Eanes fomou conta do Exército e teve de imediato todo o seu apoio. Tinha sido um golpe um pouco contrarrevolucionário, um clássico. Eanes pôs todas as unidades fora de Lisboa, suspendeu uma quantidade de oficiais  duvidosos e ao fim de oito dias tinha o Exército na mão. A história terminou (pág. 197).

(…) Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é.  A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade (pág.  210)

(iv) Descolonização: 

por favor não culpem o Mário Soares 


(...) Um disparate que tantas vezes foi explicado à população [o quererem culpar o Mário Soares pela descolonização].

Quando o Dr. Mário Soares chegou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, já o coronel Fabião estava aos abraços ao PAIGC e o Otelo aos abraços à FRELIMO. Não havia negociação possível.

Quem fez a descolonização não foi o Dr. Mário Soares, mas o MFA. Ele não queria fazer aquela descolonização, e foi assim porque o Exército português se desfez em quarenta e oito horas em Angola, Moçambique e Guiné. Neste último caso, fomos mesmo ao encontro das tropas inimigas e confraternizámos poucos dias após o 25 de Abril. Como aconteceu no Norte de Moçambique e quase imediatamente me Angola (pp. 282/283).

(…) Lembro-me do abraço de Soares a Samora Machel, horrível! E Como aconteceu ? A comitiva entrou na sala de reuniões, Otelo olhou para o Machel e disse: “Ah grande Machel, deixe-me dar-lhe um abraço”, e Soares, que estava a chefiar a delegação, ficou sem saber o que iria fazer. Depois de Machel ter dado um abraço a Otelo, veio ter com Soares de braços abertos, “Meu caro Mário”, e deu-lhe um abraço. Isto só deveria ter acontecido com Moçambique independente” (p. 191).

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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

29 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23828: Notas de leitura (1525): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte V: VPV: "O grande significado do livro, de Spínola, Portugal e o Futuro, era vir a público dizer que a guerra estava perdida"...

27 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23820: Notas de leitura (1523): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte IV “Devo à Providência a graça de ser pobre” (Salazar, Braga, 1936)

24 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23811: Notas de leitura (1521): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte III: Salazar, Caetano e as Forças Armadas... (Considerar os capitães milicianos como "voluntários" e "mercenários", raia o insulto, não?!..)

18 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...

17 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23791: Notas de leitura (1517): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte I . As colónias não valiam o preço...

Último poste da série:

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23235: 18º aniversário do nosso blogue (12): Entrevista com Leopoldo Senghor, ao "Jeune Afrique", n.º 701, de 15/6/1974, sobre os seus contactos com o gen Spínola e com o PAIGC, reproduzida, em português, no Boletim do MFA, Bissau, n.º 2, 17/6/1974 (Victor Costa, ex-fur mil at inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)


Leopoldo Senghor, presidente da República do Senegal, 
entre 1960 e 1980. 



1. O nosso camarada Victor Costa, ex-fur mil at inf, Victor Costa,  mandou-nos este "recorte de imprensa", que reproduzimos abaixo. Trata-se de uma entrevista dada pelo então presidente da República do Senegal (o primeiro, entre 1960-1980), poeta, teórico da negritude, panafricanista e profundamente francófono Léopold Sédar Senghor (1906-2001) ao influente jornal "Jeune Afrique", n.º 701, de 15 de junho de 1974, traduzida e reproduzida no Boletim do MFA, Bissau, n.º 2, de 17 de junho de 1974, ou seja, dois dias depois. 

O jornalista, que entrevista o Leopoldo Senghor, é Jean-Pierre N' Diaye. Em 13 de março de 1975, Senghor (apelido paterno, para uns corruptela da palavra portuguesa "Senhor", para outros um apelido sererê, veja-se a o artigo em inglês na Wikipedia),  filho de pai sererê, rico comerciante de amendoim, e filho de mãe de origem fula (a terceira esposa do pai),  é agraciado, em Portugal,  com o Grande Colar da Ordem Militar de Santiago da Espada. E em 1980 iria receber o Doutoramento Honoris Causa da Universidade de Évora.  

Acrescente-se que o então semanário "Jeune Afrique", francófono, panafricano, tinha sido criado em Tunes, capital da Tunísia, em 1960.

Destaque

(...) É preciso nunca desesperar dos homens e jamais confundir o povo com o seu governo. Eu tive sempre um  grande afecto e  admiração pelo povo português. Sabe que o meu nome é português, que provavelmente tenho uma gota de sangue português, que os meus antepassados eram da Guiné-Bissau; e é a razão pela qual estive sempre atento a tudo o que era português. (...)

(...) Penso que é do interesse do povo português e do interesse dos povos da Guiné-Bissau,  Angola e Moçambique,  guardar laços com Portugal depois da sua independência. (...)











Entrevista do presidente da República do Senegal, Leopoldo Sédar Senghor, ao semanário "Jeune Afrique", n.º 701, de 15 de junho de 1974, traduzido e reproduzido no Boletim do MFA, Bissau, n.º 2, de 17 de junho de 1974 (dois dias depois). 

Vamos associar este documento à celebração do 18º aniversário do nosso blogue (nascido em 23 de abril de 2004) (**). Obrigado, Victor Costa,
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23234: (In)citações (205): O general Spínola, a guerra e a paz (Victor Costa, ex-fur mil, at inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)

(**) Último poste da série > 4 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23226: 18º aniversário do nosso blogue (11): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - IV (e última) Parte: 31 de agosto de 1972: "Spínola: Infelizmente ainda tenho que dar tiros, mas a guerra não se ganha aos tiros"... Mas o pior será quando a guerra acabar, conclui o Avelino Rodrigues...

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22622: (Ex)citações (394): A propósito da evocação dos fuzilamentos de Comandos Africanos e de milhares de guineenses (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 11 de Outubro de 2021:


A propósito da evocação dos fuzilamentos de Comandos Africanos e de milhares de guineenses

O Partido armado da Guiné começou a fuzilar guineenses em 1964, logo que ascendeu a Partido-único-armado-Estado da G-Bissau, em 1974, implementou o seu crescimento exponencial de Comandos e Fuzileiros africanos e de milhares de guineenses que serviram a Guiné sob a administração portuguesa, sem julgamento, selvagem.

O blogue evocou-os e vou repetir-me: O Gen. Nino Vieira tinha acabado de separar a Guiné de Cabo Verde e iniciado o seu consulado, em Bissau os fuzilamentos andavam na boca do mundo, ouvi da boca de pessoas em funções governativas que, entre 1964-1980, os “libertadores” tinham passado pelas armas cerca de 10.000 guineenses, opositores políticos, ex-tropas nativas especiais, do contingente geral e outros “colaboracionistas”.

O que a Descolonização portuguesa teve de exemplar foi o seu desastre, parafraseando o Cor. Morais da Silva, o seu extraordinário, no imediato e a médio prazo não foi o fim da guerra, mas a substituição duma ditadura por outras, o seu maior activo são as suas mais que muitas vítimas e a falência de Portugal - factos acontecimentais e indissociáveis da nossa e da história do ex-Ultramar português.

Na Guiné, estava a Operação Tridente/Batalha do Como no auge, o seu líder eng.º Amílcar Cabral, gestor talentoso dos contextos da sua guerra, convocou e veio ao I Congresso de Cassacá explicitar o Código de justiça e penal, o seu articulado plasmava a pena de morte (terá sido menos um congresso e mais uma reunião de quadros), a sua ordem de trabalhos incluía fuzilamentos e o seu instituto, sindicava de inimigos e traidores à pátria os seus opositores, passou a mandar fuzilar os desalinhados políticos, os seus desertores e os militares e milicianos nativos que caíam prisioneiros, no entanto, merece ênfase o tratamento humano aos militares portugueses da Metrópole seus prisioneiros.

Até à concessão das independências, todos os nascidos no Portugal africano eram portugueses de lei, os rebeldes inclusive, os nossos descolonizadores negligenciaram esse código, era uma verdade inconveniente, a sua derrogação não convinha nem ao PR Luís Cabral nem ao seu modelo político, este acabou destituído pelo Gen. Nino Viera, só não foi fuzilado, ao abrigo desse código, em deferência à intercessão dos PR Léopold Senghor, Fidel Castro, generais Ramalho Eanes e Lausanna Conté, sorte que não tiveram os acusados da “revolta dos balantas”.

O “golpe de Bissau” do MFA, o 26 de Abril de 1974 da Guiné, aconteceu 10 anos depois, muita água havia passado sob as pontes da Guiné, não será plausível que esse código e o seu efeito dirigido fossem do desconhecimento da oficialidade protagonista da “capitulação” na mata de Morés, ou o “cessar-fogo de facto” em politicamente correto, ou da oficialidade negociadora da sua “descolonização”, o Exército não negligenciava a investigação, é-lhe intrínseca e rigorosa, o acesso à informação apurada era privilégio da oficialidade; por exemplo: enquanto os historiadores têm dúvidas e discutem a paternidade do PAIGC, em 1964 já o Exército partilhava com os oficiais a sua informação, classificada, que o fundador era Rafael Barbosa e que Amílcar Cabral lhe aderiu e se apropriou da sua liderança quatro anos depois.

A sua ignorância da parte dos civis, nomeadamente dos notáveis drs. Mário Soares e Almeida Santos, será plausível e merecedora de condescendência, tinham escapado ao serviço militar, apenas habilitados a dirimir as armas do direito e dialógicas, a paz pela guerra é habilitação dos militares, os do contexto começaram logo a baixar a espada, o caminho mais rápido à paz é a derrota, as posições relativas haviam-se invertido, os militares tinham deixado de se subordinar ao poder civil, o poder civil passara a subordinar-se ao poder dos militares - já os centuriões de Roma haviam feito o mesmo.

Mário Soares, arauto da Descolonização, queixou-se ao General Spínola que na de Moçambique foi desautorizado pelo então Major Otelo Saraiva de Carvalho, “não discutamos, entregamos isto aos camaradas da Frelimo e ponto final”, também desabafava que na da Guiné os seus negociadores, os notáveis comandante Pedro Pires e dr. José Araújo, aquele desertor de controlador aéreo da FAP e este desertor de jogador da Académica, eram uma cassette, a tudo respondiam “não, não, vão-se embora, têm que ir embora!” – de leão Portugal passara a sendeiro.

Conjugando a sobranceria à mesa das negociações com adequadas (e toleradas) manobras no terreno, o PAIGC não só impôs a Portugal a imediata retracção do seu dispositivo militar, mas também a obrigação do imediato desarmamento dos militares das suas forças militares e militarizadas… com a sua ajuda! - os termos do n.º 17 do Anexo ao anterior Acordo. O rabo escondido e o gato de fora… Se necessário o recurso às armas, combatiam-nos ao nosso lado…

O efectivo das forças militares e militarizadas nativas da guarnição era superior a 10 mil combatentes activos, tropas de recrutamento gerais e especiais de Fuzileiros, Comandos e Milícias, os reservistas eram outro potencial, eram mais do dobro dos do outro campo, a sua superioridade uma evidência, o projecto “uma Guiné melhor” do Gen. António de Spínola tinha feito escola e produzido muitos “estragos” à essa reunião quimérica, os sentimentos da cidadania e a pluralidade estavam em crescendo, a maioria desses combatentes já não combatia por Portugal mas por rejeição ao PAIGC, os fulas e os mandingas eram antimarxistas, islamizados, moderados e pluralistas, o seu código de justiça era “não matar, a Natureza faz”, o PAIGC já tinha conseguido a nossa fragilização.

Essa celebrizada “corrupção” com o adiantamento de seis meses de salários (os metropolitanos não recebiam a “ponta dum corno” quando terminavam a Guerra da Guiné e), a sua “desistência” de portugueses de direito e a trama recambolesca do seu desarmamento são temas merecedores de melhor estudo e discussão.

A implosão do Bloco comunista foi o início da verdadeira descolonização do antigo Portugal africano, evidência de quão a sua ideologia e interesses geoestratégicos “assalariaram” as suas guerras de libertação e a descolonização portuguesa.

A Guerra da Guiné foi o combate pelo passado, Amílcar Cabral contra ele e Portugal para o manter – as suas consequências mais lastimáveis resultaram directamente desses desideratos.

Enquanto a guerra conduzida por Spínola tinha os guineenses por seu sujeito, com materializada no projecto de “Uma Guiné Melhor”, a guerra concebida e conduzida por Cabral era quimérica que se eclipsou, destruiu muito e pouco construirá, infernizou-lhes a vida no início e no durante – perdura desde o seu fim.

Na realidade, não foi a Guiné que se libertou de Portugal, foi Portugal que se libertou da Guiné…

Os ex-combatentes visitantes da Guiné em turismo de nostalgia, não raro se comovem e sofrem, confrontados com camaradas do antigamente, a tal “praga grisalha”, orgulhosos das suas recordações materiais e mentais do tempo da sua condição de soldados, de portugueses de direito e esperançosos, - mas que acabarão por morrer sem receber as suas reformas e as suas pensões de sangue…

Portugal não pode escusar-se às suas responsabilidades com a Guiné!

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Nota do editor

Vd. postes de:

30 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22584: Recortes de imprensa (119): Reacção de Mário Beja Santos ao artigo do "Diário de Notícias", de 29 de Setembro de 2021, "Comandos africanos nas Forças Armadas Portuguesas. Histórias de abandono e traição"

1 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22588: (Ex)citações (393): Estas teses elaboradas sem reflexão e apreciadas por ignorantes, obrigam-me a vir ajudar a clarificar o que respeita aos militares dos Comandos (Cor Art Ref Morais da Silva)

2 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22590: (Ex)citações (394): Em cerca de 600 militares do Batalhão de Comandos da Guiné, 200 estiveram inscritos numa lista para seguir para a metrópole, com as respetivas famílias, confirma o último 2º comandante e comandante (jun/out 1974), ex-cap art 'comando' Glória Alves, de "uma das mais nobres e heróicas unidades militares portuguesas", em depoimento público de 2007, aqui transcrito (Cor art ref Morais da Silva)

5 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22599: Questões politicamente (in)correctas (55): Na hipótese de terem aceitado vir para Portugal os ex-comandos guineenses, pergunta-se: que tipo de país os iria receber ao aeroporto de Figo Maduro? (José Belo, jurista, Suécia)

terça-feira, 7 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21147: (In)citações (164): Há 50 anos: Quando a Igreja Católica Apostólica Portuguesa abençoava Guerra do Ultramar e a Igreja Católica Apostólica Romana abençoou a Guerra Colonial (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

Paulo VI em Fátima
Com a devida vénia a Renascença


1. Em mensagem do dia 6 de Julho de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: Há 50 anos: Quando a Igreja Católica Apostólica Portuguesa abençoava Guerra do Ultramar e a Igreja Católica Apostólica Romana abençoou a Guerra Colonialal.


Há 50 anos: Quando a Igreja Católica Apostólica Portuguesa abençoava Guerra do Ultramar e a Igreja Católica Apostólica Romana abençoou a Guerra Colonial

Há 50 anos, o Papa Paulo VI tramou Marcelo Caetano, o regime e semeou os ventos da tempestade da mutação de Portugal.

Foi o primeiro Papa a visitar Portugal e Fátima, em Maio de 1967, a contragosto do Governo de então, Salazar considerava-o um “cidadão estrangeiro perigoso” e o seu ministro Franco Nogueira passou a imputar-lhe agravos gratuitos, inúteis e injustos a Portugal.

Salazar fora derrotado pela velha cadeira do Forte de Santo António da Barra e o Papa Paulo VI, tendo recebido em audiência o Ministro Rui Patrício, em 25 de Maio de 1970, que rendera Franco Nogueira, que lhe foi abordar a agenda da nossa guerra africana, no dia 1 de Julho de 1970 e, sem invocar a inspiração divina, recebeu em audiência privada (na Sala dos Paramentos?) e abençoou os três líderes da guerra colonial Amílcar Cabral (PAIGC), Agostinho Neto (MPLA) e Marcelino dos Santos (FRELIMO), este em representação do operacional Samora Machel, indisponível por estar a braços com o General Kaúlza de Arriaga e os 8000 militares portugueses, investidos na extensa e impetuosa “Operação Nó Górdio”.

Para o efeito, essa “troika” de exilados portugueses (só perderão a nacionalidade em 1975), ora líderes independentistas africanos, forjados na CEI, Casa dos Estudantes do Império e nos quartéis do Exército Português, aproveitara a dinâmica da II Conferência Internacional de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas, convocada pelas centrais sindicais italianas CGTL, CISL e UIL em Roma, que teve o concurso de 177 organizações de 64 países, incluindo os exilados políticos de Portugal, do PCP de Álvaro Cunhal, da ASP de Mário Soares, da FPLN de Piteira Santos e Manuel Alegre, órfã de Humberto Delgado e militantes do Movimento a Favor da Paz, fórum lisboeta de católicos vanguardistas, segundo uns e de “cristãos pagãos” segundo outros, motivados pela encíclica “Pacem in Terris" do Papa João XXIII e a “Populorum Progressio” do Papa Paulo VI.

A ideia do aproveitamento dessa Conferência para uma audiência papal foi da inteligência revolucionária de Marcelino dos Santos, residente em Paris, em Janeiro desse ano encetou em Roma as diligências, mas a sua materialização será devida a Amílcar Cabral, que persuadiu o Bispo de Conacri, Raymund-Maria Tchimdibo, a negociá-la com o Vaticano e mobilizou a jornalista e militante católica progressista Marcella Glisenti, sua amiga desde 1968, Presidente da Associação Italiana dos Amigos da “Presence Africaine” (revista da negritude francófona, editada em Paris e Dacar), que, no maior segredo, se encarregou de toda a logística e de manipular com um perfil de líderes cristãos e democráticos o ex-Núncio no Senegal, Cardeal Giovanni Benelli, o segundo na hierarquia do governo do Vaticano (o Secretário de Estado, cardeal francês Jean Villot, estava ausente).

Às 12H00 foi-lhes franqueada a entrada pela Porta de Santa Ana, o Pontífice recebeu-os afectuosamente às 12H30 e mostrou-se particularmente deferente com Amílcar Cabral, que serviu de porta-voz, em francês.

A notícia correu o mundo, sem fotos, com o registo do embargo de um monsenhor português da Pontifícia Comissão para a Comunicação Social ao acesso dos jornalistas, Marcelo Caetano soube do caso logo na manhã do dia 2, informado pelo jornalista americano Dennis Redmont e a Censura congelou a notícia até ao dia 5.

A Comunicação social não teve acesso, não puderam tirar fotos, mas os audientes tiraram. No seu livro “Crónica da Libertação”, Luís Cabral reproduz a primeira página do boletim “PAIGC actualités” com uma foto dos intervenientes, no primeiro patamar da escadaria interior do Vaticano (de acesso à Sala dos Paramentos?), com a Marcella de costas e Amílcar Cabral em destaque…

Todo o mundo os conhecia como marxistas-leninistas ortodoxos e ateus confessos, do género de não olhar a meios para atingir os fins, não entraram na Santa Sé como “penetras”, o Governo protestou a ofensa da Igreja à sua “Nação Fidelíssima”, a comunicação social do Vaticano, em vez de invocar a sua “inspiração por Deus”, ridicularizou-se com a afirmação de que o Papa ignorava quem eram, a sua diplomacia a negar uma audiência no sentido do termo e a fazer passar a mensagem do carácter religioso do acontecido.

Com a devida vénia a Fundação Amílcar Cabral

Os muros de Roma e da Praça de S. Pedro apareceram pichados de “Viva il Portogallo”, o corte das relações diplomáticas esteve iminente, a diplomacia desempenhou o seu papel, as relações voltaram “à cordialidade antiga”, o evento passou a “facada pelas costas” ao Papa e Marcelo Caetano tramado.

Essa audiência papal no dia 1 e a morte de Salazar no dia 27 desse mês serão o início da contagem decrescente do fim do regime do Estado Novo. Com o “Botas”, o desfecho seria o mesmo? Em apenas 7 minutos, aqueles protagonistas da audiência papal fecharam o ciclo histórico de 545 anos de cumplicidade da Igreja com a afirmação do Portugal africano, estabelecida pela Bula “Romanus Pontifex” do Papa Nicolau V ao rei D. Afonso V, O Africano, e ao infante D. Henrique, O Navegador, – o documento de direito internacional da escravatura da raça preta pela raça branca.

Os três líderes independentistas que o Papa Paulo VI recebera e abençoara tinham a força do “espírito do tempo”, eram senhores da guerra, com as mãos manchadas de sangue dos seus próprios compatriotas. Não eram da dimensão política e humanista do bem-aventurado Nelson Mandela.

Em Fevereiro de 1964, no I Congresso de Cassacá, Amílcar Cabral introduziu a pena de morte no normativo jurídico do PAIGC, julgou sumariamente e mandou executar de imediato alguns compatriotas e correligionários (o regime de partido único e ditatorial do irmão Luís Cabral aplicá-la-á a alguns milhares, arbitrariamente, sem qualquer julgamento); montara uma cilada e em Abril de 1970 ordenara o assassinato de 4 oficiais do Exército Português e seus impedidos, que ousaram ir desarmados ao encontro do PAIGC; havia montado uma cilada e, na véspera de partir para Roma e ao encontro do Papa, ordenara a execução do seu conterrâneo bafatense, enfermeiro Paulo Gomes Dias, seu opositor anti-marxista, então presidente da FLING Progressista, um partido moderado sediado em Dacar; mandara executar imediatamente o “sniper” do PAIGC que, por rebate de consciência, não eliminou o General António Spínola de visita à sua tabanca; etc.

Marcelino dos Santos era “a FRELIMO sou eu”, segunda figura de partido único e ditatorial, pela aplicação seus pressupostos ideológicos e implementação do “socialismo científico” tornou-se responsável, no mínimo moral, da guerra civil subsequente à independência, que devastou Moçambique e dilacerou os moçambicanos durante 17 anos.

Agostinho Neto, pela recusa à coexistência e com a perseguição sanguinária aos seus adversários políticos FNLA e UNITA, tornou-se responsável pela guerra civil, subsequente à independência, que devastou Angola e dilacerou os angolanos durante 27 anos, que lhe imputam a assinatura em branco de cerca de 25 000 sentenças de morte de angolanos, no contexto da “crise fraccionista”, espoletada pelo seu opositor Nito Alves; etc.

A História reflecte o seu autor, mas não se reescreve. Alçados ao poder em Angola e Moçambique, em 1975, mandatados pelo MFA, deriva das FA Portuguesas, aqueles líderes de Angola e Moçambique, por convicção ideológica, não fizeram os caminhos da Paz na base da Verdade, Justiça, Caridade, Liberdade e do Desenvolvimento e dos Direitos Fundamentais dos dois Povos, paradigmas daquelas duas encíclicas que evocavam.

O Cardeal Benelli, que o Cardeal Villot censurara de abusador da sua ausência, notabilizar-se-á na promoção eleitoral dos Papas João Paulo I e II; o Bispo Tchimdibo, admirador de Amílcar Cabral, passou 9 anos como prisioneiro do sanguinário ditador Skou Touré; tido na consideração do mais talentoso e moderado dos “três líderes terroristas”, Amílcar Cabral morreu às mãos dos seus correligionários, diz-se que a impulso do mesmo Sekou Touré, mas o insuspeito Agostinho Neto, no seu relatório de Presidente da Comissão Internacional de Inquérito à sua morte, diz ter colhido em Conacri os depoimentos de 500 dos seus correligionários, 325 exprimiram-se abertamente contra Cabral e apenas 20 a seu favor; Marcella Glisenti continuou activista, católica progressista e livreira na sua “Paesi Nuovi”,envolvida na revista “Presence Africaine" pela negritude, émula dos textos de Albert Camus, de Jean-Paul Sartre e dos poemas de Leopold Senghor; Agostinho Neto foi morrer a Moscovo; Marcelino dos Santos morreu de velhice, na sua cama; Marcelo Caetano morreu exilado no Brasil; e o inclusivo Papa Paulo VI, pela sua áurea de anti-colonialista, de progressista, no entanto condenatório da regulação artificial da natalidade, subirá aos altares, beatificado em 2014 e canonizado em 2018, pelo Papa Francisco.

O ano português de 1970 foi tempo de mutação.

O desgaste físico e moral pelos 10 anos de luta evidenciava-se nos três teatros de guerra no Ultramar, com ambos os beligerantes a braços com a sua rejeição, a falta de recursos humanos, refractários, deserções e aquela audiência papal teve repercussões nas chancelarias internacionais e na própria Igreja portuguesa.

Os sacerdotes deixaram de invocar o auxílio do “Deus dos exércitos” e alguns sacerdotes mais corajosos falavam abertamente contra a guerra ultramarina nas suas homilias, havia excursões populares às suas missas, lembro os padres Feliciano Alves, os capelães militares Mário de Oliveira e Arsénio Puim, estes dois camaradas da Guerra Guiné, expulsos do Exército e do sacerdócio.

Nesse mesmo ano, Maurice Schumann, notável ministro francês e um dos pais da União Europeia, veio a Lisboa instar Marcelo Caetano, estava na altura da solução política, para não deitar tudo a perder, incitou-o a imitar ofereceu a ajuda da França e da CEEE, este confidenciou-lhes a sua impossibilidade, alegando o impedimento do Exército e o seu receio da separação transformar Moçambique num estado racista, apoiado pela África do Sul, sendo plausível que respaldado no facto de, em Janeiro, os USA terem reatado o fornecimento de material militar, abrindo as portas ao rearmamento tecnológico das FA Portuguesas, designadamente de aviões Mirage e da panóplia de mísseis. Havia um ano que a Força Aérea alertara o Governo da forte possibilidade de o PAIGC vir a dispor de aviões MiG e da nova geração de mísseis antiaéreos soviéticos.

Como Alto-comando funcionava e decidia em Lisboa, com o Decreto-Lei 49 170 de Junho, Marcelo Caetano cometeu a responsabilidade das operações nos três teatros de guerra ultramarina aos respectivos Comandantes-Chefes e investiu três provincianos nesses cargos, a nata do corpo de generais de Portugal – António de Spínola, Guiné; Kaúlza de Arriaga, Moçambique e Costa Gomes, Angola.

 O General Costa Gomes, com a prestação do General Bethencourt Rodrigues (que virá a render Spínola na Guiné), resolveu a guerra em Angola; o General Kaúlza de Arriaga encostou a FRELIMO às cordas da derrota com a “Operação Nó Górdio” (os seus detractores dizem que não, mas o comandante seu oponente, o insuspeito Presidente Samora Machel, afirmou que sim), mas foi “derrotado” pelo massacre de Wirimau); e o General António de Spínola, o mais politizado, idealista e “romântico” dos três, não fez o caminho da derrota militar do PAIGC, antes fez o caminho da promoção social das populações e do progresso do território, falhou a manobra no Chão Manjaco (a tragédia dos 3 Majores), logrou um êxito parcial na “Operação Mar Verde” a Conacri (libertação de cerca de 3 dezenas de prisioneiros militares portugueses), mas foi “derrotado” pelo assassinato de Amílcar Cabral.

Um exército pode levantar-se contra a invasão de outro exército, mas não contra a invasão de uma ideia (Victor Hugo).

E a Guiné, calcanhar de Aquiles do Ultramar (Amílcar Cabral), passou a cancro corrosivo das FA Portuguesas (Saturnino Monteiro).

Grandezas e misérias da espécie humana.

Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série 13 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21071: (In)citações (163): Sermão antirracista do Padre António Vieira: "Cada um é da cor do seu coração" (seleção: António Graça de Abreu)

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20880: Notas de leitura (1280): “O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Março de 2017:

Queridos amigos,
O conteúdo deste livro impõe-se por si: identificasse o tipo de jornalismo que existiu durante o período que abarcou a guerra colonial, como se encenavam as notícias, como nos jornais, rádio e televisão atuavam os ideólogos do Estado Novo; depois quais eram os mecanismos da censura e da autocensura, vão depor nomes sonantes do jornalismo, tenho para mim que a peça que passará à história é do jornalista Moutinho Pereira.
Haverá testemunhos e interrogações sobre história e jornalismo, desinformação e descolonização. Dirão alguns que da leitura deste livro resultará o que já sabíamos, o jornalismo tinha tremendas condicionantes e a censura era implacável, mas o mais importante é que ficou a visão dos autores, e há quem saiba expender juízo sobre o seu trabalho jornalístico, entre a realidade e a ilusão, e mesmo a memória que ficou desse jornalismo.

Um abraço do
Mário


O jornalismo português e a guerra colonial (3)

Beja Santos

Sílvia Torres
“O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016, é um laborioso trabalho de pesquisa e de inquirição a protagonistas diretos na ótica de uma dupla temática: como era feita a cobertura jornalística dos jornalistas portugueses da Metrópole e das províncias ultramarinas envolvidas no conflito, uma investigação que obrigou a identificar o jornalismo português durante o Estado Novo, quais os meios de comunicação portugueses vigentes nas colónias/províncias ultramarinas sobretudo durante a guerra colonial, com se fabricavam as notícias, como agia a censura, sob que prisma atuava, e com base em testemunhos de alguns dos protagonistas diretos este género jornalístico é de estudo indispensável na investigação histórica.

José Manuel Barroso foi colaborador dileto de António Spínola, esteve na Guiné entre Julho de 1972 e Maio de 1974, como capitão miliciano; antes do 25 de Abril, como jornalista, passou pelas redações dos jornais Comércio do Funchal e República. Viu nascer o livro  "Portugal e o Futuro", que virá a ser publicado em Fevereiro de 1974:

“O livro começou a ser construído, ainda em Bissau, no final de 1972, início de 1973, com tarefa de sistematização a que se dedicou o Tenente-Coronel Pereira da Costa, que havia sido Chefe da Repartição de Informações do Comando-Chefe. A base conceptual do livro era constituída pelos discursos e pela posição de Spínola sobre a política ultramarina, já reunida em diversos volumes ao longo dos anos de governo da Guiné. Spínola distribuía os capítulos do original por alguns dos seus mais próximos colaboradores, pedindo sugestões e críticas, que depois recolhia e incorporava, ou não, no texto base. Após esta fase, o livro ainda teve outras leituras externas, até atingir a versão final”.

Confessa que trabalhou numa atmosfera a alguns títulos estimulante, havia a guerra e a visão particular de Spínola sobre a guerra e a política ultramarina.

Preparava notícias que Spínola aprovava. Perguntado sobre o que é que era proibido noticiar respondeu que não se utilizavam por exemplo informações relacionados com êxitos do inimigo.

“No entanto, por vezes, escrevia-se sobre essas vitórias para obter uma reação de Lisboa, mostrando que a situação estava pior e que havia cada vez mais problemas. Explica como se fez a intermediação entre Spínola e Raul Rego e como fez de intermediário e Mário Soares". 

Spínola cessa funções em Agosto de 1973, é substituído por Bettencourt Rodrigues, perguntam-lhe o que mudou nas suas funções, nada aconteceu, responde.

A grande peça da entrevista que este volume organizado por Sílvia Torres oferece foi feita ao jornalista Moutinho Pereira. Avisa o entrevistador que o que vai dizer não é nada agradável.
Logo a origem da guerra colonial, é cortante e direto:

“Até 1961, Angola pertencia a meia-dúzia de entidades. Entre elas estavam os senhores do café. Quando se desencadeou a guerra no Norte de Angola, além dos colonos portugueses, houve uma população negra que foi muito vitimada: os Bailundos. E o que faziam os Bailundos ali, se são do Sul, das terras do planalto do Huambo, e se são inimigos tradicionais das tribos do Norte, como os Bacongos? 

"Os Bailundos eram contratados para ir tratar nas roças de café – só a vida desses contratados é uma longa e terrível história. Sempre que havia problemas no Norte, criava-se uma tropa de Bailundos para lutar contra os Bacongos. Havia um ódio tribal antigo, que foi explorado e mantido pelas autoridades portuguesas durante séculos. A zona do café é a zona dos dembos, que coincide com o reino dos Dembos. Ao contrário do que dizem, o início da guerra não tem a ver com outras descolonizações, o início da guerra está ligado à exploração do café. Todas as revoltas dos Dembos estão relacionadas com altas na cotação do café, que levam os proprietários de plantações a alargarem-nas ainda mais, entrando na terra dos outros, como se não tivessem dono”.

Louva as personalidades de Ferreira da Costa e de Fernando Farinha. Esteve em Mucaba numa das colunas do Tenente-Coronel Maçanita, teve cuidado no que escreveu, e diz que nessa reportagem referiu-se que a tropa da UPA incluía chineses. Sobre o conflito disse que a guerra em Angola foi sempre a mesma.

“Era uma guerra desgastada, em que ninguém ganhava, e isso sabia-se. O conflito só teve um sobressalto quando o MPLA abriu a frente Leste".

E volta a ser cortante e direto:  

“Os portugueses escondem os factos mais relevantes da guerra, porque parece mal, porque os militares que foram para lá segundo a historiografia oficial, foram vítimas de um governo fascista que os obrigou a ir combater contra os nossos irmãos africanos. A verdade está nessa história do café, está no facto de ser proibido ter fábricas de algodão – e a história da Cotonang (Companhia Geral dos Algodões de Angola) é outra que está por contar. Fala-se muito dos massacres de 1961, que foram muito divulgados em Portugal, juntando a UPA e o MPLA na mesma panela, e que de facto foram horríveis, mas ninguém fala dos horrores das fossas comuns que se lhe seguiram e de outras barbaridades mais”.

Explica a sua técnica de observação para a elaboração das suas reportagens. Nunca esqueceu a entrevista que fez ao General Costa Gomes publicada na Notícia a 17 de Outubro de 1970:

“É a primeira vez que se diz que a guerra não tem solução militar, que tem de ter uma solução política. É a primeira vez que se diz quanto é que se está a gastar com a guerra e quem é que a está a pagar”.

Depõem ainda Otelo Saraiva de Carvalho sobre o seu trabalho na Guiné, seguem-se os testemunhos do jornalista Avelino Rodrigues que entrevistou Spínola para o Diário de Lisboa e onde se usou o termo de autodeterminação, Spínola disse que o termo não o incomodava.

Manuela Gonzaga fala do seu trabalho no jornal Notícias, de Lourenço Marques e faz a seguinte observação acerca do teatro de guerra e da vida normal das populações mais a Sul:

“Era como se houvesse dois números, em planos sobrepostos, que, por vezes, entravam em dramática colisão, acordando-nos para um fim que se avizinhava, mas que ninguém, a começar pelas mais altas autoridades da nação, queria ver. Na capital, a guerra não existia. Mas, em breve, o hospital de Vila Cabral rebentava pelas costuras para responder a situações graves. Nesses casos, os soldados tinham que ser transferidos para o Hospital Militar de Nampula em helicópteros cujas pás de ventoinha gigante acabaria por desencadear em muitos civis e militares um reflexo condicionado de puro horror”.

Seguem-se ainda outras entrevistas e no final do livro Aniceto Afonso, José Manuel Tengarrinha e Joaquim Furtado debruçam-se sobre descolonização, desinformação e investigação histórica. Joaquim Furtado adianta que “A consumação das descolonização, nos termos em que ocorreu, é um resultado de desinformação generalizada que atingia também os jornalistas. Mais do que qualquer outra forma de repressão, a censura terá sido o instrumento do Estado Novo cujos efeitos mais penalizaram o desenvolvimento de Portugal, até hoje”.

Insiste-se que este livro sobre o jornalismo português e a guerra colonial é incontornável para todo e qualquer trabalho de investigação histórica no que toca às três frentes que travámos na guerra de África.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20853: Notas de leitura (1279): “O jornalismo português e a guerra colonial”, com organização de Sílvia Torres, Guerra e Paz Editores, 2016 (2) (Mário Beja Santos)