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terça-feira, 16 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22723: In Memoriam (418): Júlio Miguel Massé Ayres Mendonça (1945-2021), ex-Fur Mil da CART 2410 - "Os Dráculas" (Gadamael e Ganturé, 1968/70) (Luís Guerreiro)

IN MEMORIAM

Júlio Miguel Massé Ayres Mendonça (20/10/1945 - 7/11/2021)
Ex-Fur Mil da CART 2410 - "Os Dráculas" - (Gadamael e Ganturé, 1968/70)


1. Mensagem do nosso camarada Luís Guerreiro (ex-Fur Mil, CART 2410 e Pel Caç Nat 65, Gadamael e Ganturé, 1968/70), com data de hoje, 16 de Novembro de 2021:

Amigo Luís

Venho participar mais um falecimento de mais um "Drácula" da Cart 2410.
Desta vez foi o ex-furriel mil Júlio Miguel Massé Ayres Mendonça, 20/10/1945 - 7/11/2021.
Óptimo camarada sempre com alegria estampada no rosto, paz à sua alma.

Com ele já partiram 7 dos 15 ex-furriéis da Cart, são eles:
António Mourato
Júlio Mendonça
Fernando Almeida
António Homem
Fernando Silva
Laurindo Lopes
Victor Amorim

Junto envio duas fotos dele.
Esta é a lei da vida da qual ninguém escapa.

Cumprimentos
Luís Guerreiro

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22678: In Memoriam (417): Queta Baldé (1943-2021), ex-Soldado do Pel Caç Nat 52 e 2.ª CComandos Africana, falecido em Lisboa

quinta-feira, 25 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22036: In Memoriam (388): Aníbal Jerónimo, ex-Alf Mil Inf, CMDT do 4.º GCOMB/CART 2410 (Gadamael e Guileje, 1968/70), falecido no passado dia 20 de Março (Luís Guerreiro, ex-Fur Mil Inf)

IN MEMORIAM

ANÍBAL JERÓNIMO
Ex- Alf Mil Inf, CMDT do 4.º GCOMB/CART 2410 (Gadamael e Guileje, 1968/70)



1. Mensagem do nosso camarada Luís Guerreiro (ex-Fur Mil, CART 2410 e Pel Caç Nat 65, Gadamael e Ganturé, 1968/70), com data de 24 de Março de 2021:

Caro camarada Luis Graça
Caso seja do interesse do blogue, que publicassem a noticia do falecimento do ex-Alferes Miliciano Aníbal Jerónimo do 4.º Grupo de Combate da CART 2410 no dia 20 de Março de 2021.

Grande camarada que custa ver partir assim de repente.
Tivemos bons tempos e tempos de grande sacrifício, tanto em Ganturé, Gadamael, e Guileje.

Agora só resta relembrar esses tempos, porque pouco a pouco vamos partindo para outros destinos.

Envio duas fotos uma dele, e outra estando eu e ele em Guileje.

Por agora um grande abraço
Luís Guerreiro


Luís Guerreiro, à esquerda, acompanhado pelo ex-Alf Mil Aníbal Jerónimo, falecido no passado dia 20 de Março

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Nota do editor:

Ao Luís Guerreiro o nosso abraço solidário pela perda do seu camarada de armas e, à família do  ex-Alf Mil Aníbal Jerónimo, em especial, os mais sentidos pêsames da tertúlia deste Blogue de Antigos Combatentes da Guiné assim como dos editores.

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22027: In Memoriam (387): José Augusto Miranda Ribeiro (1939-2020) - Parte II: Foi professor primário e autarca em Condeixa-A-Nova... Em Cabo Verde, apaixonou-se pela fotografia

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15038: FAP (83): Pedaços das Nossas Vidas: VI - Um ataque com "olhos azuis" - II Parte: Um ataque atípico no dia 6 de Janeiro de 1969 (José Nico, Gen PilAv)

1. Segunda parte do trabalho da autoria do General PilAv José Francisco Fernando Nico, versando a ajuda da Suécia aos Movimentos de Libertação africanos, durante a guerra colonial, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74) em 22 de Agosto de 2015.

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PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS

Cumpri muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos irei dando conta…
José Nico
Gen PilAv



VI – UM ATAQUE COM “OLHOS AZUIS” (2)

Um ataque atípico no dia 6 de Janeiro de 1969

Naquela segunda-feira, a notícia de um ataque com canhões, ao início da manhã, a Gadamael Porto, sede da CArt 2410 deu logo a ideia de que qualquer coisa estranha estava a acontecer. Não era nada normal o PAIGC desencadear flagelações àquela hora. O que era normal era atravessarem a fronteira durante o dia, estabelecer bases de fogos e depois esperar pelo fim do dia para desencadear os ataques. Podiam depois retirar a coberto da noite, em segurança, com a certeza que, nem o Exército tinha condições para os perseguir, nem a Força Aérea para os detectar e atacar.

Na Base 12 o dia de trabalho estava a começar e o pedido de apoio aéreo que chegou através do Comando-Chefe fez os dois pilotos da parelha de alerta largar o pequeno-almoço, apanhar rapidamente o equipamento e meterem-se no jeep de apoio em direcção à linha da frente. Lembro-me de ter ouvido o que se estava a passar mas tinha outras missões para esse dia e não cheguei a envolver-me no que aconteceu depois. No entanto, num cantinho da memória persiste uma sensação de choque associada à notícia porque fiquei com a perturbante impressão de que tínhamos entrado numa nova fase da guerra.

Dos G-91 prontos na linha da frente, os dois de alerta, como era normal naquela altura, estavam configurados com tanques de combustível externo, 8 foguetes 2,75 polegadas e as 4 metralhadoras 12,7mm19. Não havendo outras informações para ajuizar a situação no terreno o que a experiência ensinara era que a presença dos aviões faria o PAIGC “encolher as unhas” e terminar o ataque. Os dois pilotos procuraram, por isso, descolar e chegar o mais rapidamente possível a Gadamael Porto.

Apesar de andar empenhado na recuperação deste episódio há muito tempo, porque penso que deve ficar registado na nossa memória colectiva, não consegui identificar até agora um dos dois pilotos envolvidos. Por exclusão de partes e porque éramos muito poucos, penso que foi o Capitão Amílcar Barbosa20 o chefe da parelha de alerta, mas não tenho a certeza absoluta. O outro piloto está bem identificado e foi o então Tenente Balacó Moreira de quem obtive muita da informação sobre o que se passou.

Dos registos sobreviventes sabe-se que os aviões descolaram às 09H00, que a flagelação teria começado cerca de uma hora antes e visava objectivamente Ganturé, a curta distância de Gadamael Porto onde, para além de um pequeno núcleo populacional, estava destacado o 4.º grupo de combate da CArt 2410. Numa primeira fase os rebentamentos foram espaçados e compridos dando a impressão que o inimigo estava a regular o tiro21. De Ganturé a resposta estava a ser dada com o morteiro 81 operado pelo furriel miliciano Luís Guerreiro. Com o correr do tempo o PAIGC foi aumentando a frequência dos disparos até que a artilharia de Gadamael Porto também entrou em acção na tentativa de suster a flagelação mas sem resultado. O PAIGC disparava cada vez com mais intensidade mas, felizmente, as granadas passavam silvando sobre Ganturé e iam danificar o arvoredo que se estendia para lá da posição.

Em rota, a parelha de alerta conseguiu entrar em contacto rádio com Gadamael Porto que forneceu uma série de indicações sobre a direcção e distância a que entendiam estar a ser feito o ataque e até dispararam algumas granadas de fumo com o morteiro 81mm para tentar sinalizar esse local. Na carta 1:50.000 essas indicações apontavam para a antiga tabanca de Bricama a cerca de dois quilómetros a SW de Gadamael Porto. No entanto, quando os aviões chegaram à zona, ao passarem junto a Sangonhá, onde estivera instalada uma unidade do Exército até 29 de Julho de 196822, os pilotos foram surpreendidos com o que viram: o perímetro do antigo aquartelamento estava pejado de gente. Perceberam imediatamente que só podiam ser os guerrilheiros responsáveis pela flagelação a Ganturé. Mas o mais espantoso é que estavam ali, num espaço completamente aberto e sem qualquer espécie de camuflagem. Quase à vertical alguns detalhes tornaram-se então claramente perceptíveis como a presença de três armas com rodado. Uma delas, entre o perímetro do aquartelamento e a antiga pista, era uma anti-aérea ZPU-4 que abriu imediatamente fogo contra os aviões obrigando os pilotos a entrarem num circulo alargado para manter uma distância de segurança. Dentro do perímetro do aquartelamento, no meio dos destroços dos edifícios23, estavam duas peças de artilharia com um cano relativamente comprido e, na picada que saindo de Sangonhá se dirigia à Guiné-Conacri, viam-se algumas viaturas incluindo uma ambulância. Deviam ter vindo de Sansalé que era uma pequena aldeia da Guiné-Conacri muito utilizada pelo PAIGC nas suas movimentações junto à fronteira.

O que é que teria passado pela cabeça daquela gente para se expor daquela maneira? O PAIGC e os seus mentores cubanos vinham seguindo à risca a cartilha da guerra de guerrilha mantendo-se sempre encobertos e só atacando quando estavam em vantagem. Quando se sentiam em desvantagem furtavam-se ao contacto. No entanto, desta vez, estavam a fazer tudo ao contrário, de tal maneira que os dois pilotos dos G-91 tiveram dificuldade em assimilar a imagem que a vista lhes oferecia com toda a nitidez. Seria mesmo real o que estavam a ver? O ex-Tenente Balacó Moreira confessa que da sua experiência em operações quase diárias no teatro de operações da Guiné nunca tinha dado de caras com o inimigo numa situação tão vulnerável. No entanto, os aviões da parelha de alerta não estavam equipados para intervir naquele cenário. Quer os foguetes, quer as metralhadoras, para serem eficazes só podiam ser disparados a uma distância relativamente curta do alvo, bem dentro da densa e eficaz nuvem de projécteis cuspidos pelos canos da ZPU-4 à razão de 2400 tiros por minuto. Pela sua extensão e natureza aquele alvo exigia mais aviões e também munições mais capazes.

O comandante da parelha decidiu por isso abandonar a área e regressar imediatamente à BA12 para que a situação fosse ponderada e tomada uma decisão adequada às circunstâncias. Em qualquer caso, a partir desse momento era tudo urgente porque a guerrilha, tendo sido detectada, devia começar a desmobilizar e desapareceria rapidamente nas matas que rodeavam Sangonhá. Cada minuto de atraso na resposta aumentava exponencialmente as probabilidades de insucesso. Depois de informar Gadamael que iam regressar a Bissau o comandante da parelha entrou em contacto com o Centro Conjunto de Operações Aéreas (CCOA).
- Marte, Tigres chamam!
- Marte à escuta, transmita!
- Informe o Pirata24 que estamos a regressar a Bissau. A situação em Gadamael é a seguinte: flagelação a Ganturé continua a partir da pista de Sangonhá. Em Sangonhá vê-se muita gente no chão, uma quádrupla que abriu fogo quando os aviões se aproximaram, dois canhões com rodado, diversas viaturas e uma ambulância. Sugiro preparação de mais aviões com bombas. Diga se copiou.  - Afirmativo Tigres, tudo copiado vou já passar ao Pirata - respondeu o oficial de serviço.

Tinham passado trinta minutos depois da descolagem quando os dois aviões tocaram na pista de Bissalanca e iniciaram uma rolagem rápida para o estacionamento.

Furriel Miliciano Luís Guerreiro operando o morteiro de Ganturé
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Notas:

19 - Esta configuração “standard” permitia alcançar qualquer ponto do território, garantia algum tempo de permanência sobre o alvo mesmo no extremo Leste e dava alguma capacidade de intervenção se não existisse reacção AA.

20 - Cap PilAv Amílcar Barbosa, nascido em Cabo Verde e originário da Esquadra 51 de Monte Real que morreu no ano seguinte, no campo de tiro de Alcochete, ao lançar uma bomba equipada com uma espoleta experimental que funcionou mal.

21 - Não foi certeiro na fase de regulação, nem foi certeiro depois por razões que se explicam no texto.

22 - Na reestruturação do dispositivo ordenada pelo Brigadeiro António de Spínola depois de tomar posse como Governador e Comandante-Chefe, as posições de Sangonhá e Cacoca que ficavam entre Gadamael Porto e Cacine foram abandonadas.´

23 - Os edifícios foram destruídos pelo Exército quando a posição foi abandonada em 29 de Julho de 1968.

24 - Indicativo pessoal do Comandante do Grupo Operacional 1201 que na altura era o TCor PilAV Francisco Dias da Costa Gomes.

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A decisão

Assim que foi informado do que se passava, o Tenente-Coronel Costa Gomes pôs o Comandante da Zona Aérea, Coronel PilAv Diogo Neto, ao corrente da situação. Minutos depois este entrava no gabinete do Comandante do Grupo já com a caldeira a toda a pressão o que nele se percebia facilmente pela veia que no pescoço inchava notoriamente quando a tensão arterial subia. A primeira ideia que lhes ocorreu foi lançar uma operação helitransportada mas rapidamente perceberam que não só era demasiado arriscado como ia demorar muito tempo. De facto, com o número de helicópteros prontos não seria possível transportar mais que trinta paraquedistas o que era muito pouco. Não haveria surpresa e, além disso, não havia uma zona de aterragem reconhecida nem havia ideia do perímetro defensivo do PAIGC à volta de Sangonhá. A aterragem dos helicópteros teria de ser feita numa clareira ad hoc e relativamente longe do alvo não só porque não se sabia por onde andavam os guerrilheiros mas também por causa da ZPU-4. Acresce que se esta não fosse eliminada pelos G-91, o que não podia ser garantido, o apoio de fogo aos paraquedistas não seria exequível. Era também preciso reunir e preparar os homens o que iria demorar pelo menos uns 45 minutos. Finalmente, a velocidade do AL III também não ajudava. Tudo somado, mas em especial o risco de lançar trinta homens num local pejado de guerrilheiros, sem informações adequadas, fê-los desistir imediatamente da ideia.

As hipóteses de acção ficaram assim reduzidas aos G-91 e a quatro pilotos. Os dois da parelha de alerta que estava a aterrar, o Comandante da Zona Aérea e o Comandante do Grupo Operacional. Os restantes pilotos de G-91 estavam empenhados noutras missões e não estavam disponíveis. Também não havia tempo para montar a carga máxima nos aviões porque era preciso retirar os tanques de combustível e as calhas dos foguetes dos aviões que tinham ido a Gadamael e montar os suportes que permitiam levar duas bombas de 50kg em cada asa, em quatro aviões. Tudo no mínimo tempo possível. Assim, em vez de um total de 8 bombas de 200kg mais 16 bombas de 50kg foi dada ordem ao pessoal de armamento para montar apenas 8 bombas de 200kg mais 8 bombas de 50kg.

Entretanto, o Comandante-Chefe já tinha sido informado do que se estava a passar e quis falar com o Coronel Diogo Neto. Este meteu-se na viatura e lá foi ao Forte da Amura explicar o que lhe parecia mais razoável e eficaz. Como era de esperar a preferência do Brigadeiro Spínola ia para o emprego dos paraquedistas mas depois de ouvir as explicações do coronel concordou e deu o seu aval ao “plano de acção”.

Na BA12 os mecânicos e o pessoal de armamento, cientes da urgência da missão, esforçavam-se para aprontar os aviões o mais rapidamente possível. Não conseguiram porém evitar que o Coronel e os outros três pilotos que entretanto tinham chegado à linha da frente, completassem as inspecções e ficassem à espera, já sentados no cockpit, que o processo de configurar os aviões com as bombas de “fins gerais” terminasse. Mal as pontas dos arames de armar as espoletas foram cortadas e o sinal de tudo pronto foi passado aos pilotos, começaram a ouvir-se, numa sequência um pouco desencontrada, os silvos dos cartuchos de arranque à medida que iam sendo disparados seguidos do ronco surdo das turbinas em aceleração.


Canhão Zis-2 AC 57 mm pronto para ser atrelado a uma viatura de reboque. Imagem provavelmente relacionada com o ataque a Ganturé cedida pela Fundação Mario Soares.



Situação geral no terreno na manhã de 6 de Janeiro de 1969

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Era impossível falhar um alvo daquele tamanho

Os quatro aviões conseguiram descolar por volta das 11H00, três horas depois do início do ataque a Ganturé e hora e meia depois do regresso da parelha de alerta. A esperança de encontrar a guerrilha ainda em Sangonhá era já muito ténue e todos tinham consciência disso. À frente, no G-91 5408, o Coronel Diogo Neto subiu logo para os 8000 pés que era a altitude standard para iniciar o bombardeamento a picar (BOP) e acelerou para 400 KIAS apontado a Cacine. Os outros três seguiam-no numa formação de marcha bastante aberta.

A rota iria permitir que os aviões passassem Cacine já escalonados para o ataque e com Sangonhá a ficar na raiz da asa esquerda de modo a garantir uma picada com o sol mais ou menos “nas costas”. Sempre que tínhamos de enfrentar fogo anti-aéreo utilizávamos este procedimento para dificultar a pontaria aos apontadores e, neste caso, também a direcção do ataque ficava próxima do eixo maior do alvo.

Como seria de esperar os quatro pilotos estavam apreensivos e como acontecia sempre em acções mais complicadas o silêncio rádio foi completo. A única comunicação que o ex-Tenente Balacó Moreira, que voava a número dois no G-91 5412, se recorda foi a ordem para armar as bombas e passar a escalão pela direita quando passaram sobre o rio junto à povoação de Cacine. Logo a seguir cada um começou a tentar vislumbrar o alvo mas só no momento em que manobravam o respectivo avião para conseguir um “poleiro” que desse um bom angulo de picada é que foi possível perceber alguma coisa do que se passava “lá em baixo”. Balacó Moreira recorda-se que a quantidade de pessoas que avistou na zona do antigo aquartelamento era muito menor do que da primeira vez e que havia viaturas em movimento.
- Estão a retirar – pensou para consigo próprio.

A seguir viu o número um “pranchar” e voltar apertado pela esquerda subindo inicialmente acima da altitude inicial e depois, continuando a aumentar o pranchamento, mergulhar desaparecendo do seu lado esquerdo. Baixou a asa desse lado para tentar seguir a trajectória mas rapidamente o avião começou a ficar cada vez mais pequenino à medida que acelerava e se afastava em direcção ao solo. Naqueles escassos segundos não viu chamas à boca dos canos da ZPU-4. Quando o Coronel Diogo Neto avisou pelo rádio que tinha acabado de largar as bombas e estava em afastamento procurou efectuar uma última correcção à posição do seu avião. Naquele momento se a ZPU-4 disparava ou não já não lhe interessava para nada. A interpretação dos instrumentos de voo e o controlo da trajectória para posicionar o avião num ”poleiro” favorável não deixavam margem para se preocupar com o inimigo. Entrou então numa picada que lhe pareceu boa e depois foi corrigindo os desvios de modo a fazer o rectículo do visor caminhar progressivamente para um ponto atrás do rebentamento das bombas do avião da frente. O carrocel de ataque estava em marcha e com reacção ou sem reacção anti-aérea tinha era que acertar com as bombas no alvo, o maior de todos os alvos que atacou durante toda a comissão. Não falhou como não falharam os outros e ninguém foi atingido.

No final, os quatro aviões reencontraram-se à vertical do objectivo, circulando pela esquerda à altitude de ataque. Lá em baixo, Sangonhá ficara obscurecida pelo fumo e pelos detritos projectados pelas explosões dando a impressão que tudo tinha sido arrasado. Imagem bem enganadora que conheciam muito bem dos ataques aos “clusters” de armas AA que o PAIGC durante o ano de 1968 tinha tentado instalar em diversos pontos do Quitafine. Desfeita a poeirada constatava-se muitas vezes que as armas AA continuavam a disparar embora relativamente perto se avistassem as enormes crateras abertas pelas bombas. O que acontecia era que a combinação bomba/espoleta que utilizávamos penetrava demasiado no solo arenoso provocando crateras enormes que deflectiam os estilhaços para o ar sem causar danos significativos no plano horizontal.

Desta vez, o solo era certamente mais consistente porque as crateras pareciam pouco profundas, com uma assinalável concentração na zona onde estava o armamento pesado. Os quatro aviões ficaram ainda alguns minutos a circular observando a metralhadora AA que era a grande preocupação mas que parecia inactiva desde o início. Lá do alto constataram que nada parecia mexer. Nenhum dos aviões tinha sobreposto o tiro ao dos outros e as dezasseis bombas tinham produzido uma cobertura relativamente densa. Só não era possível era determinar se o ataque tinha sido eficaz em termos de baixas no inimigo.

Depois, sem armamento, nada mais havia a fazer e o comandante da formação deu ordem para abandonar a área e regressar à BA12.

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O reconhecimento a Sangonhá

Três dias depois, a 9 de Janeiro de 1969, a Cart 2410 executou um reconhecimento a Sangonhá com cerca de 100 homens - militares, milícias e caçadores nativos (Gadamael e Ganturé ficaram reduzidos ao mínimo de pessoal para a sua defesa)25. A força foi comandada pelo ex-Alferes Miliciano Albino Rodrigues, que era o comandante do 1.º Grupo de Combate, ficando o Comandante da Companhia em Gadamael.

Saíram de Gadamael por volta das 6 horas da manhã, sem qualquer apoio de viaturas, normais ou blindadas. Às 08:30 descolou de Bissalanca o DO-27 3347, pilotado pelo Tenente Balacó Moreira, com a missão de apoiar a progressão no terreno e em particular coordenar o apoio de fogo se fosse necessário.

Em todo o percurso até Sangonhá não foram detectados trilhos novos, nem foram encontrados os habituais invólucros de granadas de morteiro ou de canhão S/R que os guerrilheiros normalmente deixavam espalhados no terreno após as flagelações.26

Após a passagem a vau do rio QUERUANE/AXE, e uns 200 ou 300 metros à frente, numa pequena elevação do terreno, foram encontrados os restos de uma fogueira (a noite de 5 para 6 tinha sido fria) junto a uma árvore alta com vestígios de ter sido utilizada como posto de observação, quer pelo aspecto do tronco, quer por alguns ramos partidos. Logo 3 ou 4 metros depois encontraram fio telefónico que foi seguido até ao respectivo carretel vazio. Concluíram por isso que naquela árvore teria estado um observador avançado munido de linha telefónica para orientar o tiro dos canhões A/C estacionados em Sangonhá.

Desde este local e numa extensão de cerca de 3 quilómetros, havia abrigos individuais de um lado e outro da estrada, e também resíduos de fogueiras. Logicamente, a defesa avançada do dispositivo instalado em Sangonhá estendera-se ao longo da estrada para Gadamael Porto.

Com a força já a meio caminho descolaram então de Bissalanca 2 T-6G armados com foguetes SNEB de 37mm e metralhadoras 7,7mm27. A missão era permanecer em espera um pouco a Norte de Sangonhá e actuar à ordem do PCV (DO-27) caso fosse necessário dar apoio de fogo. Depois, às 11:30, quando a força estava próximo de Sangonhá descolaram de Bissalanca dois G-91 armados com foguetes de 2,75 polegadas e quatro metralhadoras 12,7mm. Os dois T-6 foram nessa altura reabastecer tendo voltado a descolar novamente para acompanhar o resto da operação.

A primeira indicação de que estavam próximos do objectivo foi dada pela grande quantidade de abutres (os feiosos jagudis) pousados nas árvores ou voando em círculos. Ao mesmo tempo, o pessoal começou a sentir o cheiro nauseabundo de corpos em decomposição.

A força distribui-se então de modo a formar uma longa linha perpendicular à estrada e foi nessa formação que avançaram cautelosamente. O que descobriram a seguir ultrapassou todas as marcas e foi tão chocante que o pessoal descurou momentaneamente as regras de segurança que vinha a manter.

 O ex-Alferes Miliciano José Barros Rocha, comandante do 2.º grupo de combate, recorda desta maneira o que viu e sentiu:

“…na antiga pista [de Sangonhá], armas destruídas e pedaços de corpos de negros e brancos e 13 sepulturas. Uns dias depois tivemos a informação de 36 mortos confirmados e muitos feridos.
" O aspecto do local era medonho! A terra, cuja cor natural é avermelhada, tinha a cor cinza! O intenso cheiro a putrefacção! Os abutres (jagudis) às dezenas! As árvores queimadas! Enfim..." (...).
 …………………………………
“…recolhemos 3 carretéis carregados de fio telefónico e um vazio, uma mina A/P, uma ferramenta para aperto de rodas, invólucros de granada do canhão A/C 57mm, meia pistola, munições intactas da A/A de calibre 14,5mm, bonés, chapéus tipo colonial, uma bandeira, uma caixa de ferramenta, e mais algumas bugigangas..”.

A força permaneceu em Sangonhá cerca de duas horas tendo regressado a Gadamael entre as duas e as três da tarde. Quando já estavam perto do quartel o Tenente Balacó Moreira aterrou o DO-27 em Gadamael e ficou a aguardar a chegada da força. Foi ele que levou para a BA12, em primeira mão, os resultados provisórios do bombardeamento no qual tinha participado. Levou também a óptica do aparelho de pontaria da ZPU-4 que lhe foi oferecida pelo comandante do 2.º grupo de combate e que ele entregou depois ao Tenente Coronel Costa Gomes.

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Notas:

25 - Testemunho do ex Alferes Miliciano José Barros Rocha da Cart 2410. [In blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > 23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha) b]

26 - Indicação muito forte de que a flagelação do dia 6 teria sido efectuada apenas com os canhões AC estacionados em Sangonhá.

27 - Esta configuração era muito eficaz para o apoio de fogo à forças terrestres. Cada avião estava municiado com 72 foguetes SNEB de 37mm e podia também utilizar as quatro metralhadoras 7,7mm.

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A razão para o suicídio do PAIGC em Sangonhá

Depois do reconhecimento a Sangonhá ficou por decifrar o que teria levado o PAIGC a efectuar aquela acção suicida. A prática normal da guerrilha não se ajustava, de modo nenhum, ao que acontecera no dia 6 de Janeiro de 1969. Não tinha sido apenas a hora a que foi desencadeada a flagelação, de manhã em plena luz do dia, mas também o facto do armamento e o pessoal estarem em campo aberto e serem facilmente detectáveis pelos aviões. Era ainda o recurso às peças anticarro na flagelação como se fossem obuses ou morteiros28.

Havia certamente uma justificação para este comportamento anómalo mas nenhum de nós imaginava qual poderia ser.

No dia 19 de Janeiro de 1969 coube-me efectuar no DO-27 3341 ”o sector de Buba” o que me deu a oportunidade de falar com os oficiais da CArt 2410. Foi nessa ocasião, pelo testemunho dos que tinham, de facto, posto os pés no que fora o “nosso alvo”, que me apercebi pela primeira vez da dimensão do desastre que o PAIGC tinha sofrido. Foi também nessa ocasião que o Alferes Barros Rocha teve a gentileza de me oferecer quatro munições da ZPU-4 que estivera instalada em Sangonhá e que tinha feito fogo contra os dois primeiros (pelo menos) G-91 que descolaram para tentar suster a flagelação a Ganturé. Destas quatro munições, como referi no início, ainda guardo uma comigo e, por arrastamento, a memória deste episódio.

Por acaso tudo se aclarou alguns dias mais tarde ao ler um relatório da DGS que chegou ao gabinete do Comandante do Grupo Operacional 1201. Para mim foi uma espécie de relâmpago que tudo iluminou e desvendou, num instante, a lógica daquele comportamento estranho do PAIGC. Não consegui agora encontrar nenhum registo desse documento mas o facto é que me marcou tanto que nunca mais esqueci o essencial do que li. Resumidamente, a DGS dava conta de que o ataque se tinha enquadrado numa acção de propaganda promovida pela Suécia. Na minha opinião, muito provavelmente a pedido do próprio Amílcar Cabral, resolveram aproveitar o abandono de Sangonhá para simular a tomada do aquartelamento pela guerrilha. O cenário não podia ser mais perfeito. Antes de abandonar a posição, as instalações do aquartelamento tinham sido destruídas pelo Exército e essa imagem podia ser facilmente mostrada em fotografia e filme como sendo consequência dos ataques do PAIGC. Depois, a posição “acabada de conquistar” podia ser utilizada para mostrar o poder de fogo do PAIGC contra as posições que se preparavam para conquistar a seguir: Ganturé e Gadamael. Uma equipa de repórteres, incluindo fotógrafos e cineastas deslocou-se para esse efeito à Guiné-Conacri onde se juntou aos guerrilheiros. Um total de 400 pessoas terão estado envolvidas em toda a operação segundo as informações do régulo Abibo de Ganturé.

Ficou assim explicado porque razão o PAIGC se tinha exposto em pleno dia a levar com as bombas da aviação. É que não era possível fotografar nem filmar sem luz. Também não fazia sentido estarem escondidos quando tinham acabado de derrotar e afugentar o inimigo. Tinham, é claro, a noção de que iam correr um grande risco e por isso o terem levado a ZPU-4 para se defenderem. Mas cometeram um segundo erro, este gravíssimo. Foram detectados e em vez de embalarem a trouxa e rumarem novamente à Guiné-Conacri deixaram-se ficar. Pessoalmente penso que, como os dois primeiros aviões não abriram fogo, assumiram que, ou os tinham atingido, ou os tinham dissuadido e resolveram continuar a fazer a “fita”.

Faltava explicar a utilização das peças anti-carro porque, como já foi dito, não eram, nem armas de guerrilha, nem adequadas às flagelações aos aquartelamentos. Não há mesmo conhecimento de terem sido utilizadas em qualquer outra ocasião.

Uma explicação muito credível ocorreu-me quando descobri algumas fotos dessas armas no arquivo Amílcar Cabral da Fundação Mário Soares. Fiquei até convencido que respeitam à acção do dia 6 de Janeiro de 1969. Passo a explicar.

O objectivo da operação era produzir propaganda, como referiu a DGS no seu relatório. Havia, por isso, necessidade de mostrar grande capacidade militar e poder de fogo, factores esses que estariam a determinar avanços do PAIGC no terreno nomeadamente a conquista de posições ocupadas pelos portugueses. Acontecia que aquelas peças anti-carro tinham um reparo longo, tinham rodas e um cano comprido. As eventuais audiências alvo da propaganda ficariam certamente muito mais impressionadas se o ataque fosse feito com estas peças de artilharia em vez dos tradicionais morteiros ou dos canhões sem recuo que eram armas relativamente pequenas. Só uma razão desta natureza os poderá ter levado a não utilizar o armamento tradicional nesta flagelação a Ganturé: nenhuma granada rebentou no perímetro do destacamento.

A título de curiosidade não devo terminar sem mencionar o único documento conhecido do PAIGC referente a este ataque. Trata-se de um bilhete enviado em 6 de Janeiro de 1969 por um dos mais celebrados comandantes do PAIGC, Pansau na Isna29, e dirigido a Aristides Pereira que estava na base mais próxima, Boké, na Guiné-Conacri. Na missiva para além de empolar a prestação da guerrilha, aparentemente para agradar ao chefe, solicita o envio de mais trezentas granadas para os canhões A/C e mais gasolina para continuar a atacar Ganturé “no duro”, o que não chegou a acontecer. Alguma coisa lhe terá quebrado o ânimo…

Bilhete enviado por Pansau na Isna a Aristides Pereira enquanto decorria o ataque a Ganturé. Documento cedido pela Fundação Mario Soares.

Concluindo, ironicamente pelo menos desta vez, a bondosa ajuda humanitária sueca cujo objectivo foi soprar “os ventos da história” contribuindo para a derrota militar dos portugueses não conseguiu infligir baixas às nossas forças. Ao invés, provocou um número substancial de mortos, feridos e incapacitados entre os guerrilheiros e, muito provavelmente, também entre os apoiantes cubanos, repórteres, fotógrafos e cineastas suecos. Que foram encontrados diversos despojos de pele branca é um facto mas nunca se conseguiu saber a quem teriam pertencido. O PAIGC e o governo sueco, em escrupulosa obediência às regras da propaganda nunca revelaram, nem durante a guerra, nem depois, este desastroso embate…
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Notas:

28 - As peças anticarro Zis-2, de 57mm, tinham sido projectadas para destruir os blindados alemães durante a II GG em tiro directo e mostraram-se tão desadequadas neste caso que nenhuma das dezenas de granadas disparadas caiu dentro do perímetro de Ganturé.

29 - Pansau na Isna não morreu em Sangonhá mas acabou por ser morto, no final do ano seguinte, pelos fuzileiros, a Norte de Bissau.

FIM
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 24 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15035: FAP (82): Pedaços das Nossas Vidas: VI - Um ataque com "olhos azuis" - I Parte: "O ideal missionário do povo sueco" e "A escapatória ética da ajuda humanitária sueca" (José Nico, Gen PilAv)

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Guiné 61/74 - P14165: Memória dos lugares (283): Gadamael... O enigma do acrónimo ou sigla ASCO que consta de um edifício em ruínas (que era messe de oficiais no tempo da CART 2410...) pode estar decifrado: trata-se de uma filial da empresa sírio-libanesa Aly Souleiman & Companhia (Luís Graça / Mário Vasconcelos)


 Um dos muitos anúncios de casas comerciais que existiam na Guiné em 1956. A empresa  Aly Souleiman & Companhia, com sede em Bissau, tinha filiais em diversos  pontos do território da Guiné, de norte a sul, ncluindo Bafatá e Gadamael. "Aly Souleiman  (apelido grafado à francesa...),  e não "Ali Suleimane" (à portuguesa) era um  próspero comerciante sírio-libanês.

 O acrónimo da empresa era ASCO, tal como o seu endereço telegráfico... Algumas das mais importantes empresas estrangeiras, e nomeadamente as de origem francesas, com negócios no Senegal e na Guiné portuguesa, usavam acrónimos: NOSOCO, SCOA, CFAO... Está, definitivamente, explicado o  mistério do acrónimo ASCO que aparece num edifício de Gadamael, e sobre o qual já especulámos bastante


Foto: © Màrio Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto: © Màrio Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 2410 (1968/69) > Messe e quarto de sargentos... Neste edificio funcionou a filial da empresa ASCO - Aly Souleiman & Companhia...  A misteriosa sigla, A.S.C.O., já lá estava nessa época, e continua lá. (*)

Foto (legenda): © Luís Guerreiro (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 10 de Outbro de 2010 > Detalhe  de um edifício abandonado, possivelmente dos anos 30/40 do Séc. XX > "Antiga messe de oficiais e depois hospital", escreve o Pepito, na legenda... Surpreendente foi, para  nós, a sigla ou acrónimo A.S.C.O. que encima a parte superior da parede lateral do edifício, com as letras ainda perfeitamente legíveis e bem conservadas, contrariamente ao resto do edifício, em ruínas... Tudo indica que essas letras tenham sido fixadas na parede em data posterior à construção do edifício (**),

Foto: © Pepito / AD -Acção para o Desenvolvimento (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Já aqui publicámos vários postes sobre esta sigla misteriosa... A hipótese de ser de uma casa comercial que por aqui terá existido antes da guerra, já tinha sido ventilada... 

Ontem, ao editar o poste P14164, e ser confrontado com o anúncio da casa comercial Aly Souleiman & Companhia, fez-se-me  luz e exclamei:

"Eureka!... Está decifrado o enigma da palavara ASCO erm Gadamael!"...

Este anúncio veio publicado na revista "Turismo", edição de janeiro/fevereiro de 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2 (número temático dedicado à Guiné, então a atravessar um período de expansão comercial, havendo lojas por todo o território).

Este e muitos mais anúncios de casas comerciais foram-nos facultados, para apreciação e eventual publicação,  pelo nosso camarada Mário Vasconcelos (***). 

A princípio era uma pista, mais concreta e verosímil... Mas havia um pequeno problema: qual o significado do O final ?... A sigla ou acrómimo aparece na parede sob a forma de quatro letras, separadas por um ponto: A. S. C. O. Trata-se seguramente de abreviaturas... Poderia ser Aly Souleiman & Companhia ?

Hoje não temos dúvida: na sequência de uma análise mais atenta e detalhada do anúncio  comercial , de 1956, verificamos que a sigla ASCO   é o endereço telegráfico da firma! (****)

Há uma diferença entre sigla e acrónimo:

Sigla é o vocábulo formado com as letras ou sílabas iniciais de uma sequência de palavras e que geralmente se pronuncia soletrando o nome de cada letra (ex.: UE = União Europeia; FMI= Fundo Monetário Internacional; OMS = Organização Mundial de Saúde; PAIGC=Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde; UNL = Universidade NOVA de Lisboa)

Citação: "sigla", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/sigla [consultado em 20-09-2017].

Acrónimo é a alavra formada com as letras ou sílabas iniciais de uma sequência de palavras, pronunciada sem soletração das letras que a compõem (ex: OVNI = Objecto voador não identificado, PALOP = País africano de língua oficial portuguesa; FRELIMO=Frente de Libertação de Moçambique).

"acrónimo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/acr%C3%B3nimo [consultado em 20-09-2017].
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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13850: (Ex)citações (246): Ainda o rebentamento de uma granada no meio da população de Ganturé, durante um batuque (Mário Vitorino Gaspar)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 31 de Outubro de 2014:

Camarada Luís Graça e Carlos Vinhal,
Não fui, não sou, nem nunca serei uma pessoa de guardar rancores. Não tenho, felizmente, inimigos, mas sim amigos, alguns a quem costumo designar “amigos à distância”, isto porque vivem longe. Eles estão bem presentes no dia-a-dia na minha vida. Recordo-os sempre.

Como exemplo dou o Lançamento do meu Livro, num dia chuvoso, no Forte do Bom Sucesso, local lindo mas distante, e a um horário (17H30) não convidativo. A sala estava repleta de amigos que vieram até do Porto.

Sucede que no Livro “O Corredor da Morte” – no Capítulo 9, com o título “O Rebentamento durante o Batuque”, descrevo esse acontecimento. Sucedeu que foram poucos os camaradas do Blogue que leram o Livro. Em Monte Real vendi 24 exemplares, e fizeram-me mais umas 12 encomendas. Vendi portanto 36 livros aos Camaradas.

[Capa do  livro "O Corredor da Morte", edição de autor, Lisboa, 2014; encomendas através do endereço: 
mariovitorinogaspar@gmail.com ].


Esse capítulo foi um dos mais difíceis que tive quando pensei passar para o papel esse drama, iniciado pelas 20h00 do dia 4 de Julho de 1967, até às 09H00 do dia 5. Minutos antes abandonei o batuque e fui jogar poker.

Foi um dos dias mais terríveis da minha Comissão.

Segundo consta na História da Unidade: “Trata-se do atentado cometido em Ganturé, contra a população, em 4 JUL67, através do lançamento de uma granada que explodiu durante um batuque de que resultaram dez mortos e cerca de vinte feridos”.

Quanto a mim o número é superior. Disseram-me que o Tenente de 2.ª Linha, o Régulo Abibo Injasso, afirmou que eu tinha planeado esse atentado em reuniões com os meus camaradas do Pelotão e uma Secção, junto ao cemitério de Ganturé. Íamos para esse  local de vez em quando onde dava instrução. Nem sequer tínhamos conhecimento tratar-se de um cemitério.

Respondi a dois Processos:  um Processo Civil, executado pela PIDE (eram uns três Agentes), e outro Militar a cargo do Comandante da Companhia de Sangonhá, penso que Capitão Cardoso.
Nos dois casos afirmaram logo no início do inquérito que sabiam que eu estava inocente.

Depois deste atentado fomos substituídos e destacados para Gadamael Porto. Devido às mortes que assisti nessa longa noite, e às mortes de camaradas – estou em guerra com a sociedade e comigo – e costumo dizer: “A Guerra Continua Dentro de Mim”.

Fui à Torre do Tombo, ao Arquivo do Salazar e da PIDE, quatro vezes, e nada, embora possua Processos que nada têm a ver com o caso. Fui ao Arquivo Geral do Exército, até solicitei o meu Processo Individual, onde nada consta, e o próprio Arquivo informou-me não existir sequer indicações de ter respondido a um Processo Militar. Fui ao Arquivo Histórico-Militar e coisa nenhuma e ao Balcão Único da Defesa e continuei na mesma.

Mas no meu Processo Individual vem algo que me intriga. Onde consta: “As Condições para o Posto Imediato”, julgo que a 28 de Junho de 1967 está escrito que reúno as condições para a promoção a 2.º Sargento Miliciano. Isto devido a ter sido Monitor no RI 14, em Viseu, e ter dado várias recrutas e uma Especialidade igualmente como Monitor e inclusive ter dado uma pequena Instrução de Minas e Armadilhas a uma CART que foi para a Guiné. O Oficial e três Cabos Milicianos por terem chumbado no XX Curso de Minas e Armadilhas recusaram fazê-lo.

Foi pena que o Carlos Vinhal não me tivesse enviado um mail a contar-me esta situação, porque gostaria muito de ter o contacto do Camarada Luís Guerreiro. (1)

Sucede que podem ver,  no Blogue, num dos textos em falo desse atentado. E mais não avancei na conversa porque é um capítulo grande do Livro “O Corredor da Morte”.

O Abibo também era uma bela peça, “jogava com um pau de dois bicos”. Controlava os informadores que eram pagos (é verdade que essas informações eram verdadeiras, exceptuando um caso ou outro). Parecia mais a guerra do Raul Solnado: “Fiz um prisioneiro mas ele não quis vir!”.... Quando íamos ao “corredor da morte”, depois da informação que o PAIGC passaria pelas tantas horas, seguíamos para Guileje, dormíamos um pouco e seguíamos para a zona indicada pelo informador.

E lá estava o PAIGC a passar à nossa frente, e nós a deixarmos passar os primeiros, e depois de estar a maioria à frente era carregar em força. Todos os anos o Régulo Abibo Injasso, Tenente de 2.ª Linha ia a Meca pago pelo nosso Exército. Conheci-o bem, e no caso do rebentamento da granada no batuque ele tem toda a razão, em denunciá-lo.

Como era Atirador e Especialista de Minas e Armadilhas, ia quase sempre com as Praças “U” e Caçadores Nativos montar minas e armadilhas. Depois de montadas e ao fim de pouco tempo já o PAIGC sabia a sua localização. Cheguei a dizer o que deveríamos fazer mas não me ouviram, dei uma solução. Sucede que nos casos em que montei armadilhas, por exemplo nas imediações de Gadamael nem as Praças “U” nem os Caçadores Nativos conheciam a localização e o PAIGC, nunca lá foi.

Em Mejo o PAIGC chegou ao ponto de levantar as minas “bailarinas” da NT na zona onde iam à água, que conheci bem, e montarem-nas noutro local.

Camarada Luís Guerreiro, segundo dizes o Abibo focou a gravidade do rebentamento da granada durante o batuque, nisso com toda a razão. Mas essa de “Segundo o régulo, um ataque ao destacamento foi simulado por esse grupo de combate, e uma granada de mão”, nem sequer tive conhecimento dessa afirmação, que me acusou disseram-me, mas também não sei se é verdade.

Não existe uma simulação, porque nesse caso eu sabia-o. Quem cometeu o atentado fê-lo sozinho ou acompanhado por um ou outro. O 2.º Pelotão, e uma Sessão da CART 1659 não o fez, fique claro. Que a granada foi “lançada para o meio da população”, antes dizia batuque, é verdade. Mas quem foi o causador do atentado? Considero que houve um atentado, gostava de saber quem foi, e é isso mesmo que me leva a viver nessa dúvida. “Faleceram algumas bajudas, ferindo outras que foram evacuadas para Bissau devido à gravidade”. Essa da “cavilha da granada foi encontrada no local do Batuque”, é mentira, andámos a vasculhar tudo. Não tenho conhecimento de tal. O que se encontrava no solo eram estilhaços.

Espero que o camarada Luís Guerreiro, até porque pertenceu a uma Companhia que rendeu a CART 1659, entre em contacto comigo. Nos mails que ontem enviei indirectamente falei desta catástrofe.

Não posso ficar calado, e conheço outros casos graves. Aliás, na manhã das evacuações apareceu um suspeito negro, não conhecido que foi apanhado, e o que se passou a seguir, o Régulo Abibo sabia de certeza. Eu queria muito conhecer a verdade.


A granada rebentou à esquerda, continuando em frente havia um abrigo e uma “barraca” onde eu dormia. Ao fundo, à direita o palácio do régulo Abibo. Quando lá estava à esquerda era a “tasca” e a seguir do mesmo lado a Messe


Recordo estas bajudas

Fotos: © Jorge Guerreiro

Cumprimentos do Ex-Furriel Miliciano de MA da CART 1659, Mário Vitorino Gaspar
Mail: mariovitorinogaspar@gmail.com


2. Aqui vai um cheiro de parte do Capítulo 9 – "O Rebentamento Durante o Batuque” do meu Livro “O Corredor da Morte”.

(…) Sacudi o copo e lancei os dados…

- Uma sequência!

E era uma sequência que via sobre a mesa quando os dados estremecem, ouvindo-se um forte rebentamento.

- São eles…

- Disseram todos, quando saltámos dos bancos, cada um na direcção do abrigo do qual era responsável. Ouviam-se gritos angustiantes acompanhados por gemidos. Em corrida, passei junto do local donde há pouco se dançava.

Nem um tiro escutara. As nossas armas estavam caladas quando cheguei ao meu abrigo. Alinhadas as camas do lado direito e esquerdo, com quatro paus do mesmo tamanho, dois à cabeceira e dois nos pés que seguravam um mosquiteiro cada.
Ninguém estava nas camas, todos estavam junto da vigia do abrigo, empunhando as G3. Só o apontador de armas pesadas se encostava à “sua menina”, como ele lhe chamava.

- O que é que se passa, meu furriel?

Ouvi, não respondendo, quando me aproximava da vigia. Não conseguia entender o que realmente se estava a passar quando chega o corpo de uma mulher grande, que gritava, nas mãos de um civil negro, com algumas dificuldades em transportá-la.

Três militares seguraram-na e o vermelhão do sangue tingia as cores também garridas do vestido. As vísceras soltavam-se-lhe do corpo quando a colocaram sobre uma cama. Via-se o sangue brotar cada vez mais abundantemente, fugindo do corpo, como numa correria. Cobria já os lençóis brancos para a terra batida do abrigo, aumentando a mancha do líquido viscoso que mais parecia uma nascente. Sem querer pisei aquela poça e, sem pensar nascem pensamentos.

- Está morta!

Estava mesmo morta. Tudo continuava na mesma, não existindo o mínimo sinal físico do PAIGC, quando o soldado que transportara aquela mulher se afastava, gritei para os onze elementos da minha secção. 

- Só fazem fogo se virem algo de anormal! Ouviram?

Chegam mais dois corpos, uma mulher e uma criança que são levados para as primeiras camas. Saber o que realmente se passava era difícil se não desse uma volta. Alguém com uma voz angustiante, olhando a miúda que ainda há pouco dançava, diz:
- Esta miúda está morta!

- Ponham os dois corpos fora do abrigo, junto da enfermaria! Se é que aquilo era alguma enfermaria, era antes uma barraca.

Disse tão baixinho que julgava ter falado para mim, mas ouviram-me. Só depois, olhei a outra mulher grande e corri para o exterior, sem estar convicto se ela estaria ou não com ferimentos graves. O enfermeiro não parava…
Escutava vozes de todo o lado, súplicas que me afundavam. Uma amálgama de sofrimento e angústia. Um mar de sangue a meus pés à saída do abrigo, empurrou-me para o centro do aquartelamento para obter as respostas, e apoio.
Deparei junto da enfermaria, após ter ultrapassado a zona do batuque, com uma velha preta e, na linguagem que não entendia, mas mirando a depois de parar, percebi. Segurava com ambas as mãos os intestinos, que escorriam do corpo, pretendendo nada perder daquele corpo que era o seu. A vida bem segura nas mãos e eu quase a vomitar tudo o que tinha no estômago.

Presa à vida, quando a via morta, ou quase morta, amparo-a e noto estar pior ainda que julgava. O sangue colou-se-me às mãos sentindo o cheiro e a presença da morte. Necessitava de algo que lhe acalmasse as dores. Um comprimido?

Os gritos, qual buzina das fábricas, a chamarem pelos operários, rompiam daquele ser. Eu não estava preparado para tal missão. Comecei então a ver negros saídos de vários pontos do aquartelamento, nascidos de abrigos e da paliçada onde se haviam escondido. Um civil segurava a negra. Ajudámos a transportá-la para a enfermaria.

– Temos aqui um caso! – Temos aqui mais um caso.

O enfermeiro, cansado, deve ter pensado não ser um caso, mas mais um caso.
Apercebi-me entretanto ser a situação mais complicada ainda, quando olhei para o enfermeiro, e a enfermaria com muito más condições, e vejo umas sete macas improvisadas, com uns tantos feridos. Os mortos à parte.

- Meu furriel, retirei dois corpos!

- A miúda está morta!

- Ponham-na junto da outra mulher que já morreu! – Disse-lhes afastando-me para fora do abrigo.

Cá fora ouvia os gritos de todo o lado. Uma amálgama de sofrimento e de angústia, era um mar de sangue que se enfiava numa fresta de terra batida. Era sangue de vida, sangue que cheirava a morte. E interroguei-me, enquanto corria para a enfermaria: 
- O que se teria passado realmente?

Uma mulher velha mirou-me e falou-me. Não entendi o que dizia mas senti o sofrimento.

Vi uma imagem que jamais vou esquecer. Uma “mulher grande”, muito velhinha, segurava com ambas as mãos as vísceras que escorriam do corpo. Pretendia não perder nada daquilo que segurava. Pregava-se à vida, e a vida estava presa em ambas as mãos. Encostou-se a mim. Segurei-a e vi a morte e senti-lhe o cheiro. Ela necessitava de muito mais, de algo que a aliviasse das dores. Comprimidos? Dei-lhe vários LM’s (Laboratório Militar), que aliviam todas as dores. Sou um estúpido, dar um comprimido, não serve de nada! Os indivíduos da “banha da cobra”, que tão bem conhecia, diziam nas Praças Públicas: – “Não estou aqui para enganar ninguém, estou aqui porque a casa quer e a casa manda”. E a casa, a Pátria mandava, e nós obedecíamos. Os gritos saídos daquelas goelas, misturavam-se com os choros convulsivos de mulheres e crianças. Aquilo mordia-me o corpo. O enfermeiro disse-me havia feito bem em dar à velhinha os comprimidos.

Alguma população civil ia surgido, assim como alguns militares. Encolhiam os ombros, como que a perguntarem o que se passara. Segurei a velha, já muito velha, ajudando a transportá-la para uma maca. 
- Temos mais aqui um caso! – Ouviu-se.

Olhei para o interior daquela barraca a que denominavam de enfermaria. Estavam seis ou sete pessoas. Foi algo que aprendera naquela guerra, surgia o número na mente sem contar. Um outro sentido. O enfermeiro contara, eu tinha razão.

-  Isto é uma calamidade. Ainda há bem pouco, que dançavam.

Fui dar uma espreitadela ao local onde se efectuara o batuque, perguntando a mim próprio: – O que se teria passado?

Alguém fez a mesma pergunta novamente.

- No meu abrigo também há mortes e feridos.

O enfermeiro mirou-me com os seus olhos de 21 anos, enquanto chegavam mais corpos. Entre eles, um já sem vida.

(Continua no Livro “O Corredor da Morte”)

No final do Capítulo 9 – “O Rebentamento Durante o Batuque”

Na História da Unidade consta:

“Não queremos também deixar de assinalar neste Relatório um facto que nos causou profunda impressão e desgosto, já pelas consequências que dele resultaram, já porque apesar de todos os esforços desenvolvidos pelas autoridades militares e civis, não lográmos vê-lo esclarecido inteiramente para apuramento das responsabilidades e aplicação da Justiça. Trata-se do atentado cometido em Ganturé, contra a população, em 4 JUL 67, através do lançamento de uma granada que explodiu durante um batuque de que resultaram dez mortos e cerca de vinte feridos”.
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Notas do editor

(1) Vd. poste de 21 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13777: Em busca de... (249): A verdade sobre um ataque simulado por um Grupo de Combate da CART 1659 a Ganturé (Luís Guerreiro)

Último poste da série de 1 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13835: (Ex)citações (245): Dia dos Fieis Defuntos: o povo sabe que nas campas no final fica só terra sobre terra mas para ele essa terra é sagrada (Francisco Baptista, Brunhoso, Mogadouro)

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13777: Em busca de... (249): A verdade sobre um ataque simulado por um Grupo de Combate da CART 1659 a Ganturé (Luís Guerreiro)

1. Mensagem do nosso camarada Luís Guerreiro (ex-Fur Mil, CART 2410 e Pel Caç Nat 65, Gadamael e Ganturé, 1968/70), com data de 15 de Agosto de 2014:

Bom dia amigo Carlos
Já há algum tempo que tenho este assunto para esclarecer sobre Ganturé, e agora que há um camarada da CART 1659, o Mário Vitorino Gaspar, talvez ele possa confirmar ou não, se foi verdade o que vou relatar.

A minha Companhia, a CART 2410, chegou a Gadamael a 2 de Outubro de 1968, para render a CART 1659. O meu grupo de combate seguiu imediatamente para Ganturé, onde permaneceu 4 meses.
Depois de instalados e de fazermos o reconhecimento da população, sentimos uma certa reticência por parte dela, o que se manteve por umas semanas, mas como éramos novos no local, pensámos ser essa a razão.

Durante um almoço em que convidamos o régulo Habib, ele contou-nos o seguinte.
Aparentemente a relação entre a população e um grupo de combate da CART 1659, em Ganturé, não era o melhor, e o que se passou terá sido durante um batuque.
Segundo o régulo, um ataque ao destacamento foi simulado por esse grupo de combate, e uma granada de mão terá sido lançada para o meio da população. Faleceram algumas bajudas, ferindo outras que foram evacuadas para Bissau, devido à gravidade. A cavilha da granada foi encontrada no local do Batuque.



A bajuda da esquerda foi uma das feridas

Aparentemente houve uma investigação com pessoal vindo de Bissau, mas no final nada ficou esclarecido, porque a população dizia uma coisa e os militares do grupo de combate diziam outra, confirmando que tinha sido um ataque.

Passados uns tempos ganhamos a confiança da população e o meu grupo de combate passou quatro excelentes meses, apesar dos ataques sofridos.

Gostava que o camarada Mário Gaspar pudesse confirmar ou não o que se passou.

Por hoje termino com um grande abraço.
Luís Guerreiro
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13596: Em busca de... (248): Pessoal do Pel Mort 2297 (Bula, 1969/71)... a que pertenceu o meu pai, Eurico Lopes Pereira, natural de Boticas...Quero levá-lo lá, em 2015 (João Pereira, a residir em Angola)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12355: In memoriam (173): Adolfo Barbosa, ex-fur mil, Pel Caç Nat 65 (Piche, Buruntuma, Bajocunda, 1968/70) (João Pereira da Costa, ex-fur mil op inf CCS/BART 2857, Piche, 1968/70)

1. Mensagem de hoje, do nosso camarada João Pereira da
Costa [, foto à esquerda], ex-fur mil op inf,  CCS/BART 2857 (e administrador do blogue do BART 2857, Piche, 1968/70)


Caro camarada Luís Graça, agradecia o obséquio, caso fosse do interesse do blogue,  que publicassem a notícia do falecimento ou da missa do sétimo dia de mais um nosso camarada que esteve na Guiné,  no Pelotão de Caçadores Nativos 65. Poderão utilizar as fotos que estão no Facebook, na página da Tabanca Grande. 



2. Notícia da morte do Aldolfo Barbosa, ex-fur mil, Pel Caç Nat 65, Leões Negros (Piche, Buruntuma, Bajocunda, 1968/70) [foto à esquerda]

Bom dia,  caros amigos e camaradas.

Ontem realizou-se a missa de sétimo dia,  em homenagem ao falecimento do nosso amigo e camarada do Pelotão de Caçadores Nativos 65, Adolfo Barbosa.

Homem honesto, cumpriu a sua missão, por vezes bastante difícil, como membro do Pel Caç Nat 65.  Tantos momentos desagradáveis pelas intromissões e confrontos com o IN, em que este pelotão,  em várias localidades para onde foi chamado, se envolveu, sempre nos primeiro lugar da luta e expulsão do IN. Por toda a Guiné é uma das unidades mais prestigiadas e guerreiras forças.

Outros tantos momentos agradáveis nos convívios onde ele sempre estava presente, com a sua alegria e amizade.
Como seu grande amigo,  recordo estes momentos que farão sempre relembrar a sua figura.
Hoje ausente da vida humana, continua dentro do meu coração e tenho a certeza de todos quantos estiveram com eles.
Descansa em paz no sono eterno. Um dia estaremos todos juntos. Salve, Adolfo Barbosa.


Guiné > Zona leste > Setor L6 > Piche > Pel Caç Nat 65 > 1970 > Os fur mil Adolfo Barbosa e Luis Guerreiro (membro da nossa Tabanca Grande, a viver no Canadá desde 1971), junto a uma viatura blindada White.

Foto: © João Pereira da Costa  (2013). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12340: In Memoriam (172): António Henrique Teixeira, o "Tony" Teixeira , um "onça negra", da CCAÇ 6, um grande bedandense, um magnífico camarada e amigo (1948-2013)... O funeral é amanhã, às 11h30, na sua terra natal, Espinho.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12127: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (23): A placa toponímica "Parada Alf Tavares Machado" estava afixada na parede da messe de sargentos (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá, ex-fur mil, CART 2410, 1968/70)




Guiné > Região de Tombali > Guileje > s/d [ c. 1968] > Foto de Luís Guerreiro.

O Luís Guerreiro  foi fur mil da CART 2410, Os Dráculas (Guileje, Gadamael e Ganturé), e do Pel Caç Nat 65 (Piche, Buruntuma e Bajocunda), nos anos de  1968/70. Vive  em Monterreal, Canadá.  Outro camarada nosso que pertenceu à CART 2410 é o José Barros Rocha, de Penafiel. 

Foto: © Luís Guerreiro (2013).. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Com data de ontem, e em resposta ao poste P12124, recebemos a seguinte mensagem do nosso camarada Luís Guerreira:


Assunto: Memória de Guileje

Amigo Luis

Em resposta ao P12124 (*) sobre Memória de Guileje, do amigo Pepito,  sobre a placa da Parada Alf. Tavares Machado:

Envio uma foto aonde se vê a dita placa que estava instalada no edifício da messe de sargentos.

Espero que esta informação seja útil.

Um abraço, Luis Guerreiro

2. Comentário de L. G.:

Obrigado, Luís Guerreiro, camarada da diáspora, pela tua rápida e valiosíssima resposta. O Domingos Fonseca,  que dirige os trabalhos de reconstrução de Guileje, e que é um colaborador direto do Pepito, diretor executivo da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento,  vai ficar felicíssimo pela preciosa informação que nos acaba de dar. 

Eu sei que nada disto é relevante para a Grande História... Ou talvez não: a História com H grande é como um rio, que é alimentado por milhares de pequenos rios e ribeiras. 

Neste caso, a pequena história (a "petite histoire", como dizem os franceses) ajudou-nos a recuperar a memória de mais um bravo de Guileje, esquecido há muito, o alf mil Tavares Machado. Honremos a sua memória, para que o seu sacrifício não tenha sido inútil. 

E aos meus amigos (sim, meu amigos da AD - Bissau!!!) Pepito e Domingos Fonseca [, foto à esquerda,]  eu mando um grande abraço com o meu apreço e a minha admiração pelo trabalho que estão a fazer, em Guileje e em Gadamael,  ajudando a reconstituir o "puzzle" da(s) nossa(s) memória(s) comum(uns)... 


quinta-feira, 1 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9551: Álbum fotográfico do Luís Guerreiro (Montreal, Canadá): O valoroso Pel Caç Nat 65, em Piche, Buruntuma, Bajocunda e Tabassai, em 1970


1.   O nosso camarada Luís Guerreiro (ex-Fur Mil da CART 2410 , Gadamael e Ganturé, e Pel Caç Nat 65, Piche, Buruntuma e Bajocunda, 1968/70), enviou-nos a seguinte mensagem.

Pel Caç Na 65
Camarada Luís,

Ultimamente tem-se falado sobre Buruntuma e Tabassi/Tabassai. 

O Pel Caç Nat 65 encontrou-se nesses dois locais em 1970. 


Estacionados em Piche na sede do BArt 2857, fomos para Buruntuma em 27 de Fevereiro de 1970, para tomar parte na operação do ataque a Kandica. Constou que o 65 seria armado com armamento igual ao do PAIGC e iria fazer o assalto a essa base, mas finalmente fizemos a protecção ao Pel Art 12 e às peças 11.4,  em Camajabá. 

Depois do ataque fomos para Buruntuma, para reforçar a guarnição, chegamos ao anoitecer, e tudo já se encontrava muito calmo. 

Permanecemos até ao dia 23 de Abril de 1970.  Buruntuma era uma povoação algo distante, mas as condições e as instalações eram razoáveis. 

Durante o tempo que ali permanecemos não houve nenhum problema, a actividade operacional foi somente de patrulhamentos e emboscadas nocturnas.  A camaradagem era excelente por parte de sargentos e oficiais da companhia, e dos dois funcionários da DGS [, Direcção Geral de Segurança], e também um comerciante continental,  de nome Mota, que nos convidou diversas vezes para almoçar em sua casa.

Buruntuma, 1970 > Rua principal

Buruntuma, 1970 > Aspecto geral da tabanca

Buruntuma > Tabanca queimada no ataque do PAIGC de 24 de Fevereiro de 1970, que deu origem ao ataque à base de Kandica



Nota, de mil e cinco mil francos, da Guiné-Conacri, que foram apanhadas depois do ataque a Kandica, talvez por indivíduo da população e que me foram oferecidas por um soldado nativo do meu pelotão.

Em seguida fomos destacados para Bajocunda, dizia-se que íamos para descansar pois a zona na altura estava calma e circulava-se relativamente à vontade, e assim aconteceu nos dois primeiros meses. 

A actividade operacional, resumia-se a colunas a Nova Lamego e a Copá, e fazer protecção à noite na tabanca de Tabassai.

Bajocunda, 1970


Bajocunda, 1970 

  Bajocunda, 1970 > Comandos africanos da companhia do capitão João Bacar Jaló

Bajocunda, 1970 > Obus de 10.5 cm fazendo fogo

Bajocunda, 1970 > Visita do general Spínola



A partir do mês de Julho a situação começou a deteriorar-se, como já foi referido por mim no poste P4919 de 8/9/2009, a emboscada à coluna de civis e comandos africanos na estrada de Pirada para Bajocunda, no dia 4 de Julho de 1970. 

E a partir daí a actividade do PAIGC começou a ser mais constante, especialmente mais para os lados de Pirada, aonde durante a noite algumas tabancas foram atacadas e incendiadas. 

E foi neste contexto, que fomos uma semana fazer a segurança a Tabassai. Ficamos instalados com uma tenda de campanha, a povoação constava de uma fiada de arame farpado e como defesa tinha várias escavações de cerca de 3x2 metros áà volta do perímetro.

Tabassai, 1970 > Estrada para Bajocunda

Tabassai, 1970 > Bolanha

Tabassai, 1970 > Uma bajuda

Quanto à população, eu não tinha muita confiança_ um dia tendo eu ido a Bajocunda tomar um bom duche, andou um nativo a olhar para as nossas posições e a perguntar qual era o pessoal que lá ficava instalado.  Quando cheguei e fiquei ao corrente do sucedido fui à sua procura mas o indivíduo já tinha desaparecido, o que me levou a crer que era um informador espia. 


A decisão foi que nessa noite podíamos dormir descansados.  No dia seguinte,  23 de Julho,  mudamos algumas das posições e também o pessoal, e por volta das 21 horas, como se tinha previsto,  fomos atacados. 


Este foi o primeiro ataque efectuado pelo PAIGC à tabanca de Tabassai, o inimigo com um grande efectivo e grande potencial de fogo, fizeram o ataque do lado errado pois pensavam que era o certo, tudo durou cerca de 30 minutos sem problemas da nossa parte, retiraram com baixas e feridos e deixando algum material. Segundo em informações,  tiveram 9 mortos. Da parte da população houve uma mulher e uma criança que faleceram devido a uma granada de RPG. 



Pessoal do Pel Caç Nat 65

No dia seguinte foi o meu dia de sorte e também do condutor, tendo ido a Bajocunda para trazer mais munições, passamos duas vezes a um palmo de uma mina A/C, que de certeza tinha sido instalada antes do ataque, e foi localizada a uns 500 metros da tabanca por um soldado do 65. Tdo isto aconteceu, duas semanas antes de terminar a minha comissão, pois o meu substituto já se encontrava em Bissau. 

No dia 8 de Agosto  de 1970, dia do meu aniversário, recebi como prenda uma viagem de avioneta até Bissau, para esperar transporte para Lisboa, mas como não havia barco nos tempos próximos, no dia 25 de Agosto apanhei o avião e regressei a casa. 

Ainda hoje tenho estes soldados nativos no coração. Apesar de serem grandes combatentes, foram grandes amigos, pois quando me despedi  vi alguns com a lágrima no canto do olho, e outros a pedirem para ficar mais um tempo.

Por hoje é tudo um forte abraço para toda a equipa. 

Luís Guerreiro   
Fur Mil da CART 2410 e Pel Caç Nat 65



Fotos e legendas: © Luís Guerreiro (2012). Todos os direitos reservados.