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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19241: Em bom português nos entendemos (18): "Chabéu" e não "xabéu"... (= fruto, dendê, e prato de peixe ou carne confeccionado com óleo de palma)


 Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau 1-7 de março de 2008 > 2 de março de 2008 > O famoso óleo de palma do Cantanhez. A sua cor vermelha intensa deve-se às características da variedade do chabéu (termo científico, Elaeis guineenses), que é rico em caroteno.



Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de março de 2008 > 2 de março de 2008 >

A simpatiquíssima Cadidjatu Candé, da comissão organizadora do Simpósio Internacional de Guileje e colaborada da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, servindo um fabuloso arroz com filetes de peixe do rio Cacine e óleo de palma local, que tem fama de ser o mais saboroso do país, devido à qualidade da matéria-prima e às técnicas e condições de produção (artesanal). Na imagem, um diplomata português, o nº 2 da Embaixada Portuguesa, que integrava a nossa caravana (e cujo nome, por lapso, não registei, lapso de que peço desculpa). Em segundo plano, do lado direito, segurando o prato e esperando a vez, o nosso amigo, o dr. Alfredo Caldeira, representante da Fundação Mário Soares.

Um dos pratos que foi servido no almoço de domingo, aos participantes do Simpósio Internacional de Guileje, foi peixe de chabéu, do Rio Cacine, do melhor que comi em África... Durante a guerra colonial, na zona leste, em Bambadinca, só conhecíamos o desgraçado peixe da bolanha que sabia a lodo....

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Adão Cruz > Memórias de um médico em campanha > 8. O tanque


(...) Desta vez era um tanque, que construímos com uns restos de cimento encontrados numa arrecadação, e que iria proporcionar-nos, apesar da sua estreiteza de três metros por um, algumas deliciosas banhocas. A inauguração estava marcada para esse dia, e o Almeida, atrevido, imprudente como sempre e um tanto irresponsável,  já se tinha deslocado sozinho a Barro, a fim de arranjar uma galinha que servisse de manjar no festejo.  Barro era uma pequena aldeia nativa a onze quilómetros de distância, onde a Companhia mantinha um pelotão. Toda a estradeca estava minada e as emboscadas eram constantes. Mas o que é certo é que a galinha já estava do lado de cá.

A meio da madrugada o Almeida acordou-me:

- Já que não vens comigo fazer a patrulha, meu cobardesito de merda, fazes um bom xabéu com essa galinha para mereceres o mergulho no tanque.

Eu respondi-lhe:
- Tem mas é juizinho nessa bola, não te armes em herói, senão nem a galinha provas.
- Cobarde, um cobardesito é o que tu és - retorquiu ele sorridente, com um aceno amigo que nunca mais haveria de fazer.

Eram dez horas da manhã quando a nossa velha GMC irrompeu pela cerca de arame farpado, em correria demasiada para o seu velho e gasto motor, como se ela própria sentisse a tragédia que transportava no bojo: o corpo do Alferes Almeida crivado de balas dos pés à cabeça. 


Puxei de um cigarro mas não consegui segurá-lo entre os dedos. E nunca tomei banho no tanque.

A única recordação dele, que hoje ainda mantenho, é o livro que tinha na mesinha de cabeceira: 'Morreram pela pátria'. (...) (*)



[foto acima,  à esquerda: Linhares de Almeida,  quando ainda estudante do Liceu Honório Barreto, em finais de 1959, princípios de 1960; terá nascido em 1942, em Bissau; aparece numa foto de grupo (14 elementos) do Liceu, identificado com o n.º 2 como sendo o "Juca" - Carlos Linhares de Almeida (irmão do 'Banana')... A foto, sem data, é da autoria de Armindo do Grego Ferreira, Jr. Cortesia do blogue NhaGente, de Amaro Ligeiro].


2. Mais um exemplo de um vocábulo, Xabéu, um africanismo guineense, ou Chabéu (, do crioulo),  que vem grafado no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, em duas variantes. E  o nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) é mais uma vez citado, pelo Priberam (**), para ilustrar o uso do termo. 

xabéu | s. m.

xa·béu
(africanismo da Guiné-Bissau)

substantivo masculino

[Botânica] Infrutescência das palmeiras muito estimada pelas suas variadas propriedades e sobretudo pelo saboroso molho de xabéu com que acompanham (especialmente os fulas) grande parte das suas comidas.

"xabéu", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/xab%C3%A9u [consultado em 26-11-2018]


"xabéu" em Blogues

(i) ...de merda, fazes um bom xabéu com essa galinha para mereceres... Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

 (ii) ...português de Matosinhos,  Frango de Xabéu elaborado por experiente cozinheira guineense... Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

(iii) ...apanha de mancarra, recolha de xabéu , etc.. Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

(iv) ...de carne com arroz de xabéu , que estava uma delicia,... Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

(v) Xabéu à Guineense-.. Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

(vi) ...junto à copa a colher xabéu...  Em Luís Graça & Camaradas da Guiné


chabéu | s. m.

cha·béu
(do crioulo da Guiné-Bissau)

substantivo masculino

1. [Guiné-Bissau] Fruto do dendezeiro. = DENDÊ

2. [Guiné-Bissau] Prato de carne ou peixe confeccionado com óleo de palma (ex.: chabéu de carne).

"chabéu", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/chab%C3%A9u [consultado em 28-11-2018].

"chabéu" em blogues:

(i) ...famosos almoços de frango de chabéu , em geral aos domingos...Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

"chabéu", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/chab%C3%A9u [consultado em 28-11-2018].

(ii) ... e orienta-me para umas caixas onde me acocoro . Ali estão as surpresas prometidas: um livro de cozinha e doçaria do ultramar português, inclui receitas da Guiné (Bolinhas de Mancarra, Bringe, Caldo de Mancarra, Caldo de Peixe, Chabéu de Galinha). A edição é da Agência Geral do Ultramar, o ano da... Em Luís Graça & Camaradas da Guiné

"acocoro-a", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/acocoro-a [consultado em 28-11-2018].


2. Segundo o  respeitado Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Lisboa, Círculo de Leitores, 2002), tomo II, pág. 886, a grafia correta seria "chabéu" (etimologia: do crioulo "tche bém"), que é o termo que também usamos, no blogue, como descritor. E que é usado na literatura especializada (, livros de gastronomia, por exemplo).

Uma receita de "chabéu de galinha" está disponível no nosso blogue, em poste da autoria do nosso camarada Hugo Moura Ferreira (***). Na pesquisa feita pelo Google,  a grafia "chabéu de galinha" é mais frequente que "xabéu de galinha"... Esta questão ainda não foi posta ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
_____________

Notas do editor:

(*) 27 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16528: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (8): O Tanque

(**) Último poste da série > 26 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19236: Em bom português nos entendemos (17): os vocábulos "sinceno" e "sincelo" no nosso blogue e no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

(***) Vd. poste de 12 de abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8087: Gastronomia(s) lusófona(s) (1): Algumas receitas tradicionais guineenses, do Caldo de Peixe (ou Mafefede) ao Chabéu de Galinha, do Caldo de Mancarra ao Bringe (Hugo Moura Ferreira)

domingo, 2 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16549: (De)caras (47): Ainda sobre a morte do alf mil Linhares de Almeida (1942-1967), nascido em Bissau e sepultado em Vila Nova da Barquinha (Domingos Gonçalves, ex-alf mil inf, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)



Guiné >Bissau > s/d> Placa toponímica > Rua Alferes Linhares de Almeida... > Foto comprada na Feira da Ladra, em Lisboa, pelo nosso camarada e colaborador permanente Mário Beja Santos.

Segundo informação do amigo e camarada António Estácio, também ele nascido em Bissau, "depois da independência, houve mudança do nome da Rua Alferes Linhares de Almeida... passou a ser Rua 17, de acordo com o dia 20 de Janeiro de 1975 - Dia dos Heróis Nacionais". Segundo outro dos nossos amigos e camaradas, o Manuel Amante da Rosa, "o malogrado Juca era pessoa muito conhecida e popular no velho Liceu Honório Barreto". (*)

O nosso malogrado camarada é um dos 1209 mortos na guerra do ultramar / guerra colonial, que eram naturais da antiga província portuguesa da Guiné, segundo o precioso apuramento feito pelos editores, nossos camaradas, do portal Ultramar Terraweb. Está sepultado no cemitério da Praia do Ribatejo, concelho de Vila Nova da Barquinha.

Foto: © Mário Beja Santos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves [ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68]

Data: 2 de outubro de 2016 às 09:14
Assunto: Alferes Linhares de Almeida

Prezado Luís Graça:

Primeiro, desejo que passes um bom domingo.

Depois, ainda sobre a morte em combate do alferes Linhares de Almeida, envio, para eventual publicação, o seguinte texto, retirado do relatório de actividades do batalhão, BCAÇ 1887 [, a que pertencia a CCAÇ 1547, Fá Mandinga. Nova Lamego, Bula, Bigene, 1966/68)].

"A morte do alferes Linhares de Almeida foi extraordinariamente sentida na sua companhia,
por ser o seu elemento mais destacado na actividade operacional em que revelou inexcedível
coragem e valentia, que arrastavam e entusiasmavam pelo exemplo os restantes elementos.

A estas qualidades notáveis aliava qualidades pessoais também notáveis, que lhe granjearam
além do respeito, grande amizade e simpatia de todo o pessoal. Nesta operação, como de costume, o alferes Linhares de Almeida distinguiu-se pela forma como, após os primeiros tiros, marchou à frente de seus homens numa zona manifestamente perigosa, e como após os primeiros tiros ainda tentou reagir, até ser mortalmente atingido." (**)

Um abraço para todos os camaradas.

Domingos Gonçalves
_____________

Notas do editor:

(*) Vd, postes de:


26 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13946: In Memoriam (208): Carlos Manuel Sousa Linhares de Almeida (Bissau, 1942 - Bigene, 1967), alf mil da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Fá Mandinga, Nova Lamego, Bula, Bigene, 1966/68), Juca para os amigos do Liceu Honório Barreto (Manuel Amante da Rosa / António Estácio)

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16534: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (15): 1 de Abril de 1967, o dia em que se verificou a morte, em combate, do Alferes Linhares de Almeida

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de hoje, 28 de Setembro de 2016:

Prezado Luís Graça:

Antes de mais, votos de boa saúde.

Depois, na sequência do texto enviado pelo Dr. Adão Cruz, tomo a liberdade de remeter mais um apontamento, que poderá ser publicado, sobre os acontecimentos ocorridos no dia 01/04/1967, dia em que se verificou a morte em combate, do Alferes Linhares da Almeida[1].

Um abraço para todos os camaradas.
Domingos Gonçalves

************

Às cinco horas da manhã saiu de Guidage uma coluna de quatro viaturas, transportando dois grupos de combate. Cerca de 200 metros antes da antiga tabanca de Ujeque os dois grupos desceram das viaturas e seguiram a pé, ao longo de uma picada que segue para Uália.

Cerca de 1000 metros antes de se atingir esse local montou-se, em sítio previamente escolhido, uma emboscada. A nossa força permaneceu emboscada até às nove horas.


Posição relativa de Ujeque, Samoje/Talicó/Sambuiá, Binta e Bigene
Infogravura: © Luís Graça & Camaradas da Guiné

Durante o período em que permanecemos emboscados não passou ninguém pela picada. Todavia, pelo carreiro adiante, existem muitos vestígios da passagem dos gajos.

Pouco antes das oito horas, não muito longe de nós, desencadeou-se um tiroteio bastante intenso. O detonar das granadas, e as rajadas das armas ligeiras, diziam que tudo se estava a passar relativamente perto. Contudo, não sabíamos se o fogo era com a Companhia 1547, de Bigene, ou se era com a 1585, e com os “Roncos” de Farim.

Durante cerca de quinze minutos o fogo deixou de se ouvir, para voltar, de novo, a iniciar-se, com a mesma intensidade.

Pelas nove horas levantou-se a emboscada, armadilhou-se a picada, e iniciou-se o regresso a Ujeque e, de seguida, a Binta.

De tarde chegou-nos a notícia: Os tiros que tínhamos escutado tinham sido travados com a Companhia de Bigene, que sofreu dois mortos, um dos quais o Alferes Almeida, a quem chamávamos o Bijagó, por ser natural aqui da Guiné.

No espaço de quinze dias já morreram na península de Sambuiá cinco dos nossos homens, sendo três negros e dois brancos. Os feridos, alguns com muita gravidade, também já são bastantes. Apesar de todo este sacrifício, em homens e material, o mito de Samboiá ainda continua vivo. Não é com este tipo de forças, que temos aqui, que se destruirá aquela base inimiga. Até hoje não foi possível chegar ao coração da base dos gajos. Todo o nosso trabalho, e todas as nossas canseiras, têm sido inúteis.

Para além disso, os estúpidos dos comandantes mandam fazer operações naquela área algumas vezes sem qualquer apoio aéreo. Tudo isto não passa de uma autêntica loucura. Infelizes, os vivos! Para os mortos, apenas poderá haver lágrimas, e saudade.

O Vidal Cambayo, empregado da Casa Ultramarina, foi preso pela PIDE, de Farim. Desde há bastante tempo que havia suspeitas sobre a filiação dele no PAIGC.

Era uma pessoa que não nos inspirava confiança, e que vivia paredes meias com a tropa, em condições de recolher todo o tipo de informações sobre os nossos movimentos.


Texto, retirado do relatório de actividades do batalhão. 1887

"A morte do alferes Linhares de Almeida foi extraordinariamente sentida na sua companhia, por ser o seu elemento mais destacado na actividade operacional em que revelou inexcedível coragem e valentia, que arrastavam e entusiasmavam pelo exemplo os restantes elementos. A estas qualidades notáveis aliava qualidades pessoais também notáveis, que lhe granjearam além do respeito, grande amizade e simpatia de todo o pessoal. Nesta operação, como de costume, o alferes Linhares de Almeida distinguiu-se pela forma como, após os primeiros tiros, marchou à frente de seus homens numa zona manifestamente perigosa, e como após os primeiros tiros ainda tentou reagir, até ser mortalmente atingido."
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Nota do editor

[1] - Vd. poste de 27 de Setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16528: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (8): O Tanque

Último poste da série de 7 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16366: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil): O padre de Guidaje (imã)

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16528: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (8): O Tanque

1. Mais uma memória do nosso camarada Adão Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68).


MEMÓRIAS DE UM MÉDICO EM CAMPANHA

8 - O Tanque

(Mais um conto – verdadeiro – da Guiné)

O Alferes Almeida foi meu companheiro de quarto em Bigene, no norte da Guiné, se é que podemos chamar quarto ao alpendre onde dormíamos. Cerca de oito anos mais novo do que eu, o Almeidinha fez-se meu amigo de verdade. Amigo desde o acampamento da Fonte da Telha, do quartel de Porto Brandão e da Amadora.

Embarcámos para a Guiné no velho Uíge, empurrados pelo magnífico patriotismo de Salazar, entalados entre o belo gesto das senhoras do Movimento Nacional Feminino e o malabarístico safanço dos filhos dos ricos e patriotas da situação. Embalados pelas ondas do mar da Mauritânia, e sossegados pelas ricas ementas flamejantes do cozinheiro de bordo, demos à costa da Guiné no dia 13 de Maio de 1966.

O Almeida e eu pertencíamos à mesma Companhia. Eu como médico e ele como atirador, comandante de pelotão. Nos primeiros tempos da nossa comissão na guerra da Guiné, estivemos separados. Eu fui destacado para Canquelifá, perto da fronteira da Guiné-Conakry e ele esteve de intervenção durante algum tempo. Quando a Companhia se fixou em Bigene, já eu lá me encontrava.

Um avião fora buscar-me a Canquelifá para vir prestar assistência à última Companhia de farda branca que em breve regressaria à metrópole, sendo substituída por aquela em que estávamos integrados. De novo juntos, o Alferes Almeida e eu, programámos o nosso futuro no sentido de transformar os dias quentes (em sentido térmico e bélico) e incertos que se anteviam, nos melhores dias da nossa vida. Outra coisa não era de esperar do seu espírito folgazão e irrequieto, da sua grande alma de vinte anos.

E vivemos juntos acontecimentos fabulosos. Ele era todo patriota, à sua maneira. Cascava nos colonos, a cuja família pertencia, e gramava bestialmente os pretos. Mas soberania era soberania, e por isso alia estava para a defender. Ele lia, na altura, Morreram Pela Pátria de Mikail Cholokov. Eu lia Os Condenados da Terra de Frantz Fanon, que ele dizia ser a minha bíblia de anticolonialista subversivo. Penso, no entanto, que poucas pessoas gostaram tanto de mim como aquele moço.

Ajudou-me, quase sem querer, a conhecer as gentes e os costumes da Guiné, e contribuiu de forma sublime, ainda que um tanto inconsciente, para o maravilhoso entendimento do internacionalismo, do anti-racismo e da solidariedade entre os povos. Julgo que, se ele tivesse vivido até ao fim da comissão, deixaria de chamar turras aos guerrilheiros que o mataram.

Foi num dia em que eu me sentia muito triste. Talvez pelo falecimento da Sónia, na África do Sul, uma lindíssima amiguinha de vinte anos, que conheci em férias em Lisboa, e que me escrevia com muita ternura. O Almeida procurou animar-me, lembrando-me o chuveiro que havíamos improvisado a partir de um bidon e de um ralo de regador, e que borrifava sobre nós os mais belos minutos do dia.

Linhares de Almeida [foto à esquerda], quando ainda estudante do Liceu Honório Barreto, em finais de 1959, princípios de 1960; terá nascido em 1942, em Bissau; aparece numa foto de grupo (14 elementos) do Liceu, identificado com o n.º 2 como sendo o "Juca" - Carlos Linhares de Almeida (irmão do 'Banana')!... 

A foto, sem data, é da autoria de Armindo do Grego Ferreira, Jr. 
Cortesia do blogue NhaGente, de Amaro Ligeiro (**)

Desta vez era um tanque, que construímos com uns restos de cimento encontrados numa arrecadação, e que iria proporcionar-nos, apesar da sua estreiteza de três metros por um, algumas deliciosas banhocas. A inauguração estava marcada para esse dia, e o Almeida, atrevido, imprudente como sempre e um tanto irresponsável, já se tinha deslocado sozinho a Barro, a fim de arranjar uma galinha que servisse de manjar no festejo. Barro era uma pequena aldeia nativa a onze quilómetros de distância, onde a Companhia mantinha um pelotão. Toda a estradeca estava minada e as emboscadas eram constantes. Mas o que é certo é que a galinha já estava do lado de cá.

A meio da madrugada o Almeida acordou-me:
- Já que não vens comigo fazer a patrulha, meu cobardesito de merda, fazes um bom xabéu com essa galinha para mereceres o mergulho no tanque.

Eu respondi-lhe:
- Tem mas é juizinho nessa bola, não te armes em herói, senão nem a galinha provas.
- Cobarde, um cobardesito é o que tu és, retorquiu ele sorridente, com um aceno amigo que nunca mais haveria de fazer.

Eram dez horas da manhã quando a nossa velha GMC irrompeu pela cerca de arame farpado, em correria demasiada para o seu velho e gasto motor, como se ela própria sentisse a tragédia que transportava no bojo: o corpo do Alferes Almeida crivado de balas dos pés à cabeça.
Puxei de um cigarro mas não consegui segurá-lo entre os dedos. E nunca tomei banho no tanque.

A única recordação dele, que hoje ainda mantenho, é o livro que tinha na mesinha de cabeceira: Morreram pela pátria.


2. Comentário do editor:

Pelos nossos registos, o Alferes Almeida desta história (verídica) é/era Carlos Manuel Sousa Linhares de Almeida, morto em combate em 1/4/67, em Bigene. Faz parte dos 75 alferes mortos no CTIG.

Vd. postes de:

e
26 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13946: In Memoriam (208): Carlos Manuel Sousa Linhares de Almeida (Bissau, 1942 - Bigene, 1967), alf mil da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Fá Mandinga, Nova Lamego, Bula, Bigene, 1966/68), Juca para os amigos do Liceu Honório Barreto (Manuel Amante da Rosa / António Estácio)

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13946: In Memoriam (208): Carlos Manuel Sousa Linhares de Almeida (Bissau, 1942 - Bigene, 1967), alf mil da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Fá Mandinga, Nova Lamego, Bula, Bigene, 1966/68), Juca para os amigos do Liceu Honório Barreto (Manuel Amante da Rosa / António Estácio)

1. Duas mensagens de camaradas nossos, nascidos na Guiné, que conheceram, em vida, o Carlos Manuel Sousa Linhares de Almeida, nosso saudoso camarada, alf mil da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Fá Mandinga. Nova Lamego, Bula, Bigene, 1966/68), morto em combate a 1/4/1967 (*)

[foto à esquerda, quando ainda estudante do Liceu Honório Barreto, em finais de 1959, princípios de 1960; terá nascido em 1942, em Bissau; aparece num foto de grupo do Liceu, identificado com o nº 2 como sendo o "Juca - Carlos Linhares de Almeida (irmão do 'Banana')!... A foto de grupo (14 elementos), sem data, é da autoria de Armindo do Grego Ferreira, Jr. Cortesia do blogue NhaGente, de Amaro Ligeiro (**)]


(i) Manuel Amante:

Ainda que mais velho 10 anos, pude conhecê-lo antes de ir para a tropa. Irmão mais velho de dois amigos meus, o Banana, ainda em Bissau e o Bananinha, em Lisboa, que até há pouco tempo era jurista na Presidência da República de Portugal.

O malogrado Juca era pessoa muito conhecida e popular no velho Liceu Honório Barreto. (***)


(ii) António Estácio (****):
Meu caro Luís e demais malta amiga.

Eu raramente respondo [a mails], apreciando mais o que leio das respostas dos outros.

Mas desta vez toco a responder sobre a [tua] pergunta feita há dias sobre quem era o Alferes Juca, que teve dois irmãos, ou melhor dizendo meios irmãos, ou seja,  o Fernando António de Oliveira Ribeiro de Almeida (que reside em Bissau), e  José Luciano Ribeiro de Almeida (, que vive em Lisboa; se precisarem de saber quem quem se trata, terei  todo o gosto em facultar-lhes, arranhar-vos, o telefone).

Depois da independência,  houve mudança do nome da Rua Alferes Linhares de Almeida... passou a ser Rua 17, de acordo com o dia 20 de Janeiro de 1975 - Dia dos Heróis Nacionais.

Eu ainda apanhei o  Juca nos anos em que andei com ele no Liceu, sendo ele um pouco mais velho do que eu.
Morava na avenida que vai desde a Amura, passa pelo Hospital, as traseiras do edifício por detrás da Associação Comercial de Bissau e entra na estrada que segue para Santa Luzia.

Ainda bem que conseguiram apresentar um foto com o nome do alferes abatido e, por sinal, quando o mesmo fez a última patrulha, já depois de terminada a sua comissão de serviço.

Sem mais me despeço, desejando a todos um bom Natal e já de seguida uma óptima passagem de Ano.

António J. Estácio

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Notas do editor;

(*)  24 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13938: Consultório militar, de José Martins (11): Quem foi o alf mil Linhares de Almeida, da CCAÇ 1547, morto em combate em 1/4/1967, e condecorado, a título póstumo, com a cruz de guerra de 2ª classe ?

(**) Amaro Ligeiro, fundador, administrador e editor do blogue Nhagente;

(ii) Natural de Coimbra, foi criado em terras de África desde tenra idade, tendo vivido na agora Guiné Bissau, e posteriormente em Angola;

(ii) "Passados que foram 41 anos desde que deixei a Guiné Bissau, e 33 desde que saí de Angola, é sempre com saudade, que recordo a minha infância e adolescência em Bissau, e posteriormente a minha vida em Novo Redondo e Luanda, onde permaneci até à independência daquele território, depois de ter terminado uma comissão como militar" (...).

(i) Mora em Corroios, Seixal.


(****)  Vd. poste de 19  de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6432: Tabanca Grande (220): António Estácio, nascido em Bissau, no chão papel, escritor, amigo do Pepito, do Zé Neto, do Mário Dias e do Graça de Abreu, autor de Nha Carlota

(...) António Júlio Emerenciano Estácio nasceu em Bissau, a 3 de Maio de 1947, no tchom de Papel. Estudou no Liceu Honório Barreto, onde foi condiscípulo do nosso amigo Pepito. Conheceu, ainda na Guiné, o nosso camarada Mário Dias. 

De 1964 a 67 estudou, em Coimbra, na ex-Escola Nacional de Agricultura, onde tirou o Curso de Regente Agrícola, posto que estagiou no extinto Instituto de Algodão de Angola (IAA).

De Janeiro de 1969 a Abril de 1972 cumpriu o serviço militar obrigatório, tendo, a partir de Março de 1970 a Maio de 1972, prestado comissão de serviço na Região Militar de Angola (R.M.A.) e estado aquartelado nas povoações de Luquembo, Sautar e Bessa Monteiro.

Em 28.09.1972 chegou a Macau, a fim de desempenhar funções técnicas na, então, Brigada da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar (M.E.A.U.). Neste território, conviveu com o Mário Dias e com o José Neto, de quem ficou grande amigo.

De 28 Setembro de 1972 a 2 Dezembro de 1998 viveu em Macau, onde exerceu vários cargos e funções. (...)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13938: Consultório militar, de José Martins (11): Quem foi o alf mil Linhares de Almeida, da CCAÇ 1547, morto em combate em 1/4/1967, e condecorado, a título póstumo, com a cruz de guerra de 2ª classe ?




Guiné >Bissau > s/d> Placa toponímica > Rua Alferes Linhares de Almeida... >  Foto comprada na Feira da Ladra, em Lisboa, pelo nosso camarada e colaborador permanente Mário Beja Santos.

(...)"E acontece mesmo, há para ali uma chusma de fotografias que diz Foto Iris, Bissau. Mexo e remexo, não encontro fio condutor, terá sido seguramente alguém que andou entre a Guiné e Cabo Verde, encontrei fotografias do porto de Mindelo, S. Vicente, bem bonitas por sinal. Não chove, pus mais um plástico e ali ponho os joelhos, para contemplar demoradamente as fotografias. Escolho três de que gostei muito, não sei explicar porquê. Talvez no Google encontrasse referências a esta CCAÇ 1547, a que pertenceu o alferes Linhares de Almeida, morto em combate em 1 de Abril de 1967. O Zé Martins que descalce a bota, ele é que é o estudioso e conte como foi. Outro bico-de-obra é saber onde é que estava esta rua, num muro enegrecido de onde brota capim: será Bissau? Quem se recordar faça o favor de me explicar aonde estava esta rua. " (...) (Excerto do poste P13870 )(*).


.Foto: © Mário Beja Santos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Resposta do José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, TOC reformado, residente em Odivelas]. no âmbito do seu "consultório militar" (**):

Pela mão do Mário Beja Santos, surge a pergunta de quem é o “Alferes Linhares de Almeida” que dá o nome a uma rua que, julga-se, ser em Bissau.

A entidade que poderia dar resposta a esta pergunta, “quem e porquê”, já não existe, pois seria a Câmara Municipal de Bissau, entidade que detem/detinha a função de aprovar a atribuição de nomes aos arruamentos e praças.

Com a leitura do registo mencionado no 8º Volume – Tomo II – Livro 1 – MORTOS EM CAMPANHA – página página 252, da CECA, passamos a saber que Carlos Manuel Sousa LINHARES DE ALMEIDA, filho de Luciano Ribeiro de Almeida e de Maria do Céu Linhares Ribeiro de Almeida nasceu na freguesia de Nossa Senhora da Candelária, concelho de Bissau.

Para informações mais detalhadas, teriamos que pedir autorização, ao Arquivo Geral do Exército, para consultar o seu processo individual. Porém, caso ainda não terem decorrido 50 anos sobre o acontecimento, só seria possivel se um familiar directo o autorizasse.

Não está indicada a data de nascimento, Porém, dado ter-lhe sido atribuido, militarmente, o número 27/63, terá nascido em 1942. O seu nascimento naquela então Província Ultramarina Portuguesa, poder-se-á relacionar com algum cargo, civil ou militar, que o pai tivesse naquela possessão.

Foi mobilizado pelo Regimento de Infantaria nº 1, aquartelada na Amadora, para fazer parte da Companhia de Caçadores nº 1547 / Batalhão de Caçadores nº 1887. Da ficha da unidade (7º Volume – Tomo II – Guiné – Página 83 e seguintes), respigamos que a unidade embarcou para a Guiné em 7 de Maio de 1966, tendo chegado a 13 desse mês.

A unidade seguiu para Fá Mandinga para efectuar o IAO e ficar como unidade de intervenção e reserva do Batalhão de Caçadores nº 1888, tendo efectuado operações no Xitole e no baixo Corubal.

Entre finais de Maio de 1966 e principios de Junho de 1966, foi deslocada para Nova Lamego, para realização de uma operação na região de Pataque e outras.

Em Setembro é transferida para Bula, para executar uma operação da região de Jol, na dependência do Batalhão de Cavalaria nº 790.

Em Setembro de 1967, a Companhia de Caçadores nº 1547, é colocada em Bigene, com a responsabilidade do respectivo sector e com um pelotão destacado em Barro, ficando na dependência do seu batalhão.

Rendida no sector de Bigene, passa para Bissau em 2 de Novembro de 1967, sendo por missão a a segurança e protecção das instalações e das populações da área.

A unidade regressou á metrópole em 25 de Janeiro de 1968.

Voltando à “ficha de óbito” do nosso camarada Carlos Linhares de Almeida, constatamos que foi ferido em combate na transposição do rio Talicó, no regresso a Bigene. Como local do óbito é indicado o Hospital Militar de Bissau, o que demonstra que foi evacuado do local de combate, dando como data do falecimento a 1 de Abril de 1967.

Quanto ao local de inumação – Cemitério da Praia do Ribatejo, leva-nos a especular que a família seria oriunda daquela zona ou ali teria fixado residência.

Pela consulta dos registos constantes da página de Ultramar.terraweb, baseada nos livros da CECA que regista as condecorações atribuídas e os louvores que deram origem às mesmas, de todos os Teatros de Operação, verificamos que o camarada em questão foi louvado e foi-lhe atribuída, a título póstumo, uma Cruz de Guerra de 2ª Classe, por feitos em 1 de Abril de 1967. Pela coincidência de datas da acção em que foi distinguido e a data do óbito, somos levados a crer que, apesar de ter sido evacuado, não obstou sucumbir aos ferimentos em pouco tempo. O registo dos termos de atribuição da condecoração, pode ser visto do 5º Volume – Livro IV – Página 422, e o facto foi publicado na Ordem do Exército nº 18 – 2ª sério de 1967.
José Marcelino Martins
23 de Novembro de 2014

2. Nota do editor L.G.:

Há um Carlos Linhares de Almeida, "Juca", "irmã do Banana", identificado n uma foto do Grupo do Liceu Honório Barreto, sem data, e da autoria de Armanmdo Grego Ferreira, Jr. Está assinalado como o nº 2  na foto de grupo. Disponível no blogue NhaGente.


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