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domingo, 18 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13160: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte VII: (i) Os primeiros dias, a viagem de LDG até Farim, e depois em coluna até ao nosso destino... (ii) O meu primeiro aniversário...(Fernando Pires, ex-fur mil at inf)

1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte VII (Fur mil at inf, 3º pelotão, Fernando Pires)


Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do livro editado pelo 1º ex-cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). Esta publicação é uma obra coletiva, feita com a participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças).

A brochura chegou-nos digitalizada através do Luís Nascimento (que também nos facultou um exemplar em papel e que, até ao momento, é o único representante da CCAÇ 2533, na nossa Tabanca Grande). Temos autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as peripécias por que passou o pessoal da CCAÇ 2533, companhia independente que esteve sediada em Canjambari e Farim, região do Oio, ao serviço do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras (Farim, 1969/71).

Continuamos a publicar a colaboração do fur mil at inf Fernando J. do Nascimento Pires, que pertenceu ao 3º pelotão. O poste de hoje corresponde às pp. 35/40 e nele se descreve  (i) o seu dia de aniversário; e (ii) os primeiros dias de Guiné. (LG).
















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quinta-feira, 10 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9879: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte IV : Em Piche, com um Pel Art com 3 peças de 11.4


Foto nº 73/199 > Setembro de 1968 > Chegada da LDG a Bambadinca [Sobre a viagem de Bissau a Piche, vd. poste 9593]




Foto nº 85/199 > Setembro de 1968 > A caminho de Piche, antes de Nova Lamego > Furo em plena picada. Últimos da coluna. Sós. Aguardando ajuda ou o inimigo...



Foto nº 90/199 > > Paragem obrigatória para descansar... [Em primeiro plano, uma das 3 peças de artilharia, 11.4]




Foto nº 103/199 > Setembro de 1968 > Nova Lamego > Pedro Sá da Bandeira, antigo colega de turma no Liceu Nacional de Oeiras e vizinho da mesma rua em Algés.



Foto nº 98/199 > Setembro de 1968 > Piche > Os meus camaradas, alferes de cavalaria.




Foto nº 99/199> Setembro de 1968 > Piche > Em Piche nunca entrei em combate, mas tive encontros imediatos de grande perigo, porque facilitei em demasia... [Na foto, canhão s/r montado em jipe... Não era uma arma de acavalaria, mas uma arma pesada de infantaria...]




Foto nº 101/199> Setembro de 1968 > Piche > [O JoãoMartins com uma temível granada de canhão s/r]


Foto nº 109/199 > Piche > 1968 > Portugueses da Guiné solicitando a ajuda Nacional.


Foto nº 112/199 >  Piche  > 1968 > Mulher amamentando uma cabrinha (!)...


Foto nº 111/199 > Piche > [Fulas partilhando uma refeição]



Foto nº 108/199 > Piche > Setembro de 1968 > Régulo afirmando a sua amizade, veio cumprimentar-nos.




Foto nº 117/199 > Piche > s/d > [Uma bela paisagem, não tenho a certeza se é de Piche... ou de Catió por onde o autor passou, a caminho de Bedanda].



Fotos do álbum do João José Alves Martins, em grande parte disponíveis na sua página do Facebook... 


Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Fotos editadas e parcialmente legendadas por L.G.)


Memórias da minha comissão na Província Ultramarina da Guiné - Parte IIV (*)

por João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69)

(Continuação)



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ÍNDICE

1 – Curso de Oficiais Milicianos
1.1 – Mafra – Escola Prática de Infantaria
1.2 – Vendas Novas – Escola Prática de Artilharia – Especialidade: PCT (Posto de Controlo de Tiro)
2 – Figueira da Foz – RAP 3 - Instrução a recrutas do CICA 2
3 –Viagem para a Guiné (10 de Dezembro de 1967)

4 – Chegada à Bateria de Artilharia de Campanha Nº. 1 (BAC 1) e partida para Bissum

9 – Gadamael-Porto

10 – Guilege

11 – Bigene e Ingoré
_____________________



7. Piche


Chegado a Bissau [, de férias na metrópole], novo pelotão e novo destino me esperavam, Piche, e em Setembro de 1968 embarquei numa Lancha de Desembarque Grande (LDG) com um pelotão constituído por três peças de Artilharia 11,4 cm.

Em Nova-Lamego encontrei um ex-colega de turma do Liceu Nacional de Oeiras, o Pedro Sá da Bandeira, a quem tirei uma fotografia.

A viagem estava a decorrer sem qualquer contacto com o IN, até parecia que já não estava em teatro de guerra, e, como tinha vindo da Metrópole, já tinha esquecido um pouco o que era entrar em combate.

Quase a chegar a Piche, depois de passadas Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego, indo eu na última viatura da coluna para me certificar que tudo à minha frente decorria da melhor maneira, a viatura teve um furo na roda esquerda dianteira,  como mostra a fotografia. Éramos dois ou três, isolados, sem armas, só com munições de artilharia que para o efeito não serviam para nada, e assim ficámos bastante tempo, parados na picada à espera que acontecesse alguma coisa.

Apareceram então elementos da população, muito simpáticos e prestáveis como são em geral os fulas e os futa-fulas. Prontificaram-se a remover algumas caixas de munições e a arranjar o pneu da viatura. Entretanto, chegou o auxílio vindo da coluna porque acabaram por dar pela nossa falta.

Por feitio, gosto de interagir com os outros, para mim, era essencial compreender as motivações, as queixas, o que ia na cabeça daquela gente, de modo que mantive sempre uma relação muito próxima, não só com os soldados dos meus pelotões mas também com os que tinham sido colocados circunstancialmente na sede, BAC 1, por começarem a especialidade, por irem ou regressarem de férias ou por estarem a terminar o serviço militar, na sua grande maioria recrutados de todas as etnias da Guiné, e ainda, com todos os que me rodeavam, muito particularmente, quis compreender o verdadeiro sentir das populações e a sua relação com aquela guerra.

O que me deixa verdadeiramente satisfeito, é ter conhecido aquelas gentes, melhor dizendo, aqueles portugueses, verdadeiros portugueses na medida em que, na sua maneira de ser, se aproximam muito de nós, muito provavelmente pela ação missionária e de evangelização a que todos nós, portugueses, fomos de algum modo chamados desde a “Fundação de Portugal”.

Assim como os portugueses da Metrópole têm ideologias diferentes, religiosidades específicas, modos de convivência diferenciados, com o sentimento do “amor ao próximo” vivido de maneiras diferentes, uns, mais crentes, portadores de uma religiosidade mais profunda, outros, menos crentes ou até ateus, também na Guiné fui encontrar as maiores disparidades, até porque não se trata de um povo, mas de uma miscelânea de povos das mais diversificadas origens com dialetos distintos, tendo inclusivamente alguma dificuldade em comunicar uns com os outros, pelo que têm o crioulo em comum que lhes permite entenderem-se. Inclusivamente, informaram-me que os membros de uma das etnias, os felupes, eram canibais.

A única característica comum para além de serem africanos era o fato de serem portugueses. Só esse facto os une, pelo que muito dificilmente se poderão constituir como uma Nação. Mais, o sentimento mais profundo que trago como recordação, é que, na Guiné, eu não estava no estrangeiro, mas em Portugal, e quando estou com alguém de lá, não posso deixar de lhe dar o meu abraço de “irmão”, porque vejo nele um português que vive no estrangeiro.

O mesmo não se passa com os espanhóis com os quais ainda temos um diferendo fronteiriço, o caso de Olivença, e recordamos que no passado, fomos uma região autónoma espanhola, nem temos afinidades com os franceses que nos invadiram no tempo do imperador Napoleão Bonaparte, cujas tropas “saquearam” o que puderam, e ainda menos, com os alemães, com os quais estivemos em guerra e recordo a batalha de “La Lys”, durante a 1ª Guerra Mundial, em que estivemos envolvidos sem grande justificação, entrando em combate em condições verdadeiramente desumanas e em que, em consequência, muitos portugueses perderam a vida.

Parte de mim ficou na Guiné, para sempre, não só pelo sentimento do dever cumprido que é independente do regime que vigorava na altura, mas sobretudo, pela experiência e pelo reconhecimento de cerca de 500 anos de convivência e de pertença à mesma Nação, e esta realidade não se esquece, não se apaga e não está à venda…

Em Piche, aconteceu-me um episódio que não esquecerei. Como não sentia qualquer animosidade por parte da população, nem pressentia qualquer perigo, não pensei que o perigo sempre espreita. Nem mesmo pensei nisso quando chegou ao aquartelamento um carregamento de garrafas de cerveja, e, como estava calor e tinha sede, dirigi-me ao bar para comprar uma; para meu espanto, informaram-me que já tinham sido todas vendidas; não queria acreditar, e perguntei como é que podia ser. Responderam-me que tinham sido vendidas a um libanês que tinha uma tasca a poucos metros do aquartelamento; fiquei sem saber quem é que lucrava com aquele “negócio”.

Sem alternativa, fui até lá e pude apreciar o ambiente. Realmente, sentíamo-nos fora do quartel, e como não estava acompanhado fui-me inteirando do que se passava à minha volta, reparei que havia quem conversava de uma forma muito discreta e pus-me a ouvir, falavam em francês, o que era estranho, mas mais estranho foi o facto de, quando repararam que eu os estava a escutar, terem-se posto em fuga. Realmente, podia concluir que, verdadeiramente, nenhum lugar era seguro, mas não dei demasiada importância.

Dias mais tarde, vieram-me dizer que havia falta de géneros e que era conveniente procurar nas tabancas das redondezas quem vendesse alguns frangos. Como não tinha muito que fazer, dispus-me a dar uma volta para ver se encontrava alguns e também para quebrar a monotonia. Meti-me num “jeep” e fui com um furriel, levava comigo uma G3 e uma pistola à cintura.

Andámos alguns quilómetros para Norte, passámos por uma palhota onde se encontrava uma mulher a dar de mamar a uma cabra, tirei-lhe uma fotografia, e continuámos na esperança de encontrarmos uma tabanca com galinhas.

A certa altura, chegámos a uma, mas só depois de muito andarmos; não se vislumbrava ninguém, o que achei muito estranho, pedi ao furriel que fosse à procura de alguém, e, como estava muito calor, sentei-me à sombra de uma árvore ficando descontraidamente à espera e a descansar de tanto solavanco a que nos obrigavam aquelas picadas.

Passados uns cinco a dez minutos, para espanto meu, vindos do fundo da tabanca, vejo a cerca de cinquenta metros, uns seis africanos cobertos de panos compridos a correrem para mim e a fazerem muito barulho, com catanas nas mãos e com ar de “poucos amigos”… Percebi que estava em “maus lençóis”, e que tinha que tomar rapidamente uma decisão.

Se fugisse, não ia longe porque algum deles correria mais do que eu, se puxasse pela pistola, também não me safava porque nem sabia se estava carregada, a solução só podia ser uma, rezar e encomendar a minha alma ao Senhor, entregando a minha vida nas sua mãos; e foi o que fiz, e serenamente, na “graça do Senhor”, fiquei à espera…

Face à serenidade que se apoderou de mim, e à “Luz” intensa que me envolvia, ficaram espantados, e resolveram espetar as catanas na árvore, mesmo por cima da minha cabeça, e foram-se embora.

É claro que não ganhei para o susto… Pouco depois, apareceu o furriel dizendo que estranhamente não tinha encontrado ninguém porque tinham fugido todos e a aldeia encontrava-se deserta.

Metemo-nos no “jeep” e viemo-nos embora. No caminho, deparámo-nos com uma árvore de pequeno porte a barrar a picada e uns tantos homens, mas poucos, “à nossa espera”. Tinha-me safado de uma vez e não quis abusar da sorte, disse ao furriel que acelerasse a viatura passando por cima da árvore, enquanto eu de G3 em posição e devidamente carregada, apontava para os nossos “amigos”, agora era eu que estava com “ar de poucos amigos”; é claro que nem se mexeram, passámos sem mais problemas e regressámos ao aquartelamento.

Dias mais tarde, por sinal, andando na mesma viatura, observei que algo de anormal se estava a passar; à entrada da povoação encontravam-se uns quatro homens vestidos com os tais panos, portanto, de uma forma diferente do que era normalmente usado pelo pessoal de Piche. Estavam rodeados por muitos populares, que olhavam para eles muito intrigados quanto às suas pretensões, e era bem visível a diferença de uns e de outros porque os habitantes locais, usavam regra geral, calções e camisas.

Por curiosidade e sentido de responsabilidade, aproximei-me convencido que havia problema, parei a viatura relativamente perto e nem queria acreditar no que via. Eram aqueles que tinham corrido para mim com as catanas na mão, sem dúvida sem as melhores das intenções, e que agora se dirigiam para mim.

Ficaram muito felizes quando me viram, demonstrando-o dando-me grandes abraços como se fossemos amigos de longa data que não se viam há muito tempo, o que não era propriamente o caso, e deixando atónitos os populares que apreciavam toda a cena; devem ter concluído que “eu estava feito com os turras”; não falavam português, provavelmente só o crioulo, mas deu para perceber que o que pretendiam era entrar na povoação para comprar agulhas e linhas para cozerem os seus panos; pelo menos, foi o que eu entendi por gestos e por algumas palavras. É claro que esta cena era completamente incompreensível para quem a observou, e devem ter transmitido isso mesmo ao comandante da companhia que mais tarde me perguntou o que se tinha passado.

Como a realidade era um pouco “sui generis”, resolvi dizer que aqueles homens me tinham salvado a vida, na verdade, devia ter dito que me tinham poupado a vida, de qualquer modo, o que quer que dissesse era pouco compreensível, pelo que não deve ter acreditado na minha versão e poucos dias depois tinha uma guia de marcha para me apresentar em Bissau. 

Lembro-me de ter regressado num “Dakota”, que parecia ser da última grande guerra tal era a vibração da fuselagem e o barulho que fazia o motor. (**)

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > Guiné 63/74 - P9857: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte III - BIssau e férias em São Martinho do Porto, em agosto de 1968


(**) Vd. ta,bém poste de 10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9593: Álbum fotográfico de João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) (1): Viagem de Bissau a Piche, pelo Geba e pela picada, com 3 peças de arilharia 11.4, em julho de 1968

segunda-feira, 12 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9600: Álbum fotográfico de João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) (2): Ainda a viagem, de LDG, em setembro de 1968, de Bissau a Bambadinca, com o meu Pel Art a caminho de Piche


Foto nº 2/199: Aproximação a Bissau, do avião da TAP que trouxe o nosso camarada João Martins, de regresso da metrópole, depois das suas férias em julho de 1968...


Foto nº 58/199: O Rio Geba, visto de Bissau, ao pôr do sol...



Foto nº 62/199: A LDM [, Lancha de Desembarque Média] 311, a navegar no canal do Geba, nas imediações do Ilhéu do Rei, frente ao porto de Bissau. (Distância aproximada: 1,5 km).



Foto nº 66/199: A LDG [Lancha de Desembraque Grande] nº 101, pronto a zarpar, rio Geba cima, carregada de artilheiros e de artilharia, rumo a Bambadinca, aproveitando a maré cheia...


Foto nº 70/199:  Margem direita do Rio Geba, Porto Gole... Ou não ?  Parece-me ser Porto Gole, pelo perfil do casario... A distância aproximada entre as duas margens é de 6,5 km..


Foto nº 71/199: Margem esquerda do Rio Geba, depois da foz do Corubal, quando o rio começava a estreitar, antes do Xime... A temível Ponta Varela, onde era habitual os fuzileiros das LDG fazerem fogo de morteirete, apanhando de surpresa os "viajantes"... Este era um dos pontos referenciados como provável local de ataque do PAIGC às embarcações... Mas, em geral, o IN não se metia com as LDG, tinha-lhes "muito respeitinho"... Atacava de preferência as embarcações civis, indefesas... A distância aproximada entre as duas margens era de 400 metros...


Foto nº 73/199: O inconfundível porto fluvial de Bambadinca e instalações do destacamento da Intendência... Era penosa a viagem pelo Geba Estreito, do Xime até Bambadinca, passando pelo perigoso Mato Cão, devido ao curso "tortuoso" do rio... De LDG, só na maré vazia... Hoje este troço do rio está completamente assoreado... A distância aproximada entre as duas margens era ligeiramente superior a 100 metros...

Fotos: © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. (Fotos editadas por L.G.; legendas do autor das fotos e do editor).


Guiné > Zona leste > Rio Geba (Xaianga) Estreito > Percurso entre o Xime e Bambadinca > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil> Detalhe


1. Segunda parte da mensagem, enviada ontem, por João José de Lima Alves Martins, respondendo à seguintes perguntas dos editores, a seguir listadas: (A primeira parte da mensagem será publicada, oportunamente, noutro poste, noutra série):

Gostavamos que o João Martins nos confirmasse:



(i) o trajeto da viagem (Bissau-Xime ou Bissau-Bambadinca, pelo Rio Geba);


(ii) o tipo de embarcação (inclinamo-nos para a LDG, já que uma LDM não aguentava com viaturas, 3 peças 11.4, caixas de granadas, mais os homens de um Pel Art e o resto da tralha, desde garrafões de vinho a colchões...).


A viagem pela picada Xime-Bambadinca, em meados de 1968, não era segura... Acreditamos que a LDG tenha ido mesmo até Bambadinca (aproveitando a maré cheia).  Nessa época, a passagem por Ponta Varela, antes do Xime, sempre temida, mas não tanto pelo Mato Cão, já no Geba Estreito. Eu fiz esse percurso, a caminho de Contuboel, nove meses depois, de Bissau, em LDG, partindo de madrugada com a maré cheia, mas só até ao Xime... O resto do percurso (Xime-Bambadinca-Bafatá-Contuboel) foi por estrada, onde chegámos ao fim da tarde... (LG).


2. Recorde-se que o João José Alves Martins foi Alf Mil Art do BAC 1 (Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69). Entrou para a Tabanca Grande em 12 de Fevereiro de 2012.

Na sua página, no Facebook, o João Martins  tem um notável álbum fotográfico, com 199 imagens, obtidas a partir de diapositivos, relativas à sua comissão de serviço no TO da Guiné. Parecem estar ordenadas cronologicamente e uma boa parte delas estão legendadas. O que nos permite, por exemplo, seguir o o nosso camarada e o seu Pel Art, ao longo da viagem desde BAC1 [ Bateria de Artilharia de Campanha nº 1], em Bissau, até Piche... Viagem essa que não foi em julho de 1968, como supunhamos inicialmente, mas sim em setembro.

3. Explicações dadas pelo João Martins:


Luís Graça


É com muito prazer que recordo o tempo que passei na Guiné; lá, encontrei a alma e a coragem dos nossos antepassados, e toda uma obra de colonização que, ao contrário do que muitos pensam, nos deve orgulhar. (...)

Quanto às tuas perguntas, a viagem para Piche fez-se em Setembro de 68, depois de ter regressado de férias, pelo rio Geba e até Bambadinca numa LDG.

É claro que para chegarmos a Piche, passámos por Bafatá e por Nova Lamego; no caminho [ entre Nova Lamego e Piche], como afirmas, apanhámos um valente susto porque ficámos "parados sozinhos" com um furo, e fomos ajudados por uns naturais aos quais dei umas moedas, mas que, se tivéssemos tido azar,  seriam de "outra cor"...(faz parte das minhas memórias).

Passei por Farim, mas foi no regresso, e ainda me lembro do Dakota que tremia que nem varas verdes e fazia uma barulheira que só visto...


Quanto ao dia 21 de Abril [, dia do nosso VII Econtro Nacional, em Monte Real], teria muito prazer em estar convosco, mas acontece que estou a fazer grandes obras numa casa que tenho em S. Martinho do Porto e vou lá aos sábados para as acompanhar pelo que terá que ficar para outra oportunidade.


Um grande abraço,


João Martins
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Nota do editor:

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5632: Comentando o vídeo do Jorge Félix / Pierre Fargeas, sobre a viagem em LDG entre Bissau e Binta, no Rio Cacheu (Carlos Matos Gomes)


 1. Mensagem do Cor Cav Ref e escritor Carlos Matos Gomes (aqui na foto, à esquerda, na antiga Fortaleza da Amura, Bissau, em 7 de Março de 2008, no último dia do Simpósio Internacional de Guileje):

Assunto - P5609 (*)

 Meu caro Luís

Em primeiro lugar Bom Ano para ti, para a tua família e para todos os que administram e habitam este magnífico condomínio.

Agora aqui vai a minha modestíssima colaboração a propósito do Post 5609 do Jorge Félix, com título adequado Por este Cacheu acima e música à maneira. Com estas imagens voltamos ao tempo e ao local.


Obrigado da minha parte ao Jorge Félix pelo trabalho que me permitiu reviver uma viagem que fiz de Bissau a Ganturé (Bigene) e regresso de Binta a Bissau em Maio de 1973 aquando da expedição a Kumbamori  na operação Ametista Real (que o doutor Manuel Rebocho classificou de mal planeada e executada, sem apresentar nenhuma razão para a classificar assim, porque talvez a sua ciência assente na fé, o que tem não mal nenhum).

Ora aqui vão alguns elementos de entre os que sugeriste em TPC:

(i) A Lancha era uma LDG (Lancha de Desembarque Grande) e não uma LGD (também dá no mesmo: Lancha Grande de Desembarque – é o que tem de bom a língua portuguesa, a ordem dos factores é quase sempre arbitrária e as excepções são mais que a regra);

(ii) No vídeo aparece 2 vezes o comandante da LDG, uma delas é a última imagem, aquele senhor meio calvo, solitário, é o primeiro-tenente Bilreiro (já falecido) que terminou a sua carreira como capitão de mar e guerra;

(iii) O 1º Tenente Bilreiro comandou a LDG nos anos de 1973/1974, data em que o vídeo deve ter sido feito;

(iv) Relativamente a pessoas citadas por Jorge Félix, o Rebordão e Brito (Capitão de mar e guerra fuzileiro) já faleceu, e também o Benjamim (Benjamim Abreu), dois parceiros de aventuras, dois homens corajosos e divertidos;

(v) A peça que se vê a fazer tiro é uma Bosfors;

(vi) Quanto à duração da viagem de Bissau a Binta,  tenho a ideia de que, dependendo da maré,  era coisa para demorar uma 7/8 horas.

(vii) Ainda quanto a Ganturé, a base dos fuzos. Ganturé ficava antes de Binta, para quem vem do mar. No rio Cacheu os pontos de "abicagem" eram, vindo de Bissau (mar): Cacheu (margem esquerda), Ganturé, Binta e Farim (na margem direita).

Isto são apenas lembranças tiradas da memória de há 35 anos, com as desculpáveis (julgo) imprecisões.

Julgo que o Pedro Lauret pode dar informações mais detalhadas sobre estas navegações fluviais.

Um abraço

Carlos Matos Gomes



2.  Comentário de L.G.:

Dei conhecimento prévio deste mail ao Jorge ("Para teu conhecimento em primeira mão e incentivo para o próximo vídeo")... Quanto ao Carlos, disse-lhe o seguinte:


Carlos: Obrigado pela aplicação no TPC... LDG e não LGD: a culpa é sempre das pressas e da falta de controlo de qualidade... final.

Tudo de bom para ti e para nós em 2010. Já é altura de entrares para a Tabanca Grande, que não tem porta nem janelas...Luís

[Fixação / revisão de texto: L.G.]
 
________________
 
Nota de L.G.:
 
(*) Vd. poste de 8 de Janeiro de 2010  > Guiné 63/74 - P5609: Vídeos da guerra (9): Viagem de LGD, pelo Rio Cacheu acima, até Binta (Jorge Félix / Pierre Fargeas)


sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5609: Vídeos da guerra (9): Viagem de LDG, pelo Rio Cacheu acima, até Binta (Jorge Félix / Pierre Fargeas)


Guiné > Viagem de Bissau a Binta pelo Rio Cacheu >  s/d >  Imagem:  Pierre Fargeas. Música : Chuck Mangione. Edição: Jorge Félix

Vídeo 7' 24'': ©  Jorge Felix  (2009). Direitos reservados> Alojado em You Tube > jorgefelixjojo


1. Mensagem do Jorge Félix (ex-Alf Mil Pil, Al III, BA12, Bissalanca, 1968/70), com data de ontem:

Luis: O Mr. Pierre Fargeas era o Técnico da fábrica dos Heli Alouette III, destacado em Bissalanca,  salvo erro entre 68 e 74.

No ano passado, por magia, encontrámo-nos no ciberespaço da Net. Aerograma para lá aerograma para cá, recebi em dada altura um vídeo, gravado por ele durante a sua estadia em Bissau, com imagens minhas que depois "montei" e coloquei no You Tube com o titulo "BAFATA".  (*)

Nesse vídeo vêm mais documentos fotográficos que tenho andado a "trabalhar", com a devida autorização do Mr. Pierre, e desta vez fiz uma pequena homenagem à Marinha.

É uma viagem de Bissau a Binta. Tem momentos encantadores. A chegada a Binta e o ambiente no cais foram para mim uma surpresa. Mas o que destaco e chamo a atenção é para o minuto 4 e o 30º  segundo,  a similitude que tem com imagens que o Francis Ford Copola empregou no Apocalypse Now em 1979.

Ainda lá coloquei o Satisfation,  dos Stones,  mas depois decidi-me pela música do Mangione. São sete minutos, muito para a vossa paciência, pouco para o que os homens da Marinha fizeram por todos nós.

Se me permites, por ter lidado com eles o bastante para lhes saber os nomes, gostaria de os recordar nesta modesta homenagem: os Fuzileiros Brito (já falecido), Benjamim e Alpoim Calvão.

Se escrevermos,  no Youtube , Binta Rio Cacheu, vamos ao endereço deste pequeno vídeo.

Gostaria de ter a tua opinião quando o visses e,  se achares bem,  dá-lhe o destaque no nosso Blogue, se ele tanto merecer.

Abraço, desta feita, do tamanho do Cacheu.

Jorge Félix
 
2. Comentário de L.G.:
 
O Jorge dá um toque de magia às imagens que lhe chegam, em boa hora, às mãos. Não é o toque de Midas, perverso, que reduz tudo ao vil metal...  É a capacidade de dar vida, emoção, poesia... Este trabalho merece o melhor da nossa atenção e carinho. É também chegada a altura de homenagear, aqui, no nosso blogue, o Pierre Fargeas (daí vir associado ao nome do Jorge, no título do poste).

O Jorge tem, de resto, outros dois vídeos de que eu gosto muito... O "Bafatá", por exemplo,  tem uma música (fabulosa!), do Aznavour,que me põe em pele de galinha... Reconheço os sítios. E volto, sobretudo, a sentir  o "meu estado de espírito" da época...  (Este vídeo também é do Pierre, tendo sido depois editado pelo Jorge).

Por sua vez, o "Nha Bolanha" é outra ternura, também com uma musiquinha a condizer, a voz rouca do Bana, o sax estridente do Luís Morais... O Jorge é um homem dos media, das caixinhas mágicas, trabalhou em cinema, na RTP... Um tipo de grande sensibilidade, um grande camarada que de vez em quando me/nos surpreende com estes mimos...  Parabéns, Jorge, toma lá as minhas cinco estrelas (que tens de partilhar com o Pierre).

PS - Aguardo os comentários qualificados sobre este vídeo e esta viagem pelo Rio Cacheu (que eu não conheci...) por dois camaradas nossos, que serviram na Marinha (curiosamente, no mesmo navio e na mesma função, imediatos da LFG Orion, embora em épocas diferentes: o Manuel Lema Santos e o Pedro Lauret)... Mandei-lhes umas perguntinhas que também podem ser respondidas por quem saiba e queira responder (Atenção que  isto é uma montagem: o vídeo é do Fargeas e as fotos podem ser do Félix ou não, mas possivelmente são de épocas diferentes)...

Aqui vão as perguntinhas para o TPC, o trabalho de casa:

1. Quantas horas demorava a viagem,  de Bissau até Binta ? Aqui navega-se de noite...

2. E quais eram, em tua opinião, os pontos mais sensíveis - em termos de segurança - do percurso no Rio Cacheu ?

3. Mais à frente havia a base de Ganturé... Qual a sua importância para a Marinha ?

4. És capaz de identificar as embarcações (civis ? ) e navios da Marinha que cruzam esta LDG ?

5. Podes identificar o armamento ?

6. Conheces alguém que apareça nas imagens ?

7. O vídeo e as imagens não trazem data...Isto parece ser já dos anos 70... não ?

8. Viste o "Apocalipse Now"... Concordas com o Jorge ?

9. Gostaste ?...
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

(...) A voz do Bana, o sax de Luís Morais, a silhueta de um heli nos céus da bolanha, o terrível matraquear do helicanhão, tu e os teus camaradas pilotos, as enfermeiras pára-quedistas, as bolanhas, os palmeirais, a serpente do Rio Geba, o pôr do sol na Guiné, a nota de tensão dramática na paisagem, tudo isso faz parte intrínseca da(s) nossa(s) vida(s). Tal como o sangue que corre nas nossas veias. A Guiné e a guerra da Guiné marcou-nos a todos indelevelmente. Ninguém nos condenou ao silêncio...



Meu caro Jorge: O nosso blogue não tem, de resto, quais propósitos comerciais... Fazemos apenas blogoterapia... E tu, que és um homem da imagem (andaste pela televisão, pelo cinema...), faz-nos o favor de mandar mais ... Estás autorizado a usar as nossas próprias imagens. Se bem te recordas, passaste a fazer parte da nossa Tabanca Grande... (...)

3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4635: FAP (31): Uma viagem de heli a Bafatá, em 1969, com o cmdt Diogo Neto e o casal Ivette e Pierre Fargeas (Jorge Félix)

(...) O que é feito dele, hoje  [, o  Mr. Pierre Gargeas] ? Vive em França, ainda com a sua belíssima Ivete ? Convida-o a vir até à nossa Tabanca Grande, sentar-se debaixo do nosso poilão e contar as suas histórias de Bissalanca (e quiçá de Bissau, Bafatá, Bolama, Bijagós)... Ele pode escrever em francês, que a gente traduz... Este homem tem cinco anos de comissão na Guiné! Ele também é um Zé Especial... (...).

(**) Vd. postes de:

4 de Maio de 2006 >  Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)

4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P842: Memórias do Rio Cacheu (Manuel Lema Santos)

(...)  Em 28 de Julho de 1968 estava presente no Cacheu a LFG Orion que permaneceu lá de 25 a 30 desse mês mas eu já tinha zarpado. Concluí a minha comissão, com regresso a 12 de Maio (...)

(...) Caro Marques Lopes:

- Não era normal efectuarmos qualquer disparo, mesmo de reconhecimento, abaixo da Ponta de S. Vicente. Para montante e quando referes o Ingoré estamos, para nós, a falar das zonas de Maca, Canja e Barro onde já efectuávamos a navegação atentos, vigilantes, em estado de prontidão bordadas (uma peça guarnecida);

- Claro que tínhamos em atenção o facto de haver aquartelamentos próximos e apenas efectuaríamos fogo se fôssemos atacados. Para nós, isso era rígido nessa zona. Ainda mais para montante de Barro passávamos a postos de combate, normalmente até Farim e nas zonas críticas especialmente referenciadas, como Porto Coco, Jagali e Tancroal fazíamos, embora nem sempre, fogo de reconhecimento e protecção;


- Em Tancroal, no Cacheu, em 14 Janeiro de 1968 as LFG tiveram o mais violento ataque. No caso a LFG Lira - sorte minha porque substituiu a LFG Orion que acabou por não sair de Bissau por avaria do motor de estibordo à descolagem - efectuava a escolta à LDG Alfange que transportava para Bissau o Batalhão estacionado em Farim (penso que aí conseguem referenciá-lo com facilidade pela data). Foi atingida na ponte e no rufo da casa das máquinas com granadas de RPG 3 (2) com 2 mortos e 7 feridos, entre os quais o imediato, meu camarada, que ficou surdo de um ouvido. Com um destacamento de fuzileiros a bordo... (...)

4 de Junho de 2006 >  Guiné 63/74 - P843: Ouvir as 'costureirinhas' a bordo de uma LDG (Afonso M.F. Sousa)

 (...) Caro senho or e amigo Lema Santos: A propósito deste seu interessante descritivo: "...os RPG (lança-granadas do IN) no Cacheu, a montante de Barro (Porto Coco, Jagali, Tancroal) e antes de Binta, também eram aperitivos a evitar..."


Deixe-me transmitir-lhe isto: Quando ainda periquitos (Agosto de 1968), subimos o Cacheu, de LDG (2), rumo a Bigene. Lembro-me que antes de chegarmos a esse ancoradouro que servia Ganturé, com a lancha a navegar quase encostada à margem esquerda (tecnicamente não sei o porquê), fomos saudados por rajadas de armas que alguém apelidava de costureirinhas que vinham (suponho) dos lados da densa mata do Oio.


Foi o nosso primeiro contacto com o som de armas de fogo do IN. Dentro da LDG, o silêncio imperou e quase continhamos a respiração.(...)

26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1885: Tabanca Grande (17): Henrique Pinho, Marinheiro Radiotelegrafista, LDM 301 e LD107 (1971/73)

(...) Prestei serviço militar na Marinha de Guerra Portuguesa e estive na antiga província da Guiné desde Setembro de 1971 a Junho de 1973, embarcado nas lanchas de desembarque médio, primeiro na LDM 301 (que foi abatida ao efectivo por ser muito antiga e estar desactualizada, pois teria vindo da América), e depois na LDM 107,  de fabrico português.



Durante este período sofremos apenas um ataque directo no Rio Cacheu, perto da clareira de Olossato, a montante de Ganturé, que, embora muito forte, não causou estragos nem vítimas, felizmente. Foi no dia 26 de Janeiro de 1972, às 18.00h.


Percorri toda a Guiné, via fluvial, desde o Rio Cacine, passando pelo Rio Cumbijã até Bedanda, Tombali, Buba, Rio Geba até Porto Gole, Rio Mansoa até Mansoa, Encheia e Rio Cacheu até norte de Farim.Tenho algumas fotografias mas não consigo enviá-las. Se puder diga-me como hei-de proceder. (...)

31 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4761: Blogpoesia (57): Por esse Geba acima... até Contuboel, o eldorado (Luís Graça, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, 1969/71)
 
(...) Fuzileiros,
hercúleos,
heróicos,
barbudos,
garbosos,
bronzeados,
em tronco nu,
de garrafa de cerveja na mão
(bazuca, aprenderás mais tarde),
marinheiros,
aventureiros
heróis do mar,
nobre povo,
nação valente,
assustam bichos e homens
com tiros de morteirete,
próximo da temível Ponta Varela.
Exorcizam os diabos negros
que infestam o tarrafo
e espantam os irãs
acocorados nos cerrados palmeirais
que circundam as margens do rio.
- Turras a estibordo, patrão ?!
... Não, é apenas um ritual de passagem,
sempre que se passa na Ponta Varela,
para desacagaçar os piras,
tirar-lhe os três,
que eles vão hirtos e tensos,
recolhidos como meninos de coro,
almas virgens,
de sobrepeliz
e vozes celestiais,
no cacilheiro do Geba,
em procissão,
como se fossem caminho da eternidade…
- Senhor imediato,
obrigado pela boleia,
mas por favor não seja chato,
que há aqui gente que enjoa… (...)

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4761: Blogpoesia (57): Por esse Geba acima... até Contuboel, o eldorado (Luís Graça, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, 1969/71)

Memória dos lugares: Por esse Geba acima... até Contuboel, o eldorado (*)


por Luís Graça

(foto à esquerda, o ex-Fur Mil Henriques, Ap Arm Pes Inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Junho de 1969/Março de 1971)

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados






Aos marinheiros das LDG,
que também foram barqueiros de Caronte;
Aos meus camaradas, tugas, da CCAÇ 2590,
futura CCAÇ 12,
que fizeram comigo esse trajecto Bissau-Contuboel
em 2 de Junho de 1969;
Ao meu conterrâneo e amigo Agnelo Pereira Ferreira,
da CCS do BCAÇ 2852,
que encontrei em Bambadinca, nesse dia;
Ao Renato Monteiro, o homem da piroga,
amigo de mês e meio em Contuboel,
e hoje um homem de múltiplos fotografares;
aos meus soldados instruendos, guineenses, da CCAÇ 2590,
futura CCAÇ 12;
enfim, ao povo gentil de Contuboel...

L.G.




Como um cão apanhado na rede,
repetias tu,
nessa madrugada de 2 de Junho de 1969,
no fundo de uma lata de uma LDG,
atracada ali ao lado do mítico cais
do Pijiguiti,
entre fardos de colchões de espuma,
camas metálicas,
redes mosquiteiras,
trens de cozinha,
tendas,
cacifos,
mesas,
cadeiras,
cunhetes de munições,
Berliets e Unimogs novinhos em folha,
velhas malas de viagem atadas com cordões,
homens esverdeados,
de farda engomada
e ar assustadiço,
pensando em minas anfíbias,
crocodilos,
hipopótamos,
ou nem sequer pensando em nada,
bêbedos de sono,
enjoados,
suados,
tirando dos bornais
as primeiras latas de Fanta e de Coca-Cola,
a água suja do imperialismo,
cliché de todos os Maios de 68
que não viveste…
- Olha, Tite, olha, Porto Gole,
que, quando embrulham, ouve-se em Bissau!


Guiné > Rio Geba > A bordo da LDG >
O Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor, CCS/BCAÇ 3872,
Galomaro, 1972/74... Veja-se a sua deliciosa descrição do Xime, quando ele estava hospedado, aguardando embarque para Bissau, onde foi entregar viaturas para abate...

Foto: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados. (2005).










… Mas, não, ninguém diz nada,
olhos como binóculos
assestados nas margens espessas do rio…
Para trás fica uma cidadezinha
que fervilha de vida,
logo pela manhã,
gente que transpira,
entre a Amura e o Grande Hotel,
gente que inspira,
à tona de água,
água de Lisboa, manga di sabi,
gente que labuta,
nas pirogas ou nas bolanhas,
e gente que conspira,
no Pilão da clandestinidade,
dando que fazer à PIDE/DGS
de Herr Spínola.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime> 1969: A LDG 105 pronta a descarregar mais um contingente de tropas no cais do Xime, a caminho da Zona Leste. O Geba Estreito, a partir do Xime, só agora navegável através de LDM e LDP



Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.










No estuário do Geba há um silêncio de morte,
no Geba há morte,
uma ligeira brisa de morte,
vais para o leste,
não para o norte,
que rima com Choquemone,
nem para o sul,
onde as almas penadas gemem
Oh! Gandembel das morteiradas
Aqui apenas se ouve o barulho dos motores da LDG,

Lancha
de Desembarque
Grande,
daquelas como nos filmes e romances,
da II Guerra Mundial,
Norman Mailer,
os nus e os mortos,
mas nem sequer há guia turístico,
nem bar aberto,
neste cruzeiro sem regresso para alguns de nós.
Passado o Cumeré,
Geba acima,
como há 500 anos atrás,
no tempo dos primeiros exploradores,
portugueses,
que baptizaram Porto Gole,
tugas, se faz favor,
que ainda está para vir
o tempo do politicamente (in)correcto.
Tuga é
o epíteto com que te vão insultar na mata,
quando a guerra começar a sério.
- Vai para a tua terra, tuga,
que esta é nossa terra bem amada,
a terra dos nosso avós! -

cantam os pioneiros do PAIGC,
a caminho da escola,
de lencinhos tricolores ao pescoço
e Kalash na mão,
sob a bandera di strela negro,
que há-de unir todos os guinéus,
dos Felupes no norte
aos nalus no sul.

Vamos no gosse gosse, pá,
que o calor já aperta,
a caminho da zona leste,
terra de fulas forros e futa pretos,
o chão fula,
dos antigos conquistadores,
valentes guerreiros,
exímios cavaleiros,
lês na brochura de propaganda
que te deram no Niassa,
vamos à vida,
que a morte é certa,
camaradas,
antes que seja tarde,
antes que caia o pano da história,
antes que o sol se ponha em África,
enquanto a terra vai estreitando as águas barrentas,
como uma cobra gigante
que sufoca lentamente a sua presa…

Fuzileiros,
hercúleos,
heróicos,
barbudos,
garbosos,
bronzeados,
em tronco nu,
de garrafa de cerveja na mão
(bazuca, aprenderás mais tarde),
marinheiros,
aventureiros
heróis do mar,
nobre povo,
nação valente
,
assustam bichos e homens
com tiros de morteirete,
próximo da temível Ponta Varela.
Exorcizam os diabos negros
que infestam o tarrafo
e espantam os irãs
acocorados nos cerrados palmeirais
que circundam as margens do rio.
- Turras a estibordo, patrão ?!
... Não, é apenas um ritual de passagem,
sempre que se passa na Ponta Varela,
para desacagaçar os piras,
tirar-lhe os três,
que eles vão hirtos e tensos,
recolhidos como meninos de coro,
almas virgens,
de sobrepeliz
e vozes celestiais,
no cacilheiro do Geba,
em procissão,
como se fossem caminho da eternidade…
- Senhor imediato,
obrigado pela boleia,
mas por favor não seja chato,
que há aqui gente que enjoa…


Um solitário T-6,
protector como um anjo da guarda,
sobrevoa a foz do Corubal,
um pouco acima da Ponta do Inglês,
um outro topónimo que aprenderás mais tarde,
com sangue, suor e lágrimas,
três palavras tatuadas no braço,
Guiné 69/71,
amor de mãe
,
nunca vi escrito amor de pai,
meu pai, meu velho, meu camarada,
que o teu país é uma sociedade matriarcal,
cinco séculos de solidão das mulheres,
de xailes negros,
os filhos no além, no além-mar...
Um T-6, ronceiro,
sob um céu de chumbo,
ou de bronze incandescente,
em círculos concêntricos
como o voo do sinistro jagudi
que fareja a morte,
a quilómetros de distância.
Acaba por alijar a sua carga mortífera,
lá para longe,
após a nossa chegada a bom porto,
talvez a norte,
em Madina/Belel,
talvez a sul,
lá para o Fiofioli,
onde a nossa imaginação febril,
em noites palúdicas,
irá ver enfermeiras cubanas,
feiticeiras de olhos verdes e carapinha,
de peito farto,
e bunda larga,
cenas de sexo sado-masoquista,
em camas de lençóis brancos
em hospitais dos turras,
camuflados na floresta-galeria,
o inferno verde do Xime-Xitole.
- Fiofioli, meu amor,
acelera o meu coração,
a cada explosão
das bombas do T-6.

Tite, Porto Gole, Geba,
Corubal, Fiofioli, Ponta Varela,
Xime, Xitole,
Ponta do Inglês, Madina, Belel…
Como esta toponímia exótica
da tua baralhada e curta geografia
irá ficar gravada a ferro e fogo
na tua memória,
meu pira,
meu camarada,
minha pobre criatura
que não páras de rosnar
e praguejar no teu diário:
- Como um cão apanhado na rede,
como um cão…


Desde os teus catorze anos,
desde 1961,
desde o grito de guerra
Angola é Nossa,
que ouvias, de olho e ouvido bem abertos,
na televisão,
do café público da tua vilória,
a RTP, o novo ópio do povo,
Negage, Pedra Verde, Nambuangongo,
enfim, há pouco mais de oito anos,
que sabias
que foras apanhado como um cão,
em contra-mão da história…
- Angola… é Nossa!,
Angola… é Nossa!


E aqui estás, neste caixote flutuante,
sem colete nem salvação,
sem bode expiatório,
nem álibi,
sem uma simples palavra de explicação,
sem razão
para matar ou morrer,
de morte matada,
de G3 na mão,
porquê eu, porquê tu, meu irmão,
mas com cinco litros de sangue
no corpo,
a derramar pela Pátria,
se for preciso,
em rega gota gota,
ou até em bica aberta,
que a Pátria não se discute,
a Pátria, a Fátria ou a Mátria
que te pariu,
meu safado,
meu javardo,
a caminho da guerra,
que não sabes onde começa
e onde acaba.
E sobretudo quando acaba…
Recapitulas:
- Tite, Porto Gole, Ponta Varela…
E registas no teu caderninho
os primeiros termos da gíria de caserna:
embrulhanço,
turras,
gosse-gosse,
irãs,
jagudis,
bolanha,
mancarra,
jubi,
bunda,
macaréu…


E eis que chegas agora,
ao primeiro porto,
seguro,
um porto fluvial,
um sítio chamado Xime,
sem qualquer tabuleta que o identifique,
um pontão acostável,
meia dúzia de estacas no lodo,
caranguejos de um só pata
devorando os olhos dos pobres dos mortos
arrastados pela fúria do macaréu,
uma guarnição militar a nível de companhia
com um destacamento no Enxalé,
do outro lado do rio e da bolanha.
Aqui começa o Geba Estreito,
avisam-te,
mais à frente é o Mato Cão,
que irás conhecer como a palma da tua mão,
um leito de rio incerto,
sinuoso,
viscoso,
como o corpo de uma serpente,
em que ficas ao alcance de uma granada de mão,
nas curvas da morte…



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > "Estrago de mina na estrada Bambadinca/Xime"


Foto e legenda: © Jaime Machado (2008). Direitos reservados.



O Jaime Machado foi Alf Mil Cav, comandante do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70)







- Xime, meu amor! - nunca to direi em nenhum aerograma,
pela simples razão
de que nunca escreverei nenhum aerograma a ninguém,
o Xime é uma bandeira das quinas ao vento,
descolorida,
esfarrapada,
gente brava, lusitana,
três obuses Krupp,
alemães,
de 10 ponto 5,
do tempo da II Guerra Mundial,
silenciosos mas ameaçadores,
meia dúzia de casas de estilo colonial,
de adobe e chapa de zinco,
e mais umas escassas dezenas de cubatas de colmo,
ruínas dum antigo posto administrativo,
restos de uma comunidade mandinga,
gente que não é de inteira confiança,
dir-te-ão mais tarde os teus soldados fulas,
vestígios de um decadente entreposto comercial,
cercados de holofotes,
arame farpado,
espaldões,
valas,
abrigos,
a estrada cortando ao meio a tabanca e o aquartelamento,
dois irmãos siameses condenados a viver e a morrer juntos…
- Bem vindos, piras,
ao primeiro dia do inferno
que vai ser o resto das vossas vidas! –

Alguém, um velhinho,
cacimbado,
apanhado do clima
,
desgraçado,
que ouves com temor e reverência,
escreveu numa daquelas paredes desboroadas,
de cores desbotadas…


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1972 > Obus 10,5 cm (ou 105 mm). No aquartelamento do Xime, existiam três obuses deste calibre e um morteiro 81 m/m.

Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.



- Ah! Como tudo isto é tão triste, meu Deus!
Duvido que tenhas dito Meu Deus,
como não dirias turras,
que aos vinte e dois anos,
não evocavas o nome de Deus em vão,
e sentias-te órfão,
sem pai nem nem mãe no mundo,
nem tinhas carta de condução,
nem bússola,
nem nenhuma ideia definitiva sobre o sentido da vida
mas achavas ainda romântica a ideia daquela maldita guerrilha…
E ali vais tu,
meio acagaçado,
meio curioso,
disposto a salvar o coiro,
alinhado ma non troppo,
desformatado,
violentado na tua consciência,
o quico bem enterrado até às orelhas,
entre filas de velhinhos,
brancos e pretos,
de lenços garridos ao pescoço,
com ar de fadistas,
a palhinha de capim ao canto da boca,
como o estereótipo do chulo do Bairro Alto,
fingindo fazer um cordão de segurança no mato,
até à famigerada bolanha de Madina Colhido,
a caminho de Bambadinca,
a próxima paragem…


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 14 > "Cais do Xime, a cores já esbatidas" (RM)…Atracagem de uma LDG - Lancha de Desembarque Grande... Em primeiro plano, o Fur Mil Renato Monteiro, meu amigo de Contuboel, que foi parar ao Xime (e depois ao Enxalé, destacamento do Xime, no outro lado do Rio Geba) por não morrer de amores pelo comandante da sua unidade de origem, a CART 2479 (1968/70)... Conheci-o em Contuboel, em Junho/Julho de 1969. Nunca mais o vi... Só há poucos anos nos reencontrámos... Graças ao blogue... É a história de um feliz acaso, já aqui contada (*). Ele era(é) o misterioso homem da piroga, fotografado comigo no Rio Geba, em Contuboel, uma das poucas fotos que tenho da Guiné...

Fotos: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados.




- Terra importante-
diz o capitão,
em jeito de sermão,
como se fora padre, pai e patrão.
... Vértice do triângulo
Bambadinca- Xime – Xitole,
Sector L1 da Zona Leste,
fazendo fronteira,
através do Rio Corubal,
com o mítico sul,
Quínara e Tombali,
as terras do lendário Nino.
Regista aí,
para memória futura,
para o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,
que já o viram, vestido de cow-boy,
a cabeça a prémio,
wanted dead or alive,
como nos filmes do faroeste.
Alguém te dissera,
em jeito de confidência,
na 5ª Rep, o Café do Bento,
o maior mentidero de Bissau.
- Quantos pesos e traições
vale a tua cabeça, camarada Nino ?
E sobretudo tu, grande Cabral ?

E lá vai o tuga, pobre infante,
a três metros do solo,
sobrevoando o capim,
no alto de um Matador,
que serve para transportar tudo o que lhe mandam
desde obuses a carne para canhão…

Destino: Contuboel,
a norte de Bafatá,
terra de marabus,
artesões, cavaleiros,
e bajudas com cabaço
e mama firme,
fulas e mandingas,
pontas de caboverdianos
com bíblicas plantações
de bananas, abecaxis e víboras verdes,
Contuboel, enfim,
onde é esperado que chegues,
são e salvo,
já noite dentro…
-
Que desta já escapaste,
o que é preciso é acordares com a tusa toda,
e o dedo mindinho do pé a mexer-
assegura um dos velhinhos lá do sítio.

Percebes, por fim, que estás na Guiné,
para lá de Bissau,
das esplanadas,
dos desenfiados,
dos felizardos,
para lá do Cumeré,
para lá de Porto Gole,
longe do Vietname,
quanda passas pela ponte do Rio Udunduma,
semi-destruída quatro dias antes,
e agora guardada por toupeiras humanas,
e quando chegas a Bambadinca,
e há medo estampado no rosto
do escriturário,
do cripto,
do básico,
do cozinheiro,
do chulo,
do proxeneta,
do condutor,
do cabo,
do comerciante,
do cipaio,
do administrador de posto,
da professora,
dos meninos da escolinha,
do furriel,
do alferes,
do capitão,
e que sobe pela espinha cima
até ao topo da hierarquia militar…
- Dá-me licença, meu comandante ?!

Uns dias antes, houvera o aparatoso
ataque de 28 de Maio de 1969…
Há 43 anos atrás
o façanhudo do Gomes da Costa
viera de Braga, a cavalo,
a trote,
e de espada em riste,
impor o respeitinho
que era muito bonito
,
no Terreiro do Paço,
num outro 28 de Maio, o de 1926,
uma efeméride importante
para o regime.
- Efemérides ? Coincidências ?
Ingénuo, vês o génio de Cabral
por toda a parte,
e o filme da história
a passar pelos teus olhos,
sem legendas,
a preto e branco,
sem som,
nem sequer a mísera pianola do tempo do mudo…
-
Senhor engenheiro Cabral,
como fica tão bem,
de fraque e de cartola,
é deveras o africano mais português de Portugal!

A ti, apanharam-te como um cão,
danado,
e soltaram-te nesta terra,
de azenegues e de negros,
para lhes morderes as canelas…
-
Dog, dog,
if turra comes back,
jampa-lhas às pernas,
diz o calafona.




Guiné > Zona Leste > Contuboel> Junho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o Rio Geba. Furriéis milicianos Luís Manuel da Graça Henriques (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11).

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados



Até o humor do meu companheiro de viagem
é deslocado…
Viemos no mesmo camarote,
no T/T Niassa,
a tresandar a óleo e a vomitado…
Vou agora mais descontraído,
sem pena nem tema,
numa surpreendente estrada alcatroada,
entre Bambadinca e Bafatá…
Vais gozar as delícias do sistema,
meu safado:
- Contuboel - dizem-te - é um eldorado… (**)

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)

(...) " Três dias depois iriam dar-nos uma G-3, novinha em folha, e uma ração de combate, para de seguida nos porem no fundo duma LDG, a caminho do Leste, Rio Geba acima, escoltados por uma equipa de fuzileiros navais que, à medida que o ri estreitava, batiam com fogo de morteirete a cerrada vegetação das margens (o tarrafe) até às proximidades do Xime" (...) .

16 de Dezembro de 2006>Guiné 63/74 - P1371: Foi a LDG 101 Alfange que transportou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 até ao Xime em 2 de Junho de 1969 (Manuel Lema Santos)

(...) "Quem vos transportou no dia 2 de Junho de 1969 ao porto de Xime, no Geba, um pouco acima da confluência com o Corubal foi a LDG 101 Alfange, tendo regressado no mesmo dia, conforme consta dos registos oficiais de navegação da Alfange" (...).


(**) Vd. poste de 28 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXXVI: No 'oásis de paz' de Contuboel (Junho de 1969) (Luís Graça)

Vd. também:

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

6 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2412: História de vida (8): Renato Monteiro, um homem de múltiplos... fotografares (Luís Graça)

terça-feira, 12 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4323: Histórias de Juvenal Candeias (2): Incêndio no Rio Cacine

1. Segunda história de Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde, 1971/74.


INCÊNDIO NO RIO

Desconheço estatísticas referentes a acidentes ocorridos na Guiné, durante a guerra, nem mesmo o número de mortes que terá tido essa origem. Não sei mesmo se existe esse tipo de estatísticas.

Porém, quem por lá passou, está seguro que o número de acidentes foi significativo.

Se um militar limpa a G3 em posição de fogo e coloca a ponta do cano no sovaco é provável que, na melhor das hipóteses, nos meses seguintes, apenas consiga transportar a arma no ombro do sovaco oposto…

Se um operacional está de sentinela à porta de armas, dispõe de uma mesa para jogar sueca com os amigos, encosta ao pé da mesa a FBP (Fábrica Braço de Prata – extraordinária pistola metralhadora portuguesa que mesmo em posição de tiro a tiro constitui uma verdadeira surpresa, pois nunca se sabe se de lá vem uma rajada…) e vem um cão que a deita ao chão… aí está a referida rajada, que tem, na melhor das hipóteses, o efeito de fazer saltar das cadeiras os quatro parceiros de sueca para que possam dançar uma versão improvisada do kuduro

Se um atirador de infantaria está na praia a fazer treino de tiro, dispara um dilagrama (adaptação que permite lançar longe uma granada defensiva através da espingarda G3) a uma distância de três metros, é provável que todos os camaradas mergulhem para trás das três canoas gentílicas que estão por perto… a granada, na melhor das hipóteses, não rebenta… e não rebentou mesmo!... (às vezes os defeitos de fabrico até dão jeito!).

Negligência, distracção, inconsciência da juventude, factores incontroláveis, são, entre outras, razões justificativas.

Pesca artesanal no Rio Cacine


01 JANEIRO 1973

Dia de Ano Novo! Seria um dia igual a tantos outros passados no mato! Mas não o foi!

A tarde estava quente e húmida, como era habitual nesta altura do ano, a pele mantinha-se permanentemente pegajosa e a melhor solução era estar na água ou muito perto dela!

Cacine era frequentemente visitada pela Marinha, que patrulhava o rio, permanecendo vários dias e ancorando ao largo, mesmo em frente do aquartelamento!

Eram dias que permitiam também algum convívio Exército - Marinha, com jogos de futebol em que a discussão e rivalidade Sporting - Benfica pouco tinham de comparável, tal era o entusiasmo gerado!

Os almoços, ora no exército, ora nos barcos da Marinha, ocorriam, pelo menos uma vez em cada visita!

Uma amizade forte caracterizava esta relação!

Neste 1.º de Janeiro de 1973, uma LFG (Lancha de Fiscalização Grande) - não querem que seja capaz de dizer o nome, 36 anos depois, pois não? Ainda bem!... - Ou seria uma LDG (Lancha de Desembarque Grande)? Talvez a “Montante”!... Talvez a “Bombarda”!... Seja, portanto, a LFG que terminava a missão em Cacine e voltava a Bissau!

Uma boa oportunidade para uma despedida adequada!

Coincidência das coincidências!... Nesse mesmo dia estava planeada uma patrulha fluvial, pelo que alguns voluntários prepararam o respectivo sintex.

Importa dizer que a Companhia de Caçadores 3520 estava equipada com dois sintex, barcos em fibra de vidro, com motor fora de bordo, que dispunham de dois bancos longitudinais com capacidade para não mais de 10 pessoas.

Barco preparado, entraram a bordo, para além do necessário operador de sintex, três operacionais, devidamente fardados de calção e T-shirt e óculos escuros!

Transportavam, naturalmente, material de guerra diverso, nomeadamente, duas espingardas G3 (chegava e sobrava!), um depósito de combustível de reserva (não fosse a operação prolongar-se!), uma máquina fotográfica (imprescindível numa perigosa operação de patrulhamento!), cigarros SG Filtro e um isqueiro Ronson!

O material foi distribuído, depósito de combustível no chão, restante nos bancos, já que a lotação estava longe de esgotada!

Importa, contudo, e antes de mais, dizer que o território da Guiné é bastante plano, pelo que, na maré cheia, o mar entra pelos rios, provocando a inundação das margens pantanosas, submergindo uma significativa parcela do território – cerca de 8000 Km2 dos 36.000 Km2 que constituem a superfície da Guiné.

O Rio Cacine, bastante extenso e largo, obedece a esta realidade, com fortes correntes e margens pantanosas repletas de árvores anfíbias – o tarrafo.

O rio proporciona às populações ribeirinhas o enriquecimento da sua dieta com peixe (desconheço os correspondentes em português para as denominações em dialecto local, mas destaco uma espécie de tubarão, inofensivo, que, qual golfinho, costuma acompanhar os barcos!) e marisco (ostras e camarão).

Constitui ainda uma óptima via de comunicação, num território em que as estradas, no interior, eram, praticamente inexistentes.

Foi nesta importante via de comunicação que iniciámos o nosso patrulhamento, que deveria levar-nos a um dos seus inúmeros afluentes!

Mas antes disso, havia que acompanhar, por algum tempo, a LFG, rumo a jusante, o que constituía a nossa despedida!

Com quase todo o pessoal da Marinha no convés, e depois de algumas acelerações, abandonámos a LFG, que continuou a ser acompanhada pelos tubarões, e tomámos o caminho de montante, para procurarmos o afluente, objectivo da nossa patrulha.

Na confluência dos rios, e porque os preliminares haviam consumido bastante combustível, decidiu-se transferir alguma gasolina do depósito de reserva para o depósito do motor.

Operação complicada que provocou o transbordo de combustível para o fundo do barco!

Nem todos, porém, estavam atentos ao transvase, preocupando-se mais com as fotografias!

E se ao passatempo da fotografia associarmos o vício de fumar, que nem sempre mata, mas pode provocar prejuízos colaterais, temos os ingredientes suficientes para uma grande confusão!

Foi o que aconteceu!... O fotógrafo retira um SG, dispensa a utilização do Ronson, acende o cigarro com os seus fósforos - típico do crava – e atira o fósforo aceso para o fundo do barco. O calor e a ausência de qualquer aragem, provoca o imediato incêndio da gasolina que tinha transbordado para o fundo do barco!

Homens ao mar, melhor, ao rio, verifica-se então que o operador de sintex… não sabe nadar – como é possível! – um outro, nada apenas o suficiente para não se afogar e – haja Deus! – há dois bons nadadores!

A cena imediata é trágica e caricata, com o operador de sintex a agarrar-se a quem pouco sabia nadar até que, finalmente, os bons nadadores colocam alguma ordem na questão, fazendo agarrar os maus, ao próprio barco e à corda de atracagem!

O plano seguinte passava por fazer chegar o barco ao tarrafo, onde nos agarraríamos às árvores e esperaríamos que alguém fosse em nosso socorro!

Não estava fácil! Por muito que nadássemos, a corrente não permitia a mínima deslocação!

As chamas eram cada vez maiores! A gasolina dos depósitos, deixados abertos, começara já a arder! As munições da G3, por acção do fogo, rebentavam por todo o lado!

O receio de explosão dos depósitos – provavelmente, abertos não poderiam explodir – começou a pairar!

As chamas dificultavam já mantermo-nos agarrados ao barco!

Que iria acontecer?

De repente, vindos do nada, surgem dois zebros dos fuzileiros, que nos içam em peso, lá para dentro, que as forças já não davam para entrar de outro modo!

Salvos!

As chamas tinham sido vistas do quartel e, rapidamente, os fuzileiros, que tinham, nessa altura, aquartelamento em Cacine, colocaram os barcos no rio, e foram em nosso socorro!

Desta estávamos safos! Mas como iríamos justificar tanto material danificado ao Exército? O tio Jaime – amigo com influência em Bissau – resolveria mais essa situação!

Não houve apoio psicológico! O trauma foi grande e persistiu! Ainda hoje há quem não aprecie um calmo passeio à beira-rio.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4294: Tabanca Grande (136): Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde (1972/74)

Vd. último poste da série de 7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4299: Histórias de Juvenal Candeias (1): Pirofobia ou a mina que não rebentou por simpatia