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sábado, 16 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25279: Os 50 anos do 25 de Abril (2): O meu primo Luís Sacadura, furriel miliciano, natural de Alcobaça, hoje a viver nos EUA, estava lá, no RI 5, Caldas da Rainha, no 16 de marco de 1974, e mandou-me fotos dos acontecimentos (Juvenal Amado)


Foto nº 1 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Posto com Reforço.


Foto nº 2 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Capitão Virgílio Varela,  um dos comandantes da revolta


Foto nº 3 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Preparados para defender o quartel


Foto nº 4 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Oficiais revoltosos


Foto nº 5 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Junto à porta de armas: tempo de incerteza (i)


Foto nº 6 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Junto à porta de armas: tempo de incerteza (ii)


Foto nº 7 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > 
Junto à porta de armas: tempo de incerteza (iii)


Foto nº 8 >  Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > O quartel já cercado pelas forças governamentais


Foto nº 9 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Jipe com parlamentar governamental, o brigadeiro Pedro Serrano


Foto nº 10 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Pelo aspecto do brigadeiro,  já se estava no capitulo das ameaças. (A imagem original tem um defeito de revelação ou de exposição, que procurámos corrigir.)


Foto nº 11 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Serviço audiovisuais


Foto nº 12 > Caldas da Rainha > RI 5 > 16 de março de 1974 > Furriel mil Luís Sacadura, meu primo  que me enviou as fotos dos EUA.

Fotos (e legendas): © Luís Sacadura / Juvenal Amado (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Reproduzimos aqui a mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º cabo cond auto-rodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 28 de maio de 2011, publicada no poste P8359, de 1 de junho de 2011 (*):
 
O 16 DE MARÇO DE 1974 EM FOTOS

O meu Batalhão estava no Cumeré já a aguardar embarque quando se deu o levantamento das Caldas da Rainha.

Foi com natural apreensão que essas notícias chegaram até nós, pois, já com 27 meses de comissão, os nossos receios viram eventuais atrasos no nosso embarque resultante da situação que se vivia na Metrópole.

Ainda foi alvitrado no gozo, por alguém, que quando desembarcássemos nos seria distribuída novamente as G3 e ainda acabávamos na Serra da Estrela.

Quanto a mim juntava a essas preocupações o facto de o meu primo direito Luís Sacadura, que era furriel miliciano, e o Caetano, que era alferes miliciano, os dois de Alcobaça, estarem nessa altura a cumprir serviço militar no referido quartel e que decerto se teriam envolvido nos acontecimentos, de que resultaram à volta de 200 prisioneiros.

O meu primo já estava em liberdade quando desembarquei em 4 de Abril de 1974, mas o Caetano só o vi depois do 25 de Abril quando foi solto.

Hoje quem lê sobre os acontecimentos os nomes de militares ligados à Guiné, são prova de que o facto terem sido lá combatentes, assumiu um peso muito grande tanto neste levantamento como no 25 de Abril, que levaria por diante o derrube do regime.

Por último, as fotos foram-me enviadas dos EUA pelo o meu primo com a devida autorização para as publicar (...)

2. Comentário do editor LG (*):

(i) Recebemos do Juvenal Amado a seguinte mensagem, com data de 27 de maio de 2011:

"Carlos: Recebi fotos do 16 de Março 1974 a quando do levantamento das Caldas da Rainha. As mesmas foram-me enviadas por um primo meu a morar nos USA que participou na referida tentativa.

"Não sendo assunto directamente associado com a Guiné, venho então saber se ao blogue interessa o assunto. Fico a aguardar a tua opinião e se ela for um sim escreverei alguma coisa para acompanhar as fotos." (...)


(ii) A nossa resposta dos editores só podia ser sim, sem quaisquer reservas... Independentemente da "leitura" dos acontecimentos, e da contextualização do 16 de Março de 1974, seria no mínimo uma "pena" que estas fotos, tiradas pelo Luís Sacadura, de grande interesse documental, e até de boa qualidade estética (traduzindo o momento de grande tensão dramática que foi esse dia), fossem um dia parar a um "caixote do lixo" americano...

Obrigado, Luís ("God Save You!"), obrigado, Juvenal... Tudo o que diz respeito à nossa Pátria e à nossa História, nos interessa, embora com particular enfoque na guerra da Guiné (1961/74)... Mas onde começa e acaba a "guerra da Guiné"? Para nós, que ainda estamos vivos, e cultivamos a arte e o prazer da memória, ela ainda não acabou de todo... 
 
(iii) Cinquenta anos depois do 16 de março de 1974, e do 25 de Abril, todas estas fotos são preciosas (**). O 16 de Março não teve um grande fotógrafo à altura como o Alfredo Cunha (que fez na madrugado do 25 de Abril fez a reportagem da sua vida)... 

São fotos, amadoras, que merecem ser republicadas. Aliás, temos escassas referências no blogue ao "16 de Março" e a imprensa da época, devido à censura, não pôde dar informação detalhada sobre o ocorrido...

Três dias depois os leitores do "Diário de Lisboa", como eu (na época), ficaram a saber, por uma pequena notícia da SEIT (antigo SNI) que tinham  sido presos 33 oficiais (e não 200, como dizia alguma imprensa estrangeira) "implicados na insubordinação verificada no Regimento de Infantaria nº 5"... (Repare-se que nem a RTP Arquivos tem imagens do cerco ao RI 5)...

3. O historiador e biógrafo de Spínola, Luís Nuno Rodrigues, escreveu: 

"No rescaldo do episódio, cerca de duas centenas de militares são presas, entre ele os membros do MFA mais próximos do general António de Spínoala, como Almeida Bruno, Manuel Monge, Casanova Ferreira, Armando Ramos e Virgílio Varela" (...). 

E mais adianta: 

"O '16 de Março'  tinha sido, por conseguinte, uma tentativa algo atabalhoada da 'ala spinolista' do MFA de fazer despoletar um movimento para o derrube do regime e para a entrega do poder ao general. 

"A acção fora em grande parte motivada pela tomada de posição de algins oficiais do CIOE de Lamego (que acabariam por não sair do quartel), pelas atitudes de dois antigos oficiais de Spínola na Guiné (Leuschner Fernandes e Carlos Azeredo) e pelo impeto dos oficiais oriundos de milicianos do RI5  das Caldas da Rainha". (Fonte: Excertos de "Spínola: biografia",  Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010, pág. 236).




Diário  de Lisboa, edição de terça feira, 19 de março de 1974, pág, 1
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Notas do editor:

domingo, 21 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25096: Blogpoesia (795): "Os sítios que são só recordações", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS / BCAÇ 3872

Galomaro depois de forte chuvada. Foto: © Ex-Fur Mil Sapador António Maria Fernandes (BCAÇ 3872)


1. Em mensagem de 20 de Janeiro de 2024, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos este seu poema:


Os sítios que são só recordações

Vivíamos para o futuro
Como se estes momentos fossem um interlúdio
Um compasso de tempo
Sabíamos da beleza que nos rodeava
Não sei se estávamos tão presentes para ela
Estávamos obcecados por outras paragens.
Depois veio a saudade.
Fizemos planos para voltar
Chamemos-lhe quimera dos sentidos
Utopia que construímos
Nunca reencontraríamos a nossa juventude
Há muito perdida naqueles lugares.


Juvenal Sacadura Amado
09/01/2024

A caminho do Dulombi
Pôr-do-sol
Pôr-do-sol

Fotos: © Ex-Fur Mil Sapador António Maria Fernandes (BCAÇ 3872)
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Notado editor

Último poste da série de 17 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24665: Blogpoesia (794): "Lágrima de Sol", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

domingo, 3 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24913: Efemérides (421): À beira de fazer 52 anos do embarque do BCAÇ 3872 para a Guiné, admiro-me hoje da forma complacente com que encarei a viagem bem como o destino (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)


1. Em mensagem de 29 de Novembro de 2023, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), relembra o triste ano de 1971, quando embarcou para a Guiné:

Vai fazer 52 Anos

À beira de fazer 52 anos volvidos a 18 de Dezembro de 1971, sobre o embarque do Batalhão de Caçadores 3872 no Angra de Heroísmo para a Guiné, tento lembrar o acontecimento e o que senti e admiro-me hoje da forma complacente com que encarei a viagem bem como o destino.

Talvez os anos que a guerra já durava tivessem o efeito anestesiante nos nossos sentimentos e medos. Assim assentei praça à beirinha dos 21 anos esperançoso de que tudo ia correr bem, tudo parecia um sonho mesclado entre a dúvida, a ignorância e a curiosidade que aquela aventura me trazia para a qual eu não tive vontade própria. Como milhares de jovens não escolhi, escolheram por mim.

As alternativas eram difíceis como me lembro. Fugir da incorporação era muito doloroso pelo que, acarretava o julgamento público de cobardia também a perca de cidadania dos lugares e da família, do emprego e de toda uma vida até aí programada.

Também pesou o tipo de guerra em fogo lento em que os mortos não eram parangonas dos jornais mas sim pequenas notícias perdidas nas suas páginas. Quando morria ou voltava gravemente ferido algum filho da terra era quase noticiado a meia voz. O tempo se encarregava de nos distanciar dos dramas que a perda causava. Muitas as vezes se instalaram as dúvidas se era verdade ou se tinha sido assim que aconteceu e se um dia destes ele não aparecia por cá.

Não me despedi dos meus país como se não fosse a ultima vez que os via. Disse-lhes até para a semana, pois ainda cá vamos fazer o IAO e só depois saberíamos a data de embarque.

Formámos batalhão em Abrantes e aí conheci e comecei a criar laços com os camaradas com quem ia conviver nos próximos dois anos. Na altura não sabíamos que alguns não voltariam vivos, mas isso estava longe das preocupações pois como eu muitos deviam viver o dia-a-dia sem pensar no tempo e o que íamos encontrar. A realidade se encarregou de afugentar medos e comprovar muitos dos nossos receios. A realidade era muito diferente do que imaginei, não digo para melhor nem para pior, era simplesmente surreal e muito improvisado. E era surreal porque muitas das coisas não faziam sentido, estávamos mal preparados, íamos aprender a combater como os trolhas aprendem o ofício de pedreiro a alombar baldes de massa e tijolos.

Não abundava a confiança, por outro lado a vida fluía, bebíamos, jogávamos, discutíamos e cumpríamos as tarefas sem caracter de urgência, as centenas de vezes que as cumpríamos isolava-nos do perigo real, que estaria um dia à nossa espera de certeza com resultados funestos. Não aconteceu só aos outros.

Que jovens eram aqueles? O que deviam à Pátria que tão mal os tinha tratado, com trabalho infantil pesado nos campos e nas fábricas, falta de oportunidades para estudar e no fundo a ansiar pelo fim do serviço militar obrigatório para que os deixassem em paz e muitos milhares emigrarem em busca de oportunidade que este país não lhes dava?

Ligava-nos a língua, o sangue e a vontade de regressar sãos e salvos.

Quantos anseios ficaram por cumprir, quantos filhos conheceram os pais quando já andavam, quantos filhos não chegaram a conhecer os pais?
Dezembro de 1971 > Partida do BCAÇ 3872 para a Guiné no navio Angra do Heroísmo

Regressámos não como heróis libertadores, mas como fazendo parte da máquina opressiva que nos dominava. Fomos olhados de lado e escarneceram do nosso sofrimento. Tentamos esquecer o mais rapidamente possível, só nunca nos esquecemos uns dos outros.

Aquele tempo funcionou como uma grande família se tivesse formado, dela saíram milhares de irmãos, que ainda hoje são motivo para encontros onde brindamos ao tempo, outro tempo e a outra idade. De facto fomos mas nunca regressamos inteiramente de lá, mas relembrar o passado não implica vivermos presos a ele.

Estes 52 anos passaram a correr, não sentimos o peso físico das peripécias que ultrapassamos, são só datas, que passaram como escolhos no caminho, pois foi assim que ele foi feito.

Dezembro de 1971 > A bordo do Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné

Os relógios contaram tempo
O tempo marcou os dias
Os dias somaram calendários
Dos calendários desprenderam-se as folhas
E, nós ficamos nus
Despojados como Plátanos no Inverno
Porque os relógios nunca param

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24880: Efemérides (420): A 35ª CCmds (Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73) partia, há 52 anos, às 11h00, para o CTIG no T/T Angra do Heroísmo (Ramiro Jesus, Aveiro)

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24869: (In)citações (260): Ainda os Esquecidos. Para o António Silva, Soldado Paraquedista morto em Angola em 1963 (Juvenal Amado)

Lobão da Beira, Tondela, 2017 > Funeral do Soldado Paraquedista António Silva

1. Em mensagem de 19 de Outubro de 2023, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), fala-nos dos (combatentes) Esquecidos, nós todos afinal, mortos ou vivos.


Ainda os Esquecidos

Para o António Silva, Soldado Paraquedista morto em Angola em 1963

Patriotismo é querermos o melhor para o nosso país.
Nacionalismo é querermos o país só para nós.

Os dois foram homenageados na Assembleia da República por diferentes razões a meu ver. Mereceram a homenagem?

Um era esquivo, não tinha travões na língua, discreto quanto à sua vida pessoal, rico dono de uma cadeia de supermercados, que se enchem quase todos os dias de gente que o enriqueceu e promete continuar a enriquecer os seus familiares nos anos mais próximos. Dizem que à custa de salários baixos e de o defender com a boca toda, era responsável pelo fecho de milhares de pequenas empresas, lojas, talhos, mercearias, retrosarias e até ao definhar de mercados tradicionais, onde os produtores vendiam os seus produtos directamente ao consumidor.

Digno de todas a honras, para além de entender que devia pagar o menos possível aos seus trabalhadores, também não estava de acordo com a tributação devida no seu país e passou a sede das suas empresas para a Holanda, onde paga menos. Era comendador pelos serviços prestados ao nosso país, aliás como muitos que o merecem, e outros tantos ou mais que o não merecem, como se veio a comprovar-se nos anos seguintes.

Quanto ao outro que vi actuar desde cedo como músico, era como dizem, um gajo porreiro, amigo do seu amigo, que integrado numa banda primeiramente punk e depois rock, que quer se goste ou não, marcou trinta e tal anos das nossas vidas, pois a sua música não nos atingiu a nós, atingiu os nossos filhos e também netos. Na verdade ele não explorou ninguém, não enriqueceu (quem é que enriquece pela música em Portugal?) mas levava milhares de apreciadores atrás dele para onde fosse, como eu fui testemunha disso. Quando ele estava no palco sabíamos que conhecia muita gente que ali estava e nós, tínhamos a sensação de pertencermos ao seu núcleo de amigos sem nunca termos estado a menos de trinta metros dele. Tenho pena que ele tenha morrido, do outro tenho uma dualidade entre o lamento e a embirração.

No dia que eram homenageados na AR, chegava a Portugal finalmente o soldado paraquedista António Silva morto em combate Angola 1963. Morreu por uma Pátria que já não existe.

Essa Pária alterou no seu conceito, já não tem guerra, modernizou-se, encheu-se autoestradas, dos tais supermercados, de temas musicais que não lhe diriam possivelmente nada, tem uma juventude que não sabe o que é ter guerra estar longe de casa sem telefone por vezes sem água e com uma alimentação que faria torcer o nariz a qualquer jovem frequentador de centros comerciais de hoje.

O soldado António Silva por lá esteve morto e enterrado 11 anos antes da viragem do seu país e, se voltou no dia 6 de Dezembro de 2017 a pisar solo pela Pátria, pela qual deu a vida, não foi o Estado que lhe prestou esse derradeiro e devido serviço.

No dia em que homenagearam dois, talvez, discutíveis portugueses na AR, esqueceram aquele que morreu pela Pátria, lamentavelmente não lhes mereceu uma só palavra, que era indiscutível.

Os esquecidos, continuam isso mesmo, esquecidos.

Feliz Natal e um Grande Ano para todos os camaradas.

Escrevi em 2017 mas como continua actual cá vai.
Juvenal Amado

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Foto: Nuno André Ferreira - Com a devida vénia ao Correio da Manhã
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24860: (In)citações (259): Depois da "mina A/P" que me atirou, em 29/10/2023, para um leito de hospital, com o fémur partido, estou de regresso à vida, à luta, a escrita, enquanto a a recuperação prossegue (José Saúde, Beja)

domingo, 4 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23844: Blogoterapia (308): As desejadas férias e a angústia do regresso à Guiné (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

1. Em mensagem de 1 de Dezembro de 2022, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), fala-nos das suas férias na metrópole e na angústia do regresso  Guiné.


As desejadas férias

Gozei os meus trinta e cinco de férias entre Outubro e Novembro de 1972.

As férias eram ansiosamente esperadas e assim eram, não muitas vezes, um pouco decepcionantes em relação às expectativas criadas. É como desejar muito uma coisa, que se transforma num balão e que esvazia lentamente. O facto de ter de regressar tirou muito do prazer de voltar a casa, abraçar os meus pais e irmãos, percorrer os locais beber um café na esplanada do Trindade, estar longe da bianda com estilhaços, das latas com cavala, da ração de combate, o pó da picada. Tudo sabia a ilusão estar ali.

Bem sei que praticamente todos os amigos da minha geração estavam a cumprir as suas comissões. Quando ia ao café,  era quase um estranho só os mais velhos ou mais novos me conheciam.

Por assim dizer a minha vida estava parada, não podia ou não queria ter esperança ou dar esperança, aos que me rodearam com todo o carinho e que tudo fizeram para não me sentir deslocado, mas de alguma forma eu também estava ausente como se não tivesse vindo todo no 727 da TAP . Parte de mim tinha ficado lá, junto dos camaradas nos dias tórridos, nos cheiros bem como nos sons que se expandiam pelo ar logo de madruga.

Hoje encontrei o recibo de uma prestação da minha viagem, 2.235$50 julgo que (pesos) escudos da Guiné. Uma pequena fortuna para aquele tempo, se fizer as contas custou todo o dinheiro que cá ficava depositado até à data.
Uma curiosidade era ter a data do meu desembarque e o fim da comissão para 17 de Setembro de 1973 . Uma espécie de futurologia falhada uma vez que só em finais de Março de 1974 o meu batalhão embarcou no Niassa de regresso a casa.

Vim mais o furriel Fonseca e um camarada do Dulombi a quem chamavam o “Espanhol”. Este camarada era uma pessoa extremamente alérgico a qualquer picada. Assim bastava ser picado por uma formiga daquelas pequeninas pretas para ficar complemente deformado. No avião sentiu-se indisposto e a hospedeira veio com um alka-seltzer. Bom, a reacção alérgica foi de tal ordem, que julgamos que ele não chegava vivo à ilha do Sal. Também viajou no mesmo avião o meu colega de escola primária, Augusto, que estava nos comandos.

Como todos imaginam foi uma festa com uns whiskies, porque o avião era coisa fina e não se bebia lá bejecas nem se comia mancarra.

Fui padrinho de casamento do meu irmão e assim à medida que se aproximava o regresso mais fechado eu me tornei e para os últimos dias eu só desejava desaparecer dali para fora e, já que tinha que ser regressar a Galomaro, que fosse o mais depressa possível.

Parece triste para quem tanto desejou a minha companhia saber que eu não conseguia viver com aquela espada suspensa sobre a cabeça.

Chegado a Bissau, outro problema se pôs que foi o de regressar a Galomaro,  o que não era fácil porque a grande via de acesso era o Geba e não se podia ir a nado. Após alguns dias consegui transporte numa LDG até ao Xime onde fui recolhido por uma coluna do meu batalhão.

Por estranho que pareça senti-me seguro como se o que acontecesse não fosse o esperado.
Foto da festa do meu regresso. Nessa noite atacaram Campata com pelo o menos seis mortos confirmados entre os guerrilheiros, dois milicias e varios feridos entre a população. Na foto estão o Ivo, o Catroga, o Silva, eu, o Passos, o Silva e o Ferreira.

Assim regressei a tempo de infelizmente assistir ao período mais difícil do meu destacamento, com ataques a aldeias em auto-defesa, com minas, com o primeiro morto na picada do Saltinho, com a morte do alferes Mota e por fim com o ataque ao arame no dia 1 de Dezembro.

Quando regressei de vez, voltei aos mesmos sítios e encontrei os que já tinham regressado. O ar era mais leve porque a minha ansiedade tinha desaparecido após deixar o Niassa, agora era para ficar.

Um abraço
Juvenal Amado

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23835: Blogoterapia (307): Nós e eles (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto do CMD AGR 16)

terça-feira, 21 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23375: (In)citações (210): O Vinho Nosso de Cada Dia (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872)

“Numa casa portuguesa fica bem Pão e Vinho sobre a mesa” e em Alcobaça não é exceção.
A tradição do vinho e da vinha está muito enraizada na cultura e economia populares
Com a devida vénia à Camara Municipal de Alcobaça

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 17 de Junho de 2022:


O VINHO NOSSO DE CADA DIA

Alcobaça é uma cidade hoje muito aquém da vitalidade de outros tempos em que era uma vila pulsante das suas gentes na sua indústria e comércio. Era o epicentro de uma região agrícola e vinícola, que inundavam as feiras e mercados semanais e a praça de produtos hortícolas diária.
Esse movimento desaguava numa troca de bens e serviços entre o campo e a vila, onde o comércio de roupas, ferragens, casas pasto e cafés era exuberante e rentável.

Nas aldeias onde pontuam as pequenas quintas de subsistência, o cultivo era variado desde a fruta temporã mais para oeste e legumes batatas e cenouras mais para os campos da Cela e Valado dos Frades que Alcobaça dividia a meias com a Nazaré.

Mas não havia agricultor por pequeno que fosse, que não guardasse um cantinho para a vinha legado dos Monges de Cister. Era um sítio sagrado, onde os garotos criavam água na boca a olhar para os cachos doirados, mais proibidos que o fruto proibido do Eden.
Eram para fazer o vinho por isso intocáveis.

Era motivo de orgulho o vinho que cada um fazia e dava a provar aos amigos, não faltando as comparações mais ao menos críticas, com o de outros, que não estavam presentes.

Mas Alcobaça tinha fama nos vinhos da Adega Cooperativa. (visitar o Museu do Vinho). Os brancos e tintos muito apreciados e até a serem incluídos no Grande Livro de Pantagruel.[*]

Eu, oriundo de família operária sem terra, só despertei para vinho na Guiné onde nos era servida uma coisa parecida que vinha em bidons de 200 litros. Inicialmente intragável, logo me fui habituando à beberagem que comparava com Dão bem fresco, quando almoçava no Libanês em Bafatá.
Eram memoriais essas idas a Bafafá, onde nos dávamos aos excessos que o magro pré nos permitia uma vez por mês.

Quando regressei e passei a conviver com o meu sogro, homem do campo que também era afinador de teares e que fazia da sua terra um autêntico jardim. Também fazia o seu vinho ou água pé, que invariavelmente se bebia bem quando era novo, mas depois eu desviava-me dele pouco tempo depois. Dizia ele muito eufórico “que aquilo é que era vinho real” e sabemos nós que na época se fez muito a “martelo”.

Mas eu não sabendo fazer mas sabendo, que havia outras formas de o fazer, lá lhe fui soprando aos ouvidos que ele deveria ir há junta Nacional dos Vinhos mandar analisar a terra e eles, que o aconselhassem o tipo de castas, que deveria usar numa vinha virada a nascente por isso de terra fria.
E assim ele fez para minha estranheza. De lá veio com os conselhos e os bacelos das castas em percentagem para o vinho ficar bom. Não me lembro das castas mas pelo menos uma era de Bordeaux.
Assim quando fez o vinho ninguém parou de o elogiar pela “pomada”, que tinha produzido, era na verdade um excelente vinho e passou a ser enquanto ele cuidou da fazenda e da vinha.

Há dias fiquei surpreendido com folheto de super-mercados onde eram publicitados como sendo grandes e caros vinhos, que o enólogo aconselha por exemplo:
- um “Douro e Cor Violeta de Concentração e Persistência Elevada. Intensidade e Acidez média com sabor a ameixa, caril e baunilha,
- ou um Alentejo Cor Rubi/ Granada, de Concentração Elevada e Acidez Média. Com Sabor a Especiarias, Ameixa e Carne,
- ou outro Alentejo com cor, concentração, intensidade e acidez média. Com Sabor a Ameixa, Baunilha, Coco, Caril e Café”

Meus caros camaradas, é caso para perguntar para onde foram as uvas? Onde estão as Tourigas nacional, o Fernão Pires, o Trincadeiro que faziam o aclamado vinho do meu sogro como “vinho real”?

Isto leva-me ao velho dito, que o armazenista de vinhos dizia ao filho; “Meu filho, fica sabendo que até de uvas se faz vinho”.

Hoje bebo um copo à vossa saúde e agradeço a todos os que me desejaram bom aniversário.[1]

Um abraço
17/06/2022
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[*] - Os Monges da Abadia de Cister deixaram legado também na doçaria e licores de onde sobressais a Ginja de Alcobaça que não tem igual.

[*] No Grande Livro de Pantagruel reza assim;

Alcobaça. Nesta região - a Al-cacer-bem-el-Abbaci dos antigos mouros - caracterizada por uma grande diversidade de terrenos e de climas, existem admiráveis vinhos, cuja fama já vem do Século XII, devendo principalmente os leves e muito aromáticos tintos, de cores brilhantes e suave sabor, das castas João-de-Santarém, Grand-Noir, Tintinha e Trincadeira. Os brancos de Alfeizerão – de uvas Fernão-Pires, Rabo de Ovelha e Tamarez - também merecem especial atenção. “Tais vinhos reais do meu sogro”.

“Bebe sempre o vinho mais puro que possas adquirir, porque o verdadeiro vinho anima e fortalece”.

Papa Leão XIII

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Notas do editor:

Vd. poste de 17 de Junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23358: Parabéns a você (2075): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

Último poste da série de 13 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23347: (In)citações (209): As virtudes do Ensino em tempos remotos (Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23025: Blogoterapia (301): E a montanha pariu um rato... (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872)


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 22 de Fevereiro de 2022:


E A MONTANHA PARIU UM RATO

Caros camaradas já recebi o tão esperado cartão.

Gostei de receber a medalha, o cartão e também já cá canta a insígnia. Não quero que me julguem um ingrato.

Que desculpem, mas não vejo para que serve na verdade, por enquanto, a menos que esteja mal informado.

Os combatentes de África, não estão todos no mesmo patamar económico e assim, há os muito necessitados e os que não precisam dos benefícios do cartão para nada a não ser, como prova de que lá estiveram e que aqueles tempos foram duros também para eles.

A titulo e exemplo falaremos dos que auferem reformas de muitos milhares e dos têm uma reforma de poucas centenas euros.

A diferença é tão grande como os que sempre andaram de autocarro, metro ou eléctrico, e os que nunca andaram nem precisam, até embirram com esses meios populares de transporte onde se pode usar o dito cartão.

A diferença é entre os que têm acesso a tratamentos de saúde privados, quando e onde querem e os que só têm direito quando têm sorte, após por vezes esperem pela sua vez, independentemente da gravidade da sua doença.

Quantos milhares de combatentes não têm reformas dignas?

Quantos precisam de ajuda na verdade, porque vivem abaixo do limiar da pobreza?

Tendo em conta a nossa idade, quantos podem recorrer a tratamentos de um fisioterapeuta? (que até me dava jeito por causa da ciática que me aflige há quase dois meses) à falta dos ditos ando carregado de anti-inflamatórios e também por cá passaram 12 injecções de Relmus e Voltaren.

Quantos podem usar dos benefícios de umas termas, que as há óptimas para quase todas as maleitas dos portugueses?

Quantos podem ir ao dentista a não ser quando é para arrancar um malvado que os não deixa dormir?

Quantos não estão nas listas de espera para realizar as tão necessárias cirurgias?
Quantos vivem sozinhos num total abandono?

Quantos vivem na rua?

Ora criaram um cartão como se todos tivessem reformas ao nível dos que não precisam dele para nada.

Podem sempre dizer que é um cartão democrático pois é igual para todos, mas nós não somos todos iguais na vida nem na morte, atendendo à qualidade do caixão que nos está destinado.
Agradeço pela luta encetada por milhares de camaradas pelo reconhecimento do nosso papel no passado, mas quanto ao presente seria de esperar que os mais necessitados tivessem apoio, que não fosse caridade, mas direito como cidadãos de pleno direito, pelos serviços prestados como povo fardado, bem com uma vida inteira de trabalho em prol desta nossa Pátria que não é justa para todos.

Desculpem o desabafo enquanto rufam novamente os tambores da guerra, mas quanto ao assunto, esperarei sentado.

Um abraço a todos camaradas
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22939: Blogoterapia (300): O tempo passa, mas as suas marcas ficam (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493)

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22316: (In)citações (186): As várias idades ou "Estar vivo é o contrário de estar morto" (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872)

O descanso dos guerreiros

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 24 de Junho de 2021:


AS VÁRIAS IDADES

É natural quando nos dói perna ou braço, dizermos com um ar mais ao menos no gozo, que é da idade.

Mas isto da idade tem que se lhe diga pois há uma idade para tudo. Assim há a idade de gatinhar, andar, ir para a escola, trabalhar, ir para a tropa, casar, ser pai, ser avô e também haverá o momento que nos dizem que temos idade para descansar.

Recordo-me quando jovem não me portar dentro dos cânones considerados correctos ter a desculpa de que era da idade e também me lembro da minha mãe já ser mais pequena que eu e dizer, que eu tinha idade de levar uma bofetada se me armasse em parvo.

Como dizia o meu sócio e amigo Henrique (cordoeiro) que herdou a alcunha do pai, que foi ao seu tempo um industrial de cordoaria numa terra sem luz eléctrica e em que os fontenários só deitavam água (estrategicamente vertida de um regador) no momento, que Sua Exa abria a torneia no dia da inauguração, dizia então que lhe doía a perna do lado da Charneca e não era da idade, pois a outra tinha a mesma idade e não lhe doía nada.

Acabei de fazer 71 anos e dizem os animadores que é uma idade bonita. Concordo, e passados estes anos que a vida tanto me ensinou, já não conta a quantidade mas qualidade, o certo é que ela boa de se viver em todas as idades.

Todo este palavreado vem ao fim ao cabo como forma de agradecimento a todos que me endereçaram os parabéns no passado 17 de Junho. Para o ano cá estarei novamente, porque como diz a “grande” Lili Caneças num rasgo de filosofia “QUE ESTAR VIVO É O CONTRÁRIO DE ESTAR MORTO”.

“Caturreira!” que é verdade.

Um abraço a todos os camaradas

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22248: (In)citações (185): A escrita da vida, poema breve (Joaquim Pinto de Carvalho, régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Lourinhã / Cadaval)

domingo, 25 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22138: Blogpoesia (731): Neste dia 25 de Abril, as inquietações de sempre, "Esquecimento", poema de Juvenal Amado (Ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)


1. Em mensagem do dia 16 de Abril de 2021, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos este poema alusivo ao dia que hoje se comemora:


ESQUECIMENTO

Olho para este cravo rubro
Imagino o sangue derramado
O som de pés descalços
O trabalho infantil
As Lágrimas das despedidas
O luto
O som do silêncio.
Não aceito o esquecimento
Nele ainda vejo a oportunidade
Pra mudança necessária.
A liberdade não tem preço
Somos devedores dos ignorados
Mergulhados na noite sem fim
Fomos salvos do pesadelo por um clarão.
Ainda sonho com a madrugada libertadora
Sem revolta não há transformação
Sem desobediência não há mudança
Nem há esperança que se renove.


Juvenal Amado
25 de Abril 2021

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22133: Blogpoesia (730): "Os ex-Combatentes são fixes" de Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70)

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21535: (Ex)citações (378): Talvez por causa de Madina do Boé... (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR, CCS / BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da  autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 9 de Novembro de 2020:


TALVEZ POR CAUSA DE MADINA DO BOÉ

Talvez como consequência do abandono de Madina do Boé e o grande espaço de progressão que ficou livre até à zona de Galomaro, resultou em 5 mortos no local e mais 3 em consequência dos ferimentos, em emboscada feita à CCS/BCAÇ 2912 nas Duas Fontes em Outubro de 1971.

A CCAÇ 3491 - Dulombi - Fevereiro de 1972

Logo no período de transição teve um encontro de frente durante uma patrulha com IN, do qual só por milagre não resultaram baixas, mas cantis e casacos furados por balas, foram vários tal a violência de parte a parte.

CCAÇ 3489 - Cancolim - 1972/73

Depois seguiu-se Cancolim. Já depois de duas flagelações, a 2 de Março de 1972, Cancolim foi fortemente atacada com morteiros 82 mm tendo daí resultado a morte dos seguinte camaradas:

José António Paulo - 1.º Cabo Atirador - natural de Mirandela.
João Amado - Soldado Aux. Cozinheiro - natural de Carvide - Leiria.
Domingos do Espírito Santo Moreno - Soldado Atirador - natural de Macedo de Cavaleiros.

No final de 1972 a CCAÇ 3489 tinha 60 operacionais.

Não ficou por aí e, assim, morreram ainda em combate, alguns já em 1973:

António Martinho Vaz - Soldado Atirador - natural de Grijó da Parada - Bragança
Álvaro Geraldes Delgado Ferrão - Soldado Ap Morteiro -natural de Silvares - Fundão
Domingos Moreira da Rocha Peixoto - Soldado Atirador - natural de Alto da Vila - Duas Igrejas - Paredes
Califo Baldé - Soldado Milícia - natural de Anambé - Cabomba - Bafatá
Samba Seide - Soldado Milícia - natural de Anambé - Cabomba - Bafatá

Juntamos a este numero duas deserções (um capitão e um alferes) e a captura do Soldado António Manuel Rodrigues, que veio a fugir do cativeiro para o Saltinho já nós estávamos para embarcar para a Metrópole.

CCAÇ 3490 - Saltinho - 1972

Armandino da Silva Ribeiro - Alf Mil Inf - natural de Magueija - Lamego
Francisco de Oliveira dos Santos - Fur Mil Inf - natural de Ovar
Sérgio da Costa Pinto Rebelo - 1.º Cabo Ap Metralhadora - Vila Chã de São Roque - Oliveira de Azeméis
António Ferreira [da Cunha] - 1.º Cabo Radiotelegrafista - Cedofeita - Porto
Bernardino Ramos de Oliveira - Soldado Atirador - Pedroso - V. N. de Gaia
António Marques Pereira - Soldado Atirador - Fátima - V. N. de Ourém
António de Moura Moreira - Soldado Atirador - S. Cosme - Gondomar
Zózimo de Azevedo - Soldado Atirador - Alpendurada - Marco de Canaveses
António Oliveira Azevedo - Soldado - Moreira - Maia (**)
Demba Jau - Soldado Milícia - Cossé - Bafatá
Adulai Bari - Soldado Milícia - Pate Gibel - Galomaro - Bafatá
Serifo Baldé - Assalariado - Saltinho - Bafatá

Juntar o soldado António Baptista feito prisioneiro, bem como os diversos feridos com mais ou menor gravidade.

CCS/BCAÇ 3872 - 1972/73

Manuel Ribeiro Teixeira - 1.º Cabo Rec e Inf - natural Cimo da Vila - Varziela - Felgueiras - Vítima de mina antipessoal na estrada do Saltinho.
Mamassaliu Baldé - Soldado Milícia - natural de Cossé - Bafatá
Mama Samba Embaló - natural de Cossé
Ila Bari - Soldado Milícia - natural de Campata - Nossa Senhora da Graça - Bafatá
Alberto Araújo da Mota - Alf Mil TRMS - natural de Curral - Pico de Regalados - Vila Verde - Evacuado com hepatite, morre 2 dias depois em Bissau. 

Antes tinha sido evacuado o Soldado Radiomontador Carlos Filipe e aos 20 meses de comissão é igualmente evacuado com a mesma maleita o Alferes da ferrugem Amadeu.

Para fechar o ano de 1972 foi a CCS/BCAÇ 3872 violentamente atacada ao arame no dia 1 de Dezembro.

Em 1973 uma mina na estrada do Dulombi destrói Unimog e fere gravemente o meu camarada Falé que é evacuado e já não volta.

De referir o aparecimento de minas na estrada do Dulombi e ataques em Bangacia, Campata e Cansamba, tudo na região das Duas Fontes (entre 6 e 9 km de Galomaro).

Posteriormente a CCS bem como Cancolim foram reforçados com pelotões de Dulombi em retracção, que também reforçam operacionalmente Nova Lamego. Fomos também ajudados com grupos de intervenção independentes bem como com Paraquedistas.

Tendo o meu batalhão chegado à Guiné na véspera de Natal de 1971, a sua partida só se viria a efectivar em 28 de Março de 1974. Escrevo isto para situar o período das minhas narrativas e assim dar a perspectiva da alteração e da intensidade da guerra a que estivemos sujeitos. A violência, bem como o equipamento utilizado contra nós, foram assim sendo alterados de região para região.

Enquanto o alcance da nossa artilharia era ultrapassada largamente pelo o alcance da artilharia do PAIGC, também nos vimos privados da normal utilização de meios aéreos, pese a grande coragem com que os pilotos se forçaram a voar após serem confrontados com uma arma da qual ignoravam tudo, ou quase tudo.

E passo citar o TenGeneral António Martins de Matos no seu livro Voando Sobre Um Ninho De “Strelas”:

A guerra estava a entrar numa nova fase, nada de emboscadas e confrontos directos mas sim, de duelos de artilharia e seria de esperar o aparecimento de uma aviação rebelde/mercenária.

Duelos de artilharia? Interroga-se o autor. A grande maioria desses obuses  estavam no Sul, autênticos monos da II Guerra com alcance não superior a 14.000 metros. Na maioria dos quartéis da Guiné só tinham direito a morteiros 81 mm (4000 metros) e ainda 11 morteiros 105 mm espalhados por diversos sítios de alcance igual.

O PAIGC usava o 120 (5700 metros) depois haviam os foguetes 122 mm (20.000 metros) e a breve trecho emprestados por Sekou Touré, peças de 130 mm (27.000 metros) e enquanto a artilhara utilizada pela guerrilha só podia ser posta em causa pelo aparecimento da nossa força aérea. Estas últimas peças fariam fogo directamente do Senegal e da Guiné Conácri e sete dos nossos aquartelamentos ficariam assim debaixo de fogo.

Tudo isto para relembrar que aquela guerra era intensificada consoante interesse do PAIGC, uma fez que lhe chegavam abastecimentos cada vez de maior qualidade e quantidade, enquanto a nós há muito enfermávamos de uma penúria franciscana.

PS: Publico os nomes dos nossos mortos porque lembrá-los é honrá-los e é uma obrigação registar os nomes de quem na flor da idade nos deixou.

*******************

O António Tavares que pertenceu à CCS do BCAÇ 2912, que nós fomos render, sobre a emboscada das Duas Fontes fez-me chegar a correcção sobre o numero de mortos e assim: 

Na emboscada morreram 5 militares e posteriormente três dos feridos que foram evacuados vieram a falecer em resultado dos ferimentos.

Os mortos foram oito e não seis como eu tinha inicialmente escrito.

Da parte do ex-Alf Mil Luís Dias, que chegou a comandar a companhia do Dulombi, chegaram-me estas informações mais precisas sobre a actividade operacional do Batalhão 3872.

CURIOSIDADES OU NOTAS SOBRE A NOSSA ZONA

Podemos verificar que os 4 quartéis do Batalhão sofreram 22 ataques/flagelações (CCS-1; CCAÇ 3489 - 12; CCAÇ 3490 - 0 e CCAÇ3491 - 9) e que as Tabancas das nossas populações em redor dos nossos aquartelamentos sofreram 23 ataques/flagelações, sendo que 9 deles foram contra populações indefesas e num acto de salteadores de estrada, o IN roubou dinheiro e bens a 16 elementos da população que transitavam na picada Saltinho-Galomaro.

BCAÇ 3872

FLAGELAÇÕES E ATAQUES AOS NOSSOS QUARTÉIS

CCAÇ 3489 - CANCOLIM

8 Flagelações em 1972 (1 delas c/ 3 mortos, 5 feridos graves e 5 feridos ligeiros)
2 Flagelações em 1973
2 Flagelações em 1974

CCAÇ 3490 – SALTINHO

Não sofreram quaisquer ataques ou flagelações durante a comissão

CACAÇ 3491 – DULOMBI

3 Flagelações em 1972
4 Flagelações em 1973
2 Flagelações em 1974

CCS - GALOMARO

1 Ataque/flagelação em 1972 c/1 IN morto confirmado e prováveis feridos IN

MINAS ACTIVADAS E DETECTADAS

Cancolim: Mina A/P reforçada accionada c/1 morto e 1 ferido+mina A/C accionada c/12 feridos graves, 1 ferido ligeiro e 2 feridos pop.+2 minas A/P levantadas
Saltinho: 3 minas A/C levantadas e 1 A/P levantada
Dulombi: 2 minas A/C levantadas e 2 minas A/P levantadas
Galomaro: 1 mina A/P reforçada accionada c/1 morto+1 mina A/C reforçada accionada c/1 ferido grave

EMBOSCADAS/CONTACTOS/FLAGELAÇÕES AUTO

CCAÇ 3489 - 1 contacto com o IN, após flagelação ao quartel, em 1972+1 emboscada aos milícias em Anambé, em 1973 c/2 mortos e 1 ferido
CCAÇ 3490 - 1 emboscada no Quirafo c/ 9 mortos+1 milícia e 2 civis+1 militar capturado. 1 emboscada c/feridos e mortos do IN+1 contacto do IN c/milícias de Cansamange
CCAÇ 3491 - Flagelação numa operação no Fiofioli+1 emboscada/contacto com 4 feridos ligeiros nossos e mortos do IN (s/confirmação de quantos, mas a rádio do PAIGC referiu que tínhamos tido 8 mortos e eles também tinha tido mortos+1 emboscada/flagelação junto à recolha de águas no Dulombi+2 flagelações a coluna de escolta e protecção na estrada Piche-Buruntuma.
CCS - Contacto entre forças milícias e o IN, após ataque a Campata c/elemento IN capturado.

ATAQUES A TABANCAS EM AUTO-DEFESA E TABANCAS INDEFESAS

- Tabanca indefesa de Bambadinca/Cancolim, em 25/1/72;
- Tabanca indefesa de Mali Bula/Galomaro, em 1/2/72;
- Tabanca de Umaro Cossé/Galomaro, c/2 feridos civis, em 7/12/72;
- Tabanca de Campata/Galomaro, em 20/6/72;
- Tabanca indefesa de Sinchã Mamadu/Saltinho, na mesma data de 20/6/72;
- Tabancas indefesas de Sana Jau e Bonere/Saltinho, em 30/6/72;
- Tabanca de Cassamange/Saltinho, em 15/7/72;
- Tabanca indefesa de Guerleer/Galomaro, c/ morte de 3 prisioneiros civis e 1 ferido grave, em 27/7/72;
- Tabanca de Patê Gibele/Galomaro c/ 1 sarg. milícia morto+1 ferido grave e 2 feridos ligeiros da pop., em 11/8/72;
- Tabanca de Anambé/Cancolim c/1 morto (CCAÇ 3489)+3 feridos também da mesma CCAÇ, que ali estava de reforço, em 5/9/72;
- Tabanca de Sinchã Maunde Bucô/Saltinho, c/3 feridos IN confirmados, em 20/9/72;
- Tabanca de indefesa de Bujo Fulpe/Galomaro, em 26/9/72;
- Tabanca ainda indefesa de Bangacia/Galomaro, com 1 milícia e 2 civis mortos, no mesmo dia (26/9/72);
- Tabanca de Dulô Gengele/Galomaro, com 3 mortos IN confirmados e 3 mortos civis (que tinham sido feitos prisioneiros antes do ataque e que foram abatidos+1 ferido grave e 1 ferido ligeiro dos milícias e 4 feridos graves da pop e 5 feridos ligeiros da pop., em 17/10/72;
- Tabanca indefesa de Sarancho/Galomaro, com 2 mortos civis e 2 feridos civis;
- Tabanca indefesa de Samba Cumbera/Galomaro, c/1 ferido grave da pop., em 13/11/72;
- Tabanca de Cansamange/Saltinho, 17/12/72;
- Picada Saltinho-Galomaro c/16 elementos da pop. capturados e roubados dos seus haveres (dinheiro), em 18/1/73;
- Tabanca de Bangacia/Galomaro, c/2 mortos civis+2 feridos civis+2 feridos milícias, em 1/2/73;
- Tabanca de Campata/Galomaro, c/5 mortos do IN e 1 capturado+3 mortos milícias e 3 mortos civis, em 16/3/73;
- Tabanca de Sinchã Maunde Bucô/Saltinho, em 14/5/73;
- Tabanca de Bangacia/Galomaro, em 18/9/73;
- Tabanca de Madina Bucô, em 20/1/74.

09 de Novembro de 2020 às 21:26
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Nota do editor

Último poste da série de17 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21457: (Ex)citações (377): As visitas da D. Cecília Supico Pinto ao leste da Guiné (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20928: 16 anos a blogar (10): Independências - Parte II (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

 

1. Em mensagem do dia 28 de Abril de 2020, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos um longo texto subordinado ao tema "Independências", do qual publicamos hoje a segunda parte.




(Clicar na imagem para ampliar)


INDEPENDÊNCIAS - PARTE II

(Continuação)

No cortejo de misérias o pior ainda está para vir, com a desestabilização das potências emergentes, que não conseguiram, não puderam, ou não quiseram alterar a relação do poder com os seus cidadãos, distribuindo para o bem geral as riquezas que os seus territórios são detentores.
Quando o dinheiro entrava a rodos teria sido muito mais barato criar infra-estruturas como rede de esgotos, água, habitação e emprego, sistemas de saúde, do que o custo a pagar pelas epidemias, de cólera, ébola, sarampo, guerras com milhares de mortos e estropiados para não falar na hecatombe que esta pandemia fará num continente tão desprotegido apesar de tão rico, se atentarmos no mapa da distribuição das suas riquezas.

Como já mencionei, o problema já não pode ser resolvido pelos próprios países que ficaram reféns das grandes companhias que dominam a economia mundial, que não estão nada interessadas nisso.
As moedas nacionais não contam para nada, são os dólares ou francos que encharcam as economias conforme a zona de influência. Vejamos a acusações dos ganhos que a França aufere com a sua moeda tutelar sobre as moedas nas ex-colónias em África a que até a nossa Guiné já se rendeu funcionando aí um franco oriundo do Senegal.

Dizem economistas que estudam o fenómeno da pobreza em pais ricos, enquanto esses povos são empurrados para becos sem saída. Não há solução pois os seus países são impedidos de promoverem o desenvolvimento sustentável equilibrado, porque as empresas petrolíferas e de minério, passam a explorar essas riquezas despejando milhões de dólares sobre esses países, que assim, não transformam o tecido produtivo mas passam auferir do que não produzem, não deixando as mais-valias que receberiam se o transformassem e vendessem depois da transformação.

"Não lhes dês peixe ensina-os a pescar". Assim diz o ditado.

A Noruega, quando foi descoberto petróleo na sua costa, era um país pobre de pescadores. Negociou duramente, foi chantageada, mas conseguiu não ser relegada e assim participar no bolo que lhe permitiu ser hoje o que é. E porquê? Porque era um país com uma vincada politica social para redistribuição as riquezas ali descobertas.

Outro caso paradigmático passou-se na Holanda.

A Doença Holandesa

No Norte da Holanda, a Royal Dutch Shell em parceria com Exxon junto à aldeia de Shochterem em 1959, descobre a maior jazida de gás da Europa. Seguiu-se a fartura do gás. Mas não tardou muito que os dirigentes desse país se questionassem sobre os benefícios de tal descoberta e se ela seria uma bênção. As pessoas começaram a perder os empregos e outros sectores da economia afundaram-se, criando assim um padrão que a revista The Economista chamou em 1977 como a “Doença Holandesa”. Está claro que a Holanda reverteu essa situação para seu bem e não para sua desgraça.

Mas em África dirigentes deslumbrados com tudo o que conseguem comprar, vivem numa bolha embriagados com uísque nunca menos de 18 anos, vinho importado das melhores castas e roupas compradas nas melhores capitais europeias . O dinheiro parece cair das árvores sem fim.
Os preços são alavancados, a produção cai a pique, impera o desenrasque do pequeno comércio de rua nas grandes cidades e quem tem posição de chefia começa a amealhar. O preço do petróleo tomando por exemplo Angola ($3,5 milhões dias antes da baixa desse produto) dá para tudo e como não há incentivo à produção, não se produz, importam-se até produtos de primeira necessidade, que eram produzidos antes, só pelo o luxo de dizer que é importado.

Também não há cobrança de impostos de monta, a justiça funciona na lei de extorsão do mais forte, segurança social é coisa que nem ouviram falar, o estado é assim uma cadeira do poder só para alguns e raros, são os que não acabaram nas malhas da corrupção numa rede infindável de filhos, sobrinhos e alguns amigos que esbanjam pelo o Mundo fora o dinheiro que não lhes custou a ganhar, já que a liberdade tão duramente conquistada, perde-se na falta de solidariedade e da Justiça social e duma politica e reguladora da causa pública.
Para essas fortunas existem sempre contas especiais e os offshore mal de que sofre a economia portuguesa, também onde se cruzam muitas vezes.
Em Angola por exemplo a teia não é diferente da de outros países.

Por estranho que pareça, embora seja a ideia aqui no blogue, não foram a URSS nem os seus satélites apoiantes das lutas armadas, os beneficiários das riquezas e julgo que o seu envolvimento acaba por ser deficitário, pois só a Rússia emerge como potência económica e militar. Os outros apressaram-se erigir duvidosas democracias musculadas e a recolher-se sob o manto da NATO, participando em aventuras como Iraque, Afeganistão, e em manobras que visam intimidar os antigos patronos, com resultados que espero nunca sejam funestos para eles e para nós, a julgar pelos resultados do passado.

Assim o desenvolvimento da industria petrolífera da Sonangol deve-se à BP, do Reino Unido e a Chevron e a Exxon Mobil, dos Estados Unidos e à Total francesa que extraiu mais petróleo do país do que qualquer outra empresa. As receitas do petróleo angolanas, em 2011, equiparam-se às receitas da Coca-Cola ou da Amazon em todo o Mundo. A China, maior importador de petróleo do Mundo, também reclama o seu pedaço com empresas estatais. Também Moscovo, Manhattan, Coreia do Norte e Indonésia, todos associados em offshores, a BP, a Total, mais empresas petrolíferas, mais o gigante da distribuição Glencore, sediada na Suíça, formam a Queensway Group que tem como riqueza o que sacam do subsolo africano.

Uma última palavra para a “nossa Guiné” tão maltratada pelos seus dirigentes, que lutam num pós-independência por um poder de riqueza de pouca monta. Sem riquezas no subsolo, têm deixado desbastar as suas florestas, que saem do país rumo à China e alimentam assim a fome devoradora que o pais tem pela transformação que, depois vende ao Ocidente com valor acrescentado.

Fala-se pontualmente da existência de alumínio e petróleo mas a verdade é que são produtos como o caju, os únicos produtos dignos de nota numa monocultura perigosa. A Guiné é acusada de ser um narco-estado e qualquer um pode ver também que é um estado falhado. Os golpes de estado, institucionais ou armados, são uma constante, as eleições são subvertidas constantemente, a parte que perde nunca aceita o resultado e a que ganha através de chapelada eleitoral, também finca os pés num daqui não saio, daqui ninguém me tira.
Que estará guardado para aquele pais onde a sua maior riqueza será a diversidade étnica, que também pode ser o seu maior problema pois o sonho de Amílcar Cabral, de um País um povo e uma só bandeira está cada vez difícil de atingir?
Será anexada pelos vizinhos do Norte, mais bem posicionados?
Esperar para ver é o que nos resta.

Por cá, a busca do precioso ouro preto também tem tido a suas épocas de procura obstinada. Em Alcobaça furaram em vários lados, fizeram tremer zonas residenciais, perfuraram em zonas agrícolas, e por último no mar em Aljezur o que irá por em risco o nosso turismo bem como meio ambiente. Não sei se com algum ganho, pois os ganhos tirando os gastos, também reportados, o estorno para o Estado português e, uma vez que não temos condições para a própria exploração, logo os galifões mundiais assentarão arraiais de onde levarão a maior parte do lucro, de nada servindo a boa experiência Norueguesa ou da Doença Holandesa, que de má memória foi convertida a tempo e não se transformou em pandemia.

“Cada dia a natureza produz o suficiente para nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia pobreza no mundo e ninguém morreria de fome.”
Mahatma Gandhi

Um abraço caseiro para todos os camaradas
Dia 28/04/2020
45.º dia de confinamento e com muito tempo ainda pela frente.
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20925: 16 anos a blogar (9): Independências - Parte I (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20925: 16 anos a blogar (9): Independências - Parte I (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

 

1. Em mensagem do dia 28 de Abril de 2020, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos um longo texto subordinado ao tema "Independências", do qual publicamos hoje a primeira parte.




(Clicar na imagem para ampliar)


INDEPENDÊNCIAS - PARTE I


Caros Camaradas

Começaria por pedir a especial atenção para os dados bem como mapa da existência de minérios, tanto de usos mais gerais bem como preciosos, petróleo e gás natural. Foram dados publicados pelo o Jornalista de investigação premiado do Financial Times, Tom Burgis no seu livro "A Pilhagem de África":
No mapa é referido onde estão as riquezas desse continente tão rico e talvez, por isso mesmo, tão miserável.

À medida que nos distanciamos dos anos em que a libertação das colónias foi exigida pelos respectivos movimentos, vão-se avançados como novas visões da solução dos problemas, que os países emergentes sofrem passados que são 50/60 anos da sua autodeterminação.
Pelo que me é dado a perceber, segundo as opiniões dos mais diversos comentários, é que a independência é boa para mim, que sei viver com ela. Como diria uma velhota da minha terra com ar da maior sabedoria quando via o marido chegar perdido de bêbedo a casa:
– O vinho devia ser só para alguns e para mim, que o sei beber.

A África subsariana já ia com atraso em relação aos países do Índico e Sudoeste Asiático bem como o próprio Norte de África, tinham alcançado a sua independência logo no fim da II Guerra Mundial e vai revindicar pela voz de activistas mais esclarecidos na sua maioria estudantes nacionalistas, que passam a militar clandestinamente nas cidades das potências colonizadoras.
Na altura os dirigentes coloniais fizeram leituras erradas sobre o que se estava a passar. Confundiram nacionalismo, autodeterminação e independência, com comunismo, o que levou às cruzadas do costume e ao abafamento dos direitos humanos, bem como a uma repressão brutal pouco aceitável para um Mundo que se tinha visto livre do totalitarismo nazi e fascista.

Os impérios coloniais governavam dentro de uma bolha. Usavam, exploravam mas não conheciam e não se misturavam os povos sob sua administração. Assim, quando alguma coisa acontecia debaixo do seu nariz, o preconceito e racismo só lhes indicava uma direcção, que era a repressão. Aconteceu em todo o lado e com muitas dezenas de anos de intervalo. O pretenso castigo usado de forma exagerado acaba por ser recebido como justificação para que a violência se instale por todo o lado.

Assim, não era anormal ouvir um soldado chamar filho da puta a um negro e dizer-lhe que era por causa dele que ele para ali tinha ido. Ora o que era mentira, pois os autóctones tinham pegado em armas e revoltando-se contra o poder colonial, que o soldado defendia e representava.
O que quero dizer com isto, é que quem tem o poder dificilmente aprende com isso, se tem os olhos e sentidos abertos, logo os fecha porque a ganância é mais poderosa.
Crescem assim os movimentos iniciados por minorias intelectuais, que são fortemente reprimidas e que dai passam à luta armada.

Os países que foram atingindo a autodeterminação, passaram a servir de abrigo para os activistas, que a partir dai, lançavam ataques aos territórios sobre administração colonial.
Mas a luta dos povos tem avanços e recuos e muitos desses países sofreram golpes de estado, apoiados pelas potências ex-colonizadoras e assim nasce o neocolonialismo. Esses países com atitudes mais ao menos dúbias, acabaram por escorraçar quem o anterior regime apoiou numa inversão valores e politicas, ajudam a formar grupos armados, que passam a ter um papel activo muitas vezes contra os movimentos que tinham reivindicado junto das organizações internacionais o direito à independência da sua terra. É assim o prelúdio das guerras civis, que grassam por todo o continente sem fim à vista, num cortejo de horrores miséria e morte.

Atribui-se hoje como beneficiários dessas hecatombes humanitárias as claques governantais, que em total ausência de escrúpulos rege em proveito próprio o que devia servir para o bem estar do povo. A ambição desmedida, o novo-riquismo, as purgas, infectaram para sempre os dirigentes, que na sua juventude teriam vertido o seu sangue pelo ideal. (a ler "A Geração da Utopia", de Pepetela. para ter uma ideia).
Mas quem são os responsáveis pela continuação da criação de estados falhados, pelo aproveitamento da pilhagem feita à custa de trabalho escravo nas minas de diamantes, ouro, coltan, petróleo etc? Na verdade criticamos os governos africanos, mas não os verdadeiros responsáveis. Quem lhes compra os produtos a preços de miséria e lhes vende armamento para manterem a desestabilização permanente para assim continuarem a retirar dividendos com produtos regados com sangue?

Mediante esse estado de coisas, vai germinando entre saudosistas e preconceituosos, a opinião de que os povos nativos tudo dariam para voltarem para as potências colonizadoras e que se lá continuassem, os países que antes os administravam ou melhor se tem chegado à independência com minorias brancas no poder, então sim, atingiriam o paraíso na terra e que os negros, fornecedores da mão de obra barata, salvo honrosas excepções, estariam hoje todos contentes num regime, que acabaria por ser a separação entre cidade do asfalto e cimento, a da terra batida e a palhota, entre a cidade dos néon e os bairros nativos de duvidosa salubridade, num projecto falhado como se comprovou com a África do Sul e Rodésia. Falhado porque talhado em moldes de separação da comunidade branca e os direitos das outras comunidades, que ainda assim eram divididas por castas e em escalões étnicos.

Numa palavra, sociedade onde um engenheiro negro devia serventia a um servente branco. Uma sociedade onde as crianças brancas eram criadas pelo o carinho dos seus servos negros mas quando cresciam, ficavam tão maus como os pais, rejeitando e não retribuindo o amor que tinha recebido.
Um continente dividido em tempos idos a régua e esquadro pelas potências dominantes, sem qualquer cuidado nem respeito por laços familiares e culturais. Os problemas que persistem nunca serão resolvidos em mais sessenta anos, pois a resolução desses mesmos problemas está sujeito a interesses exteriores de quem não lhes interessa nada que sejam resolvidos.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20924: 16 anos a blogar (8): Outro combate (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)